Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01778/13
Data do Acordão:03/26/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DECISÃO SUMÁRIA
Sumário:I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
II - Se a solução divergente dada no acórdão recorrido à mesma questão suscitada no acórdão fundamento não resulta de divergência de entendimentos jurídicos, mas antes da diversidade das situações fácticas sob apreciação, não se verifica oposição entre ambos que possa justificar e servir de fundamento ao recurso previsto no art. 284.º do CPPT.
III - Para esse recurso apenas relevam decisões judiciais que tenham a qualificação de «acórdãos», isto é, decisões colegiais na definição dada pelo n.º 3 do art. 152.º do CPC, (que corresponde ao anterior art. 156.º, n.º 3), não sendo, por isso, possível invocar como fundamento do recurso um despacho do relator, mesmo que se trate de uma decisão sumária proferida nos termos do art. 656.º do CPC (antigo art. 705.º).
Nº Convencional:JSTA000P17298
Nº do Documento:SAP2014032601778
Data de Entrada:11/27/2013
Recorrente:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P.
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 37/10, e com a decisão sumária do Tribunal Central Administrativo do Sul de 29 de Março de 2011, proferida no processo n.º 4599/11


1. RELATÓRIO

1.1 O “Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.” (adiante Recorrente ou, abreviadamente “Infarmed”) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 19 de Março de 2013 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, invocando que este aresto,

i) na parte em que decidiu o recurso interposto pelo “Infarmed” está em oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 37/10, e

ii) na parte que decidiu o recurso interposto pela sociedade denominada “A…….., Lda.” (adiante Impugnante, Recorrida ou, abreviadamente, “A……), está em oposição com a decisão sumária (Pese embora no requerimento de interposição do recurso o Recorrente tenha identificado essa decisão como acórdão, veio mais tarde (a fls. 2188) e na sequência da notificação que lhe foi efectuada para juntar certidão do acórdão, uma vez que o Juiz Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul não o conseguiu encontrar, corrigir a alegação, dizendo que se tratava de uma decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no art. 705.º do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data.) o Tribunal Central Administrativo do Sul de 29 de Março de 2011, proferida no processo n.º 4599/11.

1.2 Admitido o recurso, a Recorrente apresentou, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 284.º do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados

1.3 O Juiz Desembargador Relator no Tribunal Central Administrativo Sul entendeu existirem as invocadas oposições de acórdãos e ordenou a notificação das partes para deduzirem alegações, nos termos do disposto no art. 284.º, n.º 5 CPPT.

1.4 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

1.ª Encontram-se preenchidos os requisitos de que depende a demonstração da verificação da oposição de acórdãos;
2.ª Ambos os acórdãos – recorrido e “fundamento n.º 1” – versam sobre a questão fundamental de direito de saber se se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
3.ª Enquanto no acórdão recorrido a resposta a essa questão foi negativa já no “acórdão fundamento n.º 1” foi dada resposta positiva;
4.ª Ambos os acórdãos — recorrido e “fundamento n.º 2” – versam sobre a questão fundamental de direito de saber se ocorre défice instrutório e deve haver lugar à inquirição de testemunhas;
5.ª Enquanto no acórdão recorrido a resposta a essa questão foi positiva já no “acórdão fundamento n.º 2” foi dada resposta negativa;
6.ª Abrindo um parêntesis, cabe notar que o acórdão recorrido encerra em si mesmo, quanto aos dois segmentos decisórios, uma evidente contradição na sua fundamentação, porque, por um lado, considerou que o tribunal não tinha de considerar assentes factos considerados não relevantes para a decisão de direito, face a jurisprudência anterior, enquanto, por outro, e apesar de basta jurisprudência anterior em sentido contrário, considerou que deveriam ser apurados todos os factos, incorrendo assim em evidente nulidade;
7.ª Ambos os acórdãos referidos assentam em situações tácticas idênticas, na medida em que, em primeiro lugar, em todos eles está em causa a impugnação de liquidação de tributos
8.ª Em segundo lugar, no que se refere à relação acórdão recorrido e “acórdão fundamento n.º 1.” em ambos está em causa o facto de o tribunal de primeira instância não se ter pronunciado sobre verdadeiras questões devidamente suscitadas pelas partes nos seus articulados e no quadro do litígio (pedido, causa de pedir e excepções), ainda que apenas que com o objectivo de as considerar improcedentes, sendo certo que a resposta a essas questões não se encontrava prejudicada pela resposta dada a outras questões;
9.ª Em terceiro lugar, no que se refere à relação acórdão recorrido e “acórdão fundamento n.º 2” em ambos está em causa o facto de o tribunal de primeira instância não ter procedido à inquirição das testemunhas arroladas pela Impugnante nem ter ordenado a realização das diligências probatórias pela mesma requeridas;
10.ª Os “acórdãos fundamento n.ºs 1. e 2” transitaram em julgado;
11.ª Ambos os acórdãos – recorrido e “fundamento n.º 1” – foram proferidos na vigência do artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário e do artigo 660.º do Código de Processo Civil na redacção de 1996;
12.ª Ambos os acórdãos – recorrido e “fundamento n.º 2” – foram proferidos na vigência dos artigos 13.º, n.º 1, do CPPT e 99.º, n.º 1, da LGT, bem como do artigo 712.º do Código de Processo Civil;
13.ª O acórdão recorrido e os “acórdãos fundamento n.ºs 1 e 2” foram proferidos em processos distintos;
14.ª A oposição entre os acórdãos diz respeito à solução jurídica dada por cada um deles para a mesma questão fundamental de direito.
15.ª Por um lado, porque no acórdão recorrido, considerou-se que não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, enquanto no “acórdão fundamento n.º 1”, foi considerado que se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
16.ª Por outro, porque no acórdão recorrido, considerou-se que ocorre o alegado défice instrutório e que se deve proceder à inquirição das testemunhas, enquanto no “acórdão fundamento n.º 2”, foi considerado que não ocorre o alegado défice instrutório e que é desnecessário proceder à inquirição das testemunhas, por se tratar de questão de direito.
17.ª As soluções jurídicas preconizadas pelos referidos acórdãos fundamento são as mais conformes com o direito, à luz das disposições legais e dos princípios de direito aplicáveis, bem como à luz da Jurisprudência que sobre estas questões tem sido proferida pelos nossos Tribunais Superiores.
18.ª Por isso, na parte em que decide o recurso interposto pelo INFARMED, o douto acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que declare nula a sentença proferida em primeira instância por omissão de pronúncia, na esteira do douto “acórdão fundamento n.º 1”.
19.ª Na parte em que decide o recurso interposto pela Impugnante, o douto acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que considere improcedente o alegado vício de insuficiência de prova, bem como considere desnecessária, para a decisão a proferir, a pretendida produção de prova testemunhal, de resto, como preconizado no douto “acórdão fundamento n.º 2”.

Pelo que, Ilustres Conselheiros, dando provimento ao presente recurso e julgando procedente a oposição de acórdãos ora invocada, bem como revogando ao acórdão recorrido e substituindo-o por outro que decida em termos consonantes com os dois acórdãos fundamento, V. Exas. farão JUSTIÇA e cumprirão a LEI».

1.5 A Recorrida contra alegou, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor:
«
a) Para que se verifique a oposição de acórdãos invocada pela RECORRENTE impõe-se a demonstração de que o Acórdão Recorrido e os Acórdãos Fundamentos perfilharam, de forma expressa e perante a identidade de situações de facto, soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito.
b) Subjacente às decisões proferidas pelo Acórdão Recorrido e pelos Acórdãos Fundamento encontram-se situações de facto substancialmente distintas, sendo que o facto de nos respectivos processos estar em causa a impugnação de liquidação de tributo (conclusão 4, da alegação tendente a demonstrar a existência de oposição de acórdãos apresentada pela Recorrente), é manifestamente insuficiente para que se considere este requisito verificado;
c) No que se refere ao recurso interposto pelo lnfarmed, no acórdão fundamento não está em causa um enquadramento factual em que o Tribunal não tenha decidido com base no fundamento expresso (como sucede no Acórdão Recorrido) de que se está perante um raciocínio lógico e não uma verdadeira questão jurídica que vincule o Tribunal a pronunciar-se sobre a mesma;
d) Com efeito, enquanto no Acórdão Fundamento o Tribunal considerou existir uma questão que não foi objecto de apreciação, no Acórdão Tribunal julgou que todas as questões foram objecto de análise;
e) Não está, pois, verificado o requisito, essencial, de que o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento versem sobre situações de facto substancialmente idênticas;
f) Como é entendimento do Supremo Tribunal Administrativo vertido, designadamente, no Acórdão de 3 de Maio de 2012, proferido no Recurso n.º 337/12, não basta que os acórdãos versem genericamente sobre a mesma questão de direito, devendo resolver questões jurídicas idênticas;
g) Quanto ao Recurso interposto pela Recorrida também não existe identidade factual;
h) No Acórdão Recorrido, o pressuposto da decisão foi o de que a apreciação do mérito do pedido depende da prova que se faça sobre questões factuais concretas invocadas pela Recorrida;
i) No Acórdão Fundamento, o Tribunal considerou que os autos versavam, apenas, sobre questões de direito pelo que a prova testemunhal não assumia relevância;
j) Não se verificam, pois, também neste caso, os pressupostos de que a Lei faz depender a existência de uma situação de “oposição de acórdãos”;
k) Não obstante, não se verifica qualquer omissão de pronúncia geradora de nulidade;
l) Com efeito, nesta situação não se está perante “uma questão que o juiz deva apreciar” (artigo 125.º do Código do Processo e Procedimento Tributário) ou perante uma “questão que tenha sido submetida à sua apreciação” (artigo 660.º do Código Civil);
m) Com efeito, a verdadeira questão submetida para apreciação do Tribunal foi decidida, embora a Recorrente possa não concordar com a decisão proferida;
n) Não há também qualquer défice instrutório (sendo que a matéria de facto não foi objecto de impugnação) na justa medida em que o Tribunal se limitou a não relevar factos que são, manifestamente, insusceptíveis de influenciar a apreciação das questões relevantes;
o) O facto de haver outros processos em curso contra actos de liquidação do tributo em causa, ou o facto de uma associação (a AIC - Associação dos Industriais de Cosmética), representativa de empresas do sector em que se insere a ora Recorrida ter promovido diligências, no plano “político”, para que a “taxa” em discussão fosse abolida ou, pelo menos reduzida, não constituem, juridicamente, factos suspensivos da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo em causa à Recorrida (ou a outros destinatários da tributação em causa), ao abrigo das alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, ou ao abrigo de qualquer outra disposição legal;
p) Em face do exposto, o Acórdão em apreço não merece qualquer censura, não tendo sido violado nem o disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nem o disposto no artigo 660.º do Código de Processo Civil, devendo ser mantido.
q) Igual conclusão se alcança no que se refere à parte do Acórdão recorrido em que é decidido o Recurso interposto pela ora Recorrida;
r) Com efeito, a Sentença proferida em 1.ª instância padece de insuficiência factual – emergente de défice instrutório, relativamente à matéria de facto relacionada com as questões de inconstitucionalidade – por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade – e relativas à violação dos artigos 23.º e 25.º, 28.º e 90.º, do Tratado da Comunidade Europeia, cujas consequências deverão ser as previstas no artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT);
s) Na verdade, as testemunhas em causa, pela posição que ocupam – Presidente da Direcção da Associação dos Industriais de Cosméticos (AIC); e Director Financeiro – estão particularmente habilitadas a depor sobre factualidade constante dos artigos 279.º a 288.º, 312.º, 313.º, 328.º, 330.º, 332.º, 335.º, 347.º, 351.º, 353.º e 354.º da petição inicial de impugnação judicial, cuja demonstração pode – e terá certamente – influência na decisão do processo;
t) Em especial, o seu depoimento será crucial para efeitos de esclarecimento e comprovação dos seguintes factos, essenciais à descoberta da verdade material e boa decisão da causa:
i) o facto de as reais receitas do INFARMED com a taxa sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal não se encontrarem reflectidas sequer de forma aproximada nos relatórios e contas publicadas pelo INFARMED até ao ano de 2005, sendo muito superiores aos valores constantes dos referidos relatórios e contas;
ii) o facto de a produção nacional de produtos cosméticos e de higiene corporal ser extremamente reduzida, representando apenas entre 2% e 3% do mercado português;
iii) o facto de a receita gerada pela taxa sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal ser utilizada principalmente na realização de análises laboratoriais de produtos cosméticos e de higiene corporal de origem nacional;
u) Em face do exposto, a Sentença proferida em 1.ª instância, na parte de que, a ora Recorrida, recorreu é ilegal por insuficiência instrutória e consequente erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 265.º e 511.º, do CPC, e 13.º, 114.º e seguintes do CPPT, pelo que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências deverá o presente recurso ser julgado improcedente, com as necessárias consequências legais».
1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral adjunto emitiu parecer no qual, após enunciar os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos e de analisar detalhadamente os arestos em confronto, concluiu pela inexistência das invocadas oposições com os seguintes fundamentos:
· quanto à primeira oposição invocada, «[…]
Desde logo porque no caso do acórdão recorrido o tribunal considerou que não estava perante a configuração de uma verdadeira questão, mas sim de factos que não eram relevantes para a decisão da questão suscitada e que consistia na verificação da “caducidade do direito de liquidação”.
Com efeito, a impugnante invocou a caducidade do direito de liquidação das taxas sobre a comercialização de produtos de saúde incidentes sobre vendas de produtos cosméticos e de higiene corporal efectuadas no período de 1 de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2001. E a Recorrente alega ter suscitado duas possíveis causas de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação e alegado factos sobre as mesmas, mas o tribunal de 1 instância desconsiderou essa factualidade e não se pronunciou sobre as mesmas. Por sua vez o TCA Sul “considerou que não havia necessidade de incluir essa factualidade na matéria de facto assente, por entender que a matéria da excepção alegada não tinha viabilidade face a jurisprudência, coarctando, assim, a possibilidade de o INFARMED discutir o aspecto jurídico da causa, com base nos factos correctos e relevantes – embora, como se alegou, o mesmo acórdão tenha adoptado procedimento oposto no que respeita ao recurso interposto pela impugnante.”
Ora, a proceder o que é invocado pela Recorrente estaríamos não perante omissão de pronúncia sobre questão por si suscitada, mas sim perante erro de julgamento, por o tribunal não ter conhecido de factos por si alegados e que se mostrariam relevante para decidir a questão da “caducidade do direito de liquidação”. Ou seja, a alegação de factos que supostamente suspendem o prazo de caducidade do direito de liquidação não configura uma questão autónoma da questão da caducidade, e nessa medida só faz sentido levá-los ao probatório se os mesmos assumirem relevância para a decisão dessa questão.
Enquanto no acórdão fundamento a nulidade da notificação da liquidação invocada pela impugnante configura uma verdadeira questão, embora se possa concluir que em sede de impugnação judicial do acto tributário a mesma não assume relevância, por não contender com a legalidade do acto liquidação, mas sim com a sua eficácia e só aquela ser objecto do referido meio processual.
Ou seja, num caso estamos perante factos com repercussão na apreciação de uma questão jurídica e não perante uma questão jurídica autónoma. Enquanto noutro estamos perante uma questão jurídica autónoma, ainda que sem repercussão no destino a dar à acção.
Entendemos, assim, que não se verifica a invocada oposição de acórdãos, por não se verificar a identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto».
· quanto à segunda oposição invocada, «[…]
Em face das duas decisões proferidas no acórdão recorrido e acórdão fundamento conclui-se que, sendo certo que as situações fácticas e as questões suscitadas sejam similares, uma vez que em ambos os processos se questionava a legalidade das denominadas taxas sobre a comercialização de produtos de saúde e sobre produtos de cosmética e de higiene corporal, a divergente solução dada ao recurso por parte do TCA Sul no que diz respeito à invocada “insuficiência da matéria de facto” e “défice instrutório”, prende-se com a apreciação da matéria de facto e não com a apreciação de uma questão de direito ou interpretação divergente da lei.
Enquanto no acórdão fundamento se aborda a referida questão numa perspectiva da caracterização da prestação tributária como imposto sobre o consumo e da relevância da produção de prova requerida nesse âmbito, já no acórdão recorrido, aparentemente (uma vez que nada se esclarece a esse, respeito), censura à decisão recorrida tem a ver com a não admissão da prova testemunhal no sentido de que pode ser apurada factualidade com relevância para a apreciação do juízo de inconstitucionalidade invocado pela recorrente.
Em face do exposto, afigura-se-nos que as divergentes soluções dadas aos recursos pelo TCA Sul não têm subjacente a apreciação da mesma questão de direito, mas sim diferentes abordagens da matéria de facto e enquadramento das questões, motivo pelo qual entendemos que não se mostram reunidos os pressupostos do recurso de oposição de acórdãos previsto no n.º do artigo 284.º do CPPT».
1.7 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros desta Secção do Contencioso Tributário.
1.8 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, das infracções imputadas ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (Embora este preceito legal se refira à «infracção imputada à sentença», é manifesto o lapso, que aliás perpassa também os n.ºs 3, 5 e 6 do mesmo art. 152.º do CPTA, onde se alude a sentença quando se deveria dizer acórdão,que é a denominação legal das decisões dos tribunais colegiais (cfr. art. 156.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, na versão anterior à aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto). Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, nota de rodapé n.º 3 na anotação 44 c) ao art. 279.º, pág. 402.)], sendo as questões a apreciar e decidir relativas à nulidade por omissão de pronúncia, a primeira, e às situações de insuficiência da matéria de facto para a decisão a proferir, a segunda.
* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
O acórdão recorrido efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos e no processo administrativo, consideramos assente a seguinte factualidade:

A) A impugnante é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à comercialização e distribuição de produtos de higiene pessoal e actividades acessórias ou complementares em território nacional e resultou da fusão por incorporação de, entre outras, da B……………………….., Lda. - cf. fls. 167 dos autos;
B) Por deliberação do INFARMED - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento de 10/12/2004 foi ordenada a realização de uma inspecção externa a diversas empresas, entre as quais a impugnante, com vista à recolha de elementos tendentes à liquidação oficiosa das taxas sobre a comercialização de produtos de saúde, composta por uma fase inicial de análise de elementos contabilísticos fornecidos pelos sujeitos passivos no mês de Dezembro de 2004, seguida de inspecção às instalações dos mesmos, a realizar em Janeiro de 2005 - cf. fls. 230 dos autos e 1 e sg do PAT Vol 1;
C) Através do ofício n.º 53075 de 10/12/2004 foi a Impugnante informada, além do mais, que iria ter lugar a inspecção externa, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para a apresentação dos balancetes mensais das contas da classe 7 do Plano Oficial de Contas, devidamente certificadas por Técnico Oficial de Contas, referentes aos exercícios de 2000 a 2003, uma vez que a Impugnante não entregara as declarações mensais de vendas de produtos cosméticos e de higiene corporal, nem efectuara o pagamento das taxas sobre a comercialização de tais produtos de Janeiro de 2000 a Outubro de 2003 – cf. fls. 211 dos autos e 23 do PAT Vol 1;
D) A Impugnante requereu informações complementares que lhe foram facultados através do ofício n.º 57368 de 29/12/2004, onde se invoca a legitimidade do Infarmed para a realização da inspecção com fundamento no artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20/12 – cf. fls. 215 e 225 dos autos e 54 e 65 do PAT;
E) Na mesma data foi remetida “carta aviso”, invocando os termos da alínea l) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT e artigo 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), para notificar a Impugnante do âmbito e extensão da acção inspectiva – cf. fls. 228 dos autos e 68 do PAT;
F) A Impugnante foi notificada em 11/1/2005 de que teria lugar a deslocação dos técnicos do Infarmed às suas instalações a fim de recolher elementos e informações contabilísticas melhor identificadas no ofício n.º 1107 de 10/1/2005 – cf. fls. 287 dos autos e 69 a 71 do PAT;
G) De tal comunicação foi dado conhecimento ao Inspector-geral da Inspecção Geral de Finanças – cf. fls. 77 do PAT;
H) Em Janeiro de 2005 o INFARMED contratou a C………………….” com vista a relatar eventuais desconformidades dos elementos contabilísticos a fornecer pela Impugnante ao Infarmed no âmbito da inspecção referida em E), e reportar as bases de incidência das taxas a cobrar de acordo com as informações recolhidas – cf. fls. 107 do PAT Vol 1;
I) No dia 17/1/2005 teve lugar a deslocação às instalações da Impugnante da equipa de inspecção, com vista à recolha de elementos relativos aos anos de 2000 a 2004 – cf. documentos de fls. 240 a 246 dos autos e 440 a 444 e anexos do PAT Vol 1;
J) Em 24/1/2005 a Impugnante remeteu os documentos em falta, solicitados pela inspecção, informando, além do mais, que pelos seus serviços informáticos foi possível recolher a informação pretendida, isto é, a reconciliação entre o que a empresa considera ser o Valor Líquido de Vendas (Net Proceeds of Sales – NPS) que para todos os efeitos reporta para os seus accionistas (D…… e E…….), e as contas do Plano Oficial de Contabilidade (POC), referindo que “é nossa manifesta convicção de que todos os aspectos (...) referenciados devam ser considerados no computo global do apuramento da respectiva taxa/imposto sobre os produtos cosméticos. Nesse sentido remetem-se mapas anuais referentes aos cosméticos e produtos de higiene corporal (personal care) com base no NPS, detalhado por famílias de produtos – cf. fls. 247 e anexos e fls. 440 a 2584 do PAT Volumes 2, 3, 4, 5 e 6 em particular fls. 446 do vol 2;
K) A Impugnante apurou e indicou os seguintes valores líquidos de Venda (Net Proceeds of Sales – NPS) anuais, que forneceu nos documentos que remeteu ao Infarmed:
AnoNPS
2000€ 51 583 544,00
2001€ 56 477 607,00
2002€ 61 207 321,00
2003€ 63 976 514,00
2004€ 56 947 472,00

Cfr. fls. 448, 451, 452, 457, 460 do vol 2 do PAT;

L) Em 30 de Dezembro de 2005 pela C………………….” foi elaborado um relatório relativo à análise aos elementos contabilísticos recolhidos no âmbito da acção de inspecção realizada pelo Infarmed à Impugnante identificada em E), em que conclui que os montantes anuais sobre os quais deverão incidir as taxas referidas no DL 312/2002 e redacções anteriores são os seguintes”

AnoBaseTaxa (2%)
2000€ 51 583 544,00€ 1 031 670,88
2001€ 56 477 607,00€ 1 129 552,14
2002€ 61 207 321,00€ 1 224 146,42
2003€ 63 976 514,00€ 1 279 530,28
2004€ 56 947 472,00€ 1 138 949,44
€ 5 803 849,16

Cf. fls. 108 do PAT vol 1;

M) Concluiu a referida C……. que o mapa de facturação dos produtos cosméticos e de higiene corporal disponibilizado pela Impugnante para os exercícios de 2000 a 2004 estava concordante com o Valor Líquido de Vendas (Net Proceeds of Sales - NPS) considerado pela impugnante, sobre o qual incide a taxa de 2%, existindo concordância do valor das vendas constantes dos diversos elementos recolhidos (balancetes, Demonstrações Financeiras e Declarações Fiscais) para os exercícios de 2000 a 2003, sendo que para o exercício de 2004 apenas se analisaram os balancetes mensais uma vez que a restante documentação não estava ainda disponível para análise, valores que foram calculados de acordo com a explicação fornecida pela impugnante no ofício que enviou ao Infarmed em 24/1/2005, (cf. alínea J)), não tendo, no entanto procedido à validação dos suportes documentais das respectivas contas consideradas para o cálculo efectuado, uma vez que este teste não figurava no âmbito do relatório contratado - cf. fls. 109 do Vol 2 do PAT;
N) Através de ofícios datados de 4/1/2006 foram remetidos à Impugnante liquidações respeitantes aos anos abrangidos pela acção inspectiva - cf. fls. 289 a 298 dos autos e 146 do vol 2 do PAT;
O) Em 3/2/2006 a impugnante requereu esclarecimentos sobre as referidas liquidações - cf. fls. 299 dos autos e 155 do vol 2 do PAT;
P) Através dos ofícios n.º 11768 a 11772 de 2/3/2006, recebidos em 6/3/2006, foi a impugnante notificada das liquidações oficiosas resultantes da revisão operada pelo Infarmed, por se ter constatado que o volume de vendas considerado nas anteriores liquidações, referidas em N), não correspondia ao resultante das declarações e elementos contabilísticos fornecidos pela Impugnante remetendo-se novas liquidações - cf. fls. 173 a 187 dos autos;
Q) Em tais liquidações oficiosas é indicado como data limite para pagamento voluntário o dia 31 de Março de 2006, invocando-se a não apresentação pela impugnante das declarações de venda de produtos cosméticos e de higiene corporal e a falta de auto liquidação e pagamento da taxa sobre comercialização dos mesmos produtos nos termos do artigo 72.º da Lei 3 -8/2000, de 4 de Abril, relativamente aos anos de 2000 e 2001 e ainda dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro relativamente aos restantes anos - cf. fls. 173 a 167 dos autos;
R) As referidas liquidações tiveram por base as declarações e os elementos contabilísticos obtidos junto da impugnante no âmbito da inspecção referida em B), ao abrigo do artigo 31.º, n.º 1 e 63.º n.º 1 da LGT, que evidenciaram o volume de vendas anual realizado, fundamentando-se nas citadas disposições legais e artigos 35.º, 60.º, n.º 2 e 77.º da LGT, artigo 559.º n.º 1 do CC e das Portarias 263/99 de 12/4 e 291/2003 de 8/4, sendo o seguinte o seu teor:

AnoVolume de vendasTaxaTributo devidoJuros compensatórios
2000€ 51 583 544,002%€1031 670,88€ 306 929,15
2001€ 56 477 607,002%€1129 552,14€ 256 980,85
2002€ 61 207 321,002%€1224 146,42€ 192 811,45
2003€ 63 976 514,002%€1279 530,28€ 124 727,91
2004€ 56 947 472,002%€1138 949,44€ 64 654,88

Cf. fls. 173 a 187

S) No dia 2/5/2006, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra tais liquidações – cf. fls. 172 dos autos e fls. 174 do PAT Volume 1;
T) Através do ofício n.º 54484 de 23/10/2006 foi a impugnante notificada do projecto de decisão, para efeitos de audição prévia que exerceu em 3/11/2006 - cf. fls. 188 e 197 dos autos e 395 e 404 do vol 2 do PAT;
U) Por deliberação de 1/2/2007 foi indeferida a reclamação da impugnante - cf. fls. 171 dos autos e 417 a 436 do vol 2 do PAT;
V) Tal deliberação foi notificada à impugnante através do ofício n.º 10894, datado de 15/2/2007, recebido pela impugnante em 19/2/2007 - cf. fls. 170 dos autos e 437 do vol 2 do PAT;
W) A presente impugnação deu entrada neste Tribunal por via presencial, no dia 5/3/2007 - cf. carimbo aposto a fls. 3 dos autos;
X) A Impugnante efectuou o pagamento de € 2 399 890,41 em 1/2/2006 - cf. fls. 311;
Y) A Impugnante efectuou o pagamento de € 435 062,99 em 31/3/2006 - cf. fls. 326.
Factos não provados
Não se provou que a impugnante tivesse sido notificada do termo da inspecção externa realizada.
Inexistem outros factos não provados com interesse para a decisão da causa».
*
2.2 DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a duas alegadas questões fundamentais de direito que considera terem sido decididas em sentido divergente nos acórdãos em confronto: a nulidade por omissão de pronúncia e a insuficiência factual para a decisão a proferir.
Alega que a primeira questão foi decidida no acórdão recorrido em contradição com o decidido pelo acórdão de 12 de Janeiro de 2011 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 37/10 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011
(https://dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 2 a 6, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ee0159344cc8cbc58025781d004ada97?OpenDocument.), que indicou como acórdão fundamento.
Alega também que a segunda questão foi decidida no acórdão recorrido em contradição com a decisão sumária da mesma Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Março de 2011, proferida no processo n.º 4599/11, que indicou como acórdão fundamento.
Apesar de o Juiz Desembargador que relatou o acórdão recorrido ter proferido, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT, despacho em que admite a existência das alegadas oposições de acórdãos (No sentido de que o relator a que alude o n.º 5 do art. 284.º do CPPT é o do tribunal recorrido vide, por todos, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo o segundo do Pleno da Secção:
- de 19 de Fevereiro de 2003, proferido no processo n.º 26.769, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32210.pdf), págs. 376 a 380, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6e16c69322ac2f6e80256cde0037eb95?OpenDocument;
- de 29 de Outubro de 2003, proferido no processo n.º 1234/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Julho de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32400.pdf), págs. 346 a 349, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b0b6ac6dfb8ee12e80256de9004cc7ae?OpenDocument.), importa verificar se as mesmas ocorrem (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume IV, nota 15 c) ao art. 284.º do CPPT, pág. 482.), pois essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal ad quem de a reapreciar, em conformidade com o disposto no art. 641.º, n.º 5 A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º».) (corresponde ao anterior art. 685.º-C, n.º 5), do Código de Processo Civil (Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.) (CPC).
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.
*
2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

2.2.2.1 O presente processo de impugnação judicial iniciou-se no ano de 2007, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos dos arts 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro, dos quais decorre que a data da entrada em vigor do novo Estatuto ocorreu em 1 de Janeiro de 2004.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos arts. 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de (i) existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
*
2.2.3 QUANTO À PRIMEIRA OPOSIÇÃO INVOCADA
O Recorrente começa por suscitar a oposição do acórdão recorrido, na parte em que conheceu o recurso por ele interposto com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Janeiro de 2011, proferido no processo com o n.º 37/10, sustentando que num e noutro aresto foi decidida a questão da omissão de pronúncia em sentidos opostos.
Vejamos se assim foi:
No acórdão recorrido, depois de se referir qual o entendimento doutrinal e jurisprudencial aplicável em sede de omissão de pronúncia, salientando-se que «[t]rata-se de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ser apreciadas» , sendo que «[r]elativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão e referir se a considera provada ou não provada», concluiu-se que a sentença sob recurso não enfermava da nulidade por omissão de pronúncia que lhe vinha assacada, uma vez que, «tendo o Recorrente/Rte reconduzido o coligido vício, unicamente, a uma ausência de pronúncia sobre matéria de facto, em conformidade com a doutrina vinda de anotar, sem mais, é inviável que se considere preenchido».
Ou seja, no acórdão recorrido considerou-se, em síntese, que o Recorrente tinha reconduzido a invocação da nulidade por omissão de pronúncia da sentença à falta de julgamento sobre matéria de facto que o Recorrente tinha como pertinente para a decisão a proferir (como resulta inequivocamente das conclusões 1.ª e 2.ª das alegações do recurso que deduziu contra a sentença 1.ª A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado, como devia, sobre matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, violando, assim, o n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º daquele Código» e «2.ª Com efeito, a douta sentença recorrida não considerou provados os factos alegados nos artigos 40.º a 42.º da Contestação, apesar de os mesmos terem sido alegados e não terem sido objecto de impugnação pela parte contrária e de relevarem para a boa decisão da causa».), sendo que essa alegação é insusceptível de integrar uma questão para os fins previstos no art. 125.º do CPPT, motivo por que nunca poderia suportar a invocada nulidade por omissão de pronúncia. Apesar disso, tal alegação foi apreciada sob a óptica do erro de julgamento da matéria de facto.
Por seu turno, no acórdão fundamento, o Supremo Tribunal Administrativo considerou, em síntese, que a falta de conhecimento da invocada nulidade do acto de notificação da liquidação impugnada constituía omissão de pronúncia, «pois possuindo o problema colocado os contornos de uma verdadeira questão, havia que apreciá-lo e solucioná-lo, ainda que para o julgar improcedente com o fundamento de se tratar de matéria que não contende com a legalidade do acto tributário impugnado. Só depois dessa pronúncia as partes poderão saber se a questão procede ou improcede e conhecer os fundamentos de tal decisão, optando, então, entre a aceitação do julgado ou a interposição de recurso por erro de julgamento da questão».
Ou seja, no acórdão fundamento considerou-se verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por nesta nada se ter dito, nem sequer para justificar a não apreciação da questão, sobre a invocada nulidade da notificação da liquidação impugnada.
Como é bom de ver, não existe contradição alguma entre o decidido em ambos os arestos a propósito da nulidade por omissão de pronúncia: no acórdão recorrido considerou-se que a alegada falta de julgamento sobre matéria de facto tida pelo Recorrente como pertinente para a decisão a proferir não podia integrar vício formal da sentença por omissão de pronúncia, mas apenas eventual erro de julgamento da matéria de facto; já no acórdão fundamento considerou-se que a sentença recorrida enfermava de nulidade por não se ter apreciado a invocada nulidade da notificação da liquidação do acto impugnado, nem nada se ter dito em ordem a justificar a falta de apreciação desse problema que tinha sido colocado ao Tribunal e que possuía «os contornos de uma verdadeira questão», que cumpria apreciar e decidir.
É, pois, manifesto que, no que toca à primeira questão, não ocorre um dos requisitos específicos para o prosseguimento deste recurso, qual seja a oposição de acórdãos. Sendo certo que em ambos os acórdãos se apreciou a questão da nulidade por omissão de pronúncia, não se verifica divergência de entendimentos jurídicos entre ambos que possa justificar e servir de fundamento ao presente recurso por oposição de acórdãos.
Nessa parte, o recurso será julgado findo por falta dos pressupostos do recurso de oposição de julgados, atento o disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT.
*

2.2.4 QUANTO À SEGUNDA OPOSIÇÃO INVOCADA
O Recorrente suscita também a oposição entre o acórdão recorrido e a decisão sumária da mesma Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Março de 2011, proferida no processo n.º 4599/11, que indicou como “acórdão” fundamento, alegando que a questão da “insuficiência da matéria de facto e défice instrutório” foi decidida por aquelas decisões judiciais de modo divergente.
Desde logo, relativamente a esta segunda questão que o Recorrente pretende seja apreciada por este Supremo Tribunal Administrativo, porque a decisão judicial invocada como suporte da alegada oposição não é um acórdão (denominação que o art. 152.º, n.º 3, As decisões dos tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos».) do CPC, que corresponde ao anterior art. 156.º, n.º 3, reserva para as decisões colegiais), mas uma decisão sumária, proferida pelo relator ao abrigo do disposto no art. 705.º do CPC na redacção em vigor à data Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia» (hoje, corresponde-lhe o art. 656.º). e a que hoje corresponde o art. 656.º, «não é admissível o recurso para o Tribunal Pleno», motivo por que «o recurso deve ser julgado findo», como tem vindo a decidir o Pleno desta Secção (Vide os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 26 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 360/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 10 de Novembro de 2005 (https://dre.pt/pdfgratisac/2005/32410.pdf), págs. 6 a 8, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e8d529b3eafdb57780256faa004e4e6f?OpenDocument;
– de 13 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 77/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/acba1ad6fbaad2a280257c240051979f?OpenDocument.) e é também doutrina sustentada por JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 2 b) ao art. 284.º, págs. 460/461.).
Na verdade, o art. 284.º, n.º 1, do CPPT é inequívoco: o recurso previsto nessa disposição legal é por oposição de acórdãos, sendo que logo no requerimento de interposição de recurso deve o recorrente «indicar com a necessária individualização os acórdãos anteriores que estejam em oposição com o acórdão recorrido».
Assim, se a decisão recorrida não for um acórdão, mas uma decisão sumária proferida nos termos do art. 656.º do CPC (antigo art. 705.º), não é admissível o recurso por oposição de acórdãos, o que bem se compreende porque essa decisão podia ainda ser sujeita à apreciação da conferência, que é o modo normal de funcionamento dos tribunais superiores (cfr. arts. 17.º, n.ºs 1 e 5, e 35.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). Ora, se o interessado prescindiu do direito de solicitar a intervenção da conferência, que lhe assistia nos termos do n.º 3 do art. 700.º do CPC (actual art. 652.º), e assim conseguir que a questão fosse apreciada por acórdão, não faz sentido abrir-se-lhe a possibilidade de recorrer, quando esta seja possível.
Ou seja, a reclamação para a conferência da decisão do relator que julgou sumariamente o recurso ao abrigo do art. 656.º do CPC (antigo art. 705.º), é condição sine qua non para a recorribilidade dessa decisão. Trata-se de uma reclamação necessária para lograr uma decisão susceptível de impugnação por via de recurso – se admissível – já que os tribunais superiores são, por essência, órgãos colegiais.
Como diz FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, a reforma do Código de Processo Civil de 1995/96 «sacrificou a colegialidade, apanágio dos tribunais de recurso, à unipessoalidade com intervenção exclusiva do relator na prática de vários actos jurisdicionais», sendo que «a mais importante novidade é a que consiste na possibilidade do julgamento ser exclusivamente efectuado pelo relator (artigo 705.º). Tudo isto sem prejuízo da reclamação para a conferência da decisão do relator, por iniciativa da parte que se considere prejudicada (artigo 700.º, n.º 3)» (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, Almedina, págs. 208/209.).
É, pois, certo que não é possível interpor recurso de uma decisão sumária proferida pelo relator com fundamento em oposição de acórdãos.
Igualmente, não é possível invocar como fundamento do recurso de um acórdão a oposição entre ele e uma decisão sumária proferida nos termos do art. 656.º do CPC.
É que esta decisão, como deixámos já dito não é um acórdão, não é uma decisão colegial, mas sim singular. E, como tem vindo a afirmar o Pleno desta Secção nos já referidos acórdãos «a decisão sumária não tem o valor de acórdão. Tem, isso sim, se não impugnada, o valor e a força do caso julgado».
Como também aí se tem vindo a dizer, «[o] que está em causa no recurso por oposição de acórdãos é uma antinomia entre acórdãos e não uma antinomia entre um acórdão e uma decisão de um juiz singular», sendo que esse entendimento saiu reforçado com a entrada em vigor, cujo art. 284.º se refere a recurso por oposição de acórdãos, sendo que «[n]ão se prevê no respectivo texto legal o despacho sumário, sendo que, à data da publicação do CPPT, já estava em vigor o citado art. 705º do CPC, sendo crível que um legislador avisado não deixaria de se reportar à decisão sumária do relator (se transitada) como fundamento desse recurso por oposição de acórdãos».
Concluímos assim que o recurso não deveria ter sido admitido, por não ser possível um recurso por oposição de acórdãos entre um acórdão e uma decisão sumária do relator, transitada em julgado, sem intervenção da conferência.
Poderá eventualmente argumentar-se que essa inadmissibilidade não se verifica nos casos em que essa decisão sumária consiste, como a lei permite, em simples remissão para um acórdão anterior, com junção da respectiva cópia. Na verdade, nesses casos em que a decisão sumária é por remissão para um acórdão poderia eventualmente configurar-se a invocada oposição entre o acórdão recorrido e aquele para que se remete na decisão sumária.
O argumento não colhe: se o Recorrente pretendia invocar como fundamento o acórdão para que remeteu a decisão sumária, porque não o fez, ao invés de (num procedimento manifestamente mais complicado) invocar como fundamento essa decisão sumária? Não podemos ignorar que a lei é bem clara ao referir-se a oposição de acórdãos e não a oposição de decisões judiciais.
Aliás, in casu o Recorrente pôde escolher, de entre os vários (7) acórdãos que indicou no requerimento de interposição do recurso (cfr. fls. 2095) que inicialmente indicou, qual deles queria eleger como fundamento, na sequência do convite que para o efeito lhe foi endereçado pelo Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. fls. 2095). E mesmo depois de ter sido novamente notificado pelo Relator para apresentar certidão do acórdão, porque não encontrava o que foi eleito pelo Recorrente como fundamento relativamente à segunda questão (cfr. fls. 2178), podia ter invocado o lapso e indicado um acórdão, designadamente aquele para que a decisão sumária escolhida remete. Ou seja, é inquestionável que o Juiz Desembargador relator observou os deveres que decorrem para o juiz do princípio de cooperação (cfr. art. 7.º, n.º 1, do CPCNa condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio».)) que deve nortear todo o processo, permitindo à Recorrente, por mais do que uma vez, indicar um acórdão como fundamento do recurso, Mas a Recorrente não fez nada disso e preferiu escolher uma decisão sumária para invocar como acórdão fundamento (cfr. fls. 2188).
Deve, pois, arcar com as consequências da sua escolha, tanto mais que se encontra devidamente representado por Mandatário judicial e a tese que subscrevemos não pode ter-se como inesperada, pois não só resulta de mera interpretação declarativa do disposto no art. 284.º do CPPT, como, ao que sabemos, é aceite pela doutrina sem nenhuma reticência.
Por outro lado, não é admissível que os erros das partes imponham ao tribunal, e especialmente à parte contrária, cujos direitos e interesses legítimos merecem igual tutela em face da lei (cfr. art. 4.º do CPC O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais».)), menor segurança no devir processual, desresponsabilizando as partes pelos actos processuais de que lhes cabe a iniciativa: se o Recorrente escolheu como acórdão fundamento uma decisão que não é um acórdão, sibi imputet.
Afigura-se-nos, pois que, no que toca à segunda questão, não ocorre um dos requisitos específicos para o prosseguimento deste recurso, qual seja a oposição de acórdãos, pela simples razão de que não é um acórdão, mas uma decisão sumária proferida nos termos do art. 656.º do CPC, a decisão judicial invocada como fundamento do recurso.
Também nessa parte, o recurso será julgado findo por falta dos pressupostos do recurso de oposição de julgados, atento o disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT.
*
2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
II - Se a solução divergente dada no acórdão recorrido à mesma questão suscitada no acórdão fundamento não resulta de divergência de entendimentos jurídicos, mas antes da diversidade das situações fácticas sob apreciação, não se verifica oposição entre ambos que possa justificar e servir de fundamento ao recurso previsto no art. 284.º do CPPT.
III - Para esse recurso apenas relevam decisões judiciais que tenham a qualificação de «acórdãos», isto é, decisões colegiais na definição dada pelo n.º 3 do art. 152.º do CPC, (que corresponde ao anterior art. 156.º, n.º 3), não sendo, por isso, possível invocar como fundamento do recurso um despacho do relator, mesmo que se trate de uma decisão sumária proferida nos termos do art. 656.º do CPC (antigo art. 705.º).
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, em julgar findo o recurso.

Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 26 de Março de 2014. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Pedro Manuel Dias Delgado – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes.