Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0923/16
Data do Acordão:11/23/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO
Sumário:Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, quer na totalidade, quer numa fracção ou percentagem, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.
Nº Convencional:JSTA00069929
Nº do Documento:SA2201611230923
Data de Entrada:07/15/2016
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPT ART282.
CPC ART737 ART530 ART616.
RCP ART6 N7.
LGT ART3 ART4.
CONST ART2 ART18 ART20.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0574/14 DE 2014/10/29.; AC STA PROC0221/12 DE 2014/10/08.; AC TC 227/07 DE 2007/03/28.; AC TC 421/2013 DE 2013/07/15.; AC STA PROC01319/13 DE 2014/07/09.; AC STJ PROC1319/12.3TVLSB DE 2013/12/12.; AC STA PROC01953/13 DE 2014/05/07.; AC STA PROC01351/14 DE 2014/12/03.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso da sentença proferida no processo de impugnação judicial proferido no processo n.º 2225/07.0BELSB

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……………, S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrente), notificada da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) e juros compensatórios, veio, mediante requerimento de reforma quanto a custas e invocando o disposto nos arts. 616.º, n.º 1, e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), solicitar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede o valor de € 275.000,00, requerimento esse que foi convolado pelo Juiz daquele Tribunal em de interposição de recurso.

1.2 A Impugnante, acedendo ao convite do Juiz nesse sentido, apresentou então requerimento de interposição de recurso da sentença, acompanhado pelas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«1- Como questão prévia, a Recorrente vem suscitar nestas alegações a reforma da Douta sentença proferida quanto a custas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º, n.º 3, do CPC.

2- A Recorrente foi condenada, na Douta sentença recorrida ao pagamento das custas do processo, tendo sido fixado o valor da causa em € 6.978.419,3.

3- De acordo como artigo 6.º, n.º 7, do RCP, na redacção actual dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça devido é considerado na conta a final, sendo que de acordo com o previsto no final da Tabela I, anexa ao RCP, ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”.

4- A taxa de justiça devida pela Recorrente ascenderia assim, apenas em primeira instância, ao montante de cerca de € 83.946,00, o que se afigura desrazoável.

5- Nos termos do artigo 530.º, n.º 7, do CPC, para efeitos de condenação no pagamento da taxa de justiça consideram-se de especial complexidade as acções que contenham articulados ou alegações prolixas, digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, assim como impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise combinada de meios de prova complexos ou a produção de várias diligências de produção de prova morosas.

6- A Recorrente, durante a pendência da acção, agiu sempre de boa-fé, prestando toda a colaboração necessária ao Tribunal, não deduziu qualquer incidente anómalo, nem criou qualquer ocorrência anómala à tramitação dos presentes autos que possam entender-se como autonomizáveis do objecto da acção ora referido, sendo que foi dispensada a produção de prova testemunhal.

7- A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6.º n.º 7 do RCP, surge no contexto de uma alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, estabelecendo que “Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento[(Permitimo-nos corrigir a transcrição da norma, uma vez que nas conclusões, por manifesto lapso de escrita, a Recorrente omitiu um segmento da mesma.)].

8- A possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente é uma faculdade discricionária do juiz do processo, que deve seguir uma lógica de razoabilidade e de moderação, prevista no princípio constitucionalmente consagrado do direito fundamental de acesso aos Tribunais.

9- Considera a Recorrente que se encontram reunidos os pressupostos legais para a respectiva dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

10- Termos em deverá ser aplicado o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, dispensando-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que excede o valor de € 275.000,00, sendo pois reformada a Douta sentença recorrida, quanto à condenação em custas.

Porém, caso Vossas Excelências assim não entendam, o que só por mera hipótese se configura, à cautela sem conceder, sempre se dirá,

11- O recurso é interposto da Douta sentença proferida a fls..., pela 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, na Impugnação que correu termos sob o processo n.º 2225/07.9BELSB, na parte em que não dispensou a Recorrente do pagamento no remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede o valor de € 275.000,00.

12- O valor do recurso deve ser fixado em € 83.946,00 (oitenta e três mil novecentos e quarenta e seis euros), por corresponder ao valor remanescente da taxa de justiça, conforme foi referido no requerimento de interposição de recurso.

13- Dos elementos factuais relevantes constantes dos autos, resulta a evidência de que se encontram reunidos os pressupostos legais para dispensar a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que excede o valor de € 275.000,00.

14- A Recorrente, tendo em consideração o objecto do recurso, dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o teor dos pontos 1 a 10 destas Conclusões.

15- O Tribunal interpreta incorrectamente o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, devendo antes ter feito devida interpretação e aplicação da referida disposição legal e dispensar a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que excede o valor de € 275.000,00.

16- Não o fazendo violou, a Douta sentença recorrida, entre outros, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, a disposição do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.

Nestes termos deverá ser concedido provimento ao presente recurso, sendo reformada a Douta sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, a mesma revogada e substituída por Acórdão que efectue devida interpretação e aplicação do Direito aos factos e, consequentemente, dispense a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que excede o valor de € 275.000,00, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, como é de elementar JUSTIÇA!»

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de considerar que a forma de reacção contra a falta de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é o recurso, entendeu dever ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença na parte recorrida e determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, com a seguinte fundamentação:

«Nos termos do disposto no artigo 6.º/7 do RCP “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
São, designadamente, dois os pressupostos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça:
- A menor complexidade ou simplicidade da causa;
- A positiva atitude de cooperação das partes.
Nos termos do disposto no artigo 530.º/7 do CPC “para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:
- Contenham articulados ou alegações prolixas;
- Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e
- Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova externamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Ora, no caso dos autos parece certo que a acção não é de especial complexidade, nos termos enunciados.
De facto, a recorrida deduziu impugnação judicial da liquidação adicional de ISP relativo a fornecimentos de 2006 e 2007,
Houve regular contestação por parte da Fazenda Pública.
A recorrente apresentou resposta à excepção e pedido de suspensão da instância.
Por despacho de 30/11/2011, foi determinada a suspensão da instância até trânsito em julgado da decisão a proferir na AAE 140/07.4BELSB, do qual a recorrente interpôs recurso que foi rejeitado por despacho de 23/07/2012.
Por despacho de 18/02/2014 foi dispensada a produção de prova testemunhal.
Apenas a impugnante apresentou alegações nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT.
Emitido parecer pelo MP foi proferida a decisão sindicada, que julgou procedente a impugnação judicial.
Não foi suscitado qualquer incidente dilatório e a conduta das partes foi, processualmente, positiva e correcta.
A questão controvertida tem a ver com a legalidade da liquidação adicional de ISP relativo a fornecimentos de 2006 e 2007.
Embora a acção não seja de especial complexidade, também se nos afigura que não é uma acção particularmente simples, como se vê do teor da sentença recorrida, que contém um longo probatório e são analisadas e decididas várias questões de direito atinentes aos vícios imputados pela recorrente aos actos tributários sindicados.
Propendemos, pois, a concluir que a presente acção revela um grau de dificuldade que ronda a média.
A acção tem o valor de € 6.978.419,3.
Como bem refere a recorrente, a taxa de justiça devida em 1.ª instância ascenderia a € 83.946,00.
Ora, tal montante, em nosso entendimento, é, manifestamente, desproporcional face ao concreto serviço prestado pelo tribunal, podendo, até, ofender os princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais e da proporcionalidade decorrentes do estatuído nos artigos 20.º 2.º e 18.º/2 da CRP.
A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, aproveita a ambas as partes (RCP, anotado, 2013, 5.ª edição, Almedina, página 201, Salvador da Costa)».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

As circunstâncias processuais a atender resultam da consulta dos autos.

2.2 DE DIREITO

2.2.1 DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Nos presentes autos, foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, fixou o valor da causa em € 6.978.419,30 e condenou a Impugnante nas custas.
Notificada dessa sentença, a Impugnante veio pedir a reforma quanto a custas, requerendo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, entendendo que o meio processual adequado ao pedido formulado era o recurso judicial, e não o pedido de reforma da sentença, procedeu à convolação do requerimento de reforma da sentença em requerimento de interposição de recurso e convidou a Impugnante a «aperfeiçoar o requerimento em consonância com o disposto nos artigos 282.º, n.º 1, do CPPT e 737.º, n.º 1, do CPC».
Na sequência desse convite, a Impugnante apresentou requerimento de interposição de recurso, o qual foi admitido, bem como apresentou as respectivas alegações, rematadas com as conclusões que transcrevemos em 1.2.
Nos termos dessas alegações, a Impugnante sustenta que o valor da taxa de justiça em 1.ª instância ascenderia a € 83.496,00, valor que se lhe afigura «desrazoável», uma vez que a definição da especial complexidade das acções, para efeitos de condenação em custas, é a que consta do art. 530.º, n.º 7, do CPC («7- Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».), que, ao longo de todo o processo, assumiu um comportamento processual não merecedor de censura e que foi dispensada a produção da prova testemunhal.
É certo que a Impugnante discorda da convolação do pedido de reforma em requerimento de interposição de recurso, continuando a sustentar ser o pedido de reforma a forma processual adequada para pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mas essa questão da adequação da forma processual escolhida deve ter-se por ultrapassada. Isto porque a Impugnante se conformou com o despacho que convolou o pedido de reforma em requerimento de interposição de recurso, pois não só não reagiu contra ele – como poderia ter reagido mediante a interposição de recurso –, como inclusive, acedeu ao convite para corrigir o requerimento apresentado em ordem a ajustá-lo aos requisitos formais respeitantes à interposição de recurso.
Assim, a questão deixou de ter relevância, havendo agora que apreciar e decidir a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, independentemente da correcção ou não do meio processual utilizado (Com interesse sobre a questão, e admitindo que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apenas pode ocorrer após a sentença «nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene nas custas, cfr. artigo 616.º do CPC, mas sempre antes da elaboração da conta», vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 574/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3395 a 3401, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/be0946cd55deb51d80257d8500322e67.).

2.2.2 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Pediu a Recorrente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, afigura-se-nos insustentável a defesa da menor complexidade da causa que, em verdade, nem a Recorrente ensaiou, pois apenas se limitou a reproduzir o enunciado do art. 530.º, n.º 7, do CPC, mas sem nunca afirmar expressamente que a impugnação judicial não constitui uma acção de especial complexidade. A presente impugnação judicial exigiu do Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa a fixação de matéria de facto provada que, na ordem alfabética a que foi subordinada atingiu a alínea HHH), espraiando-se ao longo de 14 páginas, bem como exigiu o tratamento de questões jurídicas diversas e que não podem considerar-se de complexidade inferior à média, antes pelo contrário.
Também no que respeita à simplificação da tramitação processual, seja em razão da específica situação processual, seja pela conduta processual das partes, que se limitou ao que lhes é exigível e legalmente devido, também não descortinamos motivo para a requerida dispensa.
No entanto, há que ter em conta que o valor da taxa de justiça em 1.ª instância ascenderia a € 83.496,00. Na verdade, à causa foi atribuído o valor de € 6.978.419,30, o que significa que, de acordo com o disposto nos arts. 6.º, n.ºs 1 e 6, do RCP, a ora Recorrente terá pago 16 UC de taxa de justiça, ou seja, € 1.632,00 e o remanescente totaliza € 82.314,00 (€ 6.978.419,30 – € 275.000,00 = € 6.703.419,30; € 6.703.419,30 / 25.000,00 = 268,136772; 269 x (3 x € 102) = € 82.314,00).
Este valor de taxa de justiça, num total de € 83.496,00, afigura-se-nos desproporcionado em face do serviço prestado. Na verdade, não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.
É certo que, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar (Nesse sentido, a título exemplificativo e com citação de numerosa jurisprudência, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 221/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3183 a 3188, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/251bdf3381d62ed580257d730037ac0d.), não se exige uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço, que, as mais das vezes, nem seria viável apurar com rigor. Assim, como afirmou já o Tribunal Constitucional, o legislador dispõe de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»; mas, como logo advertiu o mesmo Tribunal, é necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (Cfr. os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- de 28 de Março de 2007, com o n.º 227/2007, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 98, de 22 de Maio de 2007 (https://dre.pt/application/file/2065744), págs. 13633 a 13641, também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070227.html;
- de 15 de Julho de 2013, com o n.º 421/2013, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 200, de 16 de Outubro de 2013 (https://dre.pt/application/file/1457219), págs. 31096 a 31098, também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130421.html.).
Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
Note-se, aliás, que foi para obviar à violação desses princípios constitucionais que o art. 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, aditou ao art. 6.º do RCP o n.º 7, que veio permitir (poder-dever) que se atenda ao referido limite máximo de € 275.000,00 e a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas situações também já referidas (Para maior desenvolvimento, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1319/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Outubro de 2015 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32230.pdf), págs. 2591 a 2593, também disponível http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b9dbbe59c0cd923880257d16002f0290.
Como nesse aresto ficou dito, «No acórdão n.º 421/2013, de 15/7/2013, processo n.º 907/2012, in DR, 2.ª série - n.º 200, de 16/10/2013, pp. 31096 a 31098, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, as normas contidas nos arts. 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/4, (anteriormente, portanto, à alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/2) quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Neste mesmo sentido se decidira já nos acs. desta Secção do STA, de 31/10/12 e de 26/4/2012, nos procs. n.ºs 0819/12 e 0768/11, respectivamente».).
É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.
Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a simplicidade formal da tramitação dos autos (A tramitação da impugnação judicial seguiu a seguinte marcha: petição inicial, contestação, dispensa da prova testemunhal oferecida, alegações escritas, parecer do Ministério Público, sentença, pedido de reforma, convolação do pedido de reforma em recurso, requerimento de interposição do recurso, admissão do recurso e sua remessa ao tribunal ad quem.) e o comportamento processual da ora Recorrente, mas também o elevado valor da causa (quase 7 milhões de euros) e a utilidade económica dos interesses a ela associados (25 vezes superior ao referido patamar de € 275.000), a complexidade da relação material controvertida – que exigiu o julgamento de vasta matéria de facto e de várias questões de direito –, considera-se adequado dispensar a Recorrente do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000, apenas sendo, deste modo, devido pela Recorrente, para além das 16 UC já pagas, o valor de 10% do dito remanescente.
Note-se, finalmente e justificando a dispensa parcial, que a norma do citado n.º 7 do art. 6.º do RCP, referindo apenas a dispensa, deve ser interpretada no sentido de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (Sobre a questão, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/548e998f5426206780257c4500596f1c.
Admitindo a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça e também decidindo nesse sentido, respectivamente, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1953/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1635 a 1643, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/08669054164750cc80257cd600455a0e;
- de 3 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1351/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 4117 a 4126, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/928de9796124623280257dc8004e1289.).
Assim, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP, e deferindo parcialmente a pretensão da ora Recorrente, reduziremos em 90% o montante do remanescente da taxa de justiça a pagar.

2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, quer na totalidade, quer numa fracção ou percentagem, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, dispensar a Impugnante do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa.

Sem custas, uma vez que a Recorrida não contra-alegou


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Lisboa, 23 de Novembro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.