Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0196/13
Data do Acordão:02/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
TRANSMISSÃO MORTIS CAUSA
LEGITIMIDADE
HERANÇA INDIVISA
Sumário:I - Sendo certo que as obrigações tributárias se transmitem em caso de morte (cfr. art. 29.º, n.º 2, da LGT), antes de efectuada a partilha a responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias do de cujus é exclusivamente da herança (cfr. art. 2097.º do CC), que constitui um património autónomo, e não de qualquer dos herdeiros.
II - A citação a que alude o art. 155.º, n.ºs 3, alínea b) e 4, do CPPT destina-se apenas a chamar à execução fiscal a herança (assegurando a legitimidade passiva após a morte do devedor originário), podendo ser efectuada na pessoa do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiro, consoante esteja já a correr ou não inventário.
III - Essa citação não constitui meio de efectivar a responsabilidade dos herdeiros pela dívida exequenda, a qual só poderá resultar da partilha, e, por isso, não serve para exigir a qualquer deles a totalidade ou sequer uma parte da dívida exequenda, ainda que proporcional à sua quota hereditária.
IV - Na herança indivisa não há pluralidade de devedores, que só pode surgir com a partilha, sendo que só depois desta efectuada cada um dos herdeiros passa, em princípio, a responder pela quota-parte da dívida correspondente à proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (art. 2098.º, n.º 1, do CC), com o limite das “forças da herança” (art. 2071.º do CC).
V - Não se demonstrando que foi efectuada a partilha, pode o herdeiro que foi citado na qualidade de herdeiro para pagar “a parte da dívida exequenda proporcional à sua quota hereditária” opor-se com fundamento em falta de responsabilidade, que integra o fundamento previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00068589
Nº do Documento:SA2201402120196
Data de Entrada:02/08/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPT ART155 N3 B N4 2PARTE ART204 N1 ART166 B ART168 N1.
CC ART2071 ART2097
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC018549 DE 1995/05/31.; AC STA PROC019644 DE 1999/09/22.; AC STA PROC0485/13 DE 2013/05/15.
Referência a Doutrina:RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA - LIÇÕES DE DIREITO DAS SUCESSÕES VOLII PAG113.
JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLIII PAG452 PAG84-85.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 2355/07.7BEPRT


1. RELATÓRIO

1.1 A……………… (adiante Oponente ou Recorrida) deduziu oposição à execução fiscal que, instaurada contra B………….. para cobrança de dívidas de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2001 e de Contribuição Autárquica dos anos de 1999 a 2002 e acrescido, do valor global de € 48.603,79, prossegue contra ela após ter sido citada «nos termos do n.º 4 do art. 155.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e na qualidade de herdeira» do executado, para efectuar «o pagamento da importância de € 16.201,26, valor que se considera ser igual [(Por certo queria dizer-se proporcional onde se disse igual.)] à quota hereditária».
Pediu a extinção da execução fiscal com diversos fundamentos, dos quais ora nos interessa considerar apenas (A Oponente invocou também a falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade e a nulidade de todo o processo executivo por irregularidade insanável do título executivo, mas, nessa parte, a sentença transitou em julgado.) a invocada “ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o sucessor legítimo para a presente execução”, por erro nos pressupostos do seu chamamento à execução, em face do art. 155.º do CPPT, porquanto, não tendo ainda havido partilha nem habilitação de herdeiros quando foi citada, aquela norma impõe a citação do cabeça-de-casal ou qualquer dos herdeiros para pagar toda a dívida, e, desta forma, “a citação da oponente para pagar a sua quota-parte da dívida é ilegal por falência dos seus pressupostos substantivos”, fundamento que a Oponente subsumiu à alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.2 A Juíza do Tribunal Tributário do Porto julgou a oposição procedente e decretou «a extinção da execução contra a Oponente». Considerou, em resumo e na parte que ora nos interessa considerar, que «a oponente à data da citação não era responsável pelas dívidas tributárias do executado originário uma vez que não tendo havido partilhas, nem quota hereditária, a responsabilidade será da herança indivisa» e, portanto, que «a oponente é parte ilegítima para a execução».

1.3 Inconformada com a sentença, a Fazenda Pública interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, as partes que no original surgiam em itálico figurarão em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pelos autores.):
«
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 04.10.2012 pelo Douto Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida contra a execução em que a oponente, enquanto sucessora mortis causa do devedor, foi citada nos termos do art. 155.º, n.º 4, do CPPT, para efectuar “o pagamento do que proporcionalmente lhe competir na dívida”, conforme despacho do Chefe do Serviço de Finanças onde corre a execução.

B. A presente oposição à execução, foi deduzida, com base, entre outros fundamentos, em “ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o sucessor legítimo para a presente execução”, por erro nos pressupostos do chamamento da oponente à execução, em face do art. 155.º do CPPT, porquanto, não tendo havido partilha nem habilitação de herdeiros ao tempo da citação da oponente, aquele normativo manda citar o cabeça-de-casal ou qualquer dos herdeiros para pagar toda a dívida, e, desta forma, “a citação da oponente para pagar a sua quota-parte da dívida é ilegal por falência dos seus pressupostos substantivos”.

C. A douta sentença recorrida, decidiu no sentido da procedência da questão suscitada, dado que “a oponente à data da citação não era responsável pelas dívidas tributárias do executado originário uma vez que não tendo havido partilhas, nem quota hereditária, a responsabilidade será da herança indivisa” e, portanto, que “a oponente é parte ilegítima para a execução”.

D. Com o assim decidido não pode a Fazenda Pública, respeitosamente, conformar-se.

E. É indubitável que, conforme admite o n.º 1 do art. 153.º do CPPT, podem ser executados no processo de execução fiscal os sucessores mortis causa do devedor constante do título executivo, tendo legitimidade passiva para que o prosseguimento do PEF se faça contra os mesmos, após habilitação sumária para esse efeito, de acordo com os arts. 155.º e 168.º do CPPT.

F. Sendo certo que, ao tempo da citação da oponente, bem como da dedução da oposição, não tinha havido partilha nem habilitação de herdeiros, e a herança encontrava-se indivisa, impunha-se a citação do cabeça de casal, caso estivesse pendente inventário, ou caso não estivesse, a citação de qualquer dos herdeiros para pagar toda a dívida, sob cominação de penhora de penhora em quaisquer bens da herança, conforme o art. 155.º, n.º 3, al. b), e n.º 4, 2.ª parte, do CPPT.

G. Ora, no caso sub judice, não se pode formular um juízo de não responsabilidade, ou sequer de ilegitimidade, da oponente para a execução, nomeadamente com base nas asserções constantes dos dois últimos parágrafos do título V. da sentença recorrida porque, se bem que citada por valor inferior ao qual potencialmente responderia, não tendo havido partilhas, essa circunstância, por si só, não retira legitimidade à oponente para a execução.

H. Não tendo sido efectuada a partilha, nem tendo sido alegado pela oponente estar a decorrer inventário, antes conformando-se com a base factual em que se deu a citação, a oponente não deixa de ser responsável nem parte legítima na execução para a qual foi citada.

I. Tal erro de julgamento de direito afecta a valia intrínseca da sentença recorrida, e deve, salvo melhor opinião, determinar a revogação da decisão recorrida porque, se a oponente era parte legítima para responder por toda a dívida, também o era para responder por quantia inferior.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida».

1.5 A Oponente não contra alegou.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação (Por facilidade de exposição, as notas de rodapé serão transcritas no próprio texto, entre parêntesis rectos.):

«Nos termos do estatuído no artigo 2097.º do Código Civil (CC) a herança enquanto se mantiver indivisa, constitui um património autónomo quer pode ser directamente responsabilizado pelas respectivas dívidas.
Após a partilha mantém-se a autonomia patrimonial, em relação ao património dos herdeiros mas cada um deles só pode ser responsabilizado pelos encargos da herança em proporção da quota que lhes tenha cabido na herança, nos ternos do disposto no artigo 2098.º/1 do CC.
Como resulta do probatório, em consequência do falecimento do executado não ocorreu partilha dos seus bens.
Não obstante a oponente/recorrida foi citada, na qualidade de herdeira, nos termos do estatuído no artigo 155.º/4 do CPPT, para efectuar o pagamento de € 16.201,26, um terço da quantia exequenda, valor que a AT considera equivalente à pretensa quota hereditária.
Ora, antes da partilha quem responde pela dívida tributária exequenda é o património autónomo que a herança indivisa constitui, sendo certo que nos termos do disposto no artigo 155.º/3/ b)/4, deve ser citado o cabeça de casal ou qualquer herdeiro, consoante esteja ou não a correr inventário, para pagar toda a dívida sob cominação de penhora em quaisquer bens da herança.
Portanto, a citação feita à recorrida para pagar montante equivalente a inexistente quota da herança do executado é ilegal e consubstancia, salvo melhor juízo, o fundamento de oposição à execução previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
De facto, inexistindo partilha/quota hereditária, a responsabilidade pelo pagamento da obrigação tributária exequenda é da herança indivisa/património autónomo, para o que se impõe a citação do cabeça de casal ou de qualquer herdeiro, consoante esteja ou não a correr inventário, sob cominação de penhora em quaisquer bens da herança, não sendo a recorrida responsável pelo pagamento do montante de € 16.201,26.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 2097.º do Código Civil 1 [1 Código Civil, anotado, Coimbra editora, volume VI, página 160] “…Por um lado, não é correcto falar de responsabilidade solidária da herança antes da partilha, porque a solidariedade pressupõe uma pluralidade de devedores, com responsabilidade de cada um deles pelo cumprimento da prestação integral (art. 512.º, n.º 1), enquanto na herança indivisa não há pluralidade de devedores; e quando com a partilha da herança, nasce a pluralidade de devedores, cada um deles passa a responder apenas, em princípio, pela quota-parte da dívida correspondente à proporção da sua quota hereditária”.
Portanto, a recorrida não é responsável pelo pagamento de 1/3 da quantia exequenda nem é individualmente responsável pelo pagamento da prestação integral, sendo, pois, parte ilegítima na execução».

1.7 Foi dispensada a vista dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal a quo fez errado julgamento ao julgar procedente a oposição à execução fiscal com fundamento na ilegitimidade decorrente da falta de responsabilidade da Oponente pela dívida exequenda, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se, antes da partilha, podia ser chamada à execução como herdeira, como foi, para responder pela dívida exequenda, ainda que “em parte correspondente à sua quota hereditária”.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos, sendo que foi dividido em dois blocos, o primeiro para conhecimento de uma questão incidental e o segundo para apreciação do mérito:

«Importa antes de mais fixar os seguintes factos:

1) O processo executivo n.º 11901200301023209 e aps. foi instaurado contra B….…, por dívidas de IRS de 2001 e Contribuição Autárquica de 1999 e 2000 no valor de 39.576,76 €, cfr. fls. 35 dos autos.

2) O executado originário faleceu em 05/01/2005, cf. fls. 19 dos autos.

3) A oponente foi citada no processo executivo supra identificado, na qualidade de herdeira, em 11/09/2007.

4) A presente oposição deu entrada em 12/10/2007, no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia [(Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita (cfr. art. 249.º do Código Civil e art. 146.º do Código de Processo Civil): escreveu-se Maia onde se queria dizer Vila Nova de Gaia.)]».

«Com interesse para a discussão do mérito da causa, dos elementos contidos nos autos, documentos, informações oficiais, encontra-se assente porque provada a seguinte factualidade, além da supra enumerada.

A. Perante o falecimento de executado não ocorreu partilha de bens (facto admitido por acordo cf. artigos 83 da P.I. e 6 da contestação).

B. A oponente foi citada para a execução nos seguintes termos:

“Fica por este meio citada, nos termos do n.º 4 do art. 155.º do Código do Processo e Procedimento Tributário e na qualidade de herdeira de B………… executado no processo em epígrafe, para no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir do dia seguinte à assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento da importância de € 16.201,26, valor que se considera ser igual à quota hereditária (...)”, cf. fls. 54 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal em que se verificou o falecimento do executado, o órgão da execução fiscal citou a ora Recorrida «nos termos do n.º 4 do art. 155.º do Código do Processo e Procedimento Tributário e na qualidade de herdeira […do] executado no processo […] para no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir do dia seguinte à assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento da importância de € 16.201,26, valor que se considera ser igual à quota hereditária (...)”». Note-se que a dívida exequenda e o acrescido ascendiam a 48.603,79.
A citada deduziu oposição à execução fiscal invocando, para além do mais que ora não importa considerar, a sua ilegitimidade (substantiva) por não poder ser responsabilizada por parte alguma da dívida exequenda uma vez que, à data em que foi citada, ainda não tinha sido feita a partilha da herança do de cujus.
A sentença acolheu a posição da Oponente: considerando, em resumo, que «a oponente à data da citação não era responsável pelas dívidas tributárias do executado originário uma vez que não tendo havido partilhas, nem quota hereditária, a responsabilidade será da herança indivisa» e, portanto, que «a oponente é parte ilegítima para a execução». Concluiu, decretando a extinção da execução fiscal quanto à Oponente.
A Fazenda Pública recorre dessa sentença para este Supremo Tribunal Administrativo.
Se bem interpretamos a motivação do recurso, a Recorrente aceita que, ao tempo em que foi efectuada a citação, não tinha havido partilha e que a herança se encontrava indivisa; no entanto, entendeu que, porque podia ser citado o cabeça-de-casal ou qualquer herdeiro para pagar toda a dívida, sob cominação de penhora em quaisquer bens da herança, conforme o art. 155.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4, 2.ª parte, do CPPT, não se pode formular um juízo de não responsabilidade, ou sequer de ilegitimidade, da Oponente para a execução, «porque, se a oponente era parte legítima para responder por toda a dívida, também o era para responder por quantia inferior».
Assim, como deixámos dito em 1.8, a única questão de que ora cumpre ocuparmo-nos é a de saber se na sentença foi feito julgamento correcto quando aí se considerou que a Oponente não pode ser responsabilizada nos termos em que o foi.


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2.2.2 DA RESPONSABILIDADE PELA DÍVIDA EXEQUENDA

Como resulta do disposto no n.º 2 do art. 29.º da Lei Geral Tributária As obrigações tributárias originárias e subsidiárias transmitem-se, mesmo que não tenham sido ainda liquidadas, em caso de sucessão universal por morte, sem prejuízo do benefício do inventário».) (LGT), as obrigações tributárias (originárias ou subsidiárias e mesmo que ainda não tenham sido liquidadas (A obrigação tributária surge no momento da verificação do facto tributário, como decorre dos termos dos arts. 36.º, n.º 1, e 48.º, n.º 1, da LGT, não relevando para o efeito a liquidação do imposto, que apenas torna a obrigação tributária certa e exigível.) não se extinguem com a morte do devedor e, ao invés, transmitem-se aos seus sucessores (sucessão mortis causa), com o limite intra vires hereditatis, isto é, apenas dentro das forças da herança (cfr. art. 2071.º do CC 1 - Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.
2 - Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos».)).
Com o decesso do sujeito passivo de uma obrigação tributária, a respectiva dívida tributária, que integrava a esfera jurídica patrimonial do de cuius, deverá integrar a herança.
Até à partilha, os bens da herança respondem colectivamente pelos encargos da mesma (art. 2097.º do CCOs bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos».)). «A herança indivisa é uma universalidade composta por património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e que nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão desses bens» (Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, págs. 113.).
Assim, enquanto a herança não for partilhada, o pagamento da dívida tributária cumprirá à herança e apenas a esta (nunca a qualquer dos herdeiros).
Só com a partilha essa responsabilidade pelos encargos da herança se transfere para cada um dos herdeiros em proporção igual à da quota que lhe tenha cabido na herança Efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança».), mas sempre, como dissemos já, dentro dos limites da força da herança.
No caso sub judice está demonstrado que o devedor originário faleceu no decurso da execução fiscal e que a herança aberta pelo seu óbito não foi ainda partilhada. Por isso, o pagamento da dívida exequenda só poderá ser exigido à herança e já não à ora Recorrida, que não figura no título executivo e não é responsável pela dívida exequenda.
Verifica-se, pois, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT 1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
[…]
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida».), uma vez que a Oponente não figura no título nem é responsável, pelo menos por ora, pela dívida exequenda ou por qualquer parte da mesma. Temos, pois, que concluir pela ilegitimidade substantiva (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, nota de rodapé com o n.º 1 da anotação 10 ao art. 204.º, pág. 452, que refere a diferença entre a legitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda, e a legitimidade processual, decorrente do interesse directo em contradizer a pretensão do exequente (cfr. art. 31.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).) da Oponente.
Foi nesse sentido que decidiu a sentença recorrida e, por isso, não merece censura.
Há, no entanto, que fazer um pequeno reparo relativamente ao efeito jurídico decretado na sentença, que, a nosso ver, deverá ficar-se pela absolvição da Oponente do pedido e não ser de extinção da execução fiscal quanto à Oponente. Na verdade, o facto de a Oponente, à data da citação, não poder ser chamada como responsável pela dívida exequenda, não significa que no futuro não o possa ser, se for efectuada a partilha, nos termos e com os limites que deixámos já referidos.
Assim, a nosso ver, será mais curial, ao invés de julgar extinta a execução no que respeita à Oponente – o que impediria que voltasse a ser chamada à execução fiscal –, absolvê-la do pedido, o que não obstará a que ulteriormente, se eventualmente for efectuada a partilha, lhe possa ser exigido o pagamento a título de sucessora, uma vez que o caso julgado se cingirá à sua responsabilidade enquanto sucessora antes da partilha (cfr. art. 581.º do Código de Processo Civil).


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2.2.3 DA LEGITIMIDADE DA OPONENTE

Sustenta a Recorrente que, uma vez que a ora Recorrida podia ser citada para pagar toda a dívida, sob cominação de penhora de penhora em quaisquer bens da herança, conforme o art. 155.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4, 2.ª parte, do CPPT, não se pode formular um juízo de não responsabilidade, ou sequer de ilegitimidade, da Oponente para a execução, «porque, se a oponente era parte legítima para responder por toda a dívida, também o era para responder por quantia inferior».
Salvo o devido respeito, a Recorrente labora em erro quando, alicerçada na legitimidade de qualquer herdeiro para figurar no lado passivo da execução fiscal enquanto a herança não está partilhada nem está a correr inventário, pretende sustentar a responsabilidade da Oponente pela dívida exequenda, ainda que em parte proporcional à da sua eventual quota-parte da herança.
Vejamos:
Se o sujeito passivo falecer no decurso de um processo de execução fiscal para cobrança coerciva da obrigação tributária e no qual ocupava a posição de executado, devem os seus sucessores ser habilitados nos termos dos arts. 155.º, 166.º, n.º 1, alínea b) e 168.º, todos do CPPT, os quais asseguram a legitimidade passiva destes para intervenção no processo de execução. Em termos simples, e como consigna o art. 155.º do CPPT,
a) tendo-se verificado a partilha da herança, cada herdeiro será citado para pagar o que proporcionalmente lhe competir na dívida exequenda;
b) se não se tiver efectuado ainda a referida partilha, citar-se-á, consoante esteja ou não a correr inventário, o cabeça-de-casal ou qualquer dos herdeiros para pagar toda a dívida, sob cominação de penhora em quaisquer bens da herança.
Se, por outro lado, antes da instauração de uma execução fiscal se verificar que a pessoa cujo nome figura no título executivo faleceu, deve tal execução ser dirigida contra os sucessores do falecido, cumprindo-se igualmente o previsto no art. 155.º do CPPT.
Regulamenta-se, assim, a legitimidade passiva para o processo de execução fiscal: este é instaurado, com base num título executivo, contra o devedor originário da dívida exequenda (a pessoa que figura nesse título), mas, caso se constate que essa pessoa, cujo nome figura no título faleceu, a execução é então dirigida contra os seus sucessores de harmonia com o preceituado no art. 155.º do CPPT.
Se quem deve efectuar a citação do devedor originário constatar que ele faleceu, prestará informação, (i) indicando se a partilha se efectuou ou não; na positiva, (ii) indicando também quem são os herdeiros e quais são as respectivas quotas hereditárias dos herdeiros; na negativa, (iii) indicando também quem são os herdeiros, caso sejam conhecidos, e se está pendente inventário (n.º 3 do art. 155.º do CPPT).
Como dispõe também o art. 155.º do CPPT, caso a partilha tenha sido já efectuada, o chefe do serviço de finanças onde corre termos a execução ordenará a destrinça da responsabilidade de cada um dos herdeiros relativamente à quantia exequenda (n.º 1), sendo processadas guias ou documentos equivalentes, em triplicado, relativamente a cada um dos herdeiros e na medida das respectivas responsabilidades (n.º 2), ordenando-se a citação de cada um dos herdeiros para pagar o que proporcionalmente lhe competir na dívida exequenda (n.º 4).
Se a partilha ainda não se tiver efectuado, há que distinguir, nos termos do n.º 4 do art. 155.º do CPPT, consoante esteja ou não a correr inventário: se estiver a correr processo de inventário, será citado o cabeça-de-casal para pagar toda a dívida exequenda, sob a cominação de penhora em quaisquer bens da herança; se não estiver a correr inventário, a citação pode fazer-se em qualquer dos herdeiros, também sob a mesma cominação de penhora em quaisquer bens da herança.
A prestação da informação referida no n.º 3 do art. 155.º do CPPT consubstancia, portanto, uma forma simplificada de operar a habilitação dos herdeiros para efeitos do processo de execução (arts. 166.º, alínea b), e 168.º, n.º 1, do CPPT).
No caso e salvo o devido respeito, o órgão da execução fiscal não fez a melhor interpretação das normas em referência. Na verdade, após ter verificado o falecimento do executado e porque ainda não tinha havido lugar à partilha da herança, impunha-se-lhe que indagasse quem eram os herdeiros e se estava ou não a correr inventário.
A citação da Oponente ao abrigo do n.º 4 do art. 155.º do CPPT, que foi o invocado na carta que lhe foi remetida para citação, só poderia ter lugar caso o órgão da execução fiscal verificasse que não estava a correr inventário e deveria ser para que a herança – e não a Oponente – efectuasse o pagamento da dívida exequenda, sendo que também a cominação para a falta de pagamento deveria ser a penhora em bens da herança – e não em bens da Oponente. Essa citação destinar-se-ia apenas a assegurar a legitimidade no processo executivo do lado passivo e não a concretizar ou efectivar a responsabilidade do herdeiro citado pela dívida exequenda, a qual, como resulta do que deixámos dito, só lhe pode advir da partilha e, apesar de dever ser estabelecida numa razão de proporcionalidade relativamente à quota que lhe tenha cabido na herança, estará sempre limitada às forças desta.
Assim, sempre salvo o devido respeito, não faz sentido a argumentação aduzida pela Recorrente, de que «se a oponente era parte legítima para responder por toda a dívida, também o era para responder por quantia inferior». O facto de a citação poder ser efectuada em qualquer herdeiro nos casos em não tenha havido partilha e não esteja a correr inventário não significa, de todo, que o citado responda (i.e, seja responsável) por toda a dívida, nem sequer por parte alguma dela; nessas circunstâncias, quem é responsável pela dívida exequenda é, exclusivamente, a herança.
É neste sentido que se tem vindo a pronunciar uniformemente a doutrina (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotações 2 a 5 ao art. 155.º, págs. 84/85.) e a jurisprudência (Vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 31 de Maio de 1995, proferido no processo n.º 18.549, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Agosto de 1997 (https://dre.pt/pdfgratisac/1995/32220.pdf), págs. 1567 a 1561, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e4bf1c7d78399d9a802568fc0039dc7e?OpenDocument
– de 22 de Setembro de 1999, proferido no processo n.º 19.644, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Julho de 2002 (https://dre.pt/pdfgratisac/1999/32230.pdf), págs. 2952 a 2956, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7e47600edff211a4802568fc003a0825?OpenDocument;
– de 15 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 485/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1fdbb9e0b070765580257b80003e8b7a?OpenDocument.).
O órgão da execução fiscal parece ter confundido a legitimidade passiva para a execução fiscal (pressuposto processual) com a responsabilidade pela dívida exequenda (legitimidade substantiva) e a Recorrente persiste nesse erro.
Por tudo o que ficou dito, o recurso não pode ser provido, como decidiremos a final.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Sendo certo que as obrigações tributárias se transmitem em caso de morte (cfr. art. 29.º, n.º 2, da LGT), antes de efectuada a partilha a responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias do de cujus é exclusivamente da herança (cfr. art. 2097.º do CC), que constitui um património autónomo, e não de qualquer dos herdeiros.
II - A citação a que alude o art. 155.º, n.ºs 3, alínea b) e 4, do CPPT destina-se apenas a chamar à execução fiscal a herança (assegurando a legitimidade passiva após a morte do devedor originário), podendo ser efectuada na pessoa do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiro, consoante esteja já a correr ou não inventário.
III - Essa citação não constitui meio de efectivar a responsabilidade dos herdeiros pela dívida exequenda, a qual só poderá resultar da partilha, e, por isso, não serve para exigir a qualquer deles a totalidade ou sequer uma parte da dívida exequenda, ainda que proporcional à sua quota hereditária.
IV - Na herança indivisa não há pluralidade de devedores, que só pode surgir com a partilha, sendo que só depois desta efectuada cada um dos herdeiros passa, em princípio, a responder pela quota-parte da dívida correspondente à proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (art. 2098.º, n.º 1, do CC), com o limite das “forças da herança” (art. 2071.º do CC).
V - Não se demonstrando que foi efectuada a partilha, pode o herdeiro que foi citado na qualidade de herdeiro para pagar “a parte da dívida exequenda proporcional à sua quota hereditária” opor-se com fundamento em falta de responsabilidade, que integra o fundamento previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, com a ressalva de que o efeito jurídico da procedência da oposição é a absolvição da Oponente do pedido executivo.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.