Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0183/04.0BESNT 01277/17
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:AUDIÊNCIA PRÉVIA
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Se a notificação do relatório da fiscalização foi efectuada quando estava já em vigor a LGT, a AT não podia dispensar-se de cumprir o disposto no art. 60.º, n.º 1, alínea e), daquela Lei.
II - Não o tendo feito, teria, pelo menos, que cumprir o disposto no n.º 1, alínea a), do mesmo artigo antes de efectuar as liquidações que tiveram origem no resultado da acção de fiscalização.
III - Já antes da entrada em vigor da LGT, o direito de audiência prévia (consagrado constitucionalmente no n.º 5 do art. 267.º da CRP) se impunha, por força do art. 100.º do CPA, à liquidação efectuada com base em elementos recolhidos em sede de inspecção pela AT, tanto mais que o art. 19.º, alínea c), do CPT previa o “direito de audição” como garantia dos contribuintes e, na ausência de previsão legal no procedimento tributário quanto a outro modo para a concretização do mesmo direito, se deve considerar o CPA de aplicação subsidiária, mormente no tocante a normas concretizadoras de preceitos constitucionais.
Nº Convencional:JSTA000P24306
Nº do Documento:SA2201903130183/04
Data de Entrada:11/22/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ PORTUGAL - ............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida em processo de impugnação judicial
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “A………… Portugal – …………, Lda.”

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida naquele Tribunal, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela acima identificada sociedade, anulou as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) efectuadas com referência aos anos de 1996 e 1997.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, a Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I) O normativo legal previsto no art. 60.º da LGT aprovado pelo DL 398/1998 de 17 de Dezembro entrou em vigor em 01-01-1999.

II) A decisão tomada no Relatório de Inspecção Tributária mostra-se datada de 31-12-1998.

III) O CPPT, aprovado pelo DL 433/1999 de 26 de Outubro só entrou em vigor em 01-01-2000 (art. 4.º do diploma) e só relativamente a procedimentos iniciados e processo instaurados, respectivamente, a partir dessa data.

IV) O extinto CPT, aprovado pelo DL 154/1991 de 23 de Abril que entrou em 01 de Julho daquele ano, e vigente à data da decisão tomada no procedimento inspectivo, não previa no seu art. 2.º (Casos Omissos) comando normativo que mandasse aplicar ainda que subsidiariamente eventual legislação procedimental administrativa, sendo certo que o CPA aprovado pelo DL 125/1991 de 15 de Novembro só entrou em vigor após esta data.

V) À data da decisão tomada em sede inspectiva inexistia norma legal vigente que, regulasse directa ou por remissão, ainda que geral para um qualquer foro administrativo e para efeitos de procedimento tributário, o mencionado direito de audição.

VI) A aplicação de um regime subsidiário carece necessariamente de previsão legal no regime do procedimento tributário, para a qual remete para efeitos de integração de lacunas.

VII) A posição sufragada quer pela doutrina do Exmo. Conselheiro Lopes de Sousa quer pela jurisprudência dos Tribunais Superiores citadas pela douta sentença recorrida, mostra-se absolutamente contra legem e desadequada dos factos dados por provados.

VIII) Fazer depender a aplicação da lei da notificação do Relatório de Inspecção que é uma condição de eficácia e não de validade do próprio acto é, legalmente inaceitável.

IX) O entendimento adoptado pelo tribunal a quo é insustentável do ponto de vista legal, porquanto à luz do princípio da legalidade para que o alegado vício formal se tivesse produzido tinha que o art. 60.º da LGT se mostrar vigente.

X) A sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo a inexistência de vício formal e reconhecendo a procedência do presente recurso, ordenará a baixa dos autos para continuação da apreciação dos demais vícios invocados.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recordada, como é de Direito e Justiça».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação apresentada contra as liquidações adicionais de IVA n.º 99066264 e 99066271, referentes aos anos de 1996 e 1997, respectivamente, bem como juros compensatórios, que correu termos sob o n.º 183/04.0BESNT.

B. O Tribunal a quo concluiu pela procedência do pedido com base no vício de preterição da audiência dos interessados, ficando prejudicada análise dos restantes vícios invocados pela Recorrida na petição inicial.

C. Ao contrário do que invoca a Autoridade Tributária, a jurisprudência do STA é unânime no sentido em que, mesmo antes da entrada em vigor da LGT, o CPA e o CPT impunham já o dever de participação dos particulares na decisão administrativa, nomeadamente em sede de procedimentos administrativos (como é o caso de uma inspecção tributária).

D. Caso assim não se entenda, o que só se admite a título académico e sempre sem conceder, na data em que a Recorrida foi notificada do relatório final de inspecção já se encontrava em vigor o artigo 60.º da LGT, razão pela qual as liquidações adicionais de IVA em crise tinham efectivamente que ser anuladas.

E. É ainda forçoso concluir que não será aplicável in casu a tese do aproveitamento do acto, por força da inexistência de requisitos de dispensa de audição aceites pela jurisprudência e pela doutrina.

F. Acresce que nem a Autoridade Tributária logrou demonstrar que o resultado da inspecção teria sido o mesmo, caso a audiência em falta tivesse sido realizada.

G. Conforme resulta da sentença proferida, caso a Recorrida tivesse tido oportunidade de se pronunciar previamente às liquidações em crise, o imposto em causa não tinha sido liquidado dado que o pagamento já tinha sido realizado através do Plano Mateus.

H. Caso seja dada procedência ao presente recurso, requer-se, à cautela, a ampliação do recurso para apreciação dos fundamentos invocados na petição inicial e não conhecidos pelo tribunal a quo recorrido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 636.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

I. Sendo decretada a ampliação do pedido por este Tribunal ad quem, deverá proceder-se à anulação das liquidações de IVA com base em erro flagrante nos pressupostos de facto, atendendo à inexistência de matéria sujeita a tributação, por força do pagamento do imposto.

J. Conforme resulta dos Autos, a inspecção violou o Princípio da Verdade Material, não tendo exercido o poder/dever de investigação, violando ainda o princípio da Colaboração entre a Administração Pública e os particulares, pelo que se deve proceder à anulação dos actos em crise.

K. Sendo decretada a ampliação do pedido, devem também os juros compensatórios, ser anulados, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente e, em consequência, a sentença recorrida ser mantida, tudo com as devidas consequências legais, designadamente, a anulação das liquidações adicionais de IVA, e juros compensatórios; ou, caso assim não se entenda (por dever de ofício e sem conceder),

Desde já se requer a ampliação do pedido para que possam ser apreciados os demais vícios invocados a que e que não foram apreciados pela sentença recorrida, com as devidas consequências legais, ou seja a procedência desses vícios e a subsequente anulação das liquidações em crise».

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

A questão a decidir é, antes de mais, relativa a se não ocorre o vício de violação do direito de audiência de interessados.
Na sentença recorrida se decidiu pela violação do dito direito, fazendo aplicação do art. 60.º da L.G.T.
A recorrente defende que, tendo a decisão tomada no relatório de inspecção sido datada de 31-12-1998, não é de aplicar a L.G.T., a qual só entrou em vigor em 1-1-1999, não é de aplicar também o C.P.P.T. o qual só entrou em vigor a 1-1-2000, nem ainda é de aplicar o subsidiariamente previsto no C.P.A., por o artigo 2.º do C.P.T. não o prever quanto a casos omissos.
Vai-se acrescentar o seguinte:
A notificação efectuada do relatório de inspecção sem referência a se destinar ao exercício do direito de audiência, sem indicação de prazo, nem a qual seria o sentido da decisão a proferir não assegura adequadamente o direito de participação do contribuinte, o qual se encontrava ao tempo dos factos previsto no art. 267.º n.º 5 da C.R.P.
E, tendo sido emitida liquidação adicional de IVA à recorrida a 6/4/99 no domínio de vigência da L.G.T., devia ainda ter sido assegurado tal direito.
Estando o mesmo então concretizado em termos de audição prévia, tal como previsto no art. 60.º n.º 1 al. a), 3, 4 e 5 da L.G.T. (aos últimos três números correspondem os 4, 5 e 6 na actual redacção), tais normas, relativas ao procedimento, eram de aplicação imediata, nos termos do art. 12.º n.º 3 da L.G.T.
Mesmo a entender-se como o S.T.A. tem reiteradamente considerado que a tal é de aplicar o art. 100.º do C.P.A. na falta de concretização nas normas aplicáveis em procedimento tributário, vigentes à data dos factos, as quais eram as constantes do C.P.T., tal pode fundamentar-se numa “interpretação conforme à Constituição em que o direito à participação dos administrados nas decisões que os afectem tinha sido introduzido no seu art. 267.º n.º 5”, conforme decidido no seu acórdão de 26-11-2014, proferido no processo n.º 1667/13.
Não demonstrando o recorrente que a falta de audição prévia à liquidação não tenha influenciado o acto de liquidação, não é de afastar que a violação do dito direito de participação/audição prévia como violado tenha como consequência a anulação do dito acto, conforme foi decretado na sentença recorrida».

1.5 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando considerou que as liquidações adicionais impugnadas enfermam de vício de forma por preterição do direito de audiência prévia, a determinar a sua anulação.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«a) No ano de 1998, em cumprimento do solicitado pela Direcção de Serviços de Reembolso de IVA, referente a um pedido de restituição de IVA efectuado pela aqui impugnante, foi levada a cabo inspecção de contabilização devida e entregue nos cofres do Estado, quanto ao IVA liquidado à empresa Francesa A………… S.A.) (cfr. relatório de inspecção, a fls. 35 dos autos);

b) A 30/12/1998, foi elaborado relatório de inspecção no qual pode ler-se, na informação do relatório o seguinte:
«1 Motivo da Inspecção
[…]
1.3. O âmbito desta acção consistiu em verificar se o sujeito passivo nacional contabilizou devidamente e entregou o IVA liquidado à empresa francesa, respeitante aos seguintes documentos:



N.º de factura
Data de emissão
Valor em Esc.
IVA (esc.)
TOTAL
960102
11.12.1996
47.103.695
6.007.628
55.111.323
970398
21.03.1997
31.809.644
5.407.639
37.217.283
Total
78.913.339
13.415.266
92.328.607

2. Verificação e Análise dos Factos
2.1 Feita a análise às facturas referidas no ponto 1.3 da presente informação constatámos que as mesmas respeitavam unicamente a prestação de serviços de intermediação – comissões – relacionadas com o projecto “Petrogal Sines” que teve lugar no território nacional. Por conseguinte, nos termos do n.º 18 do art. 6.º do Código do IVA (CIVA) aquelas operações não eram tributáveis no território nacional, uma vez que o adquirente dos serviços era um sujeito passivo registado para efeitos de IVA em outro Estado Membro que forneceu o respectivo número de identificação fiscal, considerando-se assim aquele IVA indevidamente mencionado nas facturas em apreço, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do art. 2.º do CIVA. A “A………… Portugal” ficou assim obrigada a entregar o respectivo montante nos cofres do Estado em conformidade com os arts. 26.º e 28.º n.º 1 alínea e) do CIVA, obrigação esta que não foi cumprida conforme explicado nos pontos seguintes.
2.2 Após analisarmos a contabilização das facturas em apreço, verificamos que:
a) as mesmas encontravam-se devidamente registadas na c/c do adquirente, estando contudo, omissas nas c/c 24.3.3 – IVA Liquidado.
b) uma vez que o sujeito passivo nacional alegou ter aderido ao vulgarmente conhecido como “Plano Mateus” para proceder ao pagamento daquele IVA indevidamente mencionado nas facturas, procedemos à consulta de toda a documentação que constitui o Processo de Regularização de Dívidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, arquivado na Repartição de Finanças da área da sua sede. Após uma análise cuidada, constatou-se que aqueles montantes de imposto mencionados indevidamente nas facturas acima referidas, seguramente não faziam parte da relação de dívidas que compunham o dito Processo. Conclui-se, portanto, que os montantes de IVA mencionados nunca foram entregues nos cofres do Estado, havendo assim imposto em falta no total de Esc. 13.415.268$00 […]
c) Apesar de não ser objecto desta decisão foi possível constatar que na c/c 24.3.3.1.1.72 (IVA Liq/OP. GEr/ 17%/Merc. Intracomunit.) respeitante a Dezembro de 1996 havia sido apurado o saldo credor de Esc. 35.341.937$00. No entanto, a “A………… Portugal” apenas inscreveu no campo 11 da declaração periódica (DP) respectiva (96/12), a importância de Esc. 21.716.408$00, pelo que confirmou-se haver imposto em falta respeitante às aquisições intracomunitárias, no valor de Esc. 13.625.52$00 […] nos termos da alínea a) do art. 1.º e a do art. 22.º do Regime de IVA nas Transacções Intercomunitárias (RITI) conjugados com a alínea c) do n.º 1 do art. 1.º do CIVA.
3. Conclusão:
3.1. Face à análise dos elementos disponíveis e das situações acima descritas relativamente a Dezembro de 1996 e Março de 1997, conclui-se que o IVA requerido pela empresa francesa “A…………, S.A.” respeita a imposto indevidamente mencionado nas facturas, pelo que já se procedeu à informação DSRIVA.
Conclusões do Relatório
2.1 Face à análise dos elementos disponibilizados pelo sujeito passivo e após verificação da informação que consta no nosso sistema informático, conclui-se que o IVA requerido pela empresa francesa “A…………, S.A.” relativamente a Dezembro de 1996 e Março de 1997, respeita a imposto indevidamente mencionado nas facturas, pelo que já se procedeu à Informação da DSRIVA.
2.2 Foi detectado imposto em falta, tendo sido infringidos os arts. 26.º e 28.º, n.º 1 alínea c) do CIVA, respeitante a 1996 e 1997, nas quantias respectivas de Esc. 21.633.157300 e de Esc. 5.407.639:00, relativamente a:
a) 1996 – IVA indevidamente mencionado na factura n.º 960102m de acordo com a alínea c) do n.º 1 do art. 2.º do CIVA, e às aquisições intercomunitárias no valor de Esc. 13.415.268$00, nos termos da alínea a) do art. 1.º e do art. 22.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) conjugados com alínea c) do n.º 1 do art. 1.º do CIVA;
b) 1997 – IVA indevidamente mencionado na factura n.º 970398 (cfr. fls. 30 a 32 do processo administrativo tributário apenso [PAT];

c) A 8/03/1999, foi emitido ofício de notificação do relatório final de inspecção a que se reporta a alínea anterior do probatório, dirigido à aqui impugnante (cfr. 29 e 30 do PAT);

d) A 06/04/1999, foi emitida à impugnante a liquidação adicional de IVA n.º 99066264 respeitante ao período 1996, no valor de 21.633.157$00 (cfr. documento 1, de fls. 23 dos autos);

e) Na mesma data a que se reporta a alínea anterior do probatório, foi emitida à impugnante a liquidação de juros compensatórios n.º 99066263, reportado ao valor de 21.633.157$00, com total a pagar de 5.455.112$00 (cfr. documento 2, de fls. 24 dos autos);

f) Na mesma data, foi emitida à impugnante a liquidação adicional de IVA n.º 99066271, respeitante ao período 1997, no valor de 5.407.639$00 (cfr. documento 3, de fls. 25 dos autos);

g) Na mesma data, foi emitida à impugnante a liquidação de juros compensatórios n.º 99066270, reportado ao valor de 5.407.639$00, com total a pagar de 1.104.936$00 (cfr. documento 4, de fls. 26 dos autos);

h) A 12/08/1999, a impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações a que se referem as alíneas anteriores do probatório (cfr. documento de fls. 2 do PAT);

i) A 11/12/96, a impugnante emitiu nota de débito n.º 960100, à A………… Finland, no valor de 6.369.096$00, com liquidação de IVA no valor de 1.082.746$00, no total de 7.451.842$00 (cfr. doc. 12 a fls. 48 dos autos);

j) A 11/12/96, a impugnante emitiu a nota de débito n.º 960101, à A………… Finland, no valor de 13.014.940$00, com liquidação de IVA no valor de 2.212.540$00, no total de 15.227.480$00 (cfr. doc. 13, a fls. 49 dos autos);

k) A 11/12/96, a impugnante emitiu a nota de débito n.º 960102 à A………… France, no valor de 47.103.695$00, com liquidação de IVA no valor de 8.007.628$00, no total de 55.111.323$00 (cfr. doc. 9, a fls. 40 dos autos);

1) A 11/12/96, a impugnante emitiu a factura n.º 961481 à A………… Finland, no valor de 8.908.351$00, com liquidação de IVA no valor de 1.514.420$00, no total de 10.422.771$00 (cfr. doc. 14, a fls. 50 dos autos);

m) A 11/12/96, a impugnante emitiu a factura n.º 961482 à A………… Finland, no valor de 950.818$00, com liquidação de IVA no valor de 161.639$00, no total de 1.112.457$00 (cfr. doc. 15, a fls. 40 dos autos);

n) A 11/12/96, a impugnante emitiu a factura a n.º 961484 à A………… Finland, no valor de 3.803.272$00, com liquidação de IVA no valor de 646.556$00, no total de 4.449.828$00 (cfr. doc. 16, a fls. 52 dos autos);

o) A 21/03/1997, a impugnante emitiu a factura n.º 9703398 à A………… France, no valor de 31.809.644$00, com liquidação de IVA no valor de 5.407.639$00, no total de 37.217.283$00 (cfr. doc. 8, a fls. 39 dos autos);

p) A 23/01/1997, deu entrada no Serviço de Finanças modelo de requerimento titulado de “regularização de dívidas a que se refere o n.º 1 do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto”, subscrito pela aqui impugnante, no qual pode ler-se, no Anexo A, ponto 3, relativo a importâncias declaradas espontaneamente pelo contribuinte, o seguinte (cfr. doc. 17, a fls. 53 a 59 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e prova testemunhal):

Natureza da dívida
Capital em dívida
Data Limite
Pagamento Voluntário
Imposto
Juros compensatórios
[…]
[…]
[…]
[…]
IVA
5.089.544
15/05/94
IVA
3.560.124
15/02/95
IVA
3.319.673
30/06/95
[…]
[…]
[…]
[…]
[…]
[…]
[…]
[…]
IVA
705.323
28/12/96
[…]
[…]
[…]
[…]

q) Em relatório pericial, referente à análise de facturação e regularização de dívidas a que se reporta a alínea anterior, pode ler-se que:
«[…]
4.2 A Reclamante afirma que esta nota de débito emitida para A………… – France se refere a três recebimentos, ocorridos em 1994 e 1995, cujo IVA a pagar foi incluído no Plano Mateus, repartido em três parcelas, sendo uma de 3.560.124$, outra de 3.519.673$ e a última de 705.323$, sendo indicada como data limite de pagamento voluntário respectivamente 15/2/95, 06/6/95 e 28/2/96.
Por serem aquelas datas anteriores à data da nota de débito procurámos confirmar se a nota de débito se referia àquelas verbas, tendo constatado pela análise das contas correntes estarem lançados movimentos que configuram o recebimento de adiantamentos no valor de 22.250.755$ e 20.703.960$ em Novembro de 1994 e Abril de 1995 o que é compatível com a data limite do pagamento voluntário, não tendo sido encontrada a verba referenciada pela impugnante como relativa a Dezembro de 1995.
Não obstante a discrepância acima referida, é nossa convicção que o IVA relativo aos adiantamentos, no valor de 22.250.775$ e 10.703.960$, no valor de 7.079.797$ dado como incluído no IVA da nota de débito n.º 960102 foi efectivamente incluído no Plano Mateus […].
4.5 – Factura n.º 970398 emitida em 21/03/97- IVA 5.407.639$
A impugnante alega que o IVA liquidado na factura n.º 970398, emitida para A………… – France, respeita a adiantamento de 31.809.644$ recebido no 1.º trimestre de 1994. Constatou-se que no Anexo A do requerimento – Plano Mateus, página 3, figura IVA a pagar de 5.089.544$, sendo indicada como data limite do pagamento voluntário 15/5/94. Por ser esta data anterior à data da factura procurámos confirmar se a factura se referia à mesma verba, tendo constatado, pela análise das contas correntes, estar lançado um movimento que configura o recebimento de 31.802.644$ em Março de 1994, o que é compatível com a data indicada como limite do pagamento voluntário, e, também a emissão de uma factura cujo valor antes do IVA é coincidente com aquele. Todavia, o valor de IVA foi calculado para efeitos de Plano Mateus à taxa de 16%, enquanto que o da factura no montante de 5.407.639$, foi calculado sobre a mesma base mas à taxa de 17%, então em vigor.
Tendo em atenção que a discrepância de valores se deve somente ao aumento da taxa de IVA aplicável de 16% para 17%, é nossa convicção que o IVA no valor de 5.089.544$ relativo à factura n.º 9703398 foi efectivamente incluído no Plano Mateus, estando o restante valor de 318.095$ em dívida ao Estado» (cfr. doc. de fls. 238 a 245 dos autos)».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a impugnação judicial instaurada pela ora Recorrida contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 1996 e 1997.
A sentença, de acordo com a ordem indicada pela Impugnante [cfr. art. 124.º, n.º 2, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], começou por apreciar o invocado vício de preterição do direito de audiência prévia às liquidações e, julgando-o procedente, anulou os actos tributários impugnados.
Em síntese, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, depois de tecer diversos considerandos sobre o direito de audiência como uma manifestação do direito de participação e sobre a evolução legislativa desse direito, realçou que «[m]esmo antes da entrada em vigor da L.G.T., era uniforme a jurisprudência do S.T.A. - 2.ª Secção no sentido de que o CPA, publicado após a entrada em vigor do CPT, estabelece, no seu art. 2.º, n.º 5, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31/1, que as suas normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial.// Uma dessas normas que concretizam preceitos constitucionais, é o art. 100.º, do C.P.A., pelo que ele terá passado a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário.// Assim, deve concluir-se que, após a entrada em vigor do C.P.A. e até à vigência da L.G.T. (que contém normas especiais sobre a matéria no seu art. 60.º), a participação dos interessados no procedimento tributário não podia deixar de ser assegurada, seja através de formas especiais, seja nos termos do C.P.A., sem prejuízo dos casos de dispensa ou inexistência deste direito previstos no seu art. 103.º, do mesmo diploma, e do próprio condicionalismo em que o próprio art. 100.º prevê tal direito de audiência (cfr. ac. S.T.A. - 2.ª Secção, 10/4/2002, rec. 26248; ac. T.C.A. Sul - 2.ª Secção, 23/10/2012, proc. 5791/12; ac. T.C.A. Sul - 2.ª Secção, 30/1/2014, proc. 7094/13; Jorge Lopes de Sousa, CPPTributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 424 e seg.)».
Aplicando esse entendimento à situação sub judice, considerou ainda o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra – dando como certo que «desde o procedimento de inspecção até ao consequente acto de liquidação, verifica-se efectivamente que a impugnante não teve a oportunidade de pronunciar-se sobre o relatório de inspecção e respectiva intenção de liquidação, inexistindo nos autos qualquer evidência de causa de exclusão ou dispensa dessa mesma fase» e afastando a possibilidade, que ponderou, de degradação da preterição da formalidade ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto – que «tal formalidade [cumprimento do dever de audiência], que já era exigível até pelo artigo 60.º da LGT, considerando a data da entrada em vigor da LGT, a 1 de Janeiro de 1999, teve como consequência a falta de consideração de elementos contraditórios à conclusão do relatório de inspecção, e ponderação por parte da AT, na sua tomada de decisão de liquidação adicional, que inquina aquele procedimento em bem assim a própria liquidação, por invalidade derivada, de ilegalidade, o que acarreta o desvalor jurídico de anulabilidade».
A Fazenda Pública, discordando do entendimento adoptado na sentença recorrida, sustenta, em síntese, i) que à situação sub judice não é aplicável o disposto no art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que esta norma apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999 e só é aplicável aos procedimentos iniciados a partir dessa data, enquanto «[a] decisão tomada no Relatório de Inspecção tributária mostra-se datada de 31-12-1998» e também ii) não é aplicável subsidiariamente o Código do Procedimento Administrativo (CPA), nomeadamente o seu art. 100.º, uma vez que à data ainda não tinha entrado em vigor o CPPT – cujo início de vigência se deu apenas em 1 de Janeiro de 2000 – e, ao contrário deste (cfr. art. 2.º), o Código de Processo Tributário (CPT), então vigente, não tinha norma remissiva para a legislação procedimental administrativa.
A Recorrente sustenta, pois, a inexistência à data de norma legal que, mediante aplicação directa ou por remissão, impusesse o cumprimento pela AT do dever de audiência, argumentando que a posição doutrinal e jurisprudencial invocada pela sentença recorrida «mostra-se absolutamente contra legem e desadequada dos factos dados por provados».
A questão que cumpre apreciar e decidir é, pois, a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao anular os actos impugnados com fundamento em preterição do dever de audiência previamente à liquidação.
A resposta a essa questão, atentos os termos em que vem configurado o recurso, passa, antes do mais, por saber i) se à data se impunha à AT, ou não, assegurar à ora Recorrida o exercício do direito de audiência, ii) se pode, ou não, considerar-se que houve preterição dessa formalidade e, na afirmativa, iii) se a mesma determina a anulação dos actos impugnados

2.2.2 DO DIREITO DE AUDIÊNCIA

Como deixámos já dito, a Recorrente considera que à data não existia norma legal que, por aplicação directa ou por remissão, impusesse à AT assegurar o direito de audiência à ora Recorrida.
Desde logo, afigura-se-nos que a Recorrente despreza uma parte da fundamentação da sentença recorrida, qual seja aquela em que aí se afirma, referindo-se à necessidade de assegurar a possibilidade de exercício do direito de audiência, que «tal formalidade […] já era exigível até pelo artigo 60.º da LGT, considerando a data da entrada em vigor da LGT, a 1 de Janeiro de 1999».
É certo que a sentença não explicita se refere essa exigência de cumprimento da formalidade à luz do art. 60.º da LGT ao relatório da fiscalização ou aos actos de liquidação ou a um e outros. Inquestionável é que as notificações de um e outros – relatório da fiscalização e liquidações adicionais – ocorrerem já em 1999, como resulta, respectivamente, dos factos provados sob a alínea c) (da qual consta que o ofício para notificar o relatório final de inspecção à ora Recorrida foi emitido em 8 de Março de 1999) e sob as alíneas d) a g) (das quais resulta que as liquidações foram praticadas em 6 de Abril de 1999). O que permite sustentar, como sustentou a ora Recorrida que, à data da notificação do relatório da fiscalização, já o cumprimento do disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 60.º da LGT (direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária) se impunha à AT.
Nem se sustente a inaplicabilidade do art. 60.º da LGT com fundamento na cronologia factual e com o argumento da ulterior entrada em vigor daquela Lei, como o faz a Recorrente alegando que «o normativo legal previsto no art. 60.º da LGT aprovado pelo DL 398/1998 de 17 de Dezembro entrou em vigor em momento posterior (01-01-1999) à decisão tomada no Relatório de Inspecção Tributária», a qual «mostra-se datada de 31-12-1998». Por duas ordens de razões:
Por um lado, por evidentes motivos de segurança jurídica, não pode considerar-se como data de conclusão do relatório da inspecção outra que não seja a da sua notificação ao sujeito passivo visado. Foi essa, como não podia deixar de ser, a solução que o legislador veio a consagrar no n.º 2 do art. 62.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT): «O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação».
O que significa que, à data em que o relatório foi notificado, já a alínea e) do art. 60.º da LGT impunha que fosse observado o direito de audiência, atento o disposto no n.º 3 do art. 12.º da mesma Lei («As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes»).
Por outro lado, se na tese da Recorrente o argumento poderia valer relativamente ao relatório da fiscalização (e não vale), por certo o não pode relativamente às liquidações adicionais e de juros compensatórios que se lhe seguiram. É que estes actos tributários de liquidação tiveram lugar em 1999, ou seja, em plena vigência da LGT; o que significa que antes da prática dos mesmos se impunha que fosse observado o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT.
Assim, como bem considerou a sentença, «tal formalidade […] já era exigível até pelo artigo 60.º da LGT».
Mas ainda que se aceitasse, o que só fazemos para efeitos de exposição, que o direito de audição não se impunha ao abrigo do art. 60.º da LGT, sempre o mesmo deveria ser observado por força do disposto no art. 100.º do CPA.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a Recorrente quando considera que a aplicação desse preceito estava vedada por ausência de norma legal de remissão para a legislação do procedimento administrativo. Pelo contrário, subscrevemos integralmente o entendimento doutrinal e jurisprudencial sufragado pela sentença e que a Recorrente tão veementemente exautora.
É certo que até 1 de Janeiro de 1999 – data da entrada em vigor do RCPIT (cfr. art. 4.º do Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro) e da LGT (cfr. art. 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) – não havia na legislação tributária norma que impusesse a audiência prévia à elaboração do relatório da inspecção (cfr. art. 60.º, n.º 1, do RCPIT) nem a audiência prévia à liquidação, ainda que esta resultasse de correcção à matéria tributável declarada operada em sede de fiscalização e não tivesse aí sido observado esse direito [cfr. 60.º, n.ºs, 1, alíneas a) e e) e 3, da LGT].
No entanto, como a sentença bem observou, a obrigação da AT ouvir o sujeito passivo e o direito deste a ser ouvido no âmbito do procedimento tributário, quer de inspecção quer de liquidação efectuada por iniciativa da AT (sem prejuízo de a audiência naquele poder dispensar a audiência neste), resultava então do disposto no art. 100.º do CPA.
Nem se diga, como o faz a Recorrente, que a aplicação desse preceito no âmbito do procedimento tributário exigiria norma que expressamente previsse o CPA como legislação subsidiariamente aplicável em sede de procedimento tributário e que essa norma não existe.
Na verdade, a Constituição da República Portuguesa (CRP), no n.º 4 do seu art. 267.º, na redacção da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro (a que corresponde o n.º 5 do mesmo artigo nas redacções posteriores à Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a exigir que o processamento da actividade administrativa assegure a participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito. Nesta norma constitucional não se concretiza, porém, a forma como deve ser assegurada tal participação.
Quando a Impugnante, ora Recorrida, foi notificada das liquidações adicionais aqui impugnadas, em 1999, estava em vigor o CPT – que vigorou até 31 de Dezembro desse ano (Foi revogado quando da entrada em vigor do CPPT, em 1 de Janeiro de 2000, nos termos do disposto nos arts. 2.º, n.º 1 e 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que aprovou aquele Código.) – e o CPA, na redacção em vigor à data (anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro).
Como deixámos já dito, nessa data já o art. 60.º da LGT impunha a audiência prévia; mas, se assim não fosse, a mesma sempre se imporia em face do art. 100.º do CPA. Vejamos:
O art. 100.º do CPA, concretizando o direito de participação, estabelecia que, concluída a instrução, e salvo o disposto no art. 103.º (urgência da decisão), os interessados tinham o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
A Recorrente sustenta que inexistia norma que suportasse a aplicação do art. 100.º do CPA ao procedimento tributário. Mas o CPA, publicado após a entrada em vigor do CPT, estabelecia no seu art. 2.º, n.º 5, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, que as suas normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial (Cfr. FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 1.ª edição, página 30.).
O art. 100.º do CPA concretiza preceito constitucional, qual seja o já referido n.º 5 do art. 267.º da CRP, pelo que ele passou a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário. Isto, obviamente, nas situações de inexistência de normas procedimentais especiais em que o direito de participação fosse assegurado de outro modo.
Assim, conclui-se que, após a entrada em vigor do CPA e até à vigência da LGT, a participação dos interessados no procedimento tributário não podia deixar de ser assegurada, seja através de formas especiais, seja nos termos do CPA, sem prejuízo dos casos de dispensa ou inexistência deste direito previstos no seu art. 103.º.
Em conclusão, não tendo sido assegurado o exercício do direito de audiência, quer antes da decisão final do procedimento inspectivo, quer antes das liquidações impugnadas, estas enfermam de vício procedimental, por violação do disposto no art. 60.º da LGT; e, mesmo que pudesse sustentar-se que a LGT não era aplicável à data – entendimento que não subscrevemos – o resultado seria o mesmo, em face da violação do art. 100.º do CPA.
Não é de sequer de ponderar a possibilidade de fazer funcionar o princípio do aproveitamento do acto (hoje com previsão no n.º 5 do art. 163.º do actual CPA), na medida em que não pode dar-se por verificado o requisito para esse efeito, qual seja o de que o exercício do direito de audiência seria insusceptível de influir na decisão administrativa, ou seja, que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto, sendo em absoluto impossível que a decisão do procedimento fosse influenciada pela participação do sujeito passivo, que o sujeito passivo trouxesse algum elemento susceptível de influir no apuramento da verdade material (Sobre o princípio do aproveitamento do acto, vide, por todos, os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/212bcafe7f4d180f80257c6f004ea9c0;
- de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29e75cff6637cdef80257d7800526d92. ).
Poderia ainda argumentar-se que o acto, pese embora ferido pelo vício de forma por preterição do dever de audiência se teria convalidado em função do direito de participação ter sido assegurado no procedimento de segundo grau, como entendeu este Supremo Tribunal Administrativo no recente acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 26 de Setembro de 2018 (Proferido no processo n.º 1506/17.8BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ac23cdbe6d492d59802583220046ae1d.
No mesmo sentido, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Junho de 2015 proferido no processo n.º 1391/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b3ee19b6d97f72bc80257e74003ef3fb.).
No entanto, esse entendimento pressupõe, como aí ficou dito, que o acto impugnado deixe de ser (pelo menos de modo imediato) a liquidação e passe a ser a decisão do procedimento de segundo grau (quer esta tenha mantido quer tenha revogado o acto primário).
No caso sub judice, apesar de a ora Recorrida ter interposto reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios [cfr. alínea h) dos factos provados], a verdade é que essa reclamação não foi decidida, tendo a presente impugnação judicial sido deduzida após se ter formado a presunção do indeferimento tácito da mesma. Não pode, pois, afirmar-se que a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau e, consequentemente, que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação.
Como decorre da doutrina referida no referido acórdão do Pleno, a convalidação do acto exigiria que a AT se tivesse pronunciado expressamente sobre a reclamação. Só nesse caso poderia dizer-se que a decisão administrativa final é o acto que decidiu a reclamação; a presunção de indeferimento tácito não constitui uma decisão, antes «é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 6 a) ao art. 106.º, pág. 194.).
Ou seja, para que pudesse ponderar-se a aplicação da doutrina do referido acórdão do Pleno, seria necessária a existência de decisão expressa no procedimento de segundo grau, o que não sucedeu no caso sub judice.
Por tudo quanto ficou dito, o recurso não merece provimento, sendo de manter a bem fundamentada sentença recorrida.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Se a notificação do relatório da fiscalização foi efectuada quando estava já em vigor a LGT, a AT não podia dispensar-se de cumprir o disposto no art. 60.º, n.º 1, alínea e), daquela Lei.
II - Não o tendo feito, teria, pelo menos, que cumprir o disposto no n.º 1, alínea a), do mesmo artigo antes de efectuar as liquidações que tiveram origem no resultado da acção de fiscalização.
III - Já antes da entrada em vigor da LGT, o direito de audiência prévia (consagrado constitucionalmente no n.º 5 do art. 267.º da CRP) se impunha, por força do art. 100.º do CPA, à liquidação efectuada com base em elementos recolhidos em sede de inspecção pela AT, tanto mais que o art. 19.º, alínea c), do CPT previa o “direito de audição” como garantia dos contribuintes e, na ausência de previsão legal no procedimento tributário quanto a outro modo para a concretização do mesmo direito, se deve considerar o CPA de aplicação subsidiária, mormente no tocante a normas concretizadoras de preceitos constitucionais.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, decidem negar provimento ao recurso.

Sem custas, por a Recorrente delas estar isenta na legislação aplicável.


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Lisboa, 13 de Março de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Ana Paula Lobo – Dulce Neto.