Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0154/14
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LITISPENDÊNCIA
Sumário:I - A litispendência – que, materializando-se na repetição de uma causa pendente, constitui excepção dilatória, que tem por objectivo evitar que o tribunal contradiga ou reproduza uma decisão anterior – só ocorrerá se, cumulativamente, nas acções em confronto, intervierem as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter, nessas acções, o mesmo efeito jurídico e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico.

II - Assim, em regra, não haverá litispendência entre uma impugnação judicial e uma oposição à execução fiscal, pois enquanto o pedido típico naquela é de anulação ou declaração da nulidade ou inexistência do acto impugnado, nesta o pedido típico é de extinção ou suspensão da execução fiscal.
III - No entanto, quando os fundamentos invocados e os efeitos jurídicos pretendido num e noutro meio processual sejam (podendo ser) os mesmos, como sucede no caso sub judice, em que na presente oposição à execução fiscal se discute a ilegalidade em abstracto da liquidação que deu origem à dívida exequenda e a duplicação de colecta, fundamentos que foram também invocados em sede de impugnação judicial, sendo que o efeito jurídico pretendido em ambos os meios processuais é a anulação da taxa liquidada, justifica-se julgar procedente a excepção da litispendência, uma vez que existe a possibilidade de virem a ser proferidas decisões em sentido diverso ou repetidas.

Nº Convencional:JSTA000P19163
Nº do Documento:SA2201506170154
Data de Entrada:02/06/2014
Recorrente:A...............S.A.
Recorrido 1:B..............S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1499/12.8BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “ A……………., S.A.” (a seguir Oponente ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgando verificada a excepção da litispendência, absolveu da instância a Exequente, “ B…………., S.A.” (adiante Recorrida), na oposição por aquela deduzida à execução fiscal instaurada para cobrança de um dívida a esta.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1. A sentença recorrida incorreu em nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 125.º n.º 1 do CPPT, e artigo 615.º do NCPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPPT, uma vez que o sentença recorrida não se pronuncia sobre os fundamentos da oposição à execução, não aprecia a questão de mérito, sendo que o Tribunal está obrigado a conhecer e apreciar a mesma. Invoca-se, a referida nulidade da sentença, por não pronunciamento de questões invocadas por uma das partes, neste caso a recorrente, e que a sentença deveria, por conseguinte apreciar, com todos os efeitos legais daí decorrentes.

2. O próprio Tribunal a quo reconheceu que os fundamentos invocados em sede de oposição à execução fiscal, pelo exequente, se enquadram plenamente nos requisitos materiais do artigo 204.º do CPPT, sem que, todavia, se tenha pronunciado quanto à (im)procedência das questões de fundo, que se encontram subjacente às causas de pedir.

3. A sentença recorrida obtém o resultado juridicamente inadmissível de recusar o acesso ao direito, o que viola a tutela jurisdicional efectiva (que obtém tutela constitucional no artigo 20.º da CRP, e densificação legal no artigo 2.º do NCPC).

4. A decisão recorrida, também não tutela o Recorrente, uma vez que, nada garante que, o juiz da impugnação não venha dizer que os fundamentos aí invocados teria de o ser apenas em sede de oposição à execução fiscal, e dessa forma a questão escaparia, ao controlo jurisdicional.

5. A sentença recorrida incorre em erro de julgamento, por violação dos artigos 204.º e 99.º, ambos do CPTT, em conjugação com os artigos 608.º n.º 2 do CPC e artigos 577.º, alínea j), 576.º n.º 1 e 2, e 278.º n.º 1, alínea e), todos do CPC, por julgar erradamente verificada a excepção de litispendência entre a impugnação deduzida e a oposição à execução fiscal pendente no mesmo tribunal, ao considerar haver identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, absolvendo, em consequência, a exequente.

6. Não é possível encontrar entre a presente acção e a acção de impugnação judicial do acto de liquidação da taxa, identidade quanto aos sujeitos, quanto ao pedido e quanto à causa de pedir.

7. Não se verifica litispendência entre a impugnação judicial e a oposição à execução por inexistência de identidade de sujeitos, na medida em que o ora Recorrente não intervém nas causas em confronto com idêntica qualidade jurídica.

8. Não ocorre risco de contradição ou repetição de decisões, pois que o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução e o visado pela, dedução de impugnação judicial são distintos.

9. Inexiste litispendência entre o processo de oposição e o processo de impugnação já que neste último discute-se a legalidade da liquidação, pretendendo-se a declaração da nulidade ou a anulação do acto tributário de liquidação, e naquele, a legalidade da execução com vista à sua extinção.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituía por outra, que não seja de absolvição da instância, e que conheça do mérito das questões em litígio, conforme é de inteira JUSTIÇA».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

1.4 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pronunciando-se sobre a nulidade invocada pela Recorrente, sustenta que a sentença recorrida nela não incorreu, uma vez que apreciou e decidiu tais questões que lhe foram colocadas.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e devolvidos os autos à 1.ª instância para conhecimento dos fundamentos de oposição invocados, com a seguinte fundamentação:
«[…]
1. Quanto à nulidade
A omissão de pronúncia consiste no incumprimento do dever que a lei impõe ao juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo geradora de nulidade, nos termos do disposto no art. l25.º, n.º 1 do CPPT e art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC (art. 668.º, n.º 1, al. d) na anterior redacção). No entanto, como decorre da lei, tal nulidade só ocorre quando a decisão das questões sobre as quais o tribunal não se pronunciou não esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2 do CPC – art. 660.º, n.º 2, na anterior redacção). No caso vertente, a decisão no sentido da existência de litispendência prejudicou o conhecimento dos fundamentos da oposição invocados nesse articulado.
Inexiste, pois, salvo melhor entendimento, a invocada nulidade.
2. Quanto à litispendência
Em regra não é configurável a existência de uma situação de litispendência entre um processo de oposição a execução fiscal e um processo de impugnação judicial, pois neste o que está em causa é a legalidade do acto de liquidação, visando-se a sua anulação ou a declaração de nulidade enquanto que no primeiro caso o que se pretende alcançar é a extinção da execução fiscal.
Sucede que, no caso vertente, são idênticos os pedidos formulados na impugnação n.º 1387/12.8BEGRG e nos presentes autos – que o acto de liquidação seja declarado ilegal.
Porém, como se refere no douto Acórdão de 27.06.2012 – P. 0508/12, “(…) este Supremo Tribunal Administrativo tem usado um critério de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica”.
Ora, no caso em apreço, como se reconhece na própria sentença recorrida, são invocados fundamentos de oposição que são causas de pedir próprias do processo de oposição, alegando a oponente, por exemplo no art. 21.º do seu articulado inicial, que “a presente execução fiscal tem de ser julgada ilegal, por consistir numa duplicação de colecta não permitida por lei”, alegando no número seguinte que “a duplicação de colecta é fundamento de oposição à execução fiscal nos termos do disposto na alínea, g) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT” o que, salvo melhor entendimento, consubstancia uma intenção petitória assimilável a um pedido implícito de extinção da execução fiscal, por procedência do vício invocado da duplicação de colecta.
Para além disso, como se anota nos doutos Acórdãos deste Supremo de 19.09.2012 - Rec. n.º 0472/12 de 24.10.2012 - Rec. n.º 0399/12 “embora os pedidos formulados na oposição e na impugnação sejam os mesmas e a causa de pedir seja idêntica, o sujeito não intervém nas duas acções na mesma qualidade jurídica – pois que o faz na qualidade de oponente na oposição e na de impugnante na impugnação” (cfr. o art. 581.º, n.º 2 do CPC – art. 498.º, n.º 2, na anterior redacção).
Assim, não obstante a similitude das causas de pedir e dos pedidos concretamente formulados nos processos em causa, sou de parecer que não se mostram preenchidos, no caso, os requisitos da excepção da litispendência».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber (i) se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia relativamente às questões de mérito suscitadas na petição inicial e (ii) se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu correctamente ao julgar verificada a excepção da litispendência.


* * *

2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como assente a seguinte factualidade:

«A) Encontra-se a correr termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a execução fiscal n.º 2348201201058681, contra “A………….., LDA.”, para cobrança coerciva do valor de € 4.561,87, referente à taxa devida à “ B……………, S.A.” – cfr. pef. apenso;

B) A 31.08.2012, deu entrada a presente oposição à execução fiscal – cfr. fls. 5 dos autos;

C) A 4.10.2012, foi a “B…………….., S.A.” citada, nos termos e para os efeitos do art. 210.º do CPPT – cfr. fls. 42 e 45 dos autos;

D) A “A………………, LDA.” instaurou Impugnação Judicial que corre termos neste tribunal sob o n.º 1387/12.8Bebrg, contra a liquidação que está na base da instauração da execução fiscal – cfr. 103 a 120 e por consulta do sitaf.;

E) A 19.09.2012, a B……………………… foi citada, nos termos do disposto no art. 110.º, n.º 1 do CPPT – por consulta do sitaf».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente deduziu oposição a uma execução fiscal que contra ela foi instaurada para cobrança de uma taxa liquidada pela “B…………….., S.A.”.
Terminou a petição inicial formulando o seguinte pedido: «deve a presente oposição à execução fiscal ser julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência, ser o acto de liquidação da dívida exequenda ser declarado ilegal».
Invocou como fundamentos do seu pedido (i) a duplicação de colecta, (ii) a incompetência da “ B…………………., S.A.” para liquidar a taxa de publicidade em causa, (iii) a inconstitucionalidade desta taxa, por constituir um verdadeiro imposto, e (iv) a ilegalidade da liquidação da mesma, quer por os painéis publicitários em causa estarem fora da zona de protecção da estrada, em propriedade privada da Oponente, e nem sequer serem visíveis da estrada, quer por existir erro de cálculo na área dos painéis de publicidade considerada na liquidação.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considerou, em síntese, que, relativamente aos fundamentos referidos sob nºs (i) e (iv), se verificava o erro na forma do processo. Nessa parte, a sentença transitou em julgado.
Relativamente aos fundamentos referidos sob os n.ºs (ii) e (iii), ou seja, a duplicação de colecta e a “inconstitucionalidade da taxa de publicidade”, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, depois de considerar que os mesmos podem ser invocados quer em processo de impugnação judicial quer em oposição à execução fiscal, entendeu verificar-se a litispendência entre os presentes autos e os respeitantes ao processo dívida exequenda impugnação judicial que corre termos naquele Tribunal sob o n.º 1387/12.8BEBRG. Isto, porque considerou estarem verificados os requisitos cumulativos daquela excepção, quais sejam a tríplice identidade, de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir. Assim, e porque a presente oposição à execução fiscal se deve considerar proposta em segundo lugar – uma vez que a aqui Exequente foi notificada para contestar depois de o ter sido naquele processo – entendeu declarar a litispendência nesta acção, com a consequente absolvição da “ B……………, S.A.” da instância.
A Oponente discordou da sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo. Para além da nulidade por omissão de pronúncia, que assaca à sentença por considerar que não conheceu dos fundamentos invocados na petição inicial e que ela mesma considerou que se enquadram no elenco do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (cfr. conclusões 1 e 2), imputa-lhe também erro de julgamento na parte em que a sentença julgou verificada a litispendência, por considerar que não se verificam os pressupostos desta excepção, designadamente as referidas identidades de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir (cfr. conclusões 3 a 9).
Assim, como deixámos dito em 1.7, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber (i) se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia e (ii) se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu correctamente ao julgar verificada a excepção da litispendência.

2.2.2 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

A Recorrente sustenta que na decisão recorrida não foi conhecido o mérito dos fundamentos por ela invocados e que a própria sentença reconheceu integrarem o rol do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, o que, a seu ver, inquina aquela decisão de nulidade por omissão de pronúncia [cfr. art. 125.º do CPPT e art. 615.º do Código de Processo Civil (CPC)].
Essa nulidade da decisão não se verifica, como bem salientou o Juiz do Tribunal a quo no despacho proferido em cumprimento do disposto no art. 617.º do CPC. Na verdade, como decorre da lei, tal nulidade só pode ocorrer quando a decisão das questões sobre as quais o tribunal não se pronunciou não esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 608.º, n.º 2 do CPC).
Ora, a decisão recorrida, tendo absolvido a Exequente “ B…….…, S.A.” da instância, por considerar verificada a litispendência, não poderia, consequentemente, apreciar e decidir as questões de mérito suscitadas na petição inicial ou do conhecimento oficioso (cfr. art. 278.º, n.º 1, do CPC).
Salvo o devido respeito, a Recorrente não atentou ou, pelo menos, não relevou a circunstância de a decisão recorrida ser de absolvição da instância, o que significa que não podia o Juiz do Tribunal a quo apreciar qualquer questão respeitante ao mérito da acção, ainda que do conhecimento oficioso, pelo que improcede a invocada nulidade da sentença.

2.2.3 DA LITISPENDÊNCIA

A Recorrente discorda da sentença na parte em que nesta se considerou verificada a excepção de litispendência. Sustenta, em síntese, que a decisão recorrida (i) não «não tutela o Recorrente, uma vez que, nada garante que, o juiz da impugnação não venha dizer que os fundamentos aí invocados teriam de o ser apenas em sede de oposição à execução fiscal, e dessa forma a questão escaparia, ao controlo jurisdicional», (ii) que não se verifica a tríplice identidade que constitui pressuposto da litispendência, uma vez que não há identidade de sujeitos, «na medida em que o ora Recorrente não intervém nas causas em confronto com idêntica qualidade jurídica», nem identidade de efeitos jurídicos pretendidos no «processo de oposição e [n]o processo de impugnação já que neste último discute-se a legalidade da liquidação, pretendendo-se a declaração da nulidade ou a anulação do acto tributário de liquidação, e naquele, a legalidade da execução com vista à sua extinção» e, por isso, «[n]ão ocorre risco de contradição ou repetição de decisões, pois que o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução e o visado pela, dedução de impugnação judicial são distintos».
Vejamos:
A litispendência, materializando-se na repetição de uma causa pendente, constitui excepção dilatória, que tem por objectivo evitar que o tribunal contradiga ou reproduza uma decisão anterior [cfr. arts. 577.º, alínea i), e 580.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)].
Para a verificação da litispendência há, pois, que aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra. «Para sabermos se há ou não repetição da acção, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no art. 498.º [hoje, art. 581.º], mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 497.º [hoje, art. 580.º], onde se afirma que a excepção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 302.).
A lei estabelece os parâmetros para determinar a existência dessa identidade. Assim, o art. 581.º do CPC, sob a epígrafe «Requisitos da litispendência e do caso julgado», estabelece, no seu n.º 1, que a causa se repete «quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir», esclarecendo, no n.º 2, que «Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica», no n.º 3, que «Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico», e, no n.º 4, que «Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».
O que significa que a litispendência só ocorrerá se, cumulativamente, nas acções em apreciação intervierem as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter o mesmo efeito jurídico e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico.
O Juiz do Tribunal a quo considerou verificada essa tripla identidade.
A Recorrente afirma, desde logo, que não se verifica o primeiro termo dessa identidade, qual seja a identidade de sujeitos passivos pois, apesar de as partes serem as mesmas, ela «não intervém nas causas em confronto com idêntica qualidade jurídica» (cfr. conclusão 7), invocando em favor da sua tese o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 472/12 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Outubro de 2013
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32230.pdf), págs. 2624 a 2627, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d82e509c3c61badb80257a850034dfc2?OpenDocument.
No mesmo sentido, decidiu também o acórdão de 24 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 399/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3126 a 3128, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/84db314552bc320680257aa60040009c?OpenDocument, em cujo sumário doutrinal ficou dito no ponto I: «Não ocorre litispendência entre um processo de impugnação judicial deduzido contra determinada execução fiscal e um processo de oposição a essa mesma execução, pese embora a semelhança de causas de pedir gizadas em ambos os processos, porquanto o sujeito não intervém neles na mesma qualidade jurídica e o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução – a respectiva extinção em relação ao oponente – e o visado pela dedução da impugnação – a anulação do acto tributário impugnado – são inconfundíveis».).
Prima facie, dir-se-ia que a Recorrente tem razão, tanto mais que no ponto III do sumário doutrinal daquele aresto ficou dito: «Embora os pedidos formulados na oposição e na impugnação sejam os mesmos e a causa de pedir seja idêntica, o sujeito não intervém nas duas acções na mesma qualidade jurídica – pois que o faz na qualidade de oponente na oposição e na de impugnante na impugnação – não se verificando, pois, repetição da causa, e consequentemente excepção de litispendência». Mas o seu argumento, que à luz exclusiva do sumário do acórdão parece inabalável, não resiste a uma análise mais profunda.
Na verdade, em regra, a diferente natureza dos processos de impugnação judicial e de oposição à execução fiscal tem associada uma diferença quanto ao efeito jurídico que pode ser obtido num e noutro processo: a anulação ou a declaração da nulidade ou da inexistência do acto tributário impugnado (geralmente, a liquidação de um tributo), no primeiro, e a extinção ou, mais raramente (A suspensão da execução fiscal pode ser pedida em oposição à execução fiscal nos casos em que seja afectada por qualquer motivo a exigibilidade da dívida, por motivo não definitivo, mas meramente temporário.), a suspensão da execução fiscal, no segundo.
O que significa que, em regra, há também uma diferença na qualidade jurídica em que o interessado intervém num e noutro processo: geralmente, como sujeito passivo (São sujeitos passivos da relação tributária as pessoas singulares ou colectivas, os patrimónios e as organizações de facto ou de direito que estão vinculados ao cumprimento de prestações tributárias, seja como contribuintes directos, substitutos ou responsáveis (art. 18.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária).) do tributo impugnado, no primeiro, e como executado, enquanto responsável originário, responsável subsidiário, cabeça-de-casal, sucessor, liquidatário judicial, terceiro adquirente de bens, possuidor, substituto ou funcionário, no segundo.
Foi nesse conspecto que se pronunciou o acórdão invocado pela Recorrente (E, do mesmo modo, aquele por nós citado e que decidiu no mesmo sentido.), como resulta do seu texto: «No caso dos autos, [...] embora os pedidos formulados numa e noutra acção sejam os mesmos e a causa de pedir seja idêntica, o sujeito não intervém nas duas acções na mesma qualidade jurídica – pois que o faz na qualidade de oponente na oposição e na de impugnante na impugnação – não se verificando, pois, repetição da causa. É que, numa situação como a dos autos, não ocorre risco de contradição ou repetição de decisões, pois que o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução – a respectiva extinção em relação ao oponente – e o visado pela dedução de impugnação judicial – a anulação do acto tributário impugnado – são inconfundíveis, tendo, aliás, por objecto, actos diversos».
Note-se que na situação a que se referia aquele aresto, a excepção de litispendência foi conhecida num processo de impugnação judicial em que o impugnante, tal como em sede de oposição à execução fiscal, que também deduziu, pretendia «ver reconhecida a nulidade da citação efectuada no processo de execução fiscal, da certidão de dívida que está na origem dos autos bem como a inexigibilidade da dívida, em razão da declaração de insolvência […], nenhuma ilegalidade imputando ao acto de liquidação, como é próprio e específico deste meio processual (cfr. os artigos 99.º e 124.º n.º 1 do CPPT)», pelo que o Supremo Tribunal Administrativo aí concluiu: «Verifica-se, pois, erro na forma do processo, que, in casu, é insusceptível de convolação – que deve ser determinada sempre que possível – cfr. os artigos 97.º n.º 3 da Lei Geral Tributária e 98.º, n.º 4 do CPPT –, […] por intempestividade da impugnação para ser convolada em requerimento de arguição de nulidade da citação e por pendência de oposição com idênticos pedidos e causa de pedir».
No caso sub judice a situação é bem diversa. Desde logo, porque não há erro na forma do processo, apesar de o pedido formulado na presente oposição à execução fiscal ser o de que deve «o acto de liquidação da dívida exequenda ser declarado ilegal».
Como procuraremos demonstrar, há situações em que, porque, excepcionalmente, se admite que na oposição à execução fiscal seja discutida a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda, nada obsta a que o pedido aí formulado seja de anulação da liquidação que deu origem à dívida exequenda (com a consequente extinção da execução fiscal).
É certo que, em regra, não é admissível em sede de oposição à execução fiscal a discussão sobre a legalidade da liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda. Isto porque, em regra, a fase executiva é precedida de uma fase administrativa em que é efectuada a liquidação que deu origem à dívida exequenda, permitindo-se ao interessado, na sequência da notificação desse acto, a sua impugnação graciosa ou contenciosa, nos prazos previstos na lei (arts. 70.º, 99.º e 102.º do CPPT). Assim, por ser dada esta oportunidade ao interessado de impugnar o acto de liquidação e haver um prazo para serem usados esses meios processuais, é vedada ao sujeito passivo, em regra, a possibilidade de discutir na oposição a legalidade daquele acto; mas essa regra conhece excepções, designadamente nas situações enquadráveis nas alíneas a), g) e i), do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 3 ao art. 204.º, págs. 442/443, respectivamente.).
Para a decisão a proferir, interessa-nos agora considerar as referidas alíneas a) e g), ou seja, aquelas em que se prevê a «Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação» e a «Duplicação de colecta», respectivamente.
Na primeira daquelas alíneas, «estamos perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado»; perante a gravidade do vício subjacente, entendeu o legislador estabelecer um regime legal especial de impugnabilidade contenciosa dos actos de liquidação de tributos para além do termo do prazo geral que a lei fixa para a impugnação judicial, permitindo aquela ainda dentro do prazo da oposição (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 4 ao art. 204.º, págs. 443 a 446.).
É o que sucede no caso sub judice, com a imputação, efectuada pelo Oponente, de inconstitucionalidade da norma em que a Exequente suportou a liquidação que esteve na origem da dívida exequenda (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ibidem, que afirma textualmente: «Cabem neste conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares».): a questão pode ser suscitada quer em impugnação judicial quer em oposição à execução fiscal (Vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 6 ao art. 99.º, pág. 111.).
Por outro lado, na alínea g) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, o legislador consagrou como fundamento de oposição à execução fiscal a duplicação de colecta, cujo conceito é fornecido pelo n.º 1 do art. 205.º do mesmo Código e que pode também constituir fundamento de impugnação judicial: «Haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo»; «Trata-se de um fundamento que pode ser invocado também em impugnação judicial, […] quando afectar a legalidade do acto de liquidação, o que sucede nos casos em que o acto é praticado já depois de paga a quantia, com base numa anterior liquidação relativa ao mesmo tributo e período de tempo» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 36 ao art. 204.º, pág. 494. Vide também II volume, anotação 9 ao art. 99.º, pág. 113.).
Em conclusão, a ilegalidade abstracta decorrente da inconstitucionalidade da norma em que a Exequente suportou a liquidação da dívida exequenda e a duplicação de colecta constituem fundamentos quer de impugnação judicial quer de oposição à execução fiscal.
Se é certo que, em regra, os efeitos jurídicos pretendidos (e susceptíveis de serem obtidos) em impugnação judicial e em oposição à execução fiscal são diferentes, há situações, como a sub judice, em que esses efeitos (pedidos) são os mesmos: a anulação da liquidação que deu origem à dívida exequenda (surgindo a extinção da execução fiscal, também pedida em sede de oposição, como mera consequência daquela anulação).
Podemos, pois, concluir que, em regra, não haverá litispendência entre uma impugnação judicial e uma oposição à execução fiscal, mas essa possibilidade existe quando os fundamentos invocados e os efeitos jurídicos pretendidos num e noutro meio processual sejam (podendo ser) os mesmos, como sucede nas acções em confronto.
A situação sub judice passa, pois, o teste formal da litispendência, em face da verificação da tripla identidade dos elementos que definem a acção – identidade das partes (no caso vertente é fora de dúvida que as partes na impugnação judicial e na oposição à execução fiscal são as mesmas e são-no, não só material, como juridicamente), identidade de causas de pedir (inconstitucionalidade da norma ao abrigo do qual foi efectuada a liquidação e duplicação de colecta) e identidade de pedidos (anulação da liquidação). E passa também o teste material da litispendência, pois não há dúvida de que as decisões a proferir num e noutro processo colocarão o Tribunal a quo na situação ou de se contradizer ou de se repetir, sendo a essa situação que pretende obviar a excepção de litispendência.
Por tudo o que deixámos dito, afigura-se-nos que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, avaliando rigorosamente a situação sub judice e fazendo uma criteriosa e bem fundamentada análise da legislação aplicável, fez correcto julgamento ao, conhecendo oficiosamente da excepção da litispendência e após dar às partes a oportunidade de sobre a mesma se pronunciarem, julgá-la procedente e absolver a Fazenda Pública da instância na presente oposição à execução fiscal (Note-se que, como judiciosamente verificou o Juiz do Tribunal a quo e não vem posto em causa, foi na impugnação judicial que a Fazenda Pública foi primeiro notificada para contestar, pelo que é nesta oposição à execução fiscal que deve conhecer-se e declarar-se a excepção (cfr. art. 582.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).).
Questão diversa é a também suscitada nas alegações de recurso e respectivas conclusões, de saber se esta decisão poderá comprometer o direito da Recorrente a tutela efectiva, uma vez que, nas suas palavras, «nada garante que, o juiz da impugnação não venha dizer que os fundamentos aí invocados teriam de o ser apenas em sede de oposição à execução fiscal, e dessa forma a questão escaparia, ao controlo jurisdicional».
Salvo o devido respeito, admitimos que a objecção suscitada pela Recorrente poderia assumir relevo, mas só se no caso existissem dúvidas (designadamente decorrentes de alguma tese sustentada na jurisprudência) relativamente à possibilidade de conhecimento em sede de impugnação judicial dos fundamentos em causa. Nessa circunstância, sim, admitiríamos que a prudência (que é uma virtude que as decisões judiciais devem almejar) recomendaria que, ao invés de julgar procedente a excepção da litispendência, o Juiz do Tribunal a quo optasse por uma solução de carácter provisório, designadamente suspendendo a instância até que o juiz da impugnação judicial decidisse se conhecia ou não dos fundamentos invocados em ambas as acções (Vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 575/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32240.pdf), págs. 1743 a 1746, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1571cbe6563e32e3802577de00569a9a?OpenDocument.).
Mas, essas dúvidas não existem no caso sub judice, motivo por que, a nosso ver, não pode erigir-se a eventualidade de uma decisão não previsível (diríamos, mesmo, de todo imprevisível) e patológica – qual seja, a de o juiz da impugnação judicial não tomar conhecimento dos fundamentos da acção –, contra a qual a lei fornece meios processuais de reacção, designadamente o recurso para tribunal superior, em motivo para condicionar a solução que se nos afigura a adequada para a presente acção.
Em conclusão, a sentença fez correcto julgamento, motivo por que o recurso não será provido.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A litispendência – que, materializando-se na repetição de uma causa pendente, constitui excepção dilatória, que tem por objectivo evitar que o tribunal contradiga ou reproduza uma decisão anterior – só ocorrerá se, cumulativamente, nas acções em confronto, intervierem as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter, nessas acções, o mesmo efeito jurídico e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico.

II - Assim, em regra, não haverá litispendência entre uma impugnação judicial e uma oposição à execução fiscal, pois enquanto o pedido típico naquela é de anulação ou declaração da nulidade ou inexistência do acto impugnado, nesta o pedido típico é de extinção ou suspensão da execução fiscal.

III - No entanto, quando os fundamentos invocados e os efeitos jurídicos pretendido num e noutro meio processual sejam (podendo ser) os mesmos, como sucede no caso sub judice, em que na presente oposição à execução fiscal se discute a ilegalidade em abstracto da liquidação que deu origem à dívida exequenda e a duplicação de colecta, fundamentos que foram também invocados em sede de impugnação judicial, sendo que o efeito jurídico pretendido em ambos os meios processuais é a anulação da taxa liquidada, justifica-se julgar procedente a excepção da litispendência, uma vez que existe a possibilidade de virem a ser proferidas decisões em sentido diverso ou repetidas.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 17 de Junho de 2015. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.