Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01869/13
Data do Acordão:04/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE PROCESSUAL
ENTREGA DE BEM ARREMATADO
Sumário:I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas no processo de reclamação judicial previsto no art. 276.º e segs. do CPPT, porque não está prevista como nulidade processual nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 195.º e segs. do CPC, na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção, não permite que, se o juiz dispensar a produção de prova se possa dizer que foi preterida uma formalidade legal, sem prejuízo de a omissão de diligências de prova, na medida em que possa afectar o julgamento da matéria de facto, poder acarretar a anulação da sentença por défice instrutório.
II - A notificação ao reclamante do parecer do Ministério Público só se impõe, sob pena de violação do princípio do contraditório, nos casos em que aí sejam suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito ou sobre as quais as partes ainda não tenham tido oportunidade de se pronunciar.
III - O adquirente pode pedir na própria execução fiscal a entrega do bem imóvel que lhe foi adjudicado em processo de execução fiscal, mediante requerimento endereçado ao chefe do órgão de execução fiscal e com base no despacho de adjudicação, seguindo-se os termos adaptados do processo para entrega de coisa, previsto nos arts. 930.º e seguintes do CPC, aplicável ex vi do art. 901.º do mesmo Código (na redacção aplicável).
IV - Era assim ainda antes da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, ter aditado o n.º 2 ao art. 256.º do CPPT, sendo então a aplicação subsidiária do CPC feita ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00068662
Nº do Documento:SA22014040901869
Data de Entrada:12/06/2013
Recorrente:A..... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPC ART928 ART195 N1.
CPPTRIB99 ART98 ART121 ART276 ART278 N2 ART256 N2 NA REDACÇÃO DA L 55-A/2010 DE 2010/12/31.
CPC ART930 ART901.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0388/13 DE 2013/10/28; AC STA PROC01159/11 DE 2013/11/27; AC STA PROC0485/08 DE 2009/06/25; AC STA PROC0237/12 DE 2012/07/11; AC STA PROC0388/13 DE 2013/10/28; AC STA PROC01074/09 DE 2009/12/16; AC TCF PROC03/04 DE 2004/10/12.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO AREAS EDITORA 6ED VOLIII PAG313 PAG300-301.
TEIXEIRA DE SOUSA - ESTUDOS SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PAG102.
JOAQUIM FREITAS DA ROCHA - LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO COIMBRA EDITORA 2ED PAG297.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso da decisão proferida no processo com o n.º 517/13.7BELRA que ordenou a entrega por meios coercivos do bem vendido em processo de execução fiscal

1. RELATÓRIO

1.1 A…….. (adiante Executado) e B……… (adiante Reclamantes ou Recorrentes) recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação judicial por eles interposta ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha que designou data para a entrega por meios coercivos ao comprador do bem imóvel penhorado e vendido em processo execução fiscal em que o Recorrente é executado.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.3 Os Recorrentes apresentaram as alegações, que resumiram em conclusões do seguinte teor: «

I. Salvo o devido e merecido respeito, os Recorrentes não se conformam com a douta sentença proferida nos presentes autos.

II. A ausência de notificação, aos Recorrentes, do parecer emitido pelo Ministério Público, constitui nulidade, nos termos do art. 201.º do CPC.

III. A falta de notificação do referido parecer, viola os princípios do contraditório e da proporcionalidade e, ainda, os princípios fundamentais a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo.

IV. Nestes termos, julgando procedente a arguida nulidade processual por violação do art. 3.º, n.º 3 do CPC, art. 2.º e art. 20.º n.º 1 a 4 da CRP, deve ser ordenada a anulação de todos os actos subsequentes ao parecer emitido pelo Ministério Público e como consequência, anulada a douta decisão de que ora se recorre, com todas as consequências legais.

Sem Prescindir,

V. O despacho reclamado carece de fundamento fáctico e legal.

VI. O Serviço de Finanças não tem competência, nem legitimidade, para concretizar o acto ora notificado.

VII. Acresce que, de acordo com o art. 928.º, do CPC, o Executado é citado para, no prazo de 20 dias, fazer a entrega da coisa ou opor-se à Execução.

VIII. Compulsados os autos de execução fiscal, é manifesto que os Recorrentes não foram citados para os efeitos do citado normativo, tendo sido o despacho reclamado proferido em total desrespeito da referida norma legal.

IX. A actual redacção do art. 256.º, n.ºs 2 e 3, do CPPT, constitui uma alteração introduzida pelo Orçamento do Estado para 2011, aprovado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pelo que não são aplicáveis no caso dos presentes autos, que tiveram início em data anterior à data de entrada do referido diploma legal (01.01.2011).

X. O exposto é suficientemente claro para determinar a nulidade da notificação ora remetida e a ilegalidade do próprio acto a praticar.

Sem prescindir,

XI. O acto notificado não cabe nas competências do Órgão de Execução Fiscal.

XII. A entrega do bem, pelo depositário, é um acto que está apenas na disponibilidade do adquirente C…………, Lda., pelo que o Chefe do Serviço de Finanças não pode determinar nem ordenar a prática do acto ora notificado.

XIII. O CPPT, ao regular o processo de execução fiscal (arts. 148.º e ss), em nenhum lado prevê a possibilidade do prosseguimento desta execução para a entrega efectiva do bem, em contrário do que acontece em outros incidentes, em que se remete para o CPC, como no caso dos arts. 246.º, 252.º, 257.º, n.º 1, al. c), 258.º do CPPT, entre outros.

XIV. Por outro lado, não se vê como se possa coadunar o processo de execução para entrega de coisa certa, previsto no Código de Processo Civil, com o processo fiscal, em cujos autos seria processado o seu prosseguimento.

XV. Face ao exposto é forçoso concluir pela incompetência do Órgão de Execução Fiscal para determinar e concretizar a diligência de entrega efectiva do bem ao adquirente e, também, pela inadequação do meio processual utilizado pela Administração Tributária.

Sem Prescindir e ad cautelam,

XVI. O despacho reclamado e a diligência agendada não cumprem os requisitos legalmente exigíveis.

XVII. O imóvel sito na Rua ……, n.º ….., ………, Caldas da Rainha, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 845, da freguesia de …….., corresponde à casa de habitação dos Reclamantes e do respectivo agregado familiar.

XVIII. Os Recorrentes e o respectivo agregado familiar não têm qualquer imóvel onde se possam realojar.

XIX. Nem possuem meios para o fazer à sua conta, atenta a carência de meios económicos e financeiros dos mesmos.

XX. A vantagem do adquirente em obter a entrega do imóvel é de natureza essencialmente económica (por dele não necessitarem para sua habitação), pois trata-se de uma sociedade de mediação mobiliária.

XXI. Existe desproporção entre a vantagem imediata do adquirente e o prejuízo imediato dos Recorrentes e respectivo agregado familiar, justificando-se, assim, o diferimento da desocupação do imóvel por período não inferior a 10 meses.

XXII. Atentas as dificuldades comprovadamente existentes no realojamento dos Recorrentes e do respectivo agregado familiar, sempre se dirá que a diligência de entrega efectiva do bem não se pode realizar sem a prévia comunicação à Câmara Municipal de Caldas da Rainha e às entidades assistenciais competentes, de acordo com o estipulado na parte final do art. 930.º, n.º 6, do CPC.

XXIII. No despacho reclamado não se encontram demonstradas tais comunicações, pelo que, também por este facto, a diligência de entrega coerciva do bem agendada devem ser anuladas e declaradas ilegais e o despacho reclamado revogado, tudo com todas as demais consequências legais.

XXIV. A reclamação apresentada pelos Recorrentes deve, assim, e pelo exposto, proceder.

Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao recurso, julgando-o procedente em conformidade com as presentes conclusões e revogando a douta sentença recorrida, farão, como de costume, inteira e sã JUSTIÇA» (Aqui como adiante, as partes entre aspas e em itálico são transcrições; por outro lado, em virtude do uso do itálico nas transcrições, as partes que no original surgiam em itálico figurarão em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pelos autores.).

1.4 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.5 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, considerando, para além do mais, que o parecer do Ministério Público «não suscitou qualquer questão que obstasse ao conhecimento do pedido», indeferiu a arguição da nulidade e ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, cujo Representante emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento com a seguinte fundamentação:

«1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 146 e segs., que julgou improcedente a reclamação apresentada pelos Recorrentes contra o despacho do senhor chefe de finanças que determinou a desocupação do imóvel objecto de venda nos autos de execução fiscal através de meios coercivos.
Para tanto os Recorrentes invocam os seguintes vícios da sentença recorrida:
a) Nulidade, por preterição de formalidade legal decorrente da falta de audição das testemunhas por si arroladas;
b) Nulidade, por violação do princípio do contraditório decorrente da falta de notificação do parecer do Ministério Público;
c) Erro de julgamento, por o acto reclamado padecer do vício de incompetência do autor do acto.

2. Na sentença recorrida o Mmo. Juiz [do Tribunal] “a quo” elegeu como questão decidenda saber se o acto praticado pelo órgão de execução fiscal ao designar o dia 23/04/2013 para a entrega do imóvel adjudicado no processo de execução fiscal por meios coercivos padecia ou não de vício de ilegalidade.
Para se decidir pela improcedência da reclamação o Mmo. Juiz [do Tribunal] “a quo” considerou que
a) No que respeita às invocadas invalidades do processo de execução fiscal, as mesmas já haviam sido apreciadas em sede do processo n.º 1734/09.0BELRA, e sobre as mesmas entendeu ter-se formado caso julgado;
b) No que respeita à falta de citação para os efeitos do art. 928.º do CPC, a mesma não se verifica, atento o que ficou assente no probatório;
c) No que respeita à falta de competência e legitimidade para a prática do acto de entrega do imóvel adjudicado, considerou que o órgão respeitou o disposto no artigo 901.º do Código de Processo Civil, na redacção então em vigor, uma vez que o acto foi praticado na sequência do pedido do adquirente do bem;
d) E quanto aos formalismos previstos no artigo 930.º, n.º 6, do CPC, na redacção então em vigor, o tribunal “a quo” considerou que os mesmos foram respeitados, uma vez que os Recorrentes nunca suscitaram junto do órgão da execução fiscal qualquer questão relacionada com dificuldades no seu realojamento. E no que respeita ao diferimento na desocupação do imóvel já tinham decorrido cerca de quatro anos desde a data em que os executados foram notificados para entrega do imóvel, motivo pelo qual carecia de fundamento válido para tal pedido.

3.1 Importa agora apreciar cada um dos vícios invocados pelos Recorrentes.

No que respeita à nulidade por preterição de formalidade legal decorrente da falta de audição das testemunhas por si arroladas importa referir que a mesma só ocorre se na apreciação das questões por parte do tribunal recorrido o contributo que os depoimentos das testemunhas arroladas pudessem prestar se revestisse de interesse para a boa decisão da causa. Ora, os Recorrentes limitam-se a invocar a falta de audição sem especificar em que termos a referida audição contribuiria para essa boa decisão da causa, sendo certo que a lei não impõe que o juiz profira despacho a apreciar especificamente essa questão. Ora, se o juiz considerar que a questão a dirimir é exclusivamente de direito ou, sendo também de facto, que o processo contém já todos os elementos que permitam a decisão, deve conhecer de imediato do pedido (após dar vista ao MºPº) – arts. 113.º, n.º 1, e 114.º, do CPPT –, não havendo necessidade de produzir prova, por se tratar de um acto inútil – cfr. neste sentido e entre outros o acórdão do TCA Sul de 19/10/2004, recurso n.º 7203/02,
No caso concreto dos autos e em função das questões apreciadas pelo tribunal “a quo” não se vislumbra qualquer insuficiência da matéria de facto, nem a mesma é alegada pelos Recorrentes. Por outro lado também não é alegada qualquer factualidade não assente na sentença recorrida que a provar-se conduzisse a outro desfecho da acção. Tanto basta para se concluir pela improcedência da referida nulidade.

3.2 Nulidade por falta de notificação do parecer do MºPº.

Dispunha a este propósito o artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo tributário ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT:
“3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
E nos termos do n.º 2 do art. 121.º do CPPT, «se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública».
Igualmente nos termos do art. 3.º-A do Código de Processo Civil e art. 98.º da LGT, o tribunal deve assegurar ao longo do processo o princípio da igualdade das partes. E dos arts. 13.º e 20.º da Constituição resulta que o “princípio da igualdade processual ou de armas ... demanda que as partes sejam colocadas, no processo judicial, em perfeita paridade de condições para obter a justiça que reclamam”.
No caso dos autos o teor do parecer do MºPº não foi notificado às partes.
A omissão de tal formalidade é susceptível de dar origem a nulidade processual 1 [1 «A falta de notificação do recorrente para se pronunciar sobre questão nova, suscitada pelo MP em parecer enuncio imediatamente antes de ser profunda a sentença, configura nulidade secundária a arguir em recurso jurisdicional a interpor desta sentença» - acórdão do STA de 04/12/2002, rec. n.º 01314/02»]. Nos termos do art. 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil a omissão de acto ou formalidade prescrita na lei produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa.
Atento que não existe norma específica a prever tal nulidade, importa apurar se a referida omissão é susceptível de influir na decisão da causa.
Como se alcança do parecer vertido a fls. 133 dos autos pelo MºPº em 1.ª instância, o mesmo limitou-se a alegar que a situação já tinha sido apreciada noutro processo a correr termos no mesmo tribunal e a invocar genericamente a legalidade da actuação da Administração Fiscal e a defender a improcedência da reclamação. Ou seja, no parecer do MºPº não é suscitada qualquer questão nova (já que não foi invocado caso julgado a propósito do outro processo), nem sequer argumentação jurídica ou outra a favor das teses em confronto. Assim sendo podemos concluir que o referido parecer não revela potencialidade para influir no exame ou decisão da causa, por não carrear para os autos qualquer contributo nesse sentido. E assim sendo, afigura-se-nos que a inviabilização da pronúncia dos Recorrentes sobre o parecer do Ministério Público não influiu no exame ou decisão da causa e nessa medida não produz nulidade ao abrigo do n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil 2 [2 Neste sentido o acórdão do STA de 30110/2013 (recurso n.º 01492/13): 1 - Em processo de reclamação de acto do órgão da execução fiscal, e para garantir o contraditório, a notificação do parecer do Ministério Público só tem de existir quando, sem essa notificação, fique prejudicada para uma das partes a ampla discussão de todos os fundamentos em que a decisão se possa basear, sendo injustificada a notificação do parecer quando nele não seja suscitada ou abordada qualquer questão nova].
Entendemos, assim, que improcede igualmente o recurso nesta parte.

3.3 Quanto à falta de competência do órgão de execução fiscal para determinar a entrega do imóvel ao abrigo dos artigos 256.º, n.º 2, do CPPT e 901.º e 930.º do CPC.
Alegam os Recorrentes que estando o imóvel adjudicado ao adquirente, não assiste legitimidade e competência ao órgão de execução fiscal para determinar a sua entrega coerciva. E para tanto invocam que não foram citados, ao abrigo do disposto no artigo 928.º, o que configura nulidade. E por outro lado a redacção do artigo 256.º, n.º 2, foi introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pelo que não é aplicável ao caso concreto. E como não está prevista no CPPT a entrega de coisa certa órgão de execução fiscal não tem competência para o acto.
Invocam ainda a nulidade do despacho, já que tratando-se de casa de morada de família e atentas “as dificuldades comprovadamente existentes no realojamento” dos elementos do agregado familiar, devia ter sido comunicado à Câmara Municipal de Caldas da Rainha, o que não foi feito. E por último invocam que se mostram reunidos os pressupostos para o diferimento da desocupação do imóvel por um período de 10 meses, o que lhes foi negado pela sentença recorrida.
De acordo com a factualidade assente, o executado foi citado em 07/10/2009, nos termos do artigo 928.º do Código de Processo Civil para proceder à entrega do bem com a consequente entrega das chaves do imóvel - alíneas K) e L) da matéria de facto. Consta igualmente que em 18/07/2012 a adquirente do imóvel dirigiu ao chefe do Serviço de Finanças um requerimento a solicitar a entrega coerciva do bem, invocando que o mesmo ainda não lhe havia sido entregue pelo executado alínea O) da matéria de facto. E é na sequência desse requerimento que é proferido o despacho do chefe de finanças, datado de 05/03/2013, a designar dia para a entrega coerciva do bem, despacho este que foi objecto da reclamação apresentada pelo Recorrente – alíneas Q) e U) da matéria de facto.
Como refere o Recorrente, as alterações ao artigo 256.º do CPPT que prevêem expressamente a disciplina sobre a entrega de bem vendido no processo de execução fiscal foram introduzidas pela Lei n.º 55.º-A/2010, de 31 de Dezembro, que acrescentou dois números com a seguinte redacção:
“2 - O adquirente pode, com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens.
3 - O órgão de execução fiscal pode solicitar o auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado ao adquirente.”
Carecem, assim, de fundamento legal as alegações do Recorrente sobre a omissão da citação prevista no artigo 928.º do Código de Processo Civil, a falta de legitimidade do órgão de execução fiscal e a não aplicação dos normativos introduzidos pela Lei n.º 55.º-A/2010. Com efeito, ao contrário do que é pressuposto das alegações do Recorrente, o requerimento do adquirente a solicitar a entrega coerciva do bem foi apresentado já na vigência dessas alterações, as quais se aplicam aos processos pendentes a partir da sua entrada em vigor. Mas ainda que assim não ocorresse, sempre as disposições do Código de Processo Civil seriam aplicáveis subsidiariamente, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
No que respeita à invocação da nulidade do despacho, por se tratar de casa de morada de família e não ter sido efectuada comunicação à Câmara Municipal de Caldas da Rainha, atentas as alegadas “dificuldades comprovadamente existentes no realojamento” dos elementos do agregado familiar, importa referir que, como se deixou exarado na sentença recorrida, o Recorrente não comprovou essa alegadas dificuldades, nem questionou no recurso interposto para este tribunal a matéria de facto assente. Ora, no despacho do órgão de execução fiscal objecto de reclamação é considerada a circunstância das eventuais dificuldades de realojamento por parte do executado e conclui-se que o mesmo é titular de outro prédio afecto a habitação, motivo pelo qual se conclui pela desnecessidade dessa comunicação á autarquia local, como resulta da alínea Q) da matéria de facto. Afigura-se-nos, assim, que nada há a censurar nesta parte à sentença recorrida.
Por último invocam os Recorrentes que se mostram reunidos os pressupostos para o diferimento da desocupação do imóvel por um período de 10 meses. Sucede que os Recorrentes nunca requereram esse diferimento, nem fizeram qualquer prova dos pressupostos previstos no artigo 930.º-C do Código de Processo Civil. E como é referido na sentença recorrida, desde Outubro de 2009 que o processo se arrasta para entrega do imóvel à adquirente, com os consequentes prejuízos para esta, tempo mais que suficiente para que os Recorrentes providenciassem e assegurassem alternativa para a sua habitação.
Entendemos, assim, que igualmente nesta parte a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve igualmente ser confirmada».

1.7 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são, como procuraremos demonstrar adiante as de saber

· se o processo enferma de nulidades
– por não terem sido inquiridas as testemunhas arroladas pelos Reclamantes sem que fosse dada qualquer justificação para essa falta de inquirição (cf. ponto II da alegação);
– por falta de notificação aos Reclamantes do parecer do Ministério Público (cf. conclusões II a IV);

· se a sentença fez errado julgamento

– quando considerou que o serviço de finanças tem competência para ordenar a entrega do bem vendido no processo de execução fiscal (cf. conclusões V, VI e XI a XV);
– quando decidiu que os Reclamantes foram citados nos termos do art. 928.º do Código de Processo Civil (CPC) (cf. conclusões VII e VII);
– quando não decretou o diferimento da desocupação do imóvel (cf. conclusões XVII a XXI);
– quando não atendeu à invocada falta de comunicação da desocupação do imóvel à Câmara Municipal de Caldas da Rainha e às entidades assistenciais competentes (cf. conclusões XXII e XXIII).

Prévia e oficiosamente, deixaremos ainda uma breve nota quanto à questão de saber se os Recorrentes atacam a sentença.


*

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em 25/07/2006 foi instaurado em nome A………, no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, a execução fiscal n.º 1350200601033301 relativa ao IVA do 1.º Trimestre de 2006, no valor de 11.049,30 € - cfr. fls. 1 e 2 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso aos Autos;

B) Em 14/03/2007 foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, o instrumento constante a fls. 10 do PEF apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, denominado “Auto de Penhora”, no qual consta como Executado A…….., casado em comunhão geral de bens com B……, e onde se refere que foi penhorado o prédio identificado com o artigo matricial 845 da freguesia de ……..;

C) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, de 3/11/2008, foi marcada a venda judicial do bem imóvel referido na alínea anterior para o dia 19/08/2009, por meio de proposta em carta fechada, tendo sido ali determinado a notificação do fiel depositário, cônjuge e credores com garantia real – cfr. fls. 100 do PEF apenso aos Autos;

D) Em 07/11/2008, foi remetido para o Reclamante A……., por carta registada com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 101 do PEF, no qual refere que por despacho de 3/11/2008, foi designado o dia 19 de Agosto de 2009 para a venda do prédio misto inscrito nas respectivas matrizes sob os artigos rústico n.º 500 e urbano n.º 845 da freguesia de ………., mediante proposta em carta fechada;

E) Em 12/11/2008, o Reclamante A…….. assinou o Aviso de Recepção referido na alínea anterior - cfr. fls. 102 do PEF;

F) Em 07/11/2008, foi remetido para a Reclamante B………, por carta registada com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 103 do PEF, no qual refere que por despacho de 13/11/2008, foi designado o dia 19 de Agosto de 2009 para a venda do prédio do imóvel penhorado a A………;

G) Em 17/04/2009, foi lavrado auto de abertura e aceitação de propostas do imóvel descrito em B), no qual consta a única proposta apresentada pela sociedade C………, Lda. pelo valor de 68.100,00 € - cfr. fls. 180 do PEF;

H) Em 1/07/2009, a sociedade C……….., Lda. efectuou o depósito do preço referente à venda supra através do DUC 091021135071221102300016 e efectuou o pagamento do respectivo imposto de selo com o DUC n.º 163409000789269 - cfr. fls. 186 e 189 do PEF;

I) Em 7/09/2009 deu entrada no Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, o instrumento constante a fls. 23 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e onde a sociedade C…….., Lda. requer ao Chefe do Serviço de Finanças a entrega do imóvel inscrito sob o artigo 845 na matriz predial de ……..;

J) Em 10/09/2009, foi remetido para o Reclamante A……….., por correio registado e com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 24 dos autos, sob o n.º 6497, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e onde consta com interesse para o caso dos autos o seguinte: «(...) Fica V. Exa, por este meio citado/apara, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da data da presente citação, e de harmonia como o disposto no art. 928.º do Código de Processo Civil entregar neste Serviço de Finanças, as chaves do imóvel abaixo descrito por ter sido adquirido por C……….., Lda., nipc ………, através de venda por proposta em carta fechada, efectuada em 17.04.2009, ao balcão deste Serviço, no âmbito do(s) processo(s) de execução fiscal n.º(s) 1350200601033301 e aps. (...)»;

K) Em 01/10/2009, foi remetido para o Reclamante A………., por correio registado e com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 25 dos autos, sob o n.º 7149, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e onde consta com interesse para o caso dos autos o seguinte: «(…) Fica V. Exa, por este meio citado/a para, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da data da presente citação, e de harmonia como o disposto no art. 928.º do Código de Processo Civil entregar neste Serviço de Finanças, as chaves do imóvel abaixo descrito por ter sido adquirido por C………, Lda., nipc ………, através de venda por proposta em carta fechada, efectuada em 17.04.2009, ao balcão deste Serviço, no âmbito do(s) processo(s) de execução fiscal n.º(s) 1350200601033301 e aps. (...)»;

L) Em 7/10/2009 o aviso de recepção referido na alínea anterior foi assinado pelo Reclamante A……… - cfr. fls. 25 verso dos autos;

M) Em 7/07/2010 foi proferida sentença no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nos autos n.º 1734/09.0 BELRA, na qual foi julgada improcedente a reclamação apresentada pelos ora Reclamantes e onde consta com interesse para os autos o seguinte:

[segue-se transcrição parcial da referida sentença, com cópia de fls. 164 a 180]

-cfr. documentos juntos aos autos nos termos do art. 412.º, n.º 2, in fine, do CPC;

N) Em 4/05/2011, foi proferido Acórdão no STA, o qual confirmou a sentença referida na alínea anterior - cfr. documentos juntos aos autos nos termos do art. 412.º, n.º 2, in fine, do CPC;

O) Em 18/07/2012 deu entrada no Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, o instrumento constante a fls. 32 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e onde a sociedade C……., Lda. requer ao Chefe do Serviço de Finanças a entrega do imóvel inscrito sob o artigo 845 na matriz predial de …………..;

P) Em 5/07/2013 foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Caldas da Rainha o instrumento constante a fls. 37 dos autos “Informação/Conclusão”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde consta com interesse para o caso dos autos o seguinte: «(...)

INFORMAÇÃO / CONCLUSÃO
Em complemento à informação prestada em 12.10.2011 a fls. 231 dos presentes autos, a adjudicatária C………. Lda nipc ……….. veio mais uma vez, aos autos, solicitar a entrega efectiva do bem.
Nesse sentido, atento o teor da sentença proferida em 09.12.2011, que recaiu sobre a reclamação, deduzida em 28.10.2011, nos termos do art. 276.º do CPPT após citação efectuada ao executado nos termos e para os efeitos do art. 928.º do CPC, subiram os autos à Direcção de Finanças (Divisão de Justiça Tributária) para uma melhor apreciação da decisão proferida.
Assim, foram consideradas reunidas as condições necessárias e legais para o Chefe do Serviço de Finanças promover a entrega efectiva do bem à adjudicatária.
Tendo em conta que o executado alegou na reclamação, entre outros motivos, que:
– o imóvel vendido trata-se da habitação do agregado familiar ocupado pelo próprio, a esposa, 2 filhas (com mais de 20 anos) e a sogra,
– não tem qualquer outro imóvel onde se possa realojar,
– o executado e o respectivo agregado familiar vivem com bastantes dificuldades económicas,
– não foram previamente efectuadas as comunicações quer à Câmara Municipal de Caldas da Rainha quer às entidades assistenciais competentes previsto no n.º 6 do art. 930.º do CPC,
após consulta ao sistema informático verifica-se que:
– As filhas D……….. de 23 anos e E………. de 29 ambas com domicílio fiscal na morada do prédio são sócias da firma F………Lda nipc …….. e B……… (cônjuge do executado) gerente da mesma, cuja actividade teve início em 28.10.2009 inscrita como principal o comércio a retalho de frutas e produtos hortícolas e secundária a construção de edifícios, com um volume de negócios, no ano de 2011, de € 138 808,12.
– A filha E……… auferiu rendimentos Cat. A no ano de 2011 pagos pela firma G……… Lda nipc …….. com sede em Matosinhos,
– Consultada a DR do ano de 2011, verifica-se também que o executado, não obstante tenha o mesmo domicílio fiscal do cônjuge B……….., não consta como sujeito passivo.
– A DR é apresentada por B………. como única titular dos rendimentos auferidos pela firma da qual é gerente, tendo a cargo a filha D……… como dependente e cujas despesas de educação indicadas para o ano de 2011 são de apenas € 65,00.
– Da referida declaração de rendimentos não consta também qualquer referência como existindo ascendentes em comunhão de habitação.
Nestes termos, ponho à consideração superior a tramitação dos autos (…)»;

Q) Em 5/03/2013 foi subscrito pelo Chefe de Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, o seguinte despacho: «

Por requerimento de 16.07.2012, veio C………. Lda nipc ………, requerer a entrega efectiva do imóvel, composto de casa de habitação de r/c de 1.º andar, no …….., concelho de Caldos da Rainha, inscrita na matriz urbana da freguesia de ………. sob o art. 845. Trata-se de um prédio que a requerente adquiriu por compra no âmbito da execução fiscal identificado em que é executado A……….., ao tempo casado, cuja venda foi realizada no dia 17.04.2009, neste Serviço de Finanças. Já em 28.10.2011, o executado A………. havia deduzido reclamação ao abrigo do art. 276.º do CPPT contra o meu despacho que ordenara a entrega do bem por meios coercivos, por se ter recusado a efectuar a entrega voluntária, conforme notificação de 21.10.2011.
Serviram de fundamentos a essa reclamação, resumidamente, incompetência do S.F. para a entrega do bem por meios coercivos, falta de meios económicos, dificuldades de realojamento. Ora, estas alegações parecem não corresponder à realidade, já que as pessoas que compõem o agregado familiar são titulares de rendimentos ou gerem empresas com considerável volume de negócios, como consta da informação anexa que fica a fazer parte integrante deste despacho.
Quanto à habitação, o executado, ex cônjuge e sogra do executado, são titulares do direito à herança deixada por óbito de H………, da qual faz parte um prédio destinado a habitação, no mesmo lugar do ……. que é ou foi residência da sogra.
Face ao requerido e tendo em conta o exposto, ao abrigo do disposto nos art. 256.º n.º 2 do CPPT e arts. 901.º e 930.º do C.P.C. determino a entrega por meios coercivos do prédio inscrito sob o art. n.º 845.º da matriz urbana da freguesia de ……. .
A entrega em questão terá lugar no dia 23 de Abril de 2013, pelas 10 horas.
Promova notificações aos executados, autoridades policiais, presidente da junta de freguesia e adjudicatário (…)»;

R) Em 06/03/20 13, foi remetido para o Dr. I…….., na qualidade de mandatário dos reclamantes, o instrumento constante a fls. 39 dos autos, com o n.º 01889, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e onde consta com interesse para o caso dos autos o seguinte: «(...) Fica Vª Exª. por este meio notificado/a na qualidade de mandatário que, em conformidade com o determinado nos arts. 901.º e 930.º do Código do Processo Civil e n.º 2 do art. 256.º do CPPT, por meu despacho de 05.03.2013 exarado nos autos supra identificados, do qual se anexa fotocópia, foi designado o dia 23 de Abril de 2013 pelas 10 horas para a entrega por meios coercivos ao seu legítimo proprietário, livre e devoluto de pessoas e bens, do prédio urbano sito ………, inscrito na respectiva matriz sob o art. 845 da freguesia de ………., a confrontar do norte e nascente com H…….., sul com estrada camarária e poente com serventia pública, penhorado nos autos e cuja venda, por proposta em carta fechada, foi realizada no dia 17.04.2009 (...)»;

S) Em 06/03/2013, foi remetido para o Reclamante ....., o instrumento constante a fls. 42 dos autos, com o n.º 01887, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e onde consta com interesse para o caso dos autos o seguinte: «Fica V.ª Exª. por este meio notificado/a que, em conformidade com o determinado nos arts. 901.º e 930.º do Código do Processo Civil e n.º 2 do art. 256.º do CPPT por meu despacho de 05.03.2013 exarado nos autos supra identificados, do qual se anexa fotocópia, foi designado o dia 23 de Abril de 2013 pelas 10 horas para a entrega por meios coercivos ao seu legítimo proprietário, livre e devoluto de pessoas e bens, do prédio urbano sito ………, inscrito na respectiva matriz sob o art. 845 da freguesia de …….., a confrontar do norte e nascente com H…….., sul com estrada camarária e poente com serventia pública, penhorado nos autos e cuja venda, por proposta em carta fechada, foi realizada no dia 17.04.2009 (…)»;

T) Em 06/03/2013, foi remetido para a Reclamante B………, o instrumento constante a fls. 43 dos autos, com o n.º 01888, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e onde consta com interesse para o caso dos autos o seguinte: «Fica Vª Exª. por este meio notificado/a que, em conformidade com o determinado nos arts. 901.º e 930.º do Código do Processo Civil e n.º 2 do art. 256.º do CPPT, por meu despacho de 05.03.2013 exarado nos autos supra identificados, do qual se anexa fotocópia, foi designado o dia 23 de Abril de 2013 pelas 10 horas para a entrega por meios coercivos ao seu legitimo proprietário, livre e devoluto de pessoas e bens, do prédio urbano sito …….., inscrito na respectiva matriz sob o art. 845 da freguesia de ………., a confrontar do norte e nascente com H………., sul com estrada camarária e poente com serventia pública, penhorado nos autos e cuja venda, por proposta em carta fechada, foi realizada no dia 17.04 2009 (…)»;

U) A presente reclamação foi apresentada em 18/03/2013, conforme decorre da data referida a fls. 3 dos autos».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 Desde logo, em face das conclusões de recurso formuladas pelos Recorrentes (São as conclusões que delimitam o âmbito e o objecto do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), normas a que, na versão deste Código em vigor até 1 de Setembro de 2013, correspondiam, respectivamente aos arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1.) poderá questionar-se se estes atacam ou não a sentença recorrida, uma vez que, apesar de a final pediram a sua revogação, não se lhe referem directamente senão na primeira conclusão – na qual, singelamente, se limitam a afirmar que com ela não se conformam –, para lhe imputarem vício ou erro algum. Vejamos:
Os recursos jurisdicionais são meios de impugnação das decisões dos tribunais, visando alterá-las ou anulá-las após reexame da matéria de facto e ou de direito nelas apreciada, pelo que podem ter por fundamento qualquer vício de forma ou de fundo que o recorrente entenda que afecta a decisão recorrida. Daí que nas conclusões das alegações o recorrente deva especificar os fundamentos por que discorda da decisão recorrida e pretende a revogação do que ficou decidido.
Sendo o objecto do recurso jurisdicional a sentença recorrida que julgou improcedente a reclamação judicial deduzida pelos ora Recorrentes contra o despacho que designou data para a entrega por meios coercivos do bem penhorado e vendido na execução fiscal em que o Recorrente marido foi executado, deveriam estes, nas respectivas conclusões, indicar os concretos motivos por que discordam da decisão.
Ora, nas alegações de recurso, que acima transcrevemos, os Recorrentes, para além da invocação de nulidades processuais – que, manifestamente, não constituem vícios da sentença ou erros de julgamento que nela ocorram, apesar de poderem ser invocadas em sede de recurso (Sobre a distinção entre nulidades processuais e nulidades da sentença e a possibilidade daquelas serem arguidas perante o tribunal de recurso, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotações 2 e 3 ao art. 125.º, págs. 353 a 356.) –, limitaram-se a reiterar a tese que haviam já sustentado na petição inicial, sendo inclusive que as conclusões de recurso que formularam sob os n.ºs V a XXIV são, quase integralmente, a reprodução das conclusões com os n.ºs IV a XXV da reclamação judicial ( Recorda-se que o n.º 1 do art. 277.º do CPPT impõe que na petição inicial da reclamação judicial prevista no artigo anterior sejam formuladas conclusões.). Ou seja, os Recorrentes, ao invés de elencarem os motivos por que divergem da sentença, entenderam reiterar a argumentação que expenderam na reclamação em ordem a demonstrar a ilegalidade do despacho reclamado.
Pode, pois, questionar-se se verdadeiramente atacam a sentença, na medida em que não vislumbramos nas alegações de recurso e respectivas conclusões a indicação dos motivos por que entendem que a sentença fez errado julgamento.
Seja como for, afigura-se-nos, na senda da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 25 de Junho de 1997, proferido no processo n.º 20.289, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32220.pdf), págs. 1937 a 1941;
– de 4 de Março de 1998, proferido no processo n.º 20.799, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32210.pdf), págs. 700 a 706;
– de 2 de Fevereiro de 2000, proferido no processo n.º 22.418, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Novembro de 2002 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32212.pdf), págs. 275 a 278;
– de 2 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 909/11 publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Julho de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32240.pdf), págs. 1976 a 1980;
– de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 1539/13, ainda não publicado no jornal oficial, ma disponível em
http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3d87c8beaeb7d4fc80257c5a00396789?OpenDocument.), que é de admitir como forma de atacar a decisão recorrida que se pronunciou sobre o mérito da causa a defesa das razões que, no entender do recorrente, devem levar à sua procedência, ainda que nas conclusões de recurso não se contenham referências explícitas à decisão recorrida. Segundo essa jurisprudência, o ónus de alegar do recorrente não exige que se afronte directamente a sentença recorrida, dizendo que esta está errada, ou que está mal, ou que é injusta, ou que é ilegal, bastando que as alegações de recurso e respectivas conclusões constituam uma crítica perceptível àquela sentença.
Concordamos com essa jurisprudência, que se baseia no entendimento de que na interpretação das peças processuais, como é cada vez mais evidente em face dos princípios do moderno processo civil e do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cf. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), são vedados os rigores formalistas, não se exigindo o uso de fórmulas sacramentais para a prática de actos das partes no processo, bem como de que neste se deve evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais: que a forma prevaleça sobre o fundo (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.).
No caso sub judice os Recorrentes pretendem, inequivocamente, atacar a sentença recorrida, como resulta claramente do requerimento de interposição do recurso e do pedido de revogação da sentença que formularam a final. Nada obsta a que esse ataque se faça de forma indirecta, reiterando os Recorrentes nas alegações de recurso as posições assumidas na petição inicial e que não lograram vencimento na 1.ª instância.
Claro que se o recorrente não indica os concretos motivos da sua discordância, corre o risco de que o tribunal ad quem, concordando com a sentença recorrida, se limite, sem mais, a remeter para a fundamentação que nela foi expendida. Na verdade, nessa circunstância, nada mais haverá a ponderar, não tendo o tribunal de recurso, designadamente, de procurar convencer o recorrente através de outra diversa fundamentação.
Entendemos, pois, dever conhecer do recurso.

2.2.2.2 Num processo de execução fiscal instaurado contra o ora Recorrente foi penhorado e vendido um imóvel.
Na sequência dessa venda, a sociedade adquirente pediu ao chefe do órgão da execução fiscal, por mais do que uma vez, a entrega do bem.
Na sequência desse pedido, o órgão da execução fiscal citou os ora Recorrentes nos termos do disposto no art. 928.º do CPC, na redacção em vigor à data.
Não tendo sido possível conseguir a entrega voluntária, o chefe do órgão da execução fiscal determinou a entrega coerciva.
Desse despacho reclamaram os ora Recorrentes, mas sem sucesso, pois o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou a reclamação improcedente.
Vêm agora os Reclamantes recorrer dessa sentença para este Supremo Tribunal Administrativo.
Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, começam por arguir duas nulidades processuais: a primeira, por não terem sido inquiridas as testemunhas oferecidas pelos Reclamantes na petição inicial da reclamação judicial e por o Juiz não ter justificado essa falta de inquirição; a segunda, por não terem sido notificados do parecer proferido pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Depois, insurgem-se contra a sentença, imputando-lhe erro de julgamento
· quando considerou que o serviço de finanças tem competência para ordenar a entrega coerciva do bem vendido no processo de execução fiscal, que «está apenas na disponibilidade do adquirente», tanto mais que não é aplicável o art. 256.º, n.º 2, do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 30 de Dezembro, uma vez que estava em vigor à data em que se iniciou o processo de execução fiscal e por não estar prevista no CPPT a execução para entrega de coisa certa (cf. conclusões V, VI e XI a XV);
· quando considerou que os Reclamantes foram citados nos termos do art. 928.º do CPC (cf. conclusões VII e VII);
· quando não decretou o diferimento da desocupação do imóvel (cf. conclusões XVII a XXI);
· quando não atendeu à invocada falta de comunicação da desocupação do imóvel à Câmara Municipal de Caldas da Rainha e às entidades assistenciais competentes e à falta de referência a essas comunicações no despacho reclamado (cf. conclusões XXII e XXIII).

Assim, as questões que cumpre apreciar e decidir, como adiantámos no ponto 1.8, são as de saber se o processo enferma das referidas nulidades (i) por não terem sido inquiridas as testemunhas arroladas na petição inicial e por o Juiz não ter justificado essa falta de inquirição e (ii) por os Reclamantes não terem sido notificados do parecer proferido pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria; se a sentença fez errado julgamento (iii) quando considerou que o serviço de finanças tem competência para ordenar a entrega do bem vendido no processo de execução fiscal, (iv) quando decidiu que os Reclamantes foram citados nos termos do art. 928.º do CPC, (v) quando não decretou o diferimento da desocupação do imóvel e (vi) quando não atendeu à invocada falta de comunicação da desocupação do imóvel à Câmara Municipal de Caldas da Rainha e às entidades assistenciais competentes.


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2.2.2 DAS NULIDADES PROCESSUAIS

2.2.2.1 Quanto à invocada nulidade por não terem sido inquiridas as testemunhas oferecidas pelos Reclamantes na petição inicial da reclamação judicial e por o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria não ter justificado essa falta de inquirição:

Desde logo, não é verdade que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria não tenha justificado o motivo por que não procedia à inquirição: a fls. 146, imediatamente antes de proferir sentença, deixou dito: «Compulsados os autos, conclui-se que o processo dispõe de todos os elementos para a boa decisão da causa e por conseguinte dispensa-se a produção de prova testemunhal».
Assim, independentemente de saber a falta do despacho a dispensar a inquirição das testemunhas constitui ou não nulidade, porque esse despacho foi proferido nunca poderia verificar-se a nulidade invocada com esse fundamento.
Resta, pois, averiguar se a própria falta de inquirição constitui nulidade processual.
Manifestamente, não.
Como é sabido, nulidades processuais são desvios do formalismo processual seguido em relação ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (Vide MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., pág. 176.). Ora, a falta de inquirição das testemunhas não consta do rol exaustivo de nulidades insanáveis constante do art. 98.º do CPPT, nem constitui uma nulidade processual à luz do regime do art. 195.º e segs. do CPC, segundo o qual «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: (i) prática de um acto proibido; (ii) omissão de um acto prescrito na lei; (iii) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas. Concomitantemente, têm de poder influir no exame ou na decisão da causa (Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 d) ao art. 98.º, pág. 87, «como decorre do citado art. 201.º, n.º 1, do CPC, na falta de norma especial que comine a sanção de nulidade para determinada irregularidade, estas só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Isto significa que, quando não há tal possibilidade de influência, não há nulidade, mas também que, para haver nulidade basta a mera possibilidade de influência da irregularidade na decisão da causa, não dependendo a existência de uma nulidade da demonstração de que houve efectivo prejuízo. No entanto, se se demonstrar positivamente que a irregularidade que tinha potencialidade para influenciar a decisão da causa acabou por não ter qualquer influência negativa para a parte a quem o cumprimento da formalidade ou o eliminação do acto indevidamente praticado podia interessar, a nulidade deverá considerar-se sanada, pois, nessas condições, seria cumprir essa formalidade ou eliminar o acto indevidamente praticado».).
Ora, a falta de inquirição de testemunhas não constitui nulidade porque não surge como diligência cuja realização se imponha inelutavelmente ao juiz, antes cabendo a este avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, constam do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido.
Compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, decidindo «se deve ou não realizar diligências que forem requeridas, podendo oficiosamente realizar as diligências que entender úteis para a descoberta da verdade, em relação aos factos alegados ou de que oficiosamente possa conhecer (art. 99.º, n.º 1, da LGT)» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 8 g) ao art. 278.º, págs. 312/313.).
Ou seja, a lei não prescreve que deve haver sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal geradora de nulidade processual.
O que não obsta a que a omissão de diligências de prova, quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, possa afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando a anulação da sentença por défice instrutório com vista a obter o devido apuramento dos factos. Por conseguinte, se a avaliação efectuada pelo juiz – que suporta a decisão de prescindir da inquirição das testemunhas arroladas – estiver inquinada de erro, por, ao contrário do que ele julgou, os elementos disponíveis nos autos não serem suficientes para permitir um cabal conhecimento das causas de pedir e do pedido formulado, esse erro inquinará o valor doutrinal da sentença que venha a ser proferida, por insuficiência da matéria de facto e/ou erro de julgamento de facto.
Regressando ao caso sub judice, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria considerou dispensável a inquirição das testemunhas e essa dispensa, nos termos que deixámos referidos, não constitui nulidade processual, como tem vindo a decidir uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo (Neste sentido e por mais recentes, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 28 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 388/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0e126c51f7ed08eb80257c12003aaec9?OpenDocument;
– de 27 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 1159/11, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d3fa5d25ce444b4c80257c3600544933?OpenDocument.).
Improcede, pois, a arguida nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas na petição inicial.

2.2.2.2 Quanto à invocada nulidade por falta de notificação aos Reclamantes do parecer do Ministério Público:

É certo que os Reclamantes não foram notificados desse parecer, como pode verificar-se pela consulta dos autos (cf. fls. 133 e segs.). Mas, contrariamente ao que parecem supor, a notificação desse parecer não se impõe em todas as circunstâncias e não se impunha no caso sub judice, como procuraremos demonstrar.
A notificação só se impõe nos casos em que, no parecer, o representante do Ministério Público suscite questões que obstem ao conhecimento do mérito ou sobre as quais as partes ainda não tenham tido oportunidade de se pronunciar. Recordemos, pela sua pertinência, o que diz JORGE LOPES DE SOUSA em anotação ao art. 121.º do CPPT, exprimindo doutrina sobre a intervenção do Ministério Público no processo de impugnação judicial que, referindo-se embora à fase pré-sentencial em sede de impugnação judicial, deve também ser observada relativamente à reclamação judicial prevista no art. 276.º do CPPT, processo relativamente ao qual a intervenção do Ministério Público está também prevista no n.º 2 do art. 278.º do CPPT Antes do conhecimento das reclamações, será notificado o representante da Fazenda Pública para responder, no prazo de 8 dias, ouvido o representante do Ministério Público, que se pronunciará no mesmo prazo».
Criticando a manifesta infelicidade da redacção desta norma, onde falta um e entre a referência a notificação da Fazenda Pública para responder e a audição do Ministério Público, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 8 h) ao art. 278.º, nota de rodapé com o n.º 2, pág. 313.):

«No n.º 2 do presente art. 121.º, faz-se referência à necessidade de audição do impugnante e do representante da Fazenda Pública apenas relativamente às situações em que o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido.
No entanto, se o Ministério Público arguir novos vícios do acto impugnado ou suscitar questões sobre as quais as partes ainda não tenham tido oportunidade de se pronunciar, será também obrigatória a audição das partes, em conformidade com o princípio do contraditório, enunciado no n.º 3 do art. 3.º do CPC, em que se estabelece que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Será manifestamente desnecessário assegurar o princípio do contraditório quando as questões a apreciar sejam de solução evidente, não susceptíveis de séria controvérsia por quem tenha os conhecimentos jurídicos exigíveis para intervenção em processos judiciais.
Por outro lado, torna-se necessário dar oportunidade de se pronunciarem a ambas as partes, como se prevê no n.º 2 deste art. 121.º relativamente às questões de obstem ao conhecimento do pedido. Na LPTA, relativamente aos recursos contenciosos, não se impunha a audição do recorrido sobre questões prévias suscitadas pelo Ministério Público, pois, no n.º 1 do seu art. 54.º, referia-se apenas a audição do recorrente. No entanto, no contencioso tributário, por força do princípio da igualdade de faculdades e meios de defesa (art. 98.º da LGT), não é admissível conceder faculdades processuais apenas a uma das partes.
Não será necessária, porém, a audição das partes sobre questões relativamente às quais elas já se tenham pronunciado. Designadamente, a necessidade de tal audição, que não é imposta neste art. 121.º, também não decorre do preceituado no n.º 3 do art. 3.º do CPC, que apenas proíbe que sejam decididas questões sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem.
A omissão de audição das partes, quando é obrigatória, constitui nulidade processual, enquadrável no art. 201.º, n.º 1, do CPC, com o regime de arguição previsto no art. 205.º do mesmo Código» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 5 ao art. 121.º, págs. 300/301.).

No caso sub judice, como resulta da leitura do referido parecer de fls. 133 (Parecer que é do seguinte teor:
«O presente processo já tem processo similar com o n.º 1326/11, o qual se encontra apenso.
Ali se decidiu que todo o procedimento levado a cabo pela AF estava correcto, pecando apenas por a AF de “motu próprio” ter ordenado a entrega efectiva do bem, sem o correspondente requerimento do comprador.
Essa situação encontra-se agora ultrapassada, pelo que julgo ser de improceder a presente reclamação».), o Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria não suscitou questão alguma obstativa do conhecimento do recurso, antes se tendo limitado a emitir a sua posição no sentido da improcedência da reclamação.
Pode, eventualmente, sustentar-se que a alusão aí feita a “processo similar” já decidido integraria a invocação da excepção do caso julgado. Mas, como bem salientou o Representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, no referido parecer não foi invocada essa excepção e aquela alusão foi feita sem que dela se extraísse qualquer consequência em termos jurídicos.
Seja como for, a mera invocação da existência de um “processo similar” não é suficiente para que se possam ter como preenchidos os requisitos do caso julgado, tal como o define o art. 581.º do CPC1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».). Note-se que nem sequer foi invocada causa alguma obstativa do conhecimento do mérito, sendo que aquele parecer concluiu com a indicação do sentido em que o Ministério Público entendeu dever ser decidida a reclamação: o indeferimento.
Por outro lado, como também bem salientou o Representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, naquele parecer não foi suscitada qualquer questão nova, antes «limitou-se a alegar que a situação já tinha sido apreciada noutro processo a correr termos no mesmo tribunal e a invocar genericamente a legalidade da actuação da Administração Fiscal e a defender a improcedência da reclamação».
O que significa que não havia que notificar o parecer do Ministério Público aos Reclamantes, como tem vindo a decidir este Supremo Tribunal Administrativo (Neste sentido, vide os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 25 de Junho de 2009, proferido no processo n.º 485/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (http://dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 1020 a 1022;
– de 11 de Julho de 2012, proferido no processo n.º 237/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Outubro de 2013 (http://dre.pt/pdfgratisac/2012/32230.pdf), págs. 2321 a 2323;
– de 27 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 1197/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 1000 a 1003;
– de 30 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 1492/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/729f21495abeae2c80257c1a005a5f34?OpenDocument.). A falta dessa notificação não contende, de modo algum, com o princípio do contraditório, que em nada saiu beliscado.
Assim, porque não se impunha a notificação do parecer do Ministério Público aos Reclamantes, a omissão desse acto não constitui nulidade [cf. art. 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].
Improcede, pois, a arguida nulidade por violação do princípio do contraditório por falta de notificação aos Recorrentes do parecer emitido pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de Leiria.


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2.2.3 DA COMPETÊNCIA PARA ORDENAR A ENTREGA DO BEM VENDIDO

Os Recorrentes questionam a sentença na medida em que decidiu pela competência do órgão da execução fiscal para determinar a entrega do bem vendido na execução fiscal.
Fazem-no com o fundamento de que o serviço de finanças não tem competência para ordenar a entrega coerciva do bem vendido no processo de execução fiscal, que «está apenas na disponibilidade do adquirente», tanto mais que não é aplicável o art. 256.º, n.º 2, do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), uma vez que não estava em vigor à data em que se iniciou o processo de execução fiscal e por não estar prevista no CPPT a execução para entrega de coisa certa (cf. conclusões V, VI e XI a XV).
Desde logo, os Recorrentes, totalmente alheados da sentença, fazem tábua rasa do que aí ficou dito – e que eles não questionam –, que a sociedade adquirente pediu a entrega do bem por mais do que uma vez [cf. factos provados sob as alíneas I) e O)]. Fê-lo antes e depois da entrada em vigor da redacção dada ao art. 256.º do CPPT pela Lei do Orçamento do Estado para 2011, o que significa que, relativamente a este último pedido não como há como afastar a aplicabilidade do n.º 2 daquele artigo, que foi aditado por aquela Lei, sabido que a lei adjectiva, a menos que haja ressalva expressa, é de aplicação imediata (cf. art. 12.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária).
Por outro lado, é pacificamente aceite que no caso de bens vendidos em processo de execução fiscal, mesmo antes de a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, ter aditado o n.º 2 ao art. 256.º, o adquirente podia, com base no despacho de adjudicação, requerer o prosseguimento da execução contra o detentor dos bens, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa (arts. 900.º e 901.º do CPC, na redacção aplicável). O que bem se compreende se se atentar em que a venda executiva produz os mesmos efeitos que a realizada através de negócio jurídico translativo (cf. art. 879.º do Código Civil), nomeadamente a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito.
Assim, adjudicados os bens, podia o adquirente, nos termos do referido art. 901.º do CPC, sempre na referida redacção, providenciar pela respectiva entrega requerendo, com base no despacho de adjudicação, o prosseguimento da execução (Cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 102.), sendo aplicáveis os termos adaptados do processo para entrega de coisa, previsto nos arts. 930.º e seguintes do CPC.
Foi isso que sucedeu no caso sub judice.
Por outro lado, é também aceite que são os tribunais tributários os competentes para apreciar a pretensão do adquirente de que lhe seja entrega do bem que lhe foi adjudicado em execução fiscal.
É esta a doutrina que tem vindo a ser sustentada nos tribunais (Vide os seguintes acórdãos
da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 20 de Novembro de 2002, proferido no processo n.º 1217/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32240.pdf), págs. 2741 a 2745;
– de 2 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 1115/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32220.pdf), págs. 1253 a 1259.
da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo,
– de 11 de Novembro de 2003, proferido no processo n.º 860/03, com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/82c4a29d5128070280256de40039f086?OpenDocument.) e que, no que se refere à competência dos tribunais tributários, foi adoptada pelo acórdão do Tribunal dos Conflitos de 12 de Outubro de 2004 (Acórdão proferido no processo com o n.º 3/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Maio de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32600.pdf), págs. 92 a 97, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/80be3a27013693368025713b003b5a81?OpenDocument.).
Tem-se também vindo a entender que, uma vez pedida a entrega do bem pelo adquirente, de duas uma: ou a entrega se consuma sem reacção jurídica dos que o detinham, ou, ao invés, estes deduzem oposição à execução; na primeira situação, nada obsta a que o pedido seja apreciado e decidido pelo órgão de execução fiscal, enquanto na segunda situação competirá ao tribunal tributário poderá dirimir o conflito.
A própria Administração tributária aceitou a referida doutrina e fez circular instruções – Ofício-Circulado n.º 60.080, de 14 de Dezembro de 2010, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/DC596196-1C77-4AFC-9AB3-43AC9476D026/0/Oficio_Circulado_60080.pdf.) – no sentido de que é ao órgão de execução fiscal que cabe, a requerimento do interessado, proceder à entrega do bem adjudicado em venda nos processos de execução fiscal, sendo que, nos casos em que exista reacção jurídica da parte de quem esteja a reter o bem, a decisão a proferir sobre o respectivo requerimento será da competência do tribunal tributário, por ser um acto de natureza jurisdicional, enquanto nos casos em que a resistência à entrega seja meramente física e não jurídica, cabe à administração tributária diligenciar no sentido de viabilizar essa entrega (com eventual requisição de força pública), pois trata-se de matéria que não tem natureza jurisdicional, por não existir necessidade de resolver qualquer questão jurídica controvertida.
Na verdade, naquele ofício-circulado concluiu nos seguintes termos:

«Em conclusão, para a entrega efectiva do bem vendido em execução fiscal:

1- Nos casos em que seja necessária a intervenção da administração fiscal na entrega dos bens, a iniciativa deverá ser do adquirente dos bens, mediante requerimento que justifique o motivo dessa necessidade. Este requerimento deverá fazer parte integrante do processo de execução fiscal e merecer um despacho do chefe de finanças, aceitando os argumentos e ordenando as diligências necessárias ou rejeitando o pedido, devendo justificar o motivo, ou ainda ordenando diligências para posterior decisão fundamentada.

2- A competência na prossecução do procedimento executivo pertence ao órgão de execução fiscal.

3- Deverá ser seguido um modelo adaptado do processo para a entrega da coisa, previsto nos artigos 930º e seguintes do CPC.

4- Existindo reacção jurídica do detentor (retentor) do bem, é competente o tribunal de competência especializada em razão da matéria (Tribunal Tributário de 1ª instância), face ao estabelecido no artigo 4º do ETAF».

É, pois, inquestionável que a competência para conhecer da pretensão de entrega do bem é dos tribunais tributários (como é hoje indiscutível em face do referido acórdão do Tribunal dos Conflitos de 12 de Outubro de 2004) e essa competência não se altera pelo facto de a lei permitir que o requerimento de entrega seja apreciado pelo órgão de execução fiscal no caso de lhe não ser deduzida oposição e reservar a intervenção do juiz do tribunal tributário competente para as situações em que haja oposição ao pedido (cf. art. 151.º do CPPT e art. 49.º, n.º 1. alínea d), do ETAF).
Seja como for, a verdade é que, na situação sub judice, o adquirente dos bens deduziu pedido de entrega do bem, por mais de uma vez, motivo por que não pode sustentar-se que a Administração tributária está a promover essa entrega à revelia do adquirente.
O recurso não merece, pois, provimento com este fundamento.


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2.2.4 DA FALTA DE CITAÇÃO

Os Recorrentes insistem que não foram citados nos termos do art. 928.º do CPC (cf. conclusões VII e VIII).
Salvo o devido respeito, mal se compreende a insistência dos Recorrentes nesta alegação, uma vez que nem questionam a factualidade que foi dada como assente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria nem refutam a sentença na parte em que considerou que deveria ter-se por efectuada a citação, dela se alheando totalmente.
Ora, na sentença foi dado como assente, sob as alíneas K) e L) a que o Juiz sujeitou a matéria de facto que deu como provada, o seguinte: «

K) Em 01/10/2009, foi remetido para o Reclamante A………, por correio registado e com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 25 dos autos, sob o n.º 7149, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e onde consta com interesse para o caso dos autos o seguinte: «(…) Fica V. Exa, por este meio citado/a para, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da data da presente citação, e de harmonia como o disposto no art. 928.º do Código de Processo Civil entregar neste Serviço de Finanças, as chaves do imóvel abaixo descrito por ter sido adquirido por C………., Lda., nipc …….., através de venda por proposta em carta fechada, efectuada em 17.04.2009, ao balcão deste Serviço, no âmbito do(s) processo(s) de execução fiscal n.º(s) 1350200601033301 e aps. (...)»;

L) Em 7/10/2009 o aviso de recepção referido na alínea anterior foi assinado pelo Reclamante A…….. - cfr. fls. 25 verso dos autos».

Porque nem essa factualidade nem qualquer outra foi questionada pelos Recorrentes (E, se o tivesse sido, a competência para conhecer do recurso não seria deste Supremo Tribunal Administrativo, mas do Tribunal Central Administrativo Sul, pois a competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito (cf. arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT).), temos de dar como certo que o Executado foi citado em 7 de Outubro de 2009, nos termos do art. 928.º do CPC, para proceder à entrega do bem com a consequente entrega das chaves do imóvel, como ficou dito na sentença recorrida, motivo por que o recurso não pode ser provido com fundamento no erro de julgamento quanto à invocada falta de citação.


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2.2.5 DO NÃO DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL

Sustentam também os Recorrentes que a sentença errou no julgamento efectuado quanto ao diferimento da desocupação do imóvel, uma vez que, constituindo este a casa de habitação dos Reclamantes e respectivo agregado familiar e sendo o comprador uma sociedade de mediação imobiliária, o confronto de interesses em causa e a «desproporção entre a vantagem imediata do adquirente e o prejuízo imediato dos Recorrentes e respectivo agregado familar», se justificava o diferimento da desocupação do imóvel por período não inferior a 10 meses (cf. conclusões XVII a XXI).
Desde logo, como bem salientou o Representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, os ora Recorrentes não pediram esse diferimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, motivo por que mal se compreende que o tenham invocado como fundamento da reclamação judicial contra o acto que ordenou a entrega coerciva do imóvel e que aí tenha sido apreciada a questão.
Na verdade, nas reclamações deduzidas ao abrigo do art. 276.º do CPPT não podem ser suscitadas questões que, porque não foram colocadas ao órgão da execução fiscal – no caso, relativas ao diferimento da desocupação do locado –, não fazem parte da motivação do acto que constitui objecto das reclamações.
A reclamação prevista no art. 103.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária e no art. 276.º do CPPT, destina-se a controlar a legalidade dos actos praticados pelo órgão da administração tributária no processo judicial de execução fiscal (JOAQUIM FREITAS DA ROCHA refere que esta reclamação «tem um misto de recurso contencioso – pois trata-se do controlo de um acto de um órgão administrativo por parte do tribunal – e de recurso jurisdicional – na medida em que o acto a ser controlado pelo tribunal é um acto praticado num processo» (Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 297).), visando, necessariamente, a apreciação da legalidade do concreto acto sindicado tal como ele ocorreu, com vista à declaração da sua invalidade ou anulação, motivo por que os Reclamantes só podiam ter atacado a legalidade dos despachos reclamados em função dos concretos fundamentos em que eles se alicerçaram (Neste sentido, o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 1074/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (https://dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2078 a 2089.).
Ou seja, se os Reclamantes não pediram ao Chefe do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha o diferimento da desocupação, não podiam depois colocar a questão ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Acresce que os Recorrentes não questionam a factualidade dada como assente na sentença recorrida e da qual não resulta comprovada a invocada insuficiência económica susceptível de permitir o diferimento da desocupação do imóvel.
Seja como for, a propósito desta questão, a alegação dos Recorrentes alheia-se por completo da fundamentação expendida na sentença, que, sobre o requerido diferimento da desocupação do imóvel, deixou dito o seguinte: «[…] há mais de 4 anos que os Reclamantes têm conhecimento que o imóvel foi vendido a um terceiro e, deste modo, não há justificação legal para diferir a desocupação do imóvel por um período nunca inferior a 10 meses, tal como requereu». Note-se que a venda ocorreu em Julho de 2009 e a adquirente vem pedindo a entrega do bem desde Setembro do mesmo ano, isto é, há mais de 4 anos e meio.
Assim, o recurso também não merece ser provido com este fundamento.


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2.2.6 DA FALTA DE COMUNICAÇÃO DA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL

Sustentam ainda os Recorrentes que a sentença fez errado julgamento quando nega relevância à falta de comunicação da desocupação do imóvel à Câmara Municipal de Caldas da rainha e às entidades assistenciais e à falta de alusão a essa comunicação na decisão reclamada (cf. conclusões XXII e XXIII).
Mas, também aqui sem razão.
É certo que o n.º 6 do art. 930.º do CPC, na redacção aplicável, dispunha: «Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 6 do artigo 930.º-B, e caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes».
Como bem salientou o Juiz do Tribunal a quo, trata-se de uma norma que visa salvaguardar sérias dificuldades que possam suscitar-se no realojamento do executado e cuja aplicação em sede de execução fiscal não suscita dúvidas, devendo ler-se chefe do órgão da execução fiscal onda aí se refere o agente de execução.
Mas, como igualmente bem salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na sentença recorrida, o Executado, após a citação, não informou o Chefe do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha de quaisquer dificuldades no seu realojamento após a desocupação do imóvel vendido, motivo por que não pode considerar-se que aquele tenha omitido comunicação alguma à câmara municipal ou às entidades assistenciais.
Uma vez mais, os Recorrentes alheiam-se da sentença e respectiva fundamentação, para, à revelia da factualidade que foi dada como assente e não vem discutida, insistirem na tese sustentada na petição inicial.
O recurso também não pode ser provido com este fundamento.


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2.2.7 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas no processo de reclamação judicial previsto no art. 276.º e segs. do CPPT, porque não está prevista como nulidade processual nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 195.º e segs. do CPC, na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção, não permite que, se o juiz dispensar a produção de prova se possa dizer que foi preterida uma formalidade legal, sem prejuízo de a omissão de diligências de prova, na medida em que possa afectar o julgamento da matéria de facto, poder acarretar a anulação da sentença por défice instrutório.

II - A notificação ao reclamante do parecer do Ministério Público só se impõe, sob pena de violação do princípio do contraditório, nos casos em que aí sejam suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito ou sobre as quais as partes ainda não tenham tido oportunidade de se pronunciar.

III - O adquirente pode pedir na própria execução fiscal a entrega do bem imóvel que lhe foi adjudicado em processo de execução fiscal, mediante requerimento endereçado ao chefe do órgão de execução fiscal e com base no despacho de adjudicação, seguindo-se os termos adaptados do processo para entrega de coisa, previsto nos arts. 930.º e seguintes do CPC, aplicável ex vi do art. 901.º do mesmo Código (na redacção aplicável).

IV - Era assim ainda antes da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, ter aditado o n.º 2 ao art. 256.º do CPPT, sendo então a aplicação subsidiária do CPC feita ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.


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Lisboa, 9 de Abril de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.