Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01159/09 |
Data do Acordão: | 11/27/2013 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO FUSÃO DE SOCIEDADES CONCEITO INDETERMINADO DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS |
Sumário: | I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas não consta do rol de nulidades insanáveis do art. 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 201º e segs. do CPC, na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova possa afectar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório. II - A autorização administrativa de transmissibilidade de prejuízos fiscais está dependente do preenchimento dos requisitos enunciados no art.º 69º do CIRC, o que obriga a que a operação de fusão seja realizada por razões económicas válidas (como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes) e se encontre inserida numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva. Para esse efeito, o requerente deve fornecer à entidade administrativa competente todos os elementos necessários para o perfeito conhecimento da operação, já que lhe compete o ónus de prova dos pressupostos constitutivos do direito que invoca (art. 74º nº 1 da LGT). III - Porém, no caso de indeferimento do pedido, a administração está obrigada a expressar os motivos e critérios objectivos que utilizou para chegar a essa decisão, pela enunciação das razões por que entende que a operação não se encontra devida ou suficientemente documentada para o fim em vista; o que o tribunal tem de poder sindicar, até porque a actividade probatória administrativa constitui uma actividade vinculada e, como tal, sujeita a sindicância jurisdicional. IV - E se a administração não põe em causa a documentação da operação, terá de expor as razões pelas quais refuta o juízo valorativo que o requerente dela extraiu, isto é, os motivos por que considera que a documentação não evidencia os intuitos e as vantagens económicas invocadas. O que tem de ser efeito através de um discurso fundamentador de particular intensidade, que demonstre a lógica, a pertinência e a razoabilidade do juízo valorativo administrativo formulado, revelador da sua forma de concretização conceptual e dos parâmetros avaliativos utilizados, de modo a evidenciar o bem fundado da formação dessa divergente convicção, e que o tribunal tem de poder sindicar. V - Apesar de estarem em causa conceitos indeterminados, cujo sentido, alcance e integração passam por um exercício interpretativo e valorativo pelo órgão administrativo decisor, o certo é que eles estão voltados para atingir um entendimento comum que a própria norma há-de fornecer em larga medida, ainda que para tal seja necessário interpretá-la em conformidade com o ordenamento jurídico e com a mens legislatoris. Pelo que, no preenchimento e concretização desses conceitos, a administração está obrigada a desenvolver uma actividade vinculada de interpretação da norma e há-de chegar, em princípio, a uma única solução para o caso concreto, não lhe sendo possível guiar-se por uma liberdade subjectiva ou por critérios de oportunidade. Nessa medida, está em causa um poder vinculado, que o tribunal tem de poder sindicar. VI - Acresce que o próprio processo de concretização do juízo administrativo e os parâmetros de avaliação utilizados não são inteiramente livres, pois têm de se revelar apropriados, coerentes e razoáveis, estando a administração legalmente vinculada a respeitar as regras técnicas para que a lei remete. E o tribunal não pode eximir-se ao controlo judicial desse processo. VII - Em suma, os tribunais não podem recusar ao interessado a possibilidade de obter um controlo efectivo da aplicação, pela administração, de normas que contém conceitos indeterminados. O que não significa que o controlo judicial dos actos de concretização deste tipo de conceitos seja irrestrito, pois podem existir situações em que distintos actos de concretização do mesmo conceito se adaptam à norma, sendo qualquer um deles possível, viável e lícito; nesses casos, a incidência do controle judicial há-de restringir-se aos limites da razoabilidade da solução escolhida de entre as que se apresentavam como possíveis e legítimas. VIII - Os conceitos indeterminados de cujo preenchimento a norma do CIRC faz depender a autorização de transmissibilidade dos prejuízos destinam-se a evitar que a operação de fusão - com a transmissibilidade de prejuízos que proporciona – tenha sido realizada por razões predominantemente fiscais, pois o legislador não quer que o desagravamento fiscal suceda quando se constate que a operação nunca teria tido lugar caso não fossem as vantagens fiscais que proporciona. Ou seja, a operação tem de ter tido uma motivação eminentemente económica, ainda que tal acarrete, de forma associada, a obtenção de uma vantagem fiscal. IX - Esta é a justificação normativa que deve servir para fixar os critérios de interpretação e integração dos conceitos contidos no art. 69º do CIRC, o que afasta um tratamento puramente dogmático da operação de fusão e obriga a um exame da situação concreta à luz de todo o contexto jurídico-económico em que ela se desenvolveu, com a análise e ponderação de todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente, para desse modo averiguar se, do ponto de vista económico, ela faz sentido no seu todo. X - A asserção, como única motivação para o indeferimento do pedido, de que o património da entidade incorporada registava um valor negativo no balanço anterior à fusão, constitui um critério redutor sem aptidão e idoneidade suficiente para abalar e desconsiderar integralmente as vantagens económicas da fusão evidenciadas por toda a documentação apresentada e que não foi objecto de contestação. Tal motivação não evidencia, sequer, que tenha sido examinado todo o contexto jurídico-económico em que a operação se desenvolveu e ponderadas as especificidades do caso concreto, ou que a administração tenha atentado na justificação normativa do preceito. XI - Encontrando-se a motivação económica enunciada pelo contribuinte devidamente documentada por forma a evidenciar, de modo convincente, a estratégia empresarial utilizada em termos de racionalidade económica e de melhoria do seu desempenho em função da absorção das áreas de negócio da entidade bancária incorporada, o interesse económico da operação e a sua inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo com efeitos positivos na estrutura produtiva, competia à administração fiscal um especial dever de fundamentação, pela evidenciação do carácter artificioso da fusão, por forma a convencer que ela visou unicamente, ou de forma predominante, propósitos de obtenção de vantagens fiscais. O que ela manifestamente não fez. XII - O nº 4 do art. 69º do CIRC, ao estabelecer que «no despacho de autorização pode ser fixado um plano específico de dedução dos prejuízos fiscais a estabelecer o escalonamento da dedução», visa apenas escalonar o benefício se a administração fiscal o entender necessário após deferir o pedido, não constituindo um requisito ou condição de acesso ao regime contido no art. 69º do CIRC. |
Nº Convencional: | JSTA00068476 |
Nº do Documento: | SA22013112701159 |
Data de Entrada: | 11/23/2009 |
Recorrente: | CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL E MONTEMOR-O-NOVO, C.R.L. |
Recorrido 1: | MIN DE ESTADO E DAS FINANÇAS E OUTRO |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | AC TCA SUL |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL |
Legislação Nacional: | CIRC ART69. DL 422/89 ART84. DL 192/90 DE 1990/06/09 ART 4. DESP 868/2007-XVII SEC EST ASSUN FISCAIS. |
Legislação Comunitária: | DIRETIVA 90/344/CEE |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC01003/05 DE 2006/07/12; AC STA PROC0142/06 DE 2006/07/05; AC STA PROC0844/09 DE 2010/02/03 |
Jurisprudência Estrangeira: | AC TJUE PROCC-28/95 DE 1997/07/17 |
Referência a Doutrina: | ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA - CONCEITOS INDETERMINADOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO ALMEDINA 1994 PAG18 PAG60. DIOGO FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII COIMBRA 2001 PAG115. TERESA GIL DE OLIVEIRA BRAGA - A TRANSMISSIBILIDADE DE PREJUIZOS FISCAIS NO ÂMBITO DAS FUSÕES REVISTA FISCALIDADE 49 PAG87 E SEGS. MARCELO REBELO DE SOUSA - LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI PAG111. AZEVEDO MOREIRA - CONCEITOS INDETERMINADOS SUA SINDICABILIDADE CONTENCIOSA RDP N1 ANO I PAG665 E SEGS. JOÃO FÉLIX NOGUEIRA - DIREITO FISCAL EUROPEU O PARADIGMA DA PROPORCIONALIDADE ... PAG432 E SEGS. CARLOS BAPTISTA LOBO - NEUTRALIDADE FISCAL DAS FUSÕES BENEFICIO FISCAL OU DESAGRAVAMENTO ESTRUTURAL REV FISCALIDADE N26/27. GUSTAVO LOPES COURINHA - CLÁUSULA GERAL ANTIABUSO NO DIREITO TRIBUTÁRIO ALMEDINA. SALDANHA SANCHES - OS LIMITES DO PLANEAMENTO FISCAL COIMBRA EDITORA 2006 PAG200. |
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