Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:00915/16
Data do Acordão:11/23/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
CASO JULGADO
Sumário:I- A excepção de caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa, estando a primeira causa decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, exige a verificação de uma tríplice identidade – quanto aos sujeitos, quanto ao pedido e quanto à causa de pedir – e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão anterior (arts. 580.º e 581.º do CPC).

II- Inexistindo essa identidade entre os embargos em causa e os dos presentes autos, que tinha sido invocada como fundamento da decretada rejeição liminar, impõe-se a revogação do respectivo despacho.

Nº Convencional:JSTA00069928
Nº do Documento:SA2201611230915
Data de Entrada:07/14/2016
Recorrente:A......,S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPC ART581 ART580 ART342.
CPPT ART237.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0786/07 DE 2009/03/04.; AC STA PROC0933/12 DE 2012/10/10.; AC STA PROC0995/11 DE 2012/09/12.; AC STA PROC060/12 DE 2012/03/14.; AC STA PROC01279/15 DE 2016/10/26.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA, JOSÉ MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA - MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PÁG302.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho de indeferimento liminar proferido no processo de embargos de terceiro com o n.º 2104/15.6BEPNF

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A….., S.A.” (adiante Embargante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel indeferiu liminarmente os embargos de terceiro por ela deduzidos contra a ordem de entrega de um prédio.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«i) A decisão recorrida padece de erro no julgamento sobre a excepção do caso julgado;

ii) Excepção que não se verifica;

iii) No 825/11.1BEPNF o pedido e a causa de pedir é feita na qualidade de arrendatário do Executado, B……, Lda., onde requereu o reconhecimento de direitos que lhe devêm da qualidade de arrendatária e titular do estabelecimento comercial do qual aquela era proprietária à data da celebração do contratos, arrogando-se o Embargante em direitos sobre os prédios 4528 e 1495-A, pretendendo preservar o uso e pose sobre os mesmos;

iv) No âmbito do 2104/15.6BEPNF o pedido e a causa de pedir é feita na qualidade de arrendatário de C…… requerendo o reconhecimento do direito a uma parede e uma casa de banho que a B….., Lda., e o progenitor de C…… acordaram, logo direitos que advêm do arrendamento sobre o prédio 3422.

v) Sublinhando-se adicionalmente que os sujeitos processuais não serão coincidentes em ambos os processos já que no presente é requerida a intervenção da Massa Insolvente de B……, Lda. e C……., partes que não foram intervenientes no processo 2104/15.6BEPNF.

Nos termos expostos e noutros que V. Excelências doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida com todas as consequências legais».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Neste Supremo Tribunal Administrativo os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e ordenado que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferido novo despacho, que não seja de indeferimento liminar pelo mesmo motivo. Isto, após tecer pertinente considerandos em torno da excepção de caso julgado, com a seguinte fundamentação:

«No caso concreto não se verifica a tríplice identidade exigível para a procedência da excepção dilatória, na medida em que são distintas as causas de pedir e os pedidos de tutela judicial formulados nas acções em confronto:
-no processo n.º 825/11.1 BEPNF a causa de pedir invocada foi a qualidade da embargante como arrendatária e titular do estabelecimento comercial instalado nos prédios urbanos inscritos na matriz sob os arts. 1238 e 1495-A da freguesia do ….., concelho de ….. , tendo sido formulado o pedido de suspensão da entrega dos imóveis ao adquirente D……, ordenada judicialmente, para preservação do seu uso e posse pela embargante;
- nos presentes autos a causa de pedir consiste na qualidade de arrendatária e titular do estabelecimento comercial instalado no prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 3422 (confinante com os supra identificados), propriedade de C……., tendo sido formulado o pedido de suspensão da sua entrega ao adquirente D….. até ao reconhecimento do direito à construção de uma parede divisória com os prédios confinantes adquiridos e de uma casa de banho no locado, necessária para o exercício da actividade de restauração (petição de embargos arts. 12.º, 13.º, 24.º, 28.º e 31.º)».

1.7 Foi dada vista aos Conselheiros adjuntos.

1.8 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel não autonomizou os factos que considerou para proferir a decisão, ao que não estava obrigada por se tratar de indeferimento liminar (() Com interesse quanto à necessidade ou não de indicar factos provados no despacho de indeferimento liminar, e concluindo que «[q]uando o despacho de indeferimento liminar tem por base apenas a petição inicial e factos processuais (como a data de entrada da petição), não há necessidade de indicar factos provados, uma vez que a decisão tem por suporte apenas a peça processual e esses factos que constam do processo», mas «nos casos em que o indeferimento liminar se baseia em factos de outro tipo ou posições jurídicas que são afirmadas com base em pressupostos de facto que não se resumem à petição inicial e à ponderação de factos processuais, impõe-se que nele sejam indicados esses outros factos que se consideram provados, sob pena de se ter de considerar deficiente a fixação da matéria de facto, o que implica nulidade da decisão» nos termos dos arts. 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, alínea b), e 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, vide o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 4 de Março de 2009, proferido no processo n.º 786/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32210.pdf), págs. 344 a 348, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dc17d39856877bcd80257576004b9488.), mas da decisão recorrida resulta que deu como assentes os seguintes factos:

a) correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel um processo, instaurado como providência cautelar mas que foi convolado em embargos de terceiro, ao qual foi atribuído o n.º 825/11.1BEPNF;

b) esse processo foi decidido por sentença que transitou em julgado e da qual se encontra cópia a fls. 64 e sgs. dos autos.

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, os autos revelam o seguinte:

c) o referido processo 825/11.1BEPNF foi instaurado pela sociedade ora recorrente em ordem a obter a suspensão da ordenada entrega ao adquirente dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os arts. 1238 e 1495-A da freguesia do ……, concelho de…….;

d) para sustentar esse pedido, a sociedade alegou, em síntese, que era arrendatária e titular do estabelecimento comercial instalado nos referidos prédios e que a ordenada entrega feria os seus direitos de uso e posse dos mesmos. .


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel indeferiu liminarmente a petição inicial por considerar verificada a excepção do caso julgado. Na sua perspectiva, verifica-se uma repetição «da mesma questão já objecto de decisão, com trânsito em julgado» no processo de embargos de terceiro que correu termos por aquele tribunal sob o n.º 825/11.1BEPNF, sendo que «[h]á uma evidente identidade dos sujeitos, manifesta identidade da causa de pedir e do pedido» entre os presentes autos e o referido processo, já decidido por sentença transitada em julgado. E, numa tentativa de concretizar essa conclusão, afirma: «sendo facto que a relação jurídica (tributária) que constitui objecto mediato de ambos os deduzidos embargos (de terceiro) é a mesma, sendo o mesmo, portanto, o PEF e aps. em referência, bem como que é a mesma entrega ao Embargado dos imóveis adjudicados, ofensiva da sua posse ou direito, o acto contra o qual se insurge a Embargante e cuja concretização pretende, com a dedução dos presentes embargos de terceiro com função preventiva, talqualmente antes com a requerida providência cautelar convolada em embargos de terceiro, verifica-se, inequivocamente, a repetição da mesma causa na tripla vertente legalmente exigida – identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. requisitos do caso julgado – art. 581.º do CPC)».
A Embargante insurge-se contra essa decisão porque considera que não se verifica a tríplice identidade exigida para que se considere verificado o caso julgado: quer os pedidos formulados quer as causas de pedir que os suportam são diferentes e mesmo «os sujeitos processuais não serão coincidentes em ambos os processos já que no presente é requerida a intervenção da Massa Insolvente de B….., Lda. e C…….., partes que não foram intervenientes no processo 2104/15.6BEPNF [(() Afigura-se-me que terá ocorrido aqui um lapso a Recorrente quereria referir-se ao processo 825/11.1BEPNF onde escreveu 2104/15.6BEPNF, que é o número atribuído no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel ao presente processo. )]».
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o indeferimento liminar proferido nos presentes autos com fundamento em violação do caso julgado fez correcto julgamento, designadamente quanto à verificação da tríplice identidade requerida pelo art. 581.º do CPC (() «1- Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».).

2.2.2 DO CASO JULGADO

De acordo com o disposto no art. 580.º do CPC, a excepção do caso julgado (() O caso julgado está previsto como excepção dilatória na alínea i), do art. 577.º, do CPC.) pressupõe a repetição de uma causa, estando a primeira causa decidida por sentença que já não admita recurso ordinário (cfr. n.º 1) e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão anterior (cfr. n.º 2).
Para a verificação do caso julgado há, pois, que aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra. «Para sabermos se há ou não repetição da acção, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no art. 498.º [hoje, art. 581.º], mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 497.º [hoje, art. 580.º], onde se afirma que a excepção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior» (() ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 302.).
O Recorrente questiona, em primeira linha, a verificação da identidade de causas de pedir e de pedidos. Afigura-se-nos que tem razão.
Como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, enquanto «no processo n.º 825/11.1 BEPNF a causa de pedir invocada foi a qualidade da embargante como arrendatária e titular do estabelecimento comercial instalado nos prédios urbanos inscritos na matriz sob os arts. 1238 e 1495-A da freguesia do ……, concelho de ……., tendo sido formulado o pedido de suspensão da entrega dos imóveis ao adquirente D….., ordenada judicialmente, para preservação do seu uso e posse pela embargante», «nos presentes autos a causa de pedir consiste na qualidade de arrendatária e titular do estabelecimento comercial instalado no prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 3422 (confinante com os supra identificados), propriedade de C……., tendo sido formulado o pedido de suspensão da sua entrega ao adquirente D….. até ao reconhecimento do direito à construção de uma parede divisória com os prédios confinantes adquiridos e de uma casa de banho no locado, necessária para o exercício da actividade de restauração».
Ou seja, sem prejuízo de se nos afigurar que os embargos não poderão ser considerados tempestivos (() Não concordamos com a possibilidade de deduzir embargos preventivos após a venda.
A nosso ver, apesar de a questão não ter resposta unívoca na jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo [em sentido contrário ao por nós defendido, o acórdão com cópia de fls. 55v.º a 63, de 10 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 933/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 2959 a 2967, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f45f70c1387aa17d80257aa00045c5bc] – e de, por esse motivo, o juízo de intempestividade não dever determinar a rejeição liminar [como ficou dito no acórdão de 12 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 995/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Outubro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32230.pdf), págs. 2619 a 2623, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8dfd76c430e55cb580257a7f004c479f] – a melhor interpretação da lei é no sentido de que, apesar de os embargos de terceiro com função preventiva poderem ser deduzidos no período entre o despacho que ordenou alguma das diligências previstas no n.º 1 do art. 342.º do CPC e a sua realização, nunca o poderão ser depois dos atinentes bens serem vendidos na execução fiscal (cfr. art. 237.º, n.º 3, do CPPT), pelo que a venda constitui sempre o limite a partir do qual não mais serão admissíveis os embargos preventivos. Nesse sentido, os seguintes acórdãos:
- de 14 de Março de 2012, proferido no processo n.º 60/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 697 a 700, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/672d4a8d10b45db4802579d10044e66e;
- de 26 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 1279/15, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/05e45f1fd92c5d198025806000348b31.), a verdade é que não pode afirmar-se que os mesmos repetem causa anterior, designadamente porque, apesar de alguma proximidade, são distintos os pedidos formulados (as pretensões de tutela jurisdicional deduzidas em juízo) num e noutro processo, como são também distintas as causas de pedir (os factos concretos) que os suportam.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, porque não podemos ratificar o julgamento quanto à verificação da excepção do caso julgado, o recurso merece provimento, devendo o despacho de indeferimento liminar ser revogado e o processo ser devolvido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fim de aí prosseguir.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A excepção de caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa, estando a primeira causa decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, exige a verificação de uma tríplice identidade – quanto aos sujeitos, quanto ao pedido e quanto à causa de pedir – e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão anterior (arts. 580.º e 581.º do CPC).
II - Inexistindo essa identidade entre os embargos em causa e os dos presentes autos, que tinha sido invocada como fundamento da decretada rejeição liminar, impõe-se a revogação do respectivo despacho.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e devolver os autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida novo despacho que não seja de indeferimento pelo mesmo motivo.

Sem custas.


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Lisboa, 23 de Novembro de 2016. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.