Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0520/13
Data do Acordão:04/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
DIREITO DE AUDIÇÃO
QUESTÃO NOVA
Sumário:I - De acordo com o decidido pelo acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Outubro de 2012, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art.º 148.º do CPTA, no processo n.º 708/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2012, «Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual – é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no art. 60.º da LGT».
II - Ainda que se admita que para a dispensa da prestação de prova possam ser apresentados ou requeridos outros meios de prova, para além da prova documental expressamente prevista no n.º 3 do art. 170.º do CPPT, quando tal se mostre imprescindível à demonstração da factualidade susceptível de integrar os requisitos daquele direito, em regra, essa prova terá de ser logo indicada no requerimento inicial, não podendo sê-lo em momento ulterior.
Nº Convencional:JSTA00068227
Nº do Documento:SA2201304230520
Data de Entrada:04/08/2013
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INST DA VINHA E DO VINHO, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPTA02 ART148.
CPPTRIB99 ART170 N4 ART169 ART196 A ART201 ART170 N3 ART276.
LGT98 ART52 N4 ART60 ART74.
CPA91 ART120 ART103 N1 A.
CPC96 ART515.
CCIV66 ART342.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0489/12 DE 2012/05/23; AC STA PROC0446/12 DE 2012/05/09; AC STA PROC059/12 DE 2012/02/23; AC STA PROC01054/11 DE 2011/02/07; AC STA PROC08/11 DE 2011/02/02; AC TC PROC80/2003 DE 2003/02/12; AC TC PROC152/2002 DE 2002/04/17; AC TC PROC263/02 DE 2002/06/18; AC STA PROC0999/07 DE 2008/02/20; AC STA PROC0367/04 DE 2004/06/16; AC STA PROC025027 DE 2001/05/02; AC STA PROC013763 DE 1992/02/19; AC STA PROC013830 DE 1992/02/19; AC STA PROC0625/12 DE 2012/06/20
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 5ED PAG341.
LEITE DE CAMPOS BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED PAG429 PAG512-513.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLIII PAG232.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 275/11.0 BEVIS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……., Lda.” (a seguir Executada ou Recorrente), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou judicialmente da decisão do órgão da Administração tributária (AT) que lhe indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia por ela formulado ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT) e no art. 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou a reclamação improcedente, mantendo o acto reclamado.

1.3 A Executada não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. O presente processo respeita a uma reclamação apresentada pela A…….. contra o indeferimento, por parte do Serviço de Finanças de Tondela, de um pedido de dispensa de prestação de garantia em que não foi realizada a audição do contribuinte prévia a esse indeferimento, em violação do disposto nos artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º da LGT e 45.º do CPPT.

B. A sentença recorrida (acolhendo e transcrevendo o teor do Acórdão deste STA de 26.09.2012) acompanha a corrente que qualifica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um acto de natureza administrativa – cf., em particular, páginas 30 e 33 da sentença aqui posta em crise.

C. Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um acto administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60.º do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da A…….., a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.

D. Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

E. A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT, mostra-se de carácter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2.º da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

F. A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal – como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia – seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final – cf. artigo 60.º, n.º 1, alínea b), da LGT –, sendo que os n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 60.º da LGT vêm indicar, peremptoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

G. Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

H. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia – no que não se concede –, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de actos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão» - cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op. cit.

I. Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objectivamente do acto e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt), não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento 5 [5 Nas expressivas palavras do Exmo. Senhor Conselheiro Lino Ribeiro em voto vencido ao entendimento que fez maioria no mencionado Ac. deste STA de 26.09.2012: «O prazo de 10 dias para decidir o dito “procedimento” é assim meramente ordenador ou disciplinador, sem quaisquer consequências negativas para o requerente. Daí que não nos devemos impressionar com a alegação de que tal prazo determina a natureza urgente do procedimento, pois, pelo menos na perspectiva do executado, não há uma correlação necessária entre o prazo de decisão e a urgência na resolução da pretensão. Além disso, a aplicar-se as normas do CPA, seria sempre de exigir um “despacho” a justificar a urgência da decisão»,], que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão deste Venerando STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.

J. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» – cf. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 32 da sentença recorrida.

K. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

L. Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cfr. artigo 170.º, n.º 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa 6 [6 «No CPPT, quando se estabelecem restrições probatórias (que têm carácter excepcional, como se infere dos arts. 72.º da LGT e 50.º e 115.º, nº 1, do CPPT), é utilizada uma referência explícita nesse sentido, como se constata nos arts. 146.º-B, n.º 3, 204.º, n.º 1, alínea i), e 246.º do CPPT» - cf. Jorge Lopes de Sousa, op. cit, -, o que não sucede no caso do pedido de dispensa de prestação de garantia].

M. São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.

N. A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá – e muitas vezes, apenas poderá – ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental – em especial tratando-se de prova de um facto negativo –, pelo que não deverá vingar o entendimento de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenhe já a função de audição prévia do contribuinte ou precluda automaticamente a necessidade de realização dessa audição prévia, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45.º do CPPT.

O. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.

P. Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária e, bem assim, a solução que mais se coaduna com o preceituado no n.º 5 do artigo 267.º da CRP e no artigo 45.º do CPPT.

Q. No caso concreto dos autos, a necessidade, razoabilidade e utilidade da realização da audição prévia é manifesta, porquanto o fundamento apontado, no despacho do OEF que dá causa aos autos, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi a «falta de produção de prova». Ora, em sede de audição prévia, poderia a A……. ter obviado, mediante a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários 7 [7 Elementos de prova esses que a Administração, aparentemente, reputava por necessários para a Justa decisão da questão, mas que, curiosamente, nem por isso notifica o contribuinte para efectuar a junção desses elementos que tinha por necessários para a instrução do processo, como lhe competiria ao abrigo do disposto no artigo 89.º, n.º 1, do CPA, por forma ao apuramento da verdade material], a essa decisão tomada com fundamentos meramente formais, que em nada contribui para a realização, administrativa, da justiça e que se revela não adequada e não proporcional.

R. Nos presentes autos, impunha-se determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia da A……., ao invés do que o Tribunal a quo decidiu, violando o disposto nos artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º da LGT e 45.º do CPPT.

Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida» (Aqui, e nas transcrições que se seguirão,
·as partes que no original estavam em itálico surgem em estilo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pelo autor;
·as notas de rodapé do original serão transcritas no próprio texto, entre parêntesis rectos, sob o mesmo tipo de letra, mas com um tamanho menor.).

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 Não foram apresentadas contra alegações.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Depois de identificar a questão como sendo a da «obrigatoriedade de prévia audição do interessado, antes do proferimento de despacho de indeferimento de pedido de dispensa de garantia a prestar em processo de execução fiscal», remeteu para a doutrina do acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 59/12 e concluiu nos seguintes termos:

«A doutrina do acórdão foi acolhida em posteriores arestos do STA-SCT, contribuindo para a formação de corrente jurisprudencial consolidada cuja doutrina deve ser observada, perante a ausência de argumentos ponderosos em sentido contrário, no sentido da aplicação e interpretação uniformes do direito (art. 8.º n.º 3 C. Civil; acórdãos, 27 de março 2012, processo n.º 185/12; 9 de maio 2012, processo n.º 446/12; 23 de maio 2012, processo n.º 489/12; 20 de junho 2012, processo n.º 625/12; 1 de julho 2012, processo n.º 665/12; 8 de agosto 2012, processo n.º 803/12; 12 de setembro 2012, processo n.º 864/12; 24 de outubro 2012, processo n.º 548/12; 22 de outubro 2012 processo n.º 708/12 Pleno da Secção julgamento ampliado do recurso - art. 148.º CPTA)».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão suscitada pela Recorrente, como procuraremos demonstrar, é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que não se impunha a audição da Executada previamente ao indeferimento do seu pedido de dispensa da prestação de garantia.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos termos constantes de fls. 974 a 994, que aqui damos por reproduzidos, como o permite o disposto no art. 712.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Executada, que viu indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia que efectuou ao órgão de execução fiscal em ordem à suspensão do processo na sequência da oposição que deduziu, reclamou dessa decisão para o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu. Invocou, entre outros fundamentos, que foi omitida a formalidade essencial de audição prévia antes do indeferimento do pedido.
O Juiz do Tribunal Tributário de Viseu julgou a reclamação improcedente, considerando, no que ora nos interessa, que não havia que conceder à Executada a possibilidade de, em sede de audiência prévia, se pronunciar sobre o projecto de decisão do pedido de dispensa de garantia.
A Executada discorda da sentença nessa parte, sustentando, em síntese, que nada permite dispensar o exercício do direito de audiência, sendo até que, na sequência da notificação a efectuar para esse efeito, poderia apresentar outros meios de prova.
Assim, nos termos que deixámos expostos em 1.8, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que não havia que facultar à Executada o exercício do direito de audiência previamente à decisão de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia e se, não lhe tendo sido facultado o exercício desse direito, tal decisão enferma de vício por preterição de formalidade essencial, a determinar a sua anulação.

2.2.2 DO DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA À DECISÃO DO PEDIDO DE DISPENSA DE GARANTIA

A questão a apreciar e decidir, após controvérsia jurisprudencial, foi objecto do acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 708/12, em julgamento ampliado nos termos do art. 148.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), publicado no Diário da República n.º 204, I Série, de 22 de Outubro de 2012 ( http://dre.pt/pdf1sdip/2012/10/20400/0595505971.pdf, págs. 5955 a 5971, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a51755483c84678680257a92002df79d?OpenDocument.), que consagrou a seguinte doutrina constante do respectivo sumário:

«Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual – é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no art. 60.º da LGT».

Como resulta do texto do acórdão e das declarações de voto nele lavradas, bem como da anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal, a divergência entre os Conselheiros actualmente em exercício de funções nesta Secção do Contencioso Tributário tem por base diferentes concepções quanto à natureza do acto de dispensa de prestação de garantia e respeita somente aos fundamentos por que não se impõe conceder ao executado a possibilidade de exercer o direito de audiência prévia à decisão de indeferimento do pedido de dispensa. Existe unanimidade de que a norma do art. 60.º da LGT não tem aplicação nesse caso, qualquer que seja a natureza daquele acto.
De tal modo que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nas suas mais recentes decisões, tem vindo a recusar o conhecimento dos recursos por oposição de acórdãos que tenham decidido nesse sentido, com o fundamento de que constitui jurisprudência consolidada na Secção que não se verifica, relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia, a obrigatoriedade legal de cumprir o disposto no artigo 60.º da LGT (Vide, os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– 12 de Dezembro de 20120, proferido no processo 944/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cd9bd15465d81ad880257ae9005829f8?OpenDocument;
– 23 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 945/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/21aeb054737ce95b80257b160049ae05?OpenDocument;
– 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 974/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f7905e815193eed380257b2c0036224e?OpenDocument.).
Na verdade, na ausência de alteração legislativa que imponha reponderar a questão e tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art. 8.º, n.º 3 do Código Civil Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».), cumpre-nos aderir a essa orientação jurisprudencial.
Assim, como tem vindo a decidir esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em recentes acórdãos proferidos em processos da mesma Recorrente e em que a questão suscitada é a mesma (Referimo-nos aos seguintes recentes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 13 de Março de 2013, proferido no processo n.º 288/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ffa9a7699f68d7ea80257b42004ab787?OpenDocument;
– de 10 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 346/13, ainda não publicado no jornal oficial e ainda não disponível na base de dados da Direcção Geral dos Serviços Informáticos do Ministério da Justiça (http://www.dgsi.pt).), o recurso não merece provimento.
Alega ainda a Recorrente que «conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia», poderia depois «vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar» e, tanto mais seria assim, quanto «o fundamento apontado, no despacho do OEF que dá causa aos autos, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi a «falta de produção de prova»», motivo por que «em sede de audição prévia, poderia a A……. ter obviado, mediante a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários» [cfr. conclusões O) a Q)].
A redacção dada ao n.º 3 do art. 170.º do CPPT – que estipula que o pedido a dirigir ao órgão de execução fiscal «deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária» – não é inequívoca, ficando a dúvida se o legislador pretendeu restringir os meios de prova admissíveis à prova documental ou pretendeu apenas fixar o momento em que deverá ser apresentada a prova documental.
A esse propósito, esclarece JORGE LOPES DE SOUSA:

«Esta exigência de instrução do pedido com prova documental parece ter o alcance de restringir os meios de prova à documental, o que se justificaria por o prazo para decisão ser apenas de 10 dias e, por isso, pouco adequado à realização de diligências entre o momento da apresentação do pedido e a decisão.
No entanto, essa conclusão sobre a restrição dos meios probatórios não se pode retirar com segurança, pois no CPPT, quando se estabelecem restrições probatórias (que têm carácter excepcional, como se infere dos arts. 72.º da LGT e 50.º e 115.º, n.º 1, do CPPT), é utilizada uma referência explícita nesse sentido, como se constata nos arts. 146.º-B, n.º 3, 204.º, n.º 1, alínea i), e 246.º do CPPT.
Assim, poderá aventar-se que aquela referência à instrução do pedido com prova documental deverá ser entendida como proibindo a apresentação de prova documental em momento posterior, designadamente que no requerimento se peça prazo para junção de documentos posteriormente, mas não a apresentação de outros meios de prova, nomeadamente testemunhal.
De qualquer forma, a entender-se que se pretendeu restringir aquela referência à exigência de prova documental como obstando à apresentação de outros meios de prova, essa restrição será materialmente inconstitucional, nos casos em que outros meios sejam imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo requerente da dispensa.
A entender-se que há esta possibilidade de apresentação de prova não documental, o prazo de 10 dias para decisão deverá contar-se da data em que a prova requerida for produzida, pois esse prazo foi fixado no pressuposto de que com a apresentação do pedido de dispensa de prestação de garantia ficaram reunidos todos os elementos necessários para a decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, nota 4 b) ao art. 170.º, pág. 232.).
Admitimos, pois, que o executado que requereu a dispensa da prestação de garantia possa apresentar ou requerer outros meios de prova, para além da prova documental expressamente prevista no n.º 3 do art. 170.º do CPPT, quando tal se mostre imprescindível à demonstração da factualidade susceptível de integrar os requisitos daquele direito.
No entanto, em regra, essa prova teria também de ser logo indicada no pedido, não podendo sê-lo em momento ulterior.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - De acordo com o decidido pelo acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Outubro de 2012, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, no processo n.º 708/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2012, «Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual – é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no art. 60.º da LGT».
II - Ainda que se admita que para a dispensa da prestação de prova possam ser apresentados ou requeridos outros meios de prova, para além da prova documental expressamente prevista no n.º 3 do art. 170.º do CPPT, quando tal se mostre imprescindível à demonstração da factualidade susceptível de integrar os requisitos daquele direito, em regra, essa prova terá de ser logo indicada no requerimento inicial, não podendo sê-lo em momento ulterior.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 23 de Abril de 2013. - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.