Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01407/15
Data do Acordão:11/03/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
QUESTÃO NOVA
DUPLA FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, neles não cabendo, por isso, e em princípio, a apreciação de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso.
II - Se a sentença que julgou improcedente a pretensão que lhe foi dirigida utilizou mais do que um fundamento para assim decidir, o recurso dessa sentença só terá utilidade (virtualidade de se repercutir na decisão recorrida) se atacar todos esses fundamentos, sendo que se o não fizer relativamente a um deles, sempre a decisão se manterá incólume com base neste (relativamente ao qual se verificou o trânsito em julgado).
Nº Convencional:JSTA000P21104
Nº do Documento:SA22016110301407
Data de Entrada:10/29/2015
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 189/12.6BEBJA

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……......, Lda.” (doravante Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a oposição deduzida à execução fiscal contra ela instaurada para cobrança de dívida proveniente Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgem aqui em tipo normal.):

«A) A sentença é nula, nos termos da alínea d) do art. 615.º do CPC aplicável ex vi al. e) do art. [2.º do] CPPT, por recair a decisão sob matéria objecto de processo distinto do presente;

B) A carta aviso não suspende o prazo de caducidade. Tal como decorre da conjugação do n.º 1 e 2 do art. 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), a carta aviso, mais não é do que um aviso de que o procedimento de inspecção externa se irá iniciar dentro de 5 dias (ou mais);

C) A Ordem de Serviço é nula, por um lado, para além de ser entregue por funcionário não credenciado, requisito para o início do procedimento da acção de inspecção externa (“o início do procedimento externo de inspecção depende da credenciação dos funcionários”, no do art. 46.º), por outro, foi assinada por pessoa diversa do representante legal do sujeito passivo, sem se fazer menção do motivo pelo qual este não assinou ou não pode assinar (procedimento que não pode ser arbitrário);

D) Os prazos de caducidade estão sujeitos a um princípio de legalidade (art. 8.º, n.º 2, alínea a) LGT); os factos e causas suspensivas, são pressupostos do regime de um determinado prazo e como tal, a não verificação dos pressupostos de aplicação do regime, nos seus precisos termos acarreta a sua não verificação;

E) O incontornável respeito pela legalidade estrita, neste âmbito, obriga-nos a concluir que não se pode ter verificado a suspensão do prazo de caducidade, o entendimento contrário consubstancia violação do princípio da legalidade material;

F) Como decorre do número 7 dos factos provados da sentença, a notificação da liquidação foi efectuada em 03/01/2012, pelo que se tem de concluir pela caducidade do direito à liquidação;

G) Não há lugar a aplicação do alargamento do prazo nos termos do 45.º, 5, por inexistência de fundamentação da mesma por parte da AT e por inexistência dos pressupostos legais da sua aplicação;

H) O alargamento do prazo de caducidade previsto no art. 45.º, 5 da LGT poderá ser aplicado à impugnante se se verificarem os seus pressupostos de facto – os factos que serviram de base à liquidação do imposto são os mesmos que determinaram a existência de um processo-crime – e nessa medida não há factos na sentença recorrida que suportem tal conclusão.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e pelo exposto considerar-se que verificada a falta de liquidação do imposto no prazo de caducidade do mesmo e assim, procedente a oposição».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (O recurso foi interposto para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 168), mas admitido, provavelmente por lapso, para o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. fls. 170), ao qual foi remetido o processo em 15 de Novembro de 2010 (cfr. fls. 191). Por despacho de 8 de Junho de 2015, proferido pelo Desembargador a quem os autos foram distribuídos, foi ordenada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 211).), foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto, após promover a correcção do lapso de escrita de que enfermava a sentença, correcção que foi efectuada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (Como melhor veremos adiante, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, suprindo a nulidade invocada pela Recorrente [cfr. conclusão A) das alegações de recurso], a sentença foi objecto da correcção de alguns pontos, uma vez que se referia a uma liquidação de IVA, ao invés da liquidação de IRS que está a origem da dívida exequenda.) – que de tudo notificou a Recorrente e a Recorrida –, emitiu parecer nos seguintes termos (As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.):

«[…]
Uma vez proferida a sentença recorrida nos autos, e tendo subido os autos a este STA, para onde tinha sido interposto recurso que foi admitido (fls. 253), foram os mesmos mandados baixar) nos termos e para os efeitos do art. 617.º n.º 1 do CPC, subsidiariamente aplicável por se ter detectado haver elementos que não diziam respeito à liquidação de IRS.
A Mm. Juiz veio então a proferir despacho pelo qual rectificou a sentença recorrida com fundamento em terem ocorrido lapsos de escrita, vindo ainda a sentença recorrida a ser substituída por outra na qual foram alterados vários pontos da matéria de facto, nomeadamente, os constantes das als. 4), 5), 7) e 8), em que passou a constar que a inspecção efectuada relativa a IVA e a IRS, que no relatório relativo àquela também constavam correcções relativas a este último imposto, ser a liquidação a que se referiu a alegada caducidade de IRS e o processo executivo que foi identificado com o mesmo n.º, mas ser este por dívida de IRS quando anteriormente constava por IVA (fls. 312 e ss.).
A correcção efectuada obtém sustentação no art. 614.º n.º 1 do C.P.C., ocorrendo erros ou lapsos involuntários que tenham levado a escrever algo diferente do que se queria.
Aliás, “o princípio da intangibilidade da decisão judicial”, actualmente com assento no art. 613.º do C.P.C., “pressupõe que a sentença ou despacho reproduziu fielmente a vontade do juiz” – assim, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1981, V, p. 130 – o que não terá sido o caso.
Assim sendo, não é de obstar a que se considere ultrapassada a divergência surgida e que a recorrente invocou como nulidade.

2- Quanto à suspensão do prazo de caducidade prevista no art. 46.º n.º 1 da L.G.T.

O recorrente vem pôr em causa o decidido com fundamento em a carta-aviso prevista no art. 49.º do RCPIT não servir à notificação, na existência de “nulidade da ordem de serviço” por ter sido entregue por funcionário não credenciado, o que decorreria ainda da conjugação com os arts. 46.º n.º 1 e 2 do RCPIT e ainda por ter sido assinada por pessoa diversa do sujeito passivo sem que tenha ficado a constar o motivo.
Ora, a suspensão depende de “notificação do contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início de inspecção externa”, conforme previsto no art. 46.º n.º 1 da LGT, o que é de integrar com o previsto no art. 40.º do RCPIT.
O probatório apenas é explícito quanto a ter sido comunicado carta-aviso, no que é de reconhecer razão ao recorrente quanto ao primeiro acima referido fundamento.
Já quanto à nulidade da ordem de serviço é questão nova que, por não ter sido suscitada antes, pelo menos de uma forma explícita, não deve levar agora a que se tenha de conhecer da mesma.
E se no que respeita à notificação a que aquela notificação tem de obedecer regula ainda o art. 40.º do RCPIT em cujo n.º 1 se prevê que a seja efectuada na pessoa de empregado ou colaborador, com a indicação da mesma ser comunicada a representante legal.

a) Quanto ao alargamento do prazo de caducidade por instauração de inquérito previsto no art. 45.º n.º 5 da LGT.

É certo que após o STA ter decidido no sentido de ser necessário apurar se os factos concretos a que respeita o inquérito são os mesmos daqueles a que se refere a liquidação – assim, nos acórdãos do STA de 1-10-14 e 10-12-14 nos processos n.º 178/14 e 118/14 – foi já decidido no seu acórdão de 21-10-15 proferido no proc. 01477/13, ser de admitir o dito alargamento com fundamento em o inquérito criminal.
A prevalecer este entendimento, terá ocorrido o alargamento do prazo.
Concluindo:
O recurso é de improceder, sem prejuízo de no que respeita à causa de suspensão prevista no art. 46.º n.º 1 LGT ser de reconhecer razão ao recorrente no que se invoca quanto a não servir à notificação aí prevista a carta aviso prevista no art. 49.º do RCPIT, sem que conste a ordem de serviço ou despacho a determinar a inspecção externa».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Foi dada com provada a seguinte matéria de facto:

1) A sociedade executada declarou início de actividade em 01/01/2003 para o exercício de, além de outras, exercício da actividade de compra e venda de cortiça;

2) Durante os anos de 2006 e 2007 a sociedade esteve enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de tributação com periodicidade mensal;

3) A sociedade comercial executada foi alvo de inspecção tributária que teve início em 07/06/2011 e conclusão em 21/10/2011 e que lhe foi comunicada mediante carta aviso remetida em 07/06/2011;

4) Como âmbito tal inspecção teve os exercícios de 2006 e 2007 e como imposto o IVA e o IRS;

5) Das conclusões da acção de inspecção resultaram correcções em sede de IVA no valor de 59.717,70 euros e de IRS não entregue nos cofres do Estado no valor de 125.717,60 euros quanto ao exercício de 2007;

6) O relatório da inspecção foi datado de 12 de Dezembro de 2011 e notificado à sociedade executada em 28/12/2011;

7) Nessa sequência foi elaborada a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios com o número 20116410002119, em 26/12/2011 e com data limite de pagamento do imposto assim liquidado até 01/02/2012, cuja notificação à sociedade Oponente ocorreu em 03/01/2012;

8) Não efectuado o pagamento voluntário das invocadas liquidações foi deduzida, em 28/04/2012, a execução fiscal n.º 2178201201002848 contra a sociedade Oponente por dívida de IRS no valor total de 150.808,01 €;

9) Em 26/10/2010 foram instaurados os processos de inquérito crime n.ºs 2/10.9IDSTB-A e 290/10.0IDSTB, contra a sociedade Oponente, por alegada prática do crime de fraude fiscal qualificada em sede de IVA e IRS nos períodos de 2006 e 2007;

10) A sociedade oponente foi citada para a execução em 05/07/2012;

11) A oposição foi apresentada nos Serviços de Finanças de Grândola, via telefax, em 16/04/2012.

Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos constantes dos autos, designadamente os apensos que constituem cópia certificada do relatório conclusivo da acção inspectiva a que a sociedade foi submetida e do processo de execução fiscal».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade denominada “A…………, Lda.” deduziu oposição à execução fiscal que contra ela foi instaurada para cobrança de uma dívida de IRS do ano de 2007, proveniente de uma liquidação efectuada na sequência de uma inspecção em que a AT concluiu que a sociedade, no período em causa, não reteve imposto que deveria ter retido e entregue.
Invocou a Oponente, no que ora nos interessa considerar (Restringimos a exposição aos fundamentos que interessam considerar no presente recurso. A Oponente invocou ainda a inconstitucionalidade do prolongamento do prazo de caducidade do direito de liquidar prevista no n.º 5 do art. 45.º da LGT, mas conformou-se com a sentença na parte em que esta não atendeu esse fundamento.), que não foi notificada da liquidação dentro do prazo da caducidade do respectivo direito [fundamento subsumível à alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], uma vez que, «reportando-se o último facto gerador de imposto a 12/10/2007» e devendo o imposto ter sido entregue até ao dia 20 do mês seguinte, a liquidação só lhe foi notificada, porque também só foi efectuada, após 20 de Dezembro de 2011 (Salvo o devido respeito, na tese da Oponente, respeitando o último facto tributário a Outubro de 2007 e devendo o imposto retido ser entregue até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas – ou seja, 20 de Novembro de 2007 –, mal se compreende a referência que faz ao dia 20 de Dezembro de 2011 como o termo do prazo. ), após o termo do prazo de caducidade do direito à liquidação, ou seja, mais de quatro anos depois do facto tributário.
Ou seja, a Oponente considera que à data em que lhe foi efectuada a notificação já estava caducado o direito de liquidar o imposto, no pressuposto de que, porque o IRS em causa se refere a retenção na fonte, o prazo para liquidar se conta a partir da data do facto tributário, i.e., desde a data em que ocorre a obrigação de efectuar a retenção.
Considera ainda que não há aqui lugar à aplicação do n.º 5 do art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), pois tal exigiria que se indicassem quais os factos objecto do inquérito criminal que respeitam ao direito de liquidar o imposto, o que não foi efectuado.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou a oposição improcedente. No que ora interessa, e em resumo, depois de referir que o prazo geral da caducidade é de 4 anos, nos termos do art. 45.º, n.º 1, da LGT, considerou que, porque está em causa o IRS, o mesmo se conta do início do ano civil seguinte àquele a que respeita, o que significa que o início do prazo se situa em 1 de Janeiro de 2008 e o seu termo em 31 de Dezembro de 2011, sendo que no caso a liquidação foi elaborada em 26 de Dezembro de 2011 e notificada em 3 de Janeiro de 2012. No entanto, salientou que o prazo de caducidade esteve suspenso, nos termos do n.º 1 do art. 46.º da LGT, durante o período compreendido entre 7 de Junho de 2011 e 21 de Outubro de 2011, i.e., pelo período de duração da inspecção externa que esteve na origem da liquidação e tendo em conta que a inspecção foi concluída antes de decorridos seis meses após a notificação do seu início. Mais salientou que o prazo da caducidade deve também considerar-se alargado, por força do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, em virtude da instauração de inquérito criminal contra a sociedade.
A Oponente discorda do julgamento efectuado pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.
Começou por invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC) – norma legal que, no processo tributário, tem correspondência no art. 125.º, n.º 1, parte final, do CPPT –, por se referir a uma liquidação de IVA, quando a situação se reporta a uma liquidação de IRS.
Sobre esta questão, diremos desde já que, dando cumprimento ao disposto no n.º 1 do art. 617.º, n.º 1, do CPC, a Juíza supriu essa nulidade, de tudo se tendo notificado a Recorrente.
A arguida nulidade perdeu, pois, o seu objecto.
Mas a Recorrente assaca também à sentença erros de julgamento, a saber: i) o início do prazo de inspecção a considerar para efeitos de averiguar de eventual suspensão da caducidade do direito à liquidação, prevista no n.º 1 do art. 46.º da LGT, não pode situar-se senão no dia em que o sujeito passivo assinou a ordem de serviço que ordenou a inspecção, sendo que para esse efeito não vale a carta-aviso prevista nos n.ºs 1 e 2 do art. 49.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT) [cfr. conclusão B)] e a ordem de serviço não só foi «entregue por funcionário não credenciado» como também «foi assinada por pessoa diversa do representante legal do sujeito passivo, sem que se tivesse mencionado o motivo por que este não assinou ou não pode assinar» [cfr. conclusão C)]; ii) o alargamento do prazo previsto no n.º 5 do art. 45.º da LGT só pode operar se a AT fundamentar o mesmo, o que não sucedeu no caso [cfr. conclusão G)], e se estiver demonstrada a verificação dos respectivos pressupostos de facto, designadamente que «os factos que serviram de base à liquidação do imposto são os mesmos que determinaram a existência de um processo-crime», sendo que «não há factos na sentença recorrida que suportem tal conclusão» [cfr. conclusão H)].
Cumpre, pois, indagar da viabilidade do recurso com esses fundamentos.

2.2.2 DA SUSPENSÃO DO PRAZO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO DURANTE A PENDÊNCIA DA INSPECÇÃO

Diz o n.º 1 do art. 46.º da LGT: «O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação».
No caso, a sentença deu como assente que a inspecção que deu origem à liquidação que está na base da dívida exequenda teve início em 7 de Junho de 2011 e conclusão em 21 de Outubro de 2011, que essa inspecção «lhe [à ora Recorrente] foi comunicada mediante carta aviso remetida em 07/06/2011» [cfr. facto provado sob o n.º 3)] e que «[o] relatório da inspecção foi datado de 12 de Dezembro de 2011 e notificado à sociedade executada em 28/12/2011» [cfr. facto provado sob o n.º 6)].
Mais adiante, já na parte que sujeitou à epígrafe “MATÉRIA DE DIREITO”, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, depois de aludir ao n.º 1 do art. 46.º da LGT – realçando que «o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, se a inspecção ultrapassar o prazo de seis meses após a notificação» –, deixou dito o seguinte: «No caso vertente, a notificação quanto ao início da inspecção terá ocorrido em data posterior a 07/06/2011 mas, encontra[ndo]-se perfeitamente assente a sua duração, tem de se concluir existir suspensão porquanto a durabilidade da mesma não ultrapassou tal prazo de seis meses. Para tanto recorde-se que resultou provado que a inspecção durou de 07/06/2011 até 21/10/2011 e foi elaborado o relatório em 12/12/2011».
E concluiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: «Em conclusão verifica-se que, por força da mencionada inspecção e nos termos do citado n.º 1 do artigo 46.º da LGT, o prazo de caducidade esteve suspenso durante o período de duração daquela acção de inspecção, ou seja, de 07/06/2011 a 21/10/2011».
Diga-se desde já que não concordamos integralmente com o modo como a sentença apreciou a questão. Tendo considerado, e bem, que o prazo de caducidade do direito de liquidar se suspende «com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa», como estipula o n.º 1 do art. 46.º da LGT, haveria de ter determinado se e em que data a Oponente foi notificada, ao invés de se ter ficado por um juízo de probabilidade («a notificação quanto ao início da inspecção terá ocorrido em data posterior a 07/06/2011») que se nos afigura restringir-se à data da notificação, mas dando como adquirida a existência da mesma.
Prima facie, seríamos levados a sustentar a anulação da sentença em ordem à fixação da factualidade respeitante a essa notificação. No entanto, numa análise mais abrangente, podemos concluir pela inutilidade dessa diligência. Vejamos:
Desde logo, na petição inicial a Oponente não pôs em causa que tivesse sido notificada, sendo que toda a alegação aí aduzida foi no sentido i) de que o prazo de caducidade do direito de liquidar já estava esgotado quando foi notificada da liquidação porque entendia que o mesmo devia contar-se da data em que se verificou o facto tributário, ou seja, da data em que deveria ter procedido à retenção na fonte, reportando o último facto tributário a 12 de Outubro de 2007 (cfr. arts. 2.º a 14.º da petição inicial), ii) de que não havia lugar à aplicação do prolongamento do prazo previsto no n.º 5 art. 45.º da LGT (cfr. arts. 15.º a 34.º da petição inicial) e iii) que esse prolongamento viola os princípios constitucionais (cfr. arts. 35.º a 55.º da petição inicial). A Oponente não questionou de modo algum o conhecimento ou a legalidade do procedimento de inspecção.
Aliás, nunca nas alegações de recurso a Recorrente pôs em causa o conhecimento da inspecção que culminou na liquidação que deu origem à dívida exequenda; o que aí diz, pela primeira vez, é que a notificação relevante em ordem à suspensão do prazo de caducidade prevista no n.º 1 do art. 46.º da LGT é, não a efectuada pela carta aviso (a que se referem os n.ºs 1 e 2 do art. 49.º do RCPIT), mas antes a notificação da ordem de serviço, que deve ser efectuada nos termos do art. 51.º, n.ºs 1 e 2 do RCPIT. Mais alega que esta ordem de serviço foi entregue por funcionário não credenciado e que a mesma foi assinada por outrem que não o seu representante legal e sem indicação do motivo por que não era este a assinar, o que tudo considera ser motivo de nulidade [cfr. conclusão C) das alegações de recurso].
Do que vimos de dizer retira-se que a ora Recorrente apenas em sede de recurso suscitou a questão da validade da notificação do início da inspecção. Assim, diremos, com o Procurador-Geral Adjunto, que se trata de questão nova. Na verdade, trata-se de questão que não foi suscitada pela ora Recorrente em momento anterior às alegações de recurso, que não foi apreciada na sentença e que não é do conhecimento oficioso, motivo por que também este Supremo Tribunal dela não pode conhecer. Tenha-se presente que, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram (Neste sentido, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 1508/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3709 a 3713, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a3886f1588995f5f80257d8e00337760;
- de 27 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 328/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Setembro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2015/32220.pdf), págs. 1944 a 1950, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/581f423890da820c80257e59003ec1e1;
- de 27 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 43/16, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/605684522d35f1b680257f4c005084c2.).
Se a ora Recorrente queria questionar a legalidade do procedimento de inspecção, designadamente no que respeita à notificação da ordem de serviço que a ordenou, tendo em vista afastar a suspensão do prazo de caducidade ao abrigo do n.º 1 do art. 46.º da LGT, deveria tê-lo feito na petição inicial; não o tendo feito então, já não o pode fazer em sede de alegações de recurso.
Sem prejuízo do que deixámos dito, sempre diremos que eventual irregularidade nessa notificação se haveria de ter por sanada, uma vez que ficou demonstrado que a ora Recorrente foi notificada quer de que ia ser iniciada a inspecção externa – através da carta aviso prevista nos n.ºs 1 e 2 do RCPIT [cfr. facto provado sob o n.º 3)] – quer do relatório da inspecção [cfr. facto provado sob o n.º 6)], o que lhe abriu a possibilidade de se pronunciar sobre a inspecção e eventuais irregularidades da mesma quando da impugnação judicial da liquidação. Se não o fez em tempo sibi imputet.
Concluímos, pois, que a questão suscitada pela Recorrente relativamente à validade da notificação do início da inspecção não pode ser conhecida, por se tratar de questão nova.

2.2.3 DO PROLONGAMENTO DO PRAZO DE CADUCIDADE AO ABRIGO DO N.º 5 DO ART. 45.º DA LGT

A Recorrente insurge-se também contra a sentença na parte em que nesta se considerou que a caducidade do direito de liquidar também ainda não se verificara na data em que foi notificada da liquidação por força do «alargamento do prazo em virtude do processo crime».
Sustenta que o alargamento do prazo previsto no n.º 5 do art. 45.º da LGT só pode operar, por um lado, se a AT fundamentar o mesmo, o que não sucedeu no caso [cfr. conclusão G)], e, por outro lado, caso esteja demonstrada a verificação dos respectivos pressupostos de facto, designadamente que «os factos que serviram de base à liquidação do imposto são os mesmos que determinaram a existência de um processo-crime», sendo que «não há factos na sentença recorrida que suportem tal conclusão» [cfr. conclusão H)].
É certo que, por força da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro de 2005, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2006, foi aditado um novo n.º 5 ao art. 45.º da LGT, o qual dispõe, que «[s]empre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano».
Como este Supremo Tribunal tem vindo a dizer, a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos e, se a sentença não tiver fixado os factos concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, verifica-se um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o referido preceito ( Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 178/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3054 a 3058, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c010887b851997fa80257d6c002f7d96;
- de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 190/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dce7f9bb6fcc169980257efc004c8fd4.).
Mas, no caso, não há sequer que fazer indagação alguma nesse sentido, porque inútil.
Na verdade, como deixámos dito acima, a sentença decidiu no sentido de que a notificação da liquidação foi efectuada dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação com uma dupla fundamentação: por um lado, o prazo da caducidade suspendeu-se pelo período da inspecção (que não excedeu os seis meses) e, por outro, o prazo da caducidade foi alargado em virtude da instauração do processo-crime.
Ora, como decorre do que dissemos em 2.2.2, a sentença transitou na parte em que nela se considerou que o prazo de caducidade se suspendeu durante o período da inspecção, uma vez que a Recorrente atacou esse segmento da sentença exclusivamente com fundamentos que, constituindo questão nova, estão subtraídos ao conhecimento deste Supremo Tribunal.
O que significa que, ainda que viesse a reconhecer-se razão à Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento no que respeita ao prolongamento do prazo ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, sempre subsistiria intocado o primeiro fundamento por que a sentença concluiu que a notificação da liquidação foi efectuada dentro do prazo da caducidade do direito de liquidar.
Assim, como temos vindo a dizer noutras ocasiões (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 24 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 696/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3177 a 3185, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3434984cdb89a15f80257aa8003b5358;
- de 13 de Novembro de 2013, proferido no processo com o n.º 1020/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32240.pdf), págs. 4474 a 4477, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/caec64fb82bc19fd80257c29004adb24;
- de 14 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 973/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Maio de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2015/32210.pdf), págs. 111 a 115, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/389cbe6519571b1e80257dd2003e725f.), havendo a sentença de manter-se com base num dos fundamentos, torna-se inútil – e, por isso, proibido (cfr. art. 130.º do CPC) – conhecer do recurso que ataca o outro fundamento (Vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 12 ao art. 279.º, pág. 337.).

2.2.4 CONCLUSÕES

Face ao que deixámos dito, o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, neles não cabendo, por isso, e em princípio, a apreciação de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso.
II - Se para julgar improcedente a pretensão que lhe foi dirigida o tribunal utilizou mais do que um fundamento, o recurso dessa sentença só terá utilidade (virtualidade de se repercutir na decisão recorrida) se atacar todos esses fundamentos, sendo que se o não fizer relativamente a um deles, sempre a decisão se manterá incólume com base neste (relativamente ao qual se verificou o trânsito em julgado).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 3 de Novembro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.