Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
| Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO CARTULAR PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO SUBJACENTE | ||
| Nº do Documento: | RP202510133958/21.2T8OAZ-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Não sendo de conhecimento oficioso a prescrição da obrigação exequenda, a mesma tem que ser expressamente invocada no requerimento inicial de oposição à execução, não bastando a invocação da prescrição da obrigação cartular para que o tribunal possa e deva pronunciar-se, para além desta, também sobre a prescrição da obrigação subjacente. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo número 3958/21.2T8OAZ-A.P1, Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, Juiz 1.
Recorrente: AA Recorrida: Banco 1..., SA
Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeiro adjunto: Carlos Gil Segunda adjunta: Teresa Maria Sena Fonseca
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório: 1. Em 18-03-2022 BB intentou oposição por embargos de executado à execução para pagamento de quantia certa que a Banco 1..., SA instaurara contra si e contra AA, defendendo que a livrança dada à execução estava prescrita e que ocorrera preenchimento abusivo da mesma. Defendeu ainda que se não se julgar procedente a arguição de prescrição deveria pelo menos, reduzir-se a quantia exequenda ao valor de 2 136,40 €. Para tanto alegou em suma que: - desconhece a livrança dada à execução e não sabe se assinatura aposta no seu verso é sua; - lhe foi pedido pelo irmão CC que fosse seu fiador em mútuo de 45 000 € concedido pela Banco 1..., SA não se recordando de assinar qualquer documento, mas tão-só do preenchimento de um formulário; - desconhece se a credora/exequente e o devedor/mutuário celebraram algum acordo para preenchimento da livrança; - no âmbito do contrato celebrado a credora apenas podia exigir garantias adicionais correspondentes a 25% do capital mutuado; - a credora já recebeu do devedor 6 379, 24 € e, no âmbito do processo especial de insolvência daquele, o valor de 2 734, 30 €; - na falta de acordo sobre o preenchimento da livrança a obrigação está prescrita nos termos do artigo 70º da Lei Uniforme das Letras e Livranças; - desde 2013 que a exequente sabia da insolvência do devedor, altura em que deveria ter preenchido imediatamente a livrança, evitando que a dívida gerasse juros sendo abusivo o seu preenchimento com a data de vencimento que lhe foi aposta (12-08-2021). 2. Admitidos liminarmente os embargos, a exequente contestou impugnando que a garantia prestada pelo embargante tenha ficado limitada a 25% do valor do mútuo, alegando que o pacto de preenchimento da livrança resulta do teor do contrato de mútuo e que apenas recebeu 2 734, 30 € no âmbito do processo especial de insolvência do devedor e 13 107, 05 € do mutuário para pagamento de capital, juros de mora por incumprimento, comissões e despesas. Pelo que concluiu que a livrança foi preenchida pelo valor do capital em dívida na data do seu vencimento. Alegou ter interpelado os devedores subscritores da livrança e dos respetivos avais ao seu pagamento. 3. Em 13 de março de 2024 foi realizada audiência prévia, na qual se ordenou a apensação para tramitação conjunta do apenso de embargos de executado que corriam termos sob a letra B, deduzidos pelo coavalista da livrança dada à execução, AA, com alegação dos mesmos exatos fundamentos arguidos pelo embargante. 4. Foi proferido um único despacho saneador no âmbito de ambos os embargos, tendo-se afirmado a validade e a regularidade da instância e identificado o objeto do litígio bem como foram enunciados os temas da prova. Admitidos os requerimentos instrutórios, foi designada audiência de julgamento. 5. A mesma iniciou-se em 19 de junho de 2024, com tentativa de conciliação em que foi requerida e deferida suspensão da instância com vista à celebração de acordo que veio a frustrar-se, pelo que a audiência de julgamento veio a iniciar-se em 20 de setembro de 2024 com continuação em 30-09-2024. 6. Em 26-02-2025 foi proferida sentença pela qual se julgaram improcedentes ambos os embargos.
II - O recurso: É desta sentença que recorre o embargante AA, pretendendo a sua revogação com a consequente declaração de procedência dos embargos. Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso: (…) * A recorrida contra-alegou sustentando a confirmação da sentença. * Em 12-08-2025 foi admitido o recurso, tendo-se afirmado que não ocorria a omissão de pronúncia alegada pelo recorrente, dado que a prescrição do crédito subjacente à emissão da livrança não foi alegada nem se trata de exceção de conhecimento oficioso.
III – Questões a resolver: Em face das conclusões do recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635.º, números 4 e 5 e 639.º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver: 1. Se a sentença é nula por ter sido omitida pronúncia quanto à eventual prescrição da obrigação subjacente à emissão da livrança dada à execução; em caso afirmativo, 2. Se ocorreu tal prescrição.
IV – Fundamentação: Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa: “1 – A Embargada, Banco 1..., S.A., é dona e possuidora de uma livrança subscrita por CC, entretanto declarado insolvente, com o montante de €87 244,73, emitida em 09/11/2010 e vencida em 12/08/2021 – cfr. doc. nº 1 junto com o requerimento executivo que aqui se dá por integralmente reproduzido. 2 - No verso da mesma livrança e logo após a declaração "dou o meu aval ao subscritor", os Embargantes BB e AA, apuseram as suas assinaturas. 3 - A livrança não foi paga na data do seu vencimento, nem posteriormente, por CC, nem por BB e AA, não obstante as interpelações para pagamento feitas. 4 – Na época em que a referida livrança foi constituída os Embargantes foram abordados pelo seu irmão, CC, no sentido de servirem de fiadores do mesmo para a obtenção de um microcrédito, no valor de €45 000,00 (quarenta e cinco mil euros) junto da Banco 1... com vista a aquisição de material para o restaurante que estaria a abrir, ao que acederam, tendo o Embargante BB preenchido o formulário junto como doc. nº 1, com a petição inicial destes autos e o Embargante AA preenchido o formulário junto como doc. nº 1, com a petição inicial do apenso B, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 5 - Após terem confrontado o seu irmão com a livrança dada à execução, pelo mesmo foi-lhes afiançado que apenas tinha celebrado um contrato de microcrédito com a Banco 1..., 6 - não o podendo este mostrar, visto nunca lhe terem entregue qualquer cópia do mesmo, nem da livrança referida em 1. 7 – Os Embargantes apenas aceitaram ser garantes de um crédito celebrado pelo seu irmão CC com a Exequente, no valor de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros). 8 – A livrança foi preenchida pela Embargada quanto à data de vencimento e valor em momento posterior ao da sua assinatura. 9 – O irmão dos Embargantes, CC, entrou em contacto com a Embargada após ter tido conhecimento do programa FINICIA e através da ANJE (Associação Nacional de Jovens Empresários). 10 - Segundo a Embargada em ...: “No caso da linha MicroInvest não são solicitadas garantias adicionais, dada a mesma ser garantida a 100% pela SGM. No caso da linha Invest +, atendendo a que as garantias prestadas ela SGM cobrem apenas 75% do capital contractado, poderão ser exigidas por parte da Banco 1... garantias adicionais correspondentes as restantes 25% do capital contratado.” 11 - CC pagou à Embargada ao longo do período de vigência do empréstimo, e até este entrar em incumprimento, a título de prestações - que incluíam capital e juros remuneratórios -, juros de mora por incumprimento, comissões e despesas, a quantia de €13 017,05 (treze mil e dezassete euros e cinco cêntimos). 12 – E no âmbito do Processo de Insolvência do mesmo, proc. nº ..., no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, 2º Juízo, a Embargada recebeu mais €2.734,30 (dois mil setecentos e trinta e quatro euros e trinta cêntimos). 13 – O crédito concedido pela Embargada a CC, ao abrigo do qual foi emitida e assinada a livrança referida em 1 não foi atribuído ao abrigo da linha Microinvest, mas de um acordo de abertura de crédito com aval, celebrado por aquele com a Embargada ao abrigo do protocolo que esta estabeleceu com a ANJE. – cfr- doc. nº 1 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 14 - A linha de crédito referida em 10 existe, mas é decorrente de um protocolo celebrado entre a Embargada com o IEFP e não com a ANJE. 15 – No acordo de abertura de crédito referido em 13, são partes e subscreveram o documento em que esse acordo foi redigido: a Embargada; CC como cliente e os Embargantes como avalistas. 16 – No ponto 25, desse acordo, sob a epígrafe, “Livrança em Branco” consta: “25.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, o CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à Banco 1..., neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pelo primeiro e avalizada pelos segundos e autorizam, desde já a Banco 1... a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1... quando, em caso de incumprimento pelo DEVEDOR das obrigações assumidas, a Banco 1... decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança; c) A Banco 1... poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento. 25.2 – A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo incluindo as garantias. 25.3 – EM ANEXO: LIVRANÇA EM BRANCO.(…)” 26 – No referido acordo consta a seguinte cláusula: “28.1 – O presente contrato considera-se perfeito quando contiver as assinaturas de todos os CONTRATANTES. 28.2 – A data da perfeição é a que for aposta na zona de assinaturas dos representantes da Banco 1..., enquanto CONTRATANTE que assina em último lugar. 28.3 – Na falta de indicação da data referida no número anterior, considera-se o contrato assinado na data da sua feitura. 28.4 – Quando a data de perfeição do contrato não coincida com a data da sua leitura, a Banco 1... dará conhecimento ao CLIENTE e aos demais CONTRATANTES da data de perfeição, mediante simples entrega de fotocópia ou duplicado do contrato, que conterá a indicação da data de perfeição e, bem assim, da taxa de juro nominal e da TAE aplicáveis no primeiro período de contagem de juros.” 17 – O documento que titula esse acordo está datado de 9 de novembro de 2010. 18 – Os Embargantes e CC apuseram as suas assinaturas nesse documento, em 14/11/2010, e as mesmas foram presencialmente reconhecidas por advogado. 19 – A Embargada assinou posteriormente esse documento, tendo sido aposto no mesmo a seguinte expressão: Data considerada para perfeição do presente contrato 18 de Novembro de 2010. Taxa nominal aplicável ao primeiro período de contagem de juros _%TAE 4,07%” 20 – A Embargada não entregou aos Embargantes, nem a CC, cópias desse documento. 21 – CC deixou de cumprir com as obrigações de pagamento à Embargada em 29/05/2013, pelo que esta preencheu a livrança em 12/08/2021, computando a quantia de €34 551,38 de capital em dívida nessa data; acrescida dos juros remuneratórios vencidos no valor de €708,84; juros moratórios no valor de €49 499,10 - calculados à taxa de 15,45%, acrescidos de sobretaxa de 4%, perfazendo o valor diário de €15,12 -; comissões no valor de €458,72 e impostos no valor de €2 026,69, perfazendo o valor total de €87 244,73.”. * B) Factos Não Provados “a) Os Embargantes não assinaram qualquer outro documento, acordo ou contrato. b) O valor da livrança é totalmente desfasado da realidade. c) Os Embargantes desconhecem se houve ou não algum pacto de preenchimento que permitisse à Embargada preencher a livrança posteriormente e, se houve, em que termos tal foi dado. d) Os Embargantes nunca se obrigaram, enquanto garantes do seu irmão, no montante constante da livrança apresentada pela Embargada. e) O crédito referido em 7 dos factos provados dizia respeito à linha INVEST +. f) Sobre o valor do microcrédito concedido a CC, a Embargada, segundo a própria, apenas poderia exigir garantias sobre 25% do mesmo, o que no caso seria de apenas €11 250,00 (onze mil duzentos e cinquenta euros). g) Não poderia requerer garantias, mas antes a totalidade do microcrédito, inclusivamente os €33 750,00 segurados pela SGM, e ainda os juros vencidos desde 09/11/2010. h) A Embargada recebeu €33 750,00 da SGM. i) A linha de crédito referida em 10 dos factos provados é recente e a referida em 13 dos factos provados foi criada em 2010.” * Cumpre ainda ter presente o teor do requerimento executivo: “1. A exequente, Banco 1..., S.A., é dona e legítima possuidor de uma livrança subscrita por CC, entretanto declarado insolvente, com o seguinte montante, data de emissão e de vencimento: - € 87.244,73, emitida em 09.11.2010 e vencida em 12.08.2021; (cfr. doc nº 1 que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos). 2º No verso da mesma livrança e logo após a declaração "dou o meu aval à subscritora", os executados BB e AA, apuseram a sua assinatura prestando válida e eficazmente o seu aval, nos termos dos artigos 30º e 31º, da LULL. 3º De acordo com o artigo 32º da LULL, aplicável por força do artigo 77º do mesmo diploma legal, os avalistas respondem da mesma maneira que a pessoa por eles afiançada, pelo que garantem pessoalmente o pagamento integral da livrança que se executa. 4º A livrança não foi paga na data do seu vencimento nem posteriormente por qualquer dos co-obrigados, não obstante as interpelações para pagamento feitas, estando actualmente em dívida a quantia de € 88.547,33 (cfr docs. 2 e 3 que se juntam e reproduzem e vide liquidação). 5º Sobre o capital em dívida são devidos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do seu vencimento até à data do seu efectivo e integral pagamento. 6º Sobre o valor de juros é devido imposto de selo à taxa de 4% ao ano, nos termos do artº 17-2, da Tabela Geral do Imposto de Selo, a liquidar pelo agente cobrador. 7º A livrança é título executivo (artigo 46, alíena c), do C.P. Civil). 8º A dívida no montante total de € 88.547,33 é certa, líquida e exigível.” * 1- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia. A alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Tal preceito é aplicável aos despachos, como o que ora está sob censura, por via do previsto no artigo 613º, número 3 do Código de Processo Civil. As questões a que se refere a alínea d) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por correlação com o artigo 608º do mesmo diploma, são apenas as questões a resolver: todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que caiba ao juiz conhecer oficiosamente (neste sentido, vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1]). O artigo 608.º, n.º 2 CPC, impõe que se resolvam na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Alberto dos Reis [2] enunciou que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos jurídicos ou soluções plausíveis de direito. Desde logo porque o julgador não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas” A jurisprudência tem seguido este entendimento[3], de que o tribunal não tem de apreciar todos e cada um dos factos alegados nos articulados, cabendo apenas apreciar aqueles que, segundo as soluções plausíveis de direito, poderão revelar-se com interesse para conhecer do pedido e/ou da defesa. Como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 25-09-2023[4] “Relativamente a esta nulidade, há desde logo que precisar que, como tradicionalmente se considera, só a absoluta falta de fundamentos de facto ou de fundamentos de direito pode a ela conduzir [neste sentido, vide “Manuel de Processo Civil” de Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora, 2ª edição, 1985, pág. 687, e “Código de Processo Civil Anotado” de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, vol. 2º, Almedina, 2019, págs. 735/736], sendo porém que, numa construção mais recente, também já se defende que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, se considera dever ser equiparada àquela falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, levar a tal nulidade (neste sentido, Acórdão do STJ de 2/3/2011, proc. nº161/05.2TBPRD.P1.S1, rel. Cons. Sérgio Poças, disponível em www.dgsi.pt.). Em sede de recurso o embargante/recorrente bate-se apenas pelo reconhecimento de que o crédito da exequente/mutuante Banco 1..., SA, que deu origem à emissão da livrança a que prestou aval está prescrito, por terem decorrido mais de cinco anos entre a data do incumprimento da obrigação de pagamento das prestações acordadas para pegamento do mútuo – 29-05-2013 - e o preenchimento da livrança. E afirma que o não conhecimento dessa questão pelo Tribunal a quo constitui omissão de pronúncia suscetível de conduzir à sua nulidade. Cumpre assim aferir se em sede de embargos o ora recorrente arguiu a prescrição da obrigação subjacente à emissão da livrança que subscreveu como avalista. A invocação da exceção de prescrição no seu requerimento inicial foi feita da seguinte forma nos artigos 19 a 21 do requerimento inicial do recorrente: “19. Por outra ordem de ideias, não se tem conhecimento se houve ou não algum pacto de preenchimento e, se houve, se foi dada ou não autorização à Exequente para fixar livremente a data de vencimento da livrança, o que, a não ter acontecido, uma vez mais, existe um preenchimento abusivo da livrança por parte da Exequente. 20. Aliás, a falta de tal acordo levará até à prescrição da obrigação nos termos do artigo 70.º da LULL, pois em 2013 a Exequente já sabia da insolvência do Sr. CC, pelo que deveria ter preenchido imediatamente a livrança em vez de deixar a dívida gerar juros pedindo depois o valor desses mesmos juros acrescidos de juros. 21. Nesta ordem de ideias, de acordo com os documentos juntos aos autos, a dívida nunca poderia ser do valor peticionado pela Exequente, 87.244,73€, mas antes de 2.136,46€, pelo que o preenchimento da livrança em causa ser altamente abusivo, sendo certo que, não havendo pacto de preenchimento, a livrança se encontra prescrita desde Novembro de 2016, nos termos do artigo 70.º da LULL.”. Dúvidas não há de que o mesmo invocou expressamente a prescrição decorrente do disposto no artigo 70.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças, que prevê: - o prazo de prescrição de três anos a contar do vencimento das livranças para as ações contra o aceitante; - o prazo de prescrição de um ano a contar do protesto ou do vencimento para as ações do portador contra os endossantes e contra o sacador; e - o prazo de prescrição de seis meses a contar do dia em que o endossante pagou a letra ou foi acionado, para as ações entre endossantes e contra o sacado. Para tanto o embargante/recorrente alegou apenas que, a não ter havido acordo entre mutuante e mutuário/subscritor quanto à forma de preenchimento da livrança dada à execução, será abusiva a inscrição na mesma de uma data de vencimento muito posterior à da insolvência do devedor, de que a credora teve conhecimento em 2013. Não alegou concretamente a data de prolação da sentença que terá decretado tal insolvência. Salvo o devido respeito, é manifesta a imprecisão desta alegação em que se amalgama o abuso no preenchimento da livrança com a invocação de preceito que prevê a prescrição do direito do credor de acionar o avalista. Este equipara-se ao aceitante nos termos do artigo 32º da Lei Uniforme das Letras e Livranças, preceitos aplicáveis às livranças nos termos da remissão decorrente do artigo 77º do referido diploma, pelo que também a ação a intentar contra ele deve ser proposta no prazo de três anos a contar do vencimento da livrança[5]. Tal vencimento, como resulta provado, ocorreu em 12-08-2021, por força do preenchimento dessa data de vencimento por parte da embargada/exequente em momento posterior ao da assinatura da livrança e em cumprimento do pacto de preenchimento resultante do ponto 25 do contrato de mútuo, pelo qual o mutuário/subscritor e os avalistas autorizaram a credora a fixar a data de vencimento quando, “em caso de incumprimento pelo devedor, a Banco 1... decida preencher a livrança” (cfr. alíneas 1, 8 e 16 dos factos provados). De facto, nos casos em que a livrança é assinada “em branco” a mesma pode ainda valer como título de crédito e ser, consequentemente, título executivo, desde que seja dada ao credor a autorização para a preencher – cfr artigo 10º ex vi artigo 77º da Lei Uniforme das Letras e Livrança. Em face da prova do pacto de preenchimento improcedeu a invocação de abuso de preenchimento arguida nos embargos, decisão com que o recorrente se conformou, pois não a questiona em sede de recurso. Já a prescrição da obrigação subjacente à emissão da livrança dada à execução não foi expressamente invocada no requerimento inicial. Atendendo ao previsto no artigo 5º número 3 do Código de Processo Civil, que prevê que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito, resta saber se há como interpretar as alegações do embargante nesse articulado como sendo passíveis de serem qualificadas juridicamente da forma que ora defende e diversa, portanto, da que alegou no requerimento inicial. Ora, em momento nenhum do requerimento inicial o embargante descreveu a obrigação titulada pela livrança quanto ao seu prazo de vencimento. Não aludiu, sequer, à natureza e forma de cumprimento da obrigação subjacente, antes referindo expressamente a prescrição “da livrança” e a aplicabilidade do artigo 70º da LULL. É certo que argumentou que cabia ao mutuante/embargado, preencher de imediato a livrança ao ter conhecimento da insolvência da devedora. Tal afirmação poderia tê-lo conduzido à invocação do disposto no artigo 91º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, de que decorre que a insolvência do devedor determina o vencimento imediato das obrigações do insolvente. Todavia, o embargante não afirmou em nenhum momento que o vencimento da obrigação subjacente ocorreu nessa data nem alegou (não estando assim provada) a data da prolação da sentença no processo especial de insolvência. Na verdade, é absolutamente claro o único propósito que o embargante teve em mente com a afirmação de que a livrança deveria ter sido preenchida em data anterior: a de que fora abusivo o preenchimento da livrança anos mais tarde, deixando-se a “dívida gerar juros”. Pelo que não se pode entender que foi invocada pelo embargante a exceção de prescrição da obrigação subjacente que ora invoca em sede de recurso. Não ressuma daquele articulado qualquer vontade de que tal questão fosse conhecida. Ora, o artigo 552.º, número 1 d) do Código de Processo Civil prevê que na petição inicial o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e indicar as razões de direito que servem de fundamento à ação. Do disposto no artigo 572.º c) do Código de Processo Civil resulta, por sua vez, que o réu deve, na contestação, expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente. Assim, veja-se o requerimento inicial dos embargos de executado como equiparável a uma petição inicial pela qual se inicia um incidente declarativo apenso à execução, ou como sendo uma forma de “contestação” ao requerimento executivo, sempre o executado/embargante teria o ónus de alegação dos factos essenciais às suas pretensões e à indicação do seu fundamento de direito. A oposição visa “a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da ação executiva”[6]. A oposição à execução por via dos embargos constitui efetivamente uma forma de defesa do executado em face do requerimento executivo, como decorre do previsto no artigo 728.º do Código de Processo Civil. E se ali se afasta (pelo seu número 3) expressamente a aplicabilidade do artigo 569.º, número 2 do mesmo Diploma que rege sobre os prazos de apresentação da contestação é porque alguma equiparação a esta peça processual o legislador entendeu poder existir, sentindo necessidade de expressamente afastar essa equiparação quanto a tais prazos. Por outro lado, ainda que assumindo que a estrutura dos embargos é a de uma verdadeira ação declarativa que corre por apenso à execução, é por via do requerimento inicial que o embargante deve articular todos os factos necessários à sua pretensão e indicar o seu fundamento legal. A exceção de prescrição constitui matéria que não é de conhecimento oficioso, dado o disposto no artigo 303.º do Código Civil de que decorre que a mesma, “(…) necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente por aquele a quem aproveita (…)”. O embargante - dir-se-ia que então alertado para essa via de defesa -, veio pela primeira arguir a prescrição da obrigação subjacente apenas depois de notificado da sentença, de cuja fundamentação consta que “assistia à Embargada o direito de preencher a data de vencimento e montante da livrança, quando entendesse, até à data de prescrição do crédito, com todos os montantes então em dívida”. Ora, não tendo o mesmo alegado qualquer facto concreto de que resultasse a data de início desse prazo de prescrição nem afirmado que entendia estar prescrita a relação subjacente à cartular, é manifesto que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal a quo tivesse de conhecer. Em conclusão, nem era de conhecimento oficioso nem foi, ainda que imperfeitamente, arguida a exceção de prescrição do crédito do exequente subjacente à emissão da livrança perante o Tribunal a quo. Pelo que improcede a arguida nulidade da sentença. * 2. Pela mesma ordem de razões deve também improceder a pretensão do recorrente de ver agora apreciada tal questão. Do disposto no artigo 627.º, número 1 do Código Civil decorre que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais. Ou seja, os mesmos são tendentes à reapreciação de uma decisão, com vista à respetiva anulação, revogação ou modificação e não à reapreciação da causa. Neste conspecto, não poderá o tribunal de recurso apreciar questões, de direito ou de facto, com que não tenha sido confrontado o juiz que proferiu a decisão recorrida ou que o mesmo não tivesse de conhecer oficiosamente[7]. Pelo que improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. * Face ao decaimento do recorrente, será o mesmo a suportar as custas do recurso, nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.
V – Decisão: Julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente. |