Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2353/21.8T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: CONTRATO DE USO DA MARCA
DENÚNCIA DO CONTRATO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RP202309252353/21.8T8VFR.P1
Data do Acordão: 09/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Caracterizando-se a figura da denúncia por ser privativa dos contratos com prestações duradouras e por dever ser feita para o termo do prazo da renovação do contrato, salvo se se trata de um contrato por tempo indeterminado, não se pode relevar como denúncia a carta que é enviada quando o contrato se tinha renovado há mais de 3 meses, estando em curso o seu prazo de 6 anos.
II – Para o funcionamento da resolução do contrato com base na previsão do art. 437º do C. Civil, há que ocorrer lesão do contraente derivada da manutenção dos termos contratuais existentes.
III – Pelo incumprimento definitivo do contrato, por via da previsão do art. 798º do C. Civil e que “o nº1 do art. 801º, porventura de forma redundante, reitera”, há que dar ao credor “o equivalente pecuniário (em regra, a mais-valia) que retiraria do cumprimento da obrigação”.
IV – O art. 781º do C. Civil integra regime que não diz respeito às obrigações duradouras, mas sim às de prestação fraccionada.
V – O ónus da prova dos requisitos do enriquecimento sem causa, designadamente o da falta de causa justificativa, recai sobre quem pretende obter a restituição; não bastará para esse efeito que não se prove a existência de uma causa de atribuição, sendo antes necessário que se prove a sua falta de causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº2353/21.8T8VFR.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

A..., Lda.”, intentou acção declarativa comum contra AA, BB e CC, pedindo a condenação destes a pagar-lhe o valor de € 6.642,00 (seis mil seiscentos e quarenta e dois euros), acrescido de juros de mora calculados desde a data da carta de rescisão até efectivo e integral pagamento.
Alega para o efeito, em súmula, que em 1 de Fevereiro de 2015 celebrou com os Réus, pelo prazo de 6 anos, um contrato de aluguer de equipamento para reparação de calçado e uso da marca “...”, com opção de compra daquele equipamento pelo montante de € 25.000,00, figurando nele os segundos Réus na qualidade de fiadores.
Por força do referido contrato, os Réus entregaram inicialmente a quantia de € 7.500,00, com IVA incluído, tendo o remanescente sido pago em 72 (setenta e duas) prestações mensais e sucessivas de € 298,36. Pagavam ainda, mensalmente, o valor de € 75,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, relativo ao uso da marca “...”.
Em Janeiro de 2021 foi efectuado o pagamento da última prestação referente ao aluguer do equipamento, tendo sido tais prestações pontualmente cumpridas.
Contudo, em 27 de Abril de 2021, a Autora recebeu uma carta do 1.º Réu, AA, onde este informa que a partir do dia 30 de Abril iria deixar a marca “...”, tendo, em 1 de Maio de 2021, retirado o logótipo da marca “...”, substituindo-a pela marca “...”.
Considera, no entanto, que, de acordo com a cláusula quinta do mesmo, aquele contrato se renovou pelo período de seis anos em 10 de Janeiro de 2021, razão pela qual defende que os Réus são responsáveis pelo pagamento correspondente ao uso da marca pelo período de seis anos, quer por via de indemnização pelos danos que lhe foram causados decorrentes da falta de aviso-prévio nos termos do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, quer por via da resolução ilícita do contrato e decorrente obrigação de indemnizar nos termos dos arts. 562º, 564º nº1 e 566º nº1 do C. Civil.
Os Réus deduziram contestação, alegando, em súmula: que cumpriram integralmente o contrato de aluguer de equipamento com opção de compra; que a Autora não procedeu, conforme se havia comprometido, à entrega ao 1.º Réu de uma declaração de transferência de propriedade dos equipamentos identificados no aludido contrato, estando por isso em mora; que sendo o contrato referente ao uso da marca um verdadeiro contrato de aluguer poderia o 1.º Réu terminar/denunciar o contrato a todo o tempo, uma vez que não ficou convencionado qualquer limite ou restrição à denúncia, pelo que entendem não assistir à Autora razão quando peticiona a totalidade das rendas referentes à renovação do contrato, sendo, caso assim não se entenda, aplicável a regra plasmada no n.º 3 do art. 1098.º do Código Civil, daí resultando que o 1.º Réu apenas teria de pagar o valor correspondente a dois anos de renda pelo aluguer da marca “...”; que a Autora não notificou os 2.º e 3.ºs Réus, que assumiram a qualidade de fiadores, pelo que não lhes é exigível o pagamento de qualquer indemnização, nem estes são responsáveis pelo alegado valor em dívida, atento o preceituado nos n.ºs 5 e 6 do art. 1041.º do Código Civil; que em virtude da situação de pandemia existiu uma alteração das circunstâncias, a qual, nos termos do disposto no art. 437.º, n.º 1, do Código Civil, lhe confere o direito à resolução do contrato.
O 1º Réu deduziu ainda reconvenção, peticionando a condenação da Autora a proceder à entrega a si de uma declaração de transferência de propriedade dos equipamentos identificados no contrato, a pagar-lhe a quantia de € 2.500,00, por danos não patrimoniais decorrentes da falta de entrega da declaração de transferência da propriedade dos equipamentos, e a pagar-lhe a quantia de € 3.981,92, que recebeu em excesso, num total de € 6.481,92. Subsidiariamente, requereu ainda que seja operada a compensação entre este crédito reclamado em reconvenção e a quantia em que eventualmente venha a ser condenado no caso de procedência da acção em alguma medida.
A Autora apresentou réplica, alegando que, por lapso, não procedeu à entrega da alteração de titularidade das máquinas; que o Réu adquiriu o equipamento através de um empréstimo por si concedido, pelo que o montante peticionado na reconvenção - € 3.981.92 -, correspondia ao valor dos juros acrescidos de IVA. Conclui pela improcedência das excepções deduzidas pelo Réu, assim como do pedido reconvencional.
Dispensada a audiência prévia, foram proferidos despachos a admitir a reconvenção, despacho saneador e subsequente despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
O R. reconvinte, notificado daqueles despachos, veio reclamar dos temas da prova, requerendo a realização de audiência prévia.
Nessa sequência, foi proferido despacho, ao abrigo do art. 593º nº3 do CPC, a designar dia para tal audiência prévia, tendo nela sido deferida aquela reclamação.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, o Tribunal decide:
I – Julgar parcialmente procedente o pedido deduzido na acção principal e, em consequência:
a) - Condenar os Réus a pagar à Autora a quantia de € 6.365,25 (seis mil trezentos e sessenta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), acrescidos de juros de mora, calculados à taxa de juro comercial, a contar desde a data em que se operou a resolução (1-05-2021) até efectivo e integral pagamento;
b) – Absolver os Réus do demais peticionado.
II – Julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência;
a) – Condenar a Autora a proceder à entrega ao 1º Réu/Reconvinte de uma declaração de transferência de propriedade dos equipamentos identificados no contrato junto aos autos como doc. 1.
b) – Absolver a Autora/Reconvinda do demais peticionado.

De tal sentença vieram os Réus interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1º. O presente recurso tem por objeto a decisão sobre a matéria de facto considerada provada e a matéria de direito.
2º. Os factos que os recorrentes consideram incorretamente julgados são matéria de facto dada como provada no ponto 21), referente aos pontos 46º, 47º e 48º da contestação/reconvenção,
3º. e ainda da matéria de facto dada como não provada nas alíneas a), b) e c), referente aos pontos 26º a 33º da contestação/reconvenção, conforme consta da fundamentação de facto da sentença.
4º. A prova produzida em audiência impunha decisão diversa quanto aos factos que constam dos pontos a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada no ponto 21), referente aos pontos 46º, 47º e 48º da contestação/reconvenção os quais deveriam ser dados como não provados,
5º. E a prova produzida em audiência impunha decisão diversa quanto aos factos que constam dos pontos sobre a matéria de facto dada como não provada nas alíneas a), b) e c), referente aos pontos 26º a 33º da contestação/reconvenção os quais deveriam ser dados como provados,
6º. Designadamente, porque verifica-se uma omissão na especificação dos fundamentos de facto da sentença, determinado que esta seja nula.
7º. E deveria ter-se dado como provada a factualidade, dos pontos 26º a 33º da contestação/reconvenção, quer porque não houve a impugnação desses factos pela Autora, quer pelo facto notório de que a situação pandémica decorrente da Covid-19 causou quebra de receitas nos estabelecimentos que operam em centros comerciais, quer ainda a prova produzida (declarações de parte) pelo 1º Réu.
8º. O tribunal procedeu a uma errada ponderação das declarações de parte do Recorrente e ainda dos documentos juntos aos autos.
9º. As declarações de parte do 1º Réu e ainda os documentos juntos aos autos impunham que a matéria de facto dada como não provada nas alíneas a), b) e c), referente aos pontos 26º a 33º da contestação/reconvenção fosse provado, ou seja, uma decisão diversa da recorrida.
10º. Dá-se aqui por reproduzidas as transcrições da gravação das declarações de parte do 1º Réu efetuadas em audiência de julgamento e supra mencionadas.
11º. Ao contrato em causa, aplica-se o regime do contrato de arrendamento urbano.
12º. Por falta de convenção sobre limites ou restrição à sua denúncia ou resolução, a comunicação do 1º Réu à Autora é lícita.
13º. Foi LEGÍTMA e LÍCITA a resolução do contrato de uso da maraca ... efetuado pela Recorrente, com invocação da alteração superveniente das circunstâncias.
14º. Havia a obrigatoriedade dos fiadores serem interpelados para o pagamento dos valores em débito, e face ao facto dado como provado no ponto 15 da matéria de facto dada com provada, os 2º e 3º Réus devem ser absolvidos do pedido da autora.
15º. O pedido reconvencional efetuado pelo 1º réu a pedir a condenação da autora/reconvinda no pagamento da quantia de 6.481.92€ deve ser considerado procedente.
16º. A matéria de facto assente é suficiente para justificar a condenação da Reconvinda numa indemnização, a favor do Reconvinte, por danos não patrimoniais peticionada.
17º. Deve proceder o pedido de condenação da Reconvinda no pagamento/devolução do excesso do preço.
18º. A douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 437º, 762º, 782º, 1022º, 1023º e 1098º do Código Civil e nos artº 615º do Código de Processo Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das nulidades e depois das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar da nulidade da sentença (conclusão sob ponto 6º)
b) – apurar se há que proceder à alteração da decisão da matéria de facto da sentença recorrida quanto aos pontos desta indicados pelos Recorrentes (conclusões sob os pontos 2º a 5º, 7º e 9º);
c) – apurar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a decisão recorrida deve ser revogada ou alterada, sendo nesta sede de apurar dos termos da cessação do contrato efectuada pelo R. AA e suas consequências (conclusões sob os pontos 11º, 12º e 13º), da responsabilidade dos Réus BB e CC enquanto fiadores (conclusão sob o ponto 14º) e das quantias peticionadas em sede reconvencional (conclusões sob os pontos 15º, 16º e 17º).
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II – Fundamentação

Vamos ao tratamento da questão enunciada sob a alínea a).
Os recorrentes defendem que a sentença é nula “porque verifica-se uma omissão na especificação dos fundamentos de facto”.
A nulidade de sentença por falta de fundamentação está prevista na alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC e ocorre, como ali se preceitua, quando a mesma “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Relativamente a esta nulidade, há desde logo que precisar que, como tradicionalmente se considera, só a absoluta falta de fundamentos de facto ou de fundamentos de direito pode a ela conduzir [neste sentido, vide “Manuel de Processo Civil” de Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora, 2ª edição, 1985, pág. 687, e “Código de Processo Civil Anotado” de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, vol. 2º, Almedina, 2019, págs. 735/736], sendo porém que, numa construção mais recente, também já se defende que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, se considera dever ser equiparada àquela falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, levar a tal nulidade (neste sentido, Acórdão do STJ de 2/3/2011, proc. nº161/05.2TBPRD.P1.S1, rel. Cons. Sérgio Poças, disponível em www.dgsi.pt.).
Verifica-se da sentença recorrida que na mesma constam elencados, sob epígrafes com o mesmo nome, os “Factos Provados” e os “Factos Não Provados” e que, por outro lado, depois da enunciação da motivação sobre os elementos probatórios que contribuíram para aqueles, sob a epígrafe “Fundamentação de Direito”, faz-se sob tal ponto a explanação do raciocínio de aplicação do direito ao caso concreto, dando-se ali conta de normas jurídicas que se interpretam e consideram para a solução jurídica pela qual se optou.
Aqueles factos provados e não provados integram os fundamentos de facto (primeira parte do nº3 e primeira parte do nº4 do art. 607º do CPC) e esta aplicação do direito ao caso concreto integra os fundamentos de direito (segunda parte do nº3 do art. 607º), resultando quer uns quer outros perfeitamente perceptíveis.
É pois óbvio de concluir que estão presentes na peça quer os fundamentos de facto quer os fundamentos de direito que justificam a decisão.
Como tal, não se verifica nulidade da sentença por falta de fundamentação.
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Passemos para a questão enunciada sob a alínea b).
Os recorrentes, tanto quanto se alcança da motivação do recurso (sob a alínea A do seu ponto I), defendem que o ponto 21 dos factos provados – com o conteúdo “No âmbito do contrato de aluguer, com opção de compra, dos equipamentos o valor global do IVA efectivamente estipulado pelos contraentes foi de € 744,55 (setecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos)” – e que consideram referente aos pontos 46º a 48º da contestação/reconvenção, deve ser eliminado, argumentando para tal que “os factos alegados quanto à questão dos valores acordados pela execução do contrato e os montantes entregues pelo 1º Réu, não se reportam às quantias do IVA” e que o que importa apurar são os factos relativos àqueles pontos 46º a 48º, aos quais “nenhuma resposta foi dada”.
Analisemos.
Quanto aos factos referentes aos pontos 46º a 48º da contestação reconvenção – onde se alude ao valor de compra dos equipamentos e quantia total entregue pelo R. AA e sua discriminação (quantia paga inicialmente e quantia relativa ao total das rendas pagas) –, os mesmos estão já vertidos nos nºs 3, 4, 5 e 6 dos factos provados, os quais, como se refere na motivação da decisão de facto da sentença recorrida e se vê dos autos, foram admitidos por acordo.
Portanto, não há qualquer omissão de factualidade quanto a eles.
No entanto, quanto à matéria vertida sob o nº21 dos factos provados, e ainda que não propriamente por procedência daquela argumentação, há que reconhecer que é de eliminar tal ponto.
Vejamos.
A Autora, em vista de contraditar o seu recebimento em excesso da quantia global de 3.981,92 € alegada pelos Réus no art. 48º da sua reconvenção, alegou sob os artigos 4º a 7º da sua réplica que:
- “o Réu adquiriu o equipamento através de um empréstimo concedido pela Autora, sendo que ainda antes da celebração do contrato foi informado que ao valor indicado acresceriam juros mensais” (artigo 4º);
- “O Réu bem sabia e aceitou que os equipamentos não ficariam pelo montante de € 25.000,00” (artigo 5º);
- “O montante peticionado pelo Réu na contestação-reconvenção no montante de € 3.981,92 (…), como pago em excesso corresponde exatamente ao valor dos juros acrescido do IVA” (artigo 6º);
- “Sendo que, € 3.237,19 (…) dizem respeito aos juros do empréstimo (72 prestações) e € 744,55 (…) correspondem ao IVA, totalizando o montante de € 3.981,74 (…)”.
Como daqui decorre, a Autora alega a existência de um empréstimo que concedeu ao Réu reconvinte para este efectuar a aquisição do equipamento referido nos autos e que aquela quantia de € 744,55, que corresponde ao IVA referente àquele montante de juros de € 3.237,19 (3.237,19 x23% = 744,55), está relacionado com aquele empréstimo.
Assim sendo, aquele valor de € 744,55 ali alegado pela Autora, ao contrário do que consta referido sob aquele nº21 dos factos provados, não é “o valor global do IVA efectivamente estipulado pelos contraentes” “no âmbito do contrato de aluguer, com opção de compra, dos equipamentos” (aliás, considerando os valores neste em causa e a taxa de 23% de IVA, é manifesto que aquele valor de € 744,55 a título de IVA nunca poderia ser o que lhe corresponderia), mas antes e só o por aquela alegado como sendo relativo aos juros daquele empréstimo (cujo montante nem alega).
Por outro lado, e como consta da alínea d) dos factos não provados, não se provou tal empréstimo da Autora ao Réu, do que decorre a inutilidade de se fazer referência àquela quantia sob um qualquer outro ponto de factualidade, ainda que a introduzir por nós.
Como tal, decide-se eliminar da matéria de facto aquele nº21 dos factos provados.

Os recorrentes, numa sua segunda pretensão em sede de impugnação da matéria de facto, com base no nº16 dos factos provados e nas declarações de parte do Réu AA – cujos excertos que consideram pertinentes identificam por referência ao tempo da respectiva gravação e transcrevem –, defendem que os factos não provados sob as alíneas a) b) e c) devem ser dados como provados.
Aquelas alíneas têm o seguinte conteúdo:
a) - A situação descrita em 16 determinou uma quebra na ordem dos 100% das receitas do estabelecimento, do 1º Réu, durante o cerco sanitário e na ordem dos 70% durante o estado de emergência.
b) - As receitas auferidas pelo 1º Réu, não chegavam para pagar a renda da loja onde funciona o seu estabelecimento comercial.
c) - O 1º Réu foi compelido e obrigado a cortar as despesas do seu estabelecimento/negócio.
Vejamos.
Quanto à alínea a), parece-nos claro, porque facto notório dele decorrente, que mostrando-se provado sob o nº16 dos factos provados que “O município ... esteve em cerco sanitário devido ao estado de emergência, determinando que o centro comercial onde funciona o estabelecimento do 1.º Réu encerrasse durante, pelo menos, um período de 2,5 meses, correspondente aos meses de Março, Abril e Maio de 2020”, há que concluir que durante aquele período temporal ali referido, porque encerrado o estabelecimento por via daquele cerco sanitário determinado pelo município ..., tal situação, obviamente, determinou uma quebra na ordem dos 100% das receitas do estabelecimento do 1º Réu.
Como tal, há que dar como provada aquela quebra de 100% de receitas em relação àquele período temporal, passando a respectiva factualidade para o nº16 dos factos provados.
Este passará a ter a seguinte redacção: “O município ... esteve em cerco sanitário devido ao estado de emergência, determinando que o centro comercial onde funciona o estabelecimento do 1.º Réu encerrasse durante, pelo menos, um período de 2,5 meses, correspondente aos meses de Março, Abril e Maio de 2020, sendo que tal situação determinou uma quebra na ordem dos 100% das receitas do estabelecimento durante tal cerco sanitário e naquele período”.
Já quanto à restante factualidade daquela alínea a) e à factualidade das alíneas b) e c), não podemos deixar de acompanhar o juízo probatório da sentença recorrida: não obstante o Réu AA, nas suas declarações de parte, referir a quebra da sua facturação, tal afirmação, como se vê dos excertos transcritos pelos recorrentes, foi feita de forma genérica (disse “quando retomei houve uma quebra muito grande porque os clientes não iam ao centro comercial e só iam numa necessidade extrema, foi cerca de 4 meses que andámos com perdas”) e naquelas declarações não veio a referir e/ou concretizar qualquer corte de despesas que se tivesse visto obrigado a efectuar; além disso, não se mostra junta aos autos qualquer prova documental, mormente de suporte contabilístico, de que nos possamos servir no sentido da prova daquela factualidade.
Assim, há que, dando redacção ao nº16 dos factos provados nos termos supra referidos, manter aquela factualidade da segunda parte da alínea a) e das alíneas b) e c) como não provadas.

Face às alterações à matéria de facto anteriormente decididas, é a seguinte a matéria de facto a ter em conta (acrescenta-se um pequeno segmento ao nº5 dos factos provados, a referir a cláusula contratual onde aquele pagamento está previsto, dá-se uma redacção mais rigorosa ao nº9 dos factos provados e acrescenta-se ao nº12 a data que consta da carta ali referida, tudo ao abrigo do disposto nos arts. 663º nº2 e 607º nº4, 2ª parte, do CPC):
Factos Provados:
1. A Autora é uma empresa que se dedica à feitura de chaves e reparação de calçado, em lojas sitas em centros comerciais.
2. Em 1 de Fevereiro de 2015, a Autora celebrou, com os Réus, um contrato que denominaram de «aluguer de equipamento com opção de compra e uso da marca ...» pelo período de 6 (seis) anos, tendo o seu início de vigência em 1 de Fevereiro de 2015 e vigorará até ao dia 10 de Janeiro de 2021, data em que deverá ser paga a última renda.
3. Ficou convencionado nos termos previstos na Cláusula Segunda do contrato que a Autora aluga ao 1.º Réu equipamento para reparação de calçado, designadamente, máquinas e ferramentas, com opção de compra pelo montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), com IVA incluído à taxa de 23%, “…sendo que como referido, já procedeu ao pagamento inicial da quantia de € 7.500,00 (sete mil quinhentos euros) com Iva incluído, devendo pagar a quantia remanescente de € 17.500,00 (dezassete mil quinhentos euros) com Iva incluído em 72 (setenta e duas) rendas no montante de 242,57€ acrescido da taxa de IVA em vigor, o que perfaz a quantia mensal de 298,36€ (duzentos noventa oito euros, trinta seis cêntimos), sendo que a primeira vencerá no próximo dia 10 de Fevereiro de 2015, e as seguintes serão pagas em igual dia de cada mês subsequente”.
4. O 1.º Réu entregou inicialmente a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) e o remanescente foi pago em 72 (setenta e duas) prestações, mensais e sucessivas de € 298,36 (duzentos e noventa e oito euros e trinta e seis cêntimos), no total de € 28.981,92.
5. Os Réus, além do valor supra referido, pagavam, mensalmente, o montante de € 75,00 (setenta e cinco) acrescido de IVA à taxa legal em vigor relativo ao uso da marca ..., como previsto sob o nº5 da cláusula TERCEIRA do contrato.
6. Em Janeiro de 2021 foi efetuado o pagamento da última prestação referente ao aluguer do equipamento, tendo sido pontualmente cumpridas.
7. Consta do ponto 3 da Cláusula TERCEIRA que “No termo do contrato de aluguer, e uma vez verificado o pagamento das 72 (setenta e duas) rendas, a Primeira Contraente, procederá à entrega de uma declaração de transferência do direito de propriedade do equipamento alugado, tendo em conta a opção de compra accionada automaticamente, com o pagamento da última renda”.
8. Consta do ponto 4 da Cláusula TERCEIRA que “Com o recebimento da última renda, no próximo dia 10 de Janeiro de 2021, e em caso de pontual cumprimento, a Primeira Contraente declara que se dá por pago o equipamento relacionado supra, e que nada mais terá a receber a título de pagamento, transferindo-se automaticamente a propriedade do equipamento descrito para a esfera jurídica do Segundo Contraente.”.
9. De acordo com a Cláusula QUINTA, a “10 de Janeiro de 2021” “deverá ser paga a última renda”, “e caso o pagamento (…) seja pontualmente efectuado, além da propriedade do equipamento ser transferida para o Segundo Contraente, este continuará a utilizar o nome e a marca da Primeira Contraente, nos termos supra referidos, renovando-se automaticamente o contrato de uso da marca ... por períodos de seis anos”.
10. A 2.ª e o 3.º Réus declararam, na qualidade de Terceiros Contraentes, que “aceitam expressamente a qualidade de fiadores do Segundo Contraente, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia, nos termos do Código Civil, não podendo para o efeito alegar o desconhecimento do presente contrato”.
11. Os Réus continuaram a usar a marca ... e pagar a respectiva mensalidade.
12. Em 27 de Abril de 2021, a Autora recebeu uma carta do Réu AA, datada de 26 de Abril de 2021, onde este informa que a partir do dia 30 de Abril iria deixar de usar a marca ....
13. Em 1 de Maio de 2021 o Réu retirou o logótipo da marca ..., substituindo-a pela marca ....
14. A Autora não procedeu à entrega ao 1º Réu da declaração de transferência de propriedade dos equipamentos identificados no contrato junto aos autos como doc. 1, conforme se havia comprometido no ponto 3 da cláusula terceira.
15. A Autora, não notificou os 2ºs Réus do alegado incumprimento por parte do 1º Réu, nem os interpelou a pedir o pagamento dos alegados valores/rendas em débito.
16. O município ... esteve em cerco sanitário devido ao estado de emergência, determinando que o centro comercial onde funciona o estabelecimento do 1.º Réu encerrasse durante, pelo menos, um período de 2,5 meses, correspondente aos meses de Março, Abril e Maio de 2020, sendo que tal situação determinou uma quebra na ordem dos 100% das receitas do estabelecimento durante tal cerco sanitário e naquele período.
17. Após a reabertura do centro comercial, as lojas, incluindo a do 1º Réu, laboraram em tempo parcial.
18. Por falta da declaração mencionado em 7. o Réu/Reconvinte ficou impedido de efectuar a venda e/ou troca dos equipamentos identificados no contrato junto aos autos como doc. 1.
19. E impediu a renovação/substituição daqueles equipamentos por outros modernos e mais eficientes.
20. Deixando o 1º Réu, triste, desanimado e sem vontade de trabalhar.

Factos não provados:
a) – que, além da quebra de receitas referida sob o nº16 dos factos provados, tivesse ocorrido uma quebra das receitas do estabelecimento na ordem dos 70% durante o estado de emergência.
b) - As receitas auferidas pelo 1º Réu, não chegavam para pagar a renda da loja onde funciona o seu estabelecimento comercial.
c) - O 1º Réu foi compelido e obrigado a cortar as despesas do seu estabelecimento/negócio.
d) - O Réu adquiriu o equipamento através de um empréstimo concedido pelo Autor.
e) - O Réu, ainda antes da celebração do contrato, foi informado que ao valor indicado acresceriam juros mensais, os quais correspondem ao total de € 3.237,19.
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Passemos agora para as questões enunciadas sob a alínea c).
Começamos pela cessação do contrato efectuada pelo R. AA e suas consequências.
Está em causa apenas, como dos termos do alegado e peticionado na acção decorre, o contrato celebrado entre as partes no que respeita ao uso da marca “...”, pois quanto ao aluguer do equipamento e opção de compra deste, a ter lugar durante o período de 1 de Fevereiro de 2015 (data do seu início) a 10 de Janeiro de 2021, mostra-se provado (e foi logo inclusivamente aceite pelas partes nos articulados) que as respectivas prestações de pagamento do preço acordado foram integral e pontualmente pagas, tendo a última, como contratualmente estipulado, sido paga em Janeiro de 2021 (nºs 2, 3, 4 e 6 dos factos provados).
Quanto a tal contrato de uso da marca[1], acompanhamos a sentença recorrida quando conclui que o mesmo, embora tendo elementos comuns ao contrato de franquia, como é o da concessão remunerada do uso daquele sinal distintivo de comércio, dele se afasta, porque, nomeadamente, dele não decorre que o R. AA estivesse obrigado a levar por diante o seu negócio respeitando quaisquer indicações que lhe fossem dadas pela Autora e aceitando o controlo ou a fiscalização desta sobre ele[2].
Como tal, porque não legalmente tipificado e porque no caso concreto o mesmo se afasta do contrato de franquia - ao qual se aplica, por analogia e sempre que se mostra adequado, o regime do contrato de agência[3] -, são aplicáveis ao mesmo as disposições gerais que regulam os contratos.
Relativamente ao uso da marca em causa nos autos, durante a vigência do contrato e após o pagamento do equipamento, era, nos termos contratuais, paga mensalmente à Autora a quantia de € 75,00 acrescida de IVA à taxa legal em vigor, tendo-se ainda o R. AA obrigado a, após o pagamento da última renda relativa ao equipamento, que deveria ter lugar a 10 de Janeiro de 2021, utilizar o nome e a marca da Autora, “renovando-se automaticamente o contrato de uso da marca ... por períodos de 6 anos” (nºs 2, 5 e 9 dos factos provados).
Do anteriormente referido decorre o seguinte: tendo sido pagas pontualmente as prestações relativas ao equipamento, a partir de 10 de Janeiro de 2021 renovou-se o contrato quanto ao uso da marca por um período de 6 anos.
Assim sendo, e acompanhando a sentença recorrida, não se pode ter como denúncia a relevar em relação ao mesmo a carta que o R. AA, em 26 de Abril de 2021, enviou à Autora, que a recebeu em 27 de Abril de 2021, referida sob o nº12 dos factos provados e a dar conta de que não vai continuar com aquele contrato, desde logo porque, caracterizando-se esta figura “por ser privativa dos contratos com prestações duradoiras e por dever ser feita para o termo do prazo da renovação do contrato, salvo se se trata de um contrato por tempo indeterminado”[4], quando aquela carta é enviada já o contrato [que embora de prestação duradoura (6 anos) não é por tempo indeterminado] se tinha renovado há mais de 3 meses, estando em curso o seu prazo de 6 anos.
Mas será que, ainda que não se possa relevar como denúncia do contrato aquela carta, é de relevar a mesma por via da figura da resolução do contrato por alteração superveniente de circunstâncias prevista no art. 437º do C. Civil, como o pretendem os recorrentes?
Vejamos.
Prevê-se sob o art. 437º do C. Civil que “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.
Considerando que está em causa a pretensa resolução do contrato de uso da marca a partir de Maio de 2021 (pois na carta referida sob o nº12 dos factos provados o R. AA afirma que vai deixar de usar a marca em causa a partir de 30 de Abril de 2021) e que decorre da própria factualidade provada sob os nºs 12 e 13 que, não obstante o R. ter deixado de usar a marca a partir daquela altura, manteve o estabelecimento aberto e a ser explorado por si – só o passou a fazer sob outra denominação –, parece-nos evidente de concluir, face à restante factualidade apurada, que não ocorreu qualquer alteração anormal de circunstâncias que, conforme previsão daquele art. 437º, pudesse, por si, legitimar a resolução de tal contrato.
Efectivamente, além de o R. não invocar um qualquer prejuízo por si sofrido pelo facto de ter de continuar usar a marca “...” nos termos contratuais definidos e de que a Autora eventualmente tivesse conhecimento, os efeitos da pandemia no estabelecimento, nessa altura, em Abril/Maio de 2021, já tinham deixado de se fazer sentir há cerca de quase 1 ano, conforme decorre dos nº16 dos factos provados.
Logo, não havia nessa altura – não foi alegada nem dos factos provados nada resulta nesse sentido – qualquer lesão do R. derivada da manutenção dos termos contratuais existentes, requisito que é necessário para o funcionamento daquele art. 437º do C. Civil.
Assim, há que concluir pela não verificação de fundamento para a resolução do contrato por aquela via.
Além disso, também não se detecta um qualquer outro fundamento para a resolução do contrato por parte do R., pois não se vislumbra, quanto ao referido uso da marca, um qualquer comportamento da Autora susceptível de integrar incumprimento do mesmo da sua parte (como exigido pelo art. 801º nºs 1 e 2 do C. Civil).
Como tal, a admitir-se que a carta referida sob o nº12 dos factos provados integra, dentro das formas de extinção do contrato, uma resolução do mesmo pelo R. AA, tal resolução, como se concluiu na sentença recorrida, é ilícita, pois não tem na sua base qualquer incumprimento imputável à Autora.
Aqui chegados, cumpre fazer notar o seguinte: no caso vertente, além daquela carta daquele R. de 26 de Abril de 2021 a comunicar à Autora que ia deixar de usar a marca a partir de 30 de Abril do mesmo ano, mostra-se ainda provado, sob o nº13 dos factos provados, que aquele R., em 1 de Maio de 2021, retirou o logótipo da marca “...”, substituindo-o pela marca “...”.
Assim, mais do que aquela ilícita resolução – que se subsume a uma declaração à outra parte (art. 436º nº1 do C. Civil) –, ocorre, por via daquela outra actuação, uma verdadeira recusa de cumprimento do contrato, a qual integra incumprimento definitivo do mesmo.
Por via de tal incumprimento definitivo, a autora tem o direito a ser indemnizada pelo prejuízo decorrente do rompimento do contrato com cujo decurso contava (art. 798º do C. Civil).
Os recorrentes defendem que, a reconhecer-se alguma indemnização à Autora, seria de aplicar a regra plasmada no nº3 do art. 1098º do C. Civil, referente ao contrato de arrendamento urbano, daí em seu entender resultando que apenas haverá que pagar à Autora o valor correspondente a dois anos de renda pelo aluguer da marca e não a totalidade das rendas, como decidido na primeira instância.
Mas não vemos como se possa retirar alguma procedência desta sua argumentação.
Por um lado, a haver alguma semelhança para se aplicar ao contrato de uso da marca dos autos o regime da locação, seria a da locação de móveis, pois a marca, ainda que de natureza imaterial, é uma coisa móvel (art. 205º nº1 do C. Civil). Mas não o regime do arrendamento urbano, que é de locação de imóveis.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, daquele preceito nada decorre em abono da tese dos recorrentes, pois nele apenas se prevê a possibilidade de denúncia a todo o tempo do contrato de arrendamento com prazo certo quando “decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação”, sendo que no caso dos autos o contrato era de 6 anos e, aquando do envio da carta pelo R. AA, tinha-se renovado há pouco mais de 3 meses, muito longe portanto do decurso de um terço do seu prazo.
Tendo a Autora direito a ser indemnizada pelo incumprimento definitivo do contrato nos termos sobreditos, por via da previsão do art. 798º do C. Civil e que “o nº1 do art. 801º, porventura de forma redundante, reitera”[5], há que dar ao credor – no caso à Autora – “o equivalente pecuniário (em regra, a mais-valia) que retiraria do cumprimento da obrigação”[6], do que decorre que tal indemnização é constituída pelas contraprestações mensais que viria a receber entre Maio de 2021 e Janeiro de 2027, num total de 69 meses.
Tendo sido estipulado o valor de contraprestação mensal pelo uso da marca de € 75,00 acrescido de IVA à taxa legal, o que perfaz a quantia mensal de € 92,25, aquela indemnização, como fixado na sentença recorrida, ascende à quantia de € 6.365,25 (€ 92,25 x 69).
Sobre tal quantia são devidos juros nos termos fixados na sentença recorrida, que quanto a tal ponto não foi objecto de recurso.

Apuremos agora da responsabilidade dos Réus BB e CC enquanto fiadores.
Defendem os recorrentes que face ao disposto no art. 782º do C. Civil (“A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”) e ao facto de se ter provado (nº15 dos factos provados) que a Autora não notificou os 2ºs Réus do alegado incumprimento por parte do 1º Réu nem os interpelou a pedir o pagamento dos alegados valores/rendas em débito, há que os absolver.
Mas não pode ser-lhes reconhecida razão.
Desde logo, não se verifica no caso uma qualquer situação de perda do benefício do prazo das referidas nos anteriores arts. 780º e 781º.
Quanto ao art. 780º, é manifesta a não verificação da situação nele prevista.
Quanto ao art. 781º, é de concluir também que não ocorre a sua previsão.
Por um lado, porque a contraprestação mensal pelo uso da marca não integra um qualquer pagamento em prestações de uma dívida global fixada à partida, mas sim uma prestação que se ia sucedendo no tempo, a cada mês, enquanto durasse o contrato: era o que se chama uma obrigação duradoura (de execução continuada ou periódica) e não uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, sendo que, como refere Mota Pinto, aquele art. 781º integra “regime que não diz respeito às obrigações duradouras, mas sim às de prestação fraccionada”[7] (como tal, se o R. AA não efectuasse o pagamento de uma daquelas contraprestações, a Autora, só por isso, não tinha o direito de exigir as restantes contraprestações devidas por aquele até ao termo do contrato).
Por outro lado, porque o pagamento da indemnização à Autora não integra o pagamento de quantia derivada de qualquer vencimento antecipado de prestações, mas antes, como acima se analisou, uma indemnização pecuniária global por incumprimento do contrato por parte do R. AA.
Esta pode ter o montante equivalente ao das prestações que iriam ser pagas até ao final do contrato, mas o seu pagamento decorre não da falta de pagamento de uma das prestações mas antes do incumprimento definitivo do contrato.
Ora, como decorre do art. 634º do C.Civil, “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”.
Como tal, os fiadores, que até renunciaram ao benefício da excussão prévia (nº 10 dos factos provados), são responsáveis perante a Autora pelo pagamento daquela indemnização nos mesmos termos em que o é o R. AA, e podiam, como foram, ser demandados juntamente com este – é o que decorre do art. 641º nº1 do C. Civil – sem uma sua qualquer interpelação anterior.
Assim, improcede esta questão recursória.

Finalmente, apuremos das quantias peticionadas em sede reconvencional pelo R. AA.
São estas as de 2.500,00 €, peticionada a título de danos não patrimoniais por si sofridos, e a de 3.981,92 €, peticionada a título de quantia alegadamente por si paga em excesso, num total de 6.481,92 €.
Comecemos pelos danos não patrimoniais.
O reconvinte pede a procedência da quantia que peticiona com base na factualidade dada como provada sob os nºs 18, 19 e 20 dos factos provados: por falta da entrega da declaração de transferência de propriedade por parte da A. referida sob o nº7 dos factos provados, o Réu/Reconvinte ficou impedido de efectuar a venda e/ou troca dos equipamentos que já tinha pago (nº18) e tal impediu também a renovação/substituição daqueles equipamentos por outros modernos e mais eficientes (nº19), deixando-o triste, desanimado e sem vontade de trabalhar (nº20).
Mas não pode esta sua pretensão ter acolhimento.
Quantas vezes, pelas mais diversas causas, andamos tristes, desanimados e sem vontade de trabalhar e, não obstante isso, continuamos a trabalhar…
Se acaso aqueles factos referidos sob os nºs 18 e 19 prejudicaram efectivamente o R., competia a este enunciar os respectivos danos patrimoniais (eventualmente, a frustração de venda de tais bens a terceiro com isso o privando de algum concreto ganho, o prejuízo que teve por os não poder substituir enquanto não teve aquela declaração, etc…) e não “refugiar-se” na alegação daqueles sentimentos de tristeza, desânimo e ausência de vontade de trabalhar para obter indemnização, pois estes, como se diz na decisão recorrida e subscreve, acabam por integrar incómodos e arrelias, perfeitamente aceitáveis em termos de sua adequação ao viver em sociedade e às variadas relações pessoais e/ou profissionais daí decorrentes, e não assumem gravidade suficiente para, nos termos previstos no art. 496º nº1 do C. Civil, se poderem considerar como verdadeiros danos não patrimoniais susceptíveis de indemnização.
Assim, improcede tal quantitativo indemnizatório.

Vamos agora à quantia alegadamente paga em excesso.
No próprio contrato celebrado entre as partes, escreveu-se que o preço de compra dos equipamentos era o de 25.000,00 € e que o mesmo seria pago com a entrega inicial de 7.500,00 € e o remanescente, de 17.500,00 €, seria pago em 72 rendas/prestações mensais de 298,36 € cada (nº 3 dos factos provados), sendo que deste número de prestações e montante de cada uma resulta o montante de 21.481,92 €.
Portanto, em relação àqueles 17.500,00 € de remanescente, o R., tendo pago todas as prestações (nºs 4 e 6 dos factos provados), pagou a mais a quantia de 3.981,92 €.
No entanto, como se referiu, do clausulado do contrato resulta explicitamente o valor de cada prestação e o seu número global, do que decorre que a título de pagamento do remanescente – 17.500,00 € – se aceitou contratualmente pagar 21.481,92 €.
O porquê disto não se mostra ali esclarecido.
A Autora, na sua réplica, diz que tal quantia deriva de juros de empréstimo que efectuou ao Réu e respectivo IVA, sendo que tal não se provou [alíneas d) e e) dos factos não provados].
Porém, ainda que tal não se tenha provado – e note-se que da não prova do empréstimo alegado pela Autora não resulta a prova de que tal empréstimo não ocorreu (como se sabe, da não prova de um facto não resulta que tal facto não tenha efectivamente ocorrido) –, decorre do contrato a obrigação de pagamento daquela quantia de 21.481,92 €.
Para provar o direito à devolução da quantia de 3.981,92 € – e só o poderia ser por via do instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 473º do C. Civil (não vislumbramos no caso outro) –, o Réu teria que provar, positivamente, que a mesma, não obstante prevista no contrato, não teve uma causa de atribuição ou que esta existiu e se frustrou.
Efectivamente, o ónus da prova dos requisitos do enriquecimento sem causa, designadamente o da falta de causa justificativa da atribuição patrimonial, recai sobre quem pretende obter a restituição.
Como neste sentido refere Antunes Varela[8], “A falta de causa da atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no art. 342º, por quem pede a restituição do indevido. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa” (sublinhado nosso). Nesta mesma linha e especialmente quanto ao requisito da falta de causa justificativa, também Almeida Costa sufraga exactamente o mesmo entendimento[9]. Na jurisprudência, entre variados arestos, veja-se, por exemplo, o Acórdão do STJ de 24/3/2017[10].
Assim, por referência ao empréstimo alegado pela Autora ou a qualquer outra causa motivadora da atribuição daquela quantia aparentemente “a mais” àquela, o Réu AA teria que provar positivamente – isto é, resultar como facto provado – que a Autora não efectuou tal empréstimo ou que aquela qualquer outra causa não ocorreu ou, ainda que ocorrendo ao tempo da celebração do contrato ou mesmo durante a sua duração, se tenha entretanto frustrado ou inutilizado o fim a que a mesma se destinava.

No caso vertente, o Réu/Reconvinte nada alegou ou provou, nos termos que se referiram, no sentido da não existência de uma causa de atribuição daquela quantia à Autora ou da existência de uma qualquer causa para tal atribuição que entretanto se tenha frustrado.
Como tal, improcede o pedido de devolução daquela quantia de 3.981,92 €.

E da improcedência desta quantia e da anterior, resulta a improcedência de todo o pedido reconvencional.

Por tudo quanto se veio de expor, há que julgar improcedente o recurso e confirmar o decidido na sentença recorrida.

As custas do recurso são a cargo dos recorrentes, que nele decaíram (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
*
Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
………………………
………………………
………………………
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acordando-se em julgar improcedente o recurso, confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes.
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Porto, 25/9/2023
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
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[1] O contrato de licença de exploração do uso da marca está previsto no art. 31º nºs 1 e 3 do Código da Propriedade Industrial (DL 110/2018 de 10/12) e estava nos mesmos termos previsto no art. 32º nºs 1 e 3 daquele diploma na redacção do DL 36/2003 de 5/3, que era a vigente ao tempo da subscrição do contrato dos autos, apenas se exigindo a sua sujeição à forma escrita.
[2] Sobre os contornos típicos do contrato de franquia (“franchising”) assinalando-lhe aquele detalhe, vide, entre outros, Miguel Pestana de Vasconcelos “O contrato de Franquia (Franchising)”, 2ª edição, pág. 27, e Pinto Monteiro, “Contratos de Distribuição Comercial”, 2002, pág. 121.
[3] Entre muitos outros, vide, por exemplo, o Acórdão desta mesma Relação do Porto de 8/2/2018, proc. 4133/16.3T8VNG.P1, relatado pelo Sr. Desembargador Carlos Portela, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Baptista Machado, anotação ao Acórdão do STJ de 8/11/1983, in RLJ, ano 118º, pág. 278, nota de rodapé com o nº9.
[5] Citamos José Carlos Brandão Proença, “Lições De Cumprimento e Não Cumprimento Das Obrigações”, 3ª edição, Universidade Católica Editora, Porto, pág. 360.
[6] Autor e obra referidos na nota anterior, pág. 361, onde, citando-se autor italiano ali referido (G. Cricenti), se refere que “o ressarcimento do dano do incumprimento constitui uma execução por equivalente, um cumprimento por equivalente do contrato não cumprido”.
[7] Teoria Geral do Direito Civil, 2º edição, Coimbra Editora, 1983, pág. 626; sobre a distinção entre obrigações duradouras e obrigações de prestação fraccionada, vide aquela mesma página e a anterior.
[8] Obra citada na nota anterior, pág. 409. O mesmo autor, com Pires de Lima, diz o mesmo no “Código Civil Anotado”, volume I, Coimbra Editora, 4ª edição, 1987, pág. 456.
[9] “Direito das Obrigações”, Almedina, 3ª edição, 1979, pág. 336, nota 1.
[10] Proc. nº1769/12.5TBCTX.E1.S1, relator António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt
[11] Como referem Pires de Lima e Antunes Varela no seu “Código Civil Anotado”, Volume I, Coimbra Editora, 4ª edição, 1987, pág. 454, “[a] obrigação de restituir pressupõe (…) que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido”.