Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | DIREITO DE RETENÇÃO CONTRATO DE FRANQUIA RESOLUÇÃO DO CONTRATO INDEMNIZAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/23/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - O direito de retenção, enquanto direito real de garantia limitado, previsto em termos gerais no enunciado artº. 754º, do Cód. Civil, tem como pressupostos ou requisitos: - A licitude da detenção da coisa ; - A reciprocidade de créditos ; - A conexão substancial (intelectual ou material) entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção. II - a impossibilidade do cumprimento prevista no art. 801º. do Cód. Civil, bem como na divisão onde se insere, vale tanto, por extensiva interpretação, para as situações de impossibilidades culposas de cumprimento em sentido estrito como para as hipóteses de incumprimentos definitivos culposos ; III - relativamente à cumulação do direito de resolução do contrato com o direito de indemnização previstos no nº. 2, do artº. 801º, do Cód. Civil, a posição presentemente prevalecente entende como admissível a cumulação da resolução com o interesse contratual positivo, ainda que condicionada a uma ponderação casuística, a efectuar segundo os ditames da boa-fé, da análise e ponderação dos concretos interesses em equação e tipo contratual em causa, de modo a obviar a situações de grave e evidente desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado ; IV – efectuando-se a devida interpretação do convencionado no último § da alínea a), da cláusula 12ª, do contrato de franquia celebrado, onde apenas se alude ao “direito a uma indemnização pelos prejuízos sofridos”, cremos estar em concreta equação previsional o dano de confiança ou interesse contratual negativo ; V - efectivamente, caso assim não fosse, certamente que a previsão convencionada, até pela especificidade do contrato de franquia outorgado, aludiria ao recebimento dos royalties devidos até ao termo do contrato, o que traduziria uma clara e deliberada opção pelo interesse de cumprimento ou ressarcibilidade do interesse contratual positivo ; VI – ademais, este interesse pelo cumprimento da obrigação violada surge, no contrato outorgado, como optativo, relativamente à solução resolucional contratual, o que mais reforça a interpretação efectuada. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO 1 – S………, LDA., com sede na Rua ……….., intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra: - M……………, LDA., com sede na Estrada …………… ; - CÁTIA ………………, residente na Estrada …………………, peticionando o seguinte: - Que seja declarada a resolução do contrato de franchising por incumprimento reiterado culposo das Rés e por via disso ; - Que sejam condenadas solidariamente as RR., a pagarem a A., a quantia de 2.000,00€, referentes à dívida do "Direito de Entrada" ; - Que sejam condenadas solidariamente as RR., a pagarem a A., a quantia de 34.009,50€ referentes aos “Royalty " até ao final do contrato de franquia ; - Que sejam condenadas solidariamente as RR., a pagarem a A., a quantia de 3.000,00€, a titulo de afectação da Marca “T………” e do Franquiador ; - Que sejam condenadas solidariamente as RR., a pagarem a A. os juros legais á taxa legal desde a citação, até integral e efectivo pagamento ; - Que seja declarado o direito de retenção do A. sobre todos os bens e equipamentos que integram a loja e pertença da Ré. Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: - É uma sociedade comercial que, além do mais, é detentora da marca “T………..” a qual tem como conceito “compra e vendas de artigos em segunda mão, de e para bebé e criança, dos 0 aos 10 anos” ; - Que explora sob as formas de loja própria e através de contratos de franquia ; - O conceito “T…………..” está baseado num “segredo próprio” assente num sistema integrado de gestão do ponto de venda com métodos desenvolvidos pela A. de gestão de fornecimento, merchandising, publicidade, promoção e vendas, através de meios físicos e digitais, utilizando um software de gestão adaptado e parte integrante do seu “segredo” ; - A R. Cátia foi colaboradora da loja “T………”, sita em Mem Martins durante o ano de 2017 e até ao início de 2018, apresentando, em face do seu dinamismo, perfil de “dona de loja” ; - perante tal atitude e surgindo a oportunidade da celebração de um contrato de franquia, a A. apresentou à R. Cátia um projeto que consistia na aquisição das quotas da 1ª R. por parte da R. Cátia, adquirindo assim as RR. o direito de exploração da loja sita em Oeiras ; - a qual já em pleno funcionamento desde Abril de 2014 e com uma carteira de clientes nominais de cerca de 5000 efectivos ; - com a outorga do contrato, em 26 de Abril de 2018, as RR. obrigaram-se, além do mais, a pagar o direito de entrada, acordando as partes que o mesmo seria pago em prestações ; - explicando a A., desde o primeiro momento, à R. Cátia a forma de trabalhar e como operar a loja face às obrigações emergentes do contrato ; - surpreendentemente, desde a reabertura da loja a R. Cátia decidiu operar o negócio sem cumprir as regras básicas de funcionamento do mesmo e contratualmente acordadas, passando inclusive a ter um diálogo de confrontação permanente com a A. ; - nomeadamente, recusando fazer formação na área de compra, não contratando colaboradoras e não criando o fundo de maneio para financiamento da actividade corrente da loja ; - ao não aceitar cumprir com as suas obrigações contratuais as RR. deixaram de ter meios humanos e financeiros disponíveis para que a loja funcionasse ; - acresce que o senhorio da loja de Oeiras decidiu denunciar o contrato de arrendamento, tendo as RR. informado a A. que iriam começar a procurar um novo espaço no concelho de Oeiras, ou limítrofes ; - tendo posteriormente informado a A. que pretendiam mudar para o concelho da Amadora, o que não mereceu a sua concordância, acabando, porém, por anuir a essa imposição das RR., por forma a evitar o encerramento de uma loja ; - a saída do concelho de Oeiras implicou a perda pela A. de um mercado com elevado poder de compra ; - em função das circunstâncias, a A. informou a R. Cátia das características que a nova loja da Amadora deveria ter, tendo as RR. apenas indicado como hipótese o espaço onde vieram a instalar a loja ; - não permitindo a R. Cátia que a A. acompanhasse a instalação da mesma, apenas conhecendo o espaço no dia da abertura ; - e desde logo verificando que não reunia as condições para desenvolver a marca “T………….”, quer face ao espaço interior, quer à envolvência exterior ; - ainda assim, apesar do desagrado e descontentamento a A. incentivou as RR.. a prosseguir o negócio ; - entretanto, em Outubro de 2018, as RR. já tinham solicitado um adiamento de dois meses do pagamento das prestações referentes ao “Direito de Entrada”, ao que a A. excepcionalmente anuiu ; - todavia, as RR. deixaram de cumprir esta obrigação, bem como incumpriram igualmente com as obrigações assumidas com fornecedores ; - incumprimentos esses que culminaram na resolução do contrato de franquia, o que a A. fez, por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Setembro de 2019, e que reiterou por e-mail de 23 de Outubro de 2019 ; - tendo o incumprimento contratual das RR., constituído justa causa de resolução do contrato, determinando a responsabilidade das mesmas pela obrigação de indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos. 2 – Citadas as Rés, vieram apresentar contestação e reconvir, alegando, em súmula, o seguinte: - excepcionando, invocam a ilegitimidade passiva da R. Cátia, alegando que a mesma não assinou o contrato ; - impugnando, aceitam ter a 1ª R. celebrado um contrato de franchising com a A. em 20 de Janeiro de 2014, alegando, ser o contrato invocado pela A. e celebrado com a R. Cátia nulo ; - pois apenas serviu para a A. proceder novamente à cobrança do direito de entrada ; - acrescentam e especificam ter existido um incumprimento generalizado por parte da A. das suas obrigações de franchisador, não prestando qualquer acompanhamento ao franchisado ; - pelo que não existe assim fundamento para resolução do contrato por parte da A., dado que esta sim incumpriu o contrato ; - a título reconvencional, invocam a compensação, devendo a A. devolver o montante que recebeu a título de entrada ; - pugnam, ainda, pela condenação da A. como litigante de má-fé, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar. Concluem, nos seguintes termos: “a) a presente contestação ser recebida e julgada procedente, por provada, improcedendo, em consequência e in totum, os pedidos deduzidos pela Autora, absolvendo-se as aqui RR. dos mesmos; b) a excepção ser julgada procedente por provada, e a 2ª Ré Cátia ………, absolvida do pedido; c) deve a reconvenção ser julgada procedente por provada, e a autora-reconvinda condenada a pagar às RR. reconvintes a quantia de €13.000,00(treze mil euros), acrescida de juros que se vencerem até integral pagamento; d) deve a Autora ser condenada, como litigante de má fé, em multa e a indemnizar as RR. em quantia a liquidar a final, com as legais consequências, mormente em termos de custas”. 3 – A Autora veio apresentar réplica, na qual respondeu ao pedido reconvencional, reiterou que a Ré Cátia é parte legítima, em virtude de, por si e na qualidade de fiadora, ter assinado o contrato em causa nos autos. Impugna a versão trazida aos autos pelas RR. e que constituiriam a causa de pedir do pedido reconvencional, concluindo pela improcedência da reconvenção. Pugna igualmente pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé, antes pedindo nesses mesmos termos a condenação das RR.. Conclui, no sentido da improcedência da excepção de ilegitimidade deduzida, relativamente à Ré Cátia …………, pela improcedência do seu pedido de condenação como litigante de má-fé, pela improcedência do pedido reconvencional e pela condenação das Rés como litigantes de má-fé em multa e indemnização. 4 – Conforme despacho de fls. 106 a 108, datado de 15/04/2021: - foi proferido saneador stricto sensu ; - foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré Cátia ………. ; - foi liminarmente admitido o pedido reconvencional ; - foi fixado o objecto do litígio: 1. A validade do contrato celebrado entre a A. e a 1ª R. em 26 de Abril de 2018 ; 2. O âmbito e o incumprimento do contrato celebrado entre A. e 1ª R. em 26 de Abril de 2018 ; 3. Os danos causados pelas RR. à marca da A. T………. ; 4. - Foram fixados os temas da prova: 1. A vigência à data de 26 de Abril de 2018 do contrato celebrado entre a A. e a 1ª R. em 20 de Janeiro de 2014 ; 2. A celebração em 26 de Abril de 2018 de um contrato de franquia entre a A. e as RR ; 3. As obrigações contratuais resultantes para as RR. do contrato celebrado em 26 de Abril de 2018 ; 4. O incumprimento contratual das RR., nomeadamente, no que respeita à recusa de formação, de recrutamento e seleção de colaboradores e de existência de fundos de tesouraria e as consequências daí resultantes para o desenvolvimento do negócio ; 5. O incumprimento contratual das RR. quanto ao pagamento das prestações referentes ao direito de entrada ; 6. O incumprimento contratual das RR. perante os seus fornecedores no que à obrigação de venda à consignação respeita ; 7. Os danos sofridos pela marca T………. e pela A. decorrentes do incumprimento contratual das RR. ; 8. O incumprimento pela A. das obrigações contratuais de acompanhamento do franquiado relativamente à 1ª R.. - Foram apreciados os requerimentos probatórios. 5 – Designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, veio a mesma a realizar-se, conforme actas de fls. 297 a 300. Consta da acta datada de 03/12/2021, expressamente o seguinte: “após as alegações, para os fins legais, nomeadamente para os efeitos do disposto no art.º 46 do C.P. Civil, fica exarada a confissão, feita pela Ilustre mandatária das rés, do pedido formulado sob o nº. 2 da petição Inicial, no sentido de confessarem serem solidariamente devedoras à autora da quantia de 2.000,00€ (dois mil euros) referente à dívida de direito de entrada”. 6 – Posteriormente, em 25/01/2022, foi proferida sentença – cf., fls. 301 a 318 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos: “DECISÃO FINAL: Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente na medida do provado e, em consequência: a) Declaro resolvido o contrato de franquia sub Júdice; b) condeno solidariamente as RR. M………….., Lda. e Cátia …………… a pagar à A. a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, contabilizados desde 24 de Dezembro de 2019, à taxa legal de 4% ao ano, ou às sucessivas taxas legais civis, até integral e efetivo pagamento. c) Absolvo as RR. do demais peticionado. d) Absolvo a A. do pedido reconvencional contra si formulado. e) Absolvo A. e RR. do pedido de condenação como litigantes de má-fé. Custas por A. e RR. na medida do decaimento – artigo 527º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. Registe e notifique”. 7 - Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, em 02/03/2022, por referência à sentença prolatada. Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem na íntegra, corrigindo-se alguns lapsos de redacção): “1. Existem nos autos, nomeadamente, nos depoimentos prestados, nos documentos juntos, na prova pericial, matéria e fundamentos bastantes que permitem e justificam a reapreciação da matéria de facto ser alterada conforme infra se expõe; 2. Deverá ser REAPRECIADA A MATÉRIA DE FACTO, a qual deverá “data vénia”, ser alterada de acordo com o disposto no art.º 662.º do CPC, nos seguintes termos: - PROVADOS: da fundamentação da sentença (factos não provados) nos pontos/parágrafos 1., 2., 5., 6., 7., 8. e 10. 3. Portanto, o Tribunal “a quo” não fez uma análise criteriosa e rigorosa dos documentos e depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento. 4. Em face do supra exposto, a sentença recorrida viola, por errada interpretação ou aplicação do Direito, a prova documental e prova testemunhal da Recorrente, o que deu origem a uma sentença errada, injusta e ilegal que cumpre revogar. 5. As RR. confessam que violaram as cláusulas contratuais de franchising. 6. A ruptura do contrato de franchising deu-se por culpa única e exclusiva das Rés. 7. Ser declarada provada a resolução do contrato de franchising, por incumprimento culposo das RR. 8. Existe contradição entre os factos dados como provados e decisão proferida. 9. O Tribunal “a quo” não fez uma interpretação e enquadramento da confissão plena, livre, espontânea, esclarecida e expressa, obtida em sede de julgamento por parte das RR., de não terem cumprido com as obrigações emergentes do contrato celebrado. 10. O Tribunal recorrido, na apreciação das provas e análise dos depoimentos, foi parcial e abusou do livre-arbítrio na formulação da convicção que apresentou. 11. Face à condenação arbitrada na sentença, o Tribunal deveria ter decretado o direito de retenção sobre os artigos existentes na loja de forma a proteger a garantia patrimonial da Autora. 12. Houve evidente e notório erro de julgamento - a sentença ora em “crise” está ferida de nulidade”. Conclui, no sentido da procedência do recurso, devendo revogar-se a decisão recorrida “e, consequentemente, substituí-la por nova decisão que julgue totalmente procedentes por provados todos os pedidos formulados pela Recorrente”. 8 – Os Apelados/Recorridos não apresentaram quaisquer contra-alegações. 9 – O recurso foi admitido por despacho de 02/05/2022, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – cf., fls. 337. 10 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. * II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões: I) DA NULIDADE de SENTENÇA, nos quadros do artº. 615º, nº. 1, alíneas b), c) e d) 1. Da alegada não ponderação de todos os elementos de prova constantes do processo ; 2. da errada interpretação da factualidade dada como não assente – Conclusão 12.. II) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA, inclusive da GRAVADA: 1 Da factualidade que deve ser considerada PROVADA: a) Os pontos 1), 2), 5) a 8) e 10), correspondentes aos parágrafos com idêntica numeração - Conclusões 1.a 4. e 10.. III) Do ENQUADRAMENTO JURÍDICO 1. Da confissão plena, consciente e esclarecida das Rés, no que concerne às violação do contrato de franchising ; 2. da necessidade de ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes ; 3. do necessário ressarcimento no âmbito da responsabilidade contratual ; 4. da necessidade de decretar o direito de retenção sobre os bens e artigos existentes na loja à data do seu encerramento - Conclusões 5.a 7, 9. e 11.. * III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (rectificaram-se os lapsos de redacção ; adita-se, a negrito, a factualidade provada, fruto da impugnação apresentada, nos termos infra decididos): a) A A. é uma sociedade comercial que tem por objeto social comércio, importação, exportação, representação de todo o tipo de artigos de puericultura, jogos, brinquedos, vestuário e similares. Consultoria para os negócios e a gestão. Consultoria financeira e económica. Formação profissional e não profissional, nomeadamente na área financeira, marketing e de gestão. b) A A. é detentora da marca “T…………….”, registada no INPI sob nº 449065, há mais de 10 anos em atividade efetiva, e conceito de compra e vendas de artigos em segunda mão, de e para bebé e criança, dos 0 aos 10 anos, que explora sob as formas, em primeiro, de uma loja própria, sita à Avenida ……………. e, em segundo, expansionista, através de contratos de franquia celebrados com outras pessoas individuais e coletivas, com interesse no desenvolvimento do negócio. c) O conceito da “T………………” está baseado num “segredo próprio” que assenta num sistema integrado de gestão do ponto de venda, loja, com base em métodos avançados desenvolvidos pela A., de gestão do fornecimento, metodologia de seleção de artigos, introdução e avaliação no sistema de gestão, atribuição do preço “certo” e etiquetagem, merchandising, formas de exposição, rotação e rentabilização dos artigos em loja, publicidade e promoção das vendas através de meios físicos e digitais, e, finalmente, vendas, formação, seleção de pessoal e formas de atendimento em loja. d) Como ferramenta informática, a “T………..” utiliza o software de gestão Phc, adaptado ao seu negócio e parte integrante do seu “segredo”. e) A sociedade R. tem como única sócia e gerente, a R. Cátia. f) A R. Cátia foi colaboradora da loja “T………..”, em Mem Martins, no ano de 2017, até ao início de 2018, e saiu por discordar com a sua empregadora na forma de explorar o negócio g) A R. Cátia no período referido em f) manifestou, sistematicamente à A., a necessidade de impor a sua vontade e de assumir um papel de “dona de loja”, afirmando “que se fosse dona de loja, faria muito melhor”, questionando todo e qualquer tipo de procedimento e decisão da entidade patronal. h) Para a A., dado o dinamismo demonstrado na relação com as clientes e realização de vendas, a R. aparentava ter de facto mais perfil de “dona de loja” do que simples colaboradora. i) Durante esse período, a R. Cátia questionou a A. sobre a possibilidade de ter a sua própria loja franquiada, porém, a resposta, na altura, foi sempre negativa. j) Posteriormente, como a dona da loja de Oeiras decidiu abandonar o negócio e loja, surgiu a oportunidade de a R. Cátia, avançar com o seu projeto e sua loja. k) De forma a evitar encerrar esta loja, a A., apresentou à R. Cátia um projeto de aquisição da mesma de forma a poder ficar ela no lugar da anterior franquiada, o que esta logo aceitou. l) Este projeto consistiu na aquisição das quotas da 1ª R. por parte da R. Cátia à anterior sócia e assim, as RR. adquiriram o direito de exploração da loja, em Oeiras, já em pleno funcionamento, desde Abril de 2014, e com uma carteira de clientes nominais de cerca de 5000 (cinco mil) efetivos. m) Em 26 de Abril de 2018, a A. celebrou as RR. o contrato que denominaram de franquia, conforme documento junto aos autos a fls. 22 verso a 28 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. n) Ao abrigo do contrato referido em m) a 1ª R. adquiriu o direito de exploração da loja sita na Rua …, em Oeiras, que explorou até 31 de Dezembro de 2018; passando após esta data, a loja para a Praça …, na Amadora. o) Por via do contrato celebrado entre A. e a 1ª R., esta adquiriu o direito de operar a loja de acordo com o conceito “T………….” e usar a marca e todos os instrumentos, tangíveis e intangíveis, que lhe estejam associados, durante o prazo de 8 (oito) anos, renovável por períodos de 4 (quatro) anos, se reciprocamente acordados. p) A R. Cátia assumiu solidariamente com a 1ª R. todas as obrigações emergentes do contrato identificado em m). q) Durante as negociações entre A. e RR., foi fornecida à R. Cátia, toda a informação sobre a atividade e situação financeira em que se encontrava o negócio desta loja. r) Como também foi permitido que a R. Cátia, participasse juntamente, com a A., na inventariação física da loja, antes da revogação do contrato com a anterior franqueada. s) A R. Cátia teve conhecimento factual e objetivo do volume de negócio resultante da atividade da anterior franqueada. t) O inventário serviu, igualmente, para apurar o montante que viria a ser pago pelas RR. à anterior franqueada, que se cifrou em 20.000,00 (vinte mil euros), tendo em consideração todo o recheio da loja. u) Com a celebração do contrato referido em m) as RR., obrigaram-se a pagar a A., o denominado “Direito de Entrada”, no valor de 15.000,00€. v) Uma vez que as RR. não dispunham de imediato daquela quantia solicitaram o pagamento em prestações, o que a A. aceitou, acordando as partes que aquela quantia seria paga em 12 prestações iguais, mensais e sucessivas no valor de 1.250,00€ cada, a primeira com a assinatura do contrato e as restantes com início no dia 15 de Maio de 2018, vencendo-se cada uma delas em igual dia dos meses subsequentes. w) Para abertura de uma loja “T…………….” é necessário um investimento inicial de cerca 60.000,00€ a 70.000,00€. x) As quotas da 1ª R. foram adquiridas pela 2ª R. Cátia, sem qualquer ónus, e com o objetivo principal de manutenção do contrato de arrendamento da loja em Oeiras. y) As RR. começaram a explorar a loja de Oeiras, a partir de 26 de Abril de 2018. z) A A., desde o primeiro momento, explicou à R. Cátia, a forma de trabalhar e como operar a loja face às obrigações emergentes do contrato, fornecendo-lhe a informação necessária para que o “segredo de negócio” pudesse ter êxito. aa) A R. Cátia recusou fazer formação na área da compra, na loja do franqueador, nos termos do contrato, como é habitual para qualquer franqueado. bb) Sabia a R. Cátia que uma das regras básicas para funcionamento do negócio, consiste existência de meios humanos, necessitando a loja para funcionar de ter no mínimo três pessoas, a "dona da loja", mais duas colaboradoras cc) A A. remeteu à R. Cátia, o perfil dos colaboradores, para recrutamento e seleção, assim como informação de apoios efetivos à criação de postos de trabalho, por ação dos Centros de Emprego. dd) Apesar das insistentes e prementes solicitações da A. para a R. Cátia cumprir o referido em bb), praticamente desde o início da exploração da loja, só a R. Cátia nela trabalhava, recusando-se a proceder à contratação de pelo menos duas trabalhadores para a loja. ee) A presença de uma só pessoa na loja não permitiu que a R. Cátia pudesse desenvolver as atividades e tarefas inerentes à logística do conceito "T………..", nomeadamente, receção de artigo usado, seleção, avaliação, etiquetagem, exposição e merchandising, acompanhamento de clientes na loja, venda e gestão da empresa. ff) Para o funcionamento do conceito referido em c) é necessária a existência de tesouraria inicial, a qual serve para a compra massiva de stock, sendo que neste conceito de negócio "quanto mais se compra, maior o potencial de venda, a curto e médio prazo e maior é o rendimento/lucro” gg) A R. Cátia recusou-se a providenciar pelos meios financeiros necessários para proceder às compras com vista à existência de stock, como também a realizar pontual e oportunamente bons negócios os quais exigem liquidez imediata. hh) A A. sempre aconselhou e pediu insistentemente para as RR. dotarem a loja de fundo de maneio, tesouraria, suficiente para num curto período de tempo puderem desenvolver a sua atividade de forma segura e rentável. ii) A R. Cátia não investiu em publicidade e promoção de vendas, de forma sistemática e de acordo com os formatos adotados pela marca, digitais e físicos, através das redes sociais e distribuição de 'flyers'. jj) As RR., ao não aceitarem, nem cumprirem com as suas obrigações contratuais, deixaram de ter os meios humanos e financeiros disponíveis, nomeadamente para receberemos artigos dos potenciais fornecedores e quando os recebiam, deixavam-nos depositados/espalhados pela loja sem os rececionar e catalogar para venda, por tempos indefinidos. kk) Esta atuação das RR., é completamente contrária ao modelo de funcionamento do conceito "T…………………..", em que as avaliações devem ser realizadas no momento. ll) Surpreendente e inexplicavelmente desde a reabertura da loja, a R. Cátia, decidiu operar como entendeu, sem cumprir regras básicas de funcionamento do negócio, inclusive passou a ter um diálogo de confrontação permanente com a A., por vezes de forma agressiva e deselegante, apesar do apoio por parte da A.. mm) Em Junho de 2018, o senhorio da loja de Oeiras, com 6 meses de antecedência, decidiu denunciar o contrato de arrendamento da loja, devendo as RR. entregar a mesma até 31 de Dezembro de 2018. nn) As RR. informaram a A. e foi decidido começarem a procurar ativamente um novo espaço no concelho de Oeiras, ou limítrofes, de acordo com as características fornecidas pela marca, que estão publicamente disseminadas, no site ………………., no separador de informação sobre a franquia. oo) Em Setembro de 2018 as RR., informaram a A. que pretendiam mudar para o concelho da Amadora, porque não encontrarem espaço com as características e preços de renda, no concelho de Oeiras, ou limítrofes. pp) Dada a falta de tempo, até 31 de Dezembro, e ao constrangimento, perda e eventual conflitualidade, do encerramento de uma loja, a A. anuiu à pretensão das RR.. qq) Desta forma a A., abriu mão do mercado de um concelho que é dos mais ricos do país, ao nível do PIB per capita e da qualificação da população, tendo a loja de Oeiras uma localização privilegiada. rr) Em função das circunstâncias criadas, a A. informou a R. Cátia das características que a nova loja da Amadora deveria ter em termos de espaço e de enquadramento exterior, as quais esta já conhecia muito bem, por já ter trabalhado numa loja da marca. ss) As RR. garantiram à A. que a loja que escolheram na Amadora cumpria os requisitos mínimos necessários para o bom desempenho do negócio. tt) Antes da abertura da loja da Amadora, a A., embora tenha solicitado várias vezes e até, por duas vezes se tenha deslocado ao local, no sentido de ver o espaço e sugerir o projeto para a loja, viu-lhe sempre negada pela R. Cátia essa sua pretensão. uu) A A. não teve acesso à nova loja, apesar de muita insistência, antes do dia da abertura o que aconteceu em 10 de Janeiro de 2018. vv) Nesta data, para enorme surpresa da A., logo verificou que a loja não reunia, nem reúne, condições para o desenvolvimento do conceito "T…………", por ser um espaço exíguo, onde não cabem os móveis e onde não é possível expor o número suficiente de artigos e referências, de modo a rentabilizar e desenvolver o negócio. ww) E ainda, por no exterior, não existir circulação pedonal, nem de veículos. xx) O que implicava que as RR. investissem fortemente em publicidade, para expandir o negócio, atrair fornecedores e clientes, o que não fizeram face à falta de meios humanos e financeiros. yy) A A., manifestou o seu desagrado e descontentamento relativamente à loja da Amadora, todavia forçada, aceitou a localização da mesma, aconselhando e exigindo das RR., a necessidade obterem liquidez para fundo de maneio, como também investirem na loja. zz) Entretanto no mês Outubro de 2018, as RR. tinham já solicitado à A., um adiamento de dois meses no cumprimento da obrigação referente ao "Direito de Entrada", situação de si já especialíssima e facilitada pela A., na medida que qualquer das outras lojas franqueadas não teve esse privilégio, o "Direito de Entrada" foi pago no ato de assinatura do contrato. aaa) Mais uma vez a A. acedeu às pretensões das RR., tendo permitido quatro (4) meses de carência, em vez dos dois meses solicitados, de forma ajudar as RR. no investimento necessário e imediato no desenvolvimento da loja e que era urgente. bbb) Mesmo assim, a R. Cátia, veio a pedir em 25 de Março de 2019, uma vez mais a suspensão do pagamento das prestações do direito de entrada. ccc) Apesar de a A., não concordar com esta loja da Amadora, por não reunir as condições necessárias para o tipo de negócio, permitiu que as RR. continuassem com o contrato nesta nova loja, com a obrigação de cumprirem os termos do mesmo ddd) Porém, logo se acentuaram os incumprimentos de regras de funcionamento e contratuais referidas em bb) a ll) e que levaram a que a A. realizasse várias advertências via e-mail à R. Cátia. eee) Através de carta registada com A/R, datada de 13 de Setembro de 2019, a A. interpelou as RR. para cumprirem as suas obrigações contratuais, concedendo-lhes um prazo de dez dias para regularizarem as situações em incumprimento, com a cominação que caso o não fizessem avançaria para a resolução definitiva do contrato, conforme documento junto aos autos a fls. 45 a 47 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. fff) Até essa data a A. realizou visitas mensais à loja, contactos telefónicos com as RR. e forneceu-lhes relatórios de atividade mensal com indicadores de desempenho, contactos de fornecedores, formatos e funcionamento de campanhas de acordo com o calendário comercial do ano. ggg) Mau grado as insistentes e permanentes solicitações da A. às RR. para cumprirem com as obrigações resultantes do contrato referido em m), estas não o fizeram e o fracasso desta loja foi evidente. hhh) As RR. não responderam, nem cumpriram com o indicado na missiva referida em eee). iii) Em conformidade, em 9 de Outubro de 2019 e 16 de Outubro de 2019, respetivamente, a A. enviou cartas registadas com A/R a comunicar a resolução do contrato de franquia a ambas as RR., as quais foram devolvidas ao remetente. jjj) Em 23 de Outubro de 2019, a A. procedeu à comunicação/notificação das RR., através de e-mail, anexando o conteúdo das cartas enviadas e do respetivo aviso de receção. kkk) As RR., não pagaram 2.000,00€ relativos ao Direito de Entrada, apesar da prorrogação dos prazos aceites pela A., até dia 15 de Agosto de 2019. lll) Apesar da comunicação de resolução do contrato por parte da A., as RR. continuaram a operar a loja à revelia da A., pelo menos até 31 de Janeiro de 2020. mmm) Mais se provou que o contrato celebrado entre a A. e a 1ª R. em 20 de Janeiro de 2014, foi revogado em 26 de Abril de 2018, sendo a 1ª R. aí representada por Susana ……………………, na qualidade de gerente. nnn) a Ré M………………….., Lda., encontrava-se obrigada a cumprir as obrigações de consignação perante os fornecedores que tinham na loja artigos à consignação entregues antes da assinatura do contrato de Franquia. ooo) a Ré M…………………., Lda., após a aquisição de quotas referenciada em l), recebeu quantia não concretamente determinada referente a devolução de IRC reportada a exercício fiscal antecedente. E foi considerado como NÃO PROVADO o seguinte (procede-se à sua identificação com recurso a numeração árabe, atenta a sua total ausência identificativa na sentença recorrida ; identificam-se com * os factos objecto de impugnação ; figuram a negrito os factos objecto de alteração, nos termos infra decididos, figurando em nota de rodapé a sua redacção original): 1. Não se provou que em data anterior à celebração do contrato a R. Cátia já tinha sido funcionária da loja de Oeiras * ; 2. Não se provou que as RR., para além valor do investimento realizado, estavam vinculadas e obrigadas contratualmente a criarem fundo de maneio para financiamento da atividade corrente da loja, pelo menos equivalente a seis (6) meses * ; 3. Nada se provou quanto à existência de várias possibilidades de espaços comerciais disponíveis na Amadora ; 4. Não se provou que numa perspetiva estratégica, A. e RR. equacionarem a mudança de local da loja da Amadora para uma loja maior e melhor mercado ; 5. que a obrigação referenciada em nnn) se estendesse igualmente à Ré Cátia …………………. [2] *; 6. que as Rés, por intervenção da A., tenham recebido a quantia de 1200€ da anterior franqueada para o efeito pagar consignações, e que a devolução descrita em ooo) tenha sido no montante de 1.000,00 € [3] *; 7. Nada se provou quanto a danos patrimoniais sofridos pela A. em termos de marca e conceito de negócio, no concelho da Amadora, nem quanto à perda de clientela e à criação de uma imagem pouco abonatória da A. *; 8. Nada se provou quanto à imagem das lojas de Oeiras e/ou da Amadora, nem que a loja da Amadora tivesse má imagem *; 9. Não se provou que a conduta das RR., foi no sentido de obstruir e boicotar o bom e normal funcionamento da loja ; 10. Nada se provou quanto ao valor médio de royalty mensal da loja de Mem Martins entre Janeiro de 2018 e Setembro de 2019, nem que tivesse sido de 350,00€ + IVA *; 11. Nada se provou quanto ao mercado das lojas do conceito da A. na Amadora, nem em Mem Martins, nem que as mesmas tivessem franjas de mercado muito idênticas e semelhantes ; 12. Não se provou que na data da celebração do contrato identificado em m) se encontrava em vigor o contrato de franquia celebrado pela A. com a 1ª R. em 20 de Janeiro de 2014 ; 13. Não se provou que o contrato celebrado entre a A. e a 1ª R. em 20 de Janeiro de 2014, foi transmitido, em Abril de 2018, pela anterior gerente da 1ª R. para a 2ª R. aquando da cedência de quotas operada na 1ª R. ; 14. Não se provou que existiu um abandono total da A. para com as RR. ; 15. Não se provou que a partir do momento em que a A. verificou atrasos no pagamento do direito de entrada abandonou as RR. à sua sorte ; 16. Não se provou que apesar das solicitações da R. Cátia, a A. não respondia, não visitava a loja, não reunia com a R., não facultava informações sobre o negócio e omitia e-mails sobre promoções e reduções de preços, designadamente, para o aniversário da marca ; 17. Não se provou que a A. tivesse adotado um comportamento que levasse a que a 1ª R. deixasse de vender em datas importantes, como em época de saldos, promoções e aniversário da marca ; 18. Não se provou que a A. tivesse reclamado e recebido da R. Cátia importâncias referentes a royalty de vendas que esta efetuou de forma independente, nem que tivesse recusado apoio e ou informações obrigatórias ; 19. Não se provou que a A. atuasse, desde há algum tempo, como se a 1ª R. não existisse ; 20. Não se provou que A. excluísse a R. dos e-mails enviados para as diversas franchisadas ; 21. Não se provou que a A. recusou apoio, indicações para prosperar e auxílio nas vendas ; 22. Não se provou que a A. não aceitou sugestões da R. Cátia no sentido de prosperar o seu negócio, nem que se tivesse incompatibilizado pessoalmente com esta, nem que por essa mesma razão decidiu deixar a R. Cátia à sua sorte ; 23. Nada se provou no sentido da A. ter prejudicado o negócio das RR. ; 24. Não se provou que a R. Cátia tudo fez para manter o negócio e que o mesmo prosperasse, nem que tivesse sido votada ao abandono pela A.. * B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I) da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento das causas enunciadas nas alíneas b), c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil No âmbito da pretensão recursória apresentada, alude a Apelante ocorrer nulidade da sentença recorrida, tendo em consideração a não ponderação de todos os elementos de prova constantes do processo e a errada interpretação da factualidade dada como não assente. Acrescenta, em sede de conclusões, ter existido “evidente e notório erro de julgamento”, o que fere a sentença sob sindicância da invocada nulidade. Apreciemos. Prescrevem as enunciadas alíneas do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, ser nula a sentença quando: “b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [4] [5]. Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [6]. A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada. A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” (sublinhado nosso) [7]. As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”. O vício de fundamentação inscrito na alínea b), do citado nº. 1 do artº. 615º do Cód. de Processo Civil, a apreciar no campo do error in procedendo, concretiza-se na omissão da especificação dos fundamentos de direito ou na omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão. Todavia, “só a absoluta falta de fundamentação da sentença gera a nulidade. O vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade” [8] [9] [10]. Donde decorre que “a falta de motivação da decisão de facto (art. 607º, nº. 4), considerada isoladamente, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação, desde que esta contenha a discriminação dos factos que o juiz considera provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (art. 607º, nº. 3). Este vício pode ser eliminado, sanando-se a sentença irregular, em caso de recurso (art. 662º, nºs. 2, al. d), e 3, al. d)), por haver nisso utilidade processual, pois permite uma impugnação pelo vencido e uma reapreciação da decisão pelo tribunal ad quem mais esclarecidas. A absoluta falta de motivação da decisão de facto pode contribuir, no limite, para tornar a decisão final (art. 607º, nº. 3) ininteligível, gerando, por esta via, a nulidade da sentença (nº. 1, al. c). Sendo a sentença anulada com este fundamento, valerá a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (art. 665º, nº. 1)” [11]. A necessidade/dever de fundamentação de qualquer decisão judicial encontra-se plasmada no artº. 154º do Cód. de Processo Civil, o qual prescreve que: “1 – as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 – A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”. Possui inclusive tal dever legal consagração constitucional, conforme decorre do previsto no artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa , ao prescrever que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. O dever de fundamentação tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma. Nas palavras do douto aresto desta Relação, datado de 07/11/2013 [12], “é, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico-jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação. Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça” O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito” [citando Pessoa Vaz, Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p.211.]. E, acrescenta, “conforme decorre do n.º2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma “fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma” [citando José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, p.302-303]. Tal, não se verifica, claramente, no caso em apreço. Não se trata de uma fundamentação parca ou deficiente. Trata-se de ausência de fundamentação. Consequentemente, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º668.º n.º b) (actual art.º 615.º n.º 1 b)) do CPC”. Por sua vez, relativamente à causa de nulidade equacionada na transcrita alínea c), referencia Ferreira de Almeida [13] tratar-se na mesma de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”. Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidade “quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”. Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente. A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”. Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão” [14]. Relativamente à terceira causa de nulidade apontada, o nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia. Neste, em correspondência com o citado nº. 2 do artº. 608º, “deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”. Assim, “integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes” [15]. Na omissão de pronúncia, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [16], está em equação a vinculação do tribunal em “emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº. 3, e 608º, nº. 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença. Esta nulidade, presente na fundamentação da decisão final da causa, mas que se reporta à decisão de facto, deve ser arguida pela parte interessada, salvo quando impossibilite a reapreciação da causa pelo tribunal superior, sendo aqui de conhecimento oficioso (art. 662º, nº. 2, al. c))”. Como segundo segmento do aludido vício de limite, configura-se o atinente ao excesso de pronúncia. Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do artº. 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso” [17]. No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [18], “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art. 196º). Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art. 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”. Efectuado breve excurso sobre as enunciadas causas de nulidade da sentença, verifica-se facilmente, que o aduzido pela Recorrente não traduz qualquer dos vícios equacionados. Com efeito, o que a Apelante questiona é a resposta conferida à matéria de facto, nomeadamente, e em parte, a dada como não provada, considerando ter existido errada interpretação da mesma, devido à não ponderação da totalidade dos elementos probatórios que integram o processo, o que traduz efectivo erro de julgamento, tal como acaba por reconhecer nas próprias conclusórias apresentadas. Efectivamente, o questionar a afirmação ou negação dos concretos factos ocorridos e que alegadamente resultaram da produção probatória, em contradição com aqueles que o julgador entendeu deverem figurar no catálogo factual provado e não provado, é situação enquadrável no aduzido erro de julgamento e não como erro de procedimento ou de regularidade formal do acto decisório em que se traduziu a sentença. Donde, o que é alegado em nada traduz o preenchimento de qualquer nulidade, nomeadamente a ausência de fundamentação da sentença, a existência de qualquer oposição ou ambiguidade que da mesma resulte ou a omissão ou excesso de pronúncia das questões submetidas ao tribunal, quer no que concerne às causas de pedir, pedidos ou excepções invocadas em sede de contestação. Pelo que, sem outras delongas, improcedem, nesta parte, as conclusões recursórias, considerando-se não verificadas quaisquer das causas de nulidade de sentença invocadas. II) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA, inclusive GRAVADA, decorrente da impugnação da matéria de facto Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que: “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”. Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que: “1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”. No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. E, tendo a Recorrente/Apelante dado cumprimento (pelo menos de forma parcial, conforme melhor apreciaremos infra) ao preceituado no supra referido artigo 640º, nºs. 1, alín. b), e 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, nada obsta a que o presente Tribunal proceda à reapreciação da matéria factual fixada, operando-se, assim, à devida audição da indicada prova, bem como à leitura dos excertos transcritos. Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”. Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [19]. Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”. Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”. Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” [20] (sublinhado nosso). É a seguinte, reportada aos factos não provados, a factualidade cuja impugnação é apresentada, pretendendo-se que a mesma passa a figurar como provada: Facto 1. - Não se provou que em data anterior à celebração do contrato a R. Cátia já tinha sido funcionária da loja de Oeiras ; Facto 2. - Não se provou que as RR., para além valor do investimento realizado, estavam vinculadas e obrigadas contratualmente a criarem fundo de maneio para financiamento da atividade corrente da loja, pelo menos equivalente a seis (6) meses ; Facto 5. - Não se provou que as RR. se tivessem obrigado a cumprir as obrigações de consignação perante os fornecedores que tinham na loja artigos à consignação entregues antes da assinatura do contrato de Franquia ; Facto 6. - Não se provou que as RR., por intervenção da A., receberam a quantia de 1200€ da anterior franqueada para o efeito pagar consignações, nem que retiveram mais de 1000€ referentes devoluções de IRC ; Facto 7. - Nada se provou quanto a danos patrimoniais sofridos pela A. em termos de marca e conceito de negócio, no concelho da Amadora, nem quanto à perda de clientela e à criação de uma imagem pouco abonatória da A. ; Facto 8. - Nada se provou quanto à imagem das lojas de Oeiras e/ou da Amadora, nem que a loja da Amadora tivesse má imagem ; Facto 10. - Nada se provou quanto ao valor médio de royalty mensal da loja de Mem Martins entre Janeiro de 2018 e Setembro de 2019, nem que tivesse sido de 350,00€ + IVA. Relativamente aos meios probatórios, constantes do processo, ou da gravação realizada, que sustentam as pretendidas alterações, constata-se que a Recorrente enuncia: - as declarações de parte da legal representante da 1ª Ré (também 2ª Ré), Cátia ……………., parcialmente transcritas de fls. 322 a 325 ; - as declarações de parte do legal representante da Autora, Sérgio………………., parcialmente transcritas de fls. 326 a 328 ; - confissão por parte da Ré Cátia ………….. relativamente aos factos não provados 1. e 6. ; - relativamente ao facto 10., resulta demonstrado pela média paga pelas Rés ; - conjugação do teor dos documentos juntos aos autos ; - conjugação do teor dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento. Ora, no que concerne a estes dois últimos itens - conjugação do teor dos documentos juntos aos autos e conjugação do teor dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento -, a impugnação da matéria de facto não pode ser aceite. Com efeito, a transcrita alínea b), do nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil, impõe que o impugnante indique e especifique os concretos meios probatórios que imponham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada, não admitindo, assim, uma impugnação genérica ou indeterminada por alusão ao teor da prova documental junta aos autos (sem indicar quais os concretos documentos ou parte destes) e ao teor da prova testemunhal produzida em sede de julgamento (sem indicar a que depoimentos se reporta, e quais as exactas passagens da gravação destes ou excertos devidamente transcritos). Neste sentido, decidiu-se em recente Acórdão desta Relação e Secção de 26/05/2022 – Apelação nº. 2533/19.6T8FNC.L1, Relatora: Inês Moura, no qual o ora Relator figurou como 2º Adjunto -, que o artº. 640º, do Cód. de Processo Civil, “ao impor estes ónus a cargo do Recorrente, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância, com fundamento nos meios de prova concretos que indica, que em se tratando de depoimentos gravados devem estar bem delimitados na parte considerada relevante por identificação no excerto da gravação em que fundamenta o seu recurso; deve ainda o Recorrente indicar a decisão que entende dever ser proferida sobre os factos contestados. Diz-nos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 126, a propósito do requisito previsto no n.º 1 al. b) a observar na impugnação da matéria de facto: “Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.” Acrescenta a pág. 129: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”. Desta forma, parece evidente impor-se que a indicação dos meios probatórios que sustentam ou fundamental a pretendida alteração da matéria factual, deve ser efectuada de “forma precisa e individualizada, quanto a cada facto ou conjunto de factos impugnados, quando estes respeitem no essencial à mesma matéria, assim concretizando a sua discordância”. Considerou-se, no caso concreto, que na avaliação da impugnação da matéria de facto apresentada, “verificamos que, insurgindo-se a Recorrente quanto ao facto constante da al. T) dos factos provados e quanto a todos os factos que foram considerados não provados – pontos 1 a 12 – não indica de forma individualizada os concretos elementos probatórios que a serem devidamente ponderados pelo tribunal poderiam determinar uma alteração da decisão quanto a eles. Estes factos são impugnados em bloco pela Recorrente, referindo-se à matéria que integra as exceções que invocou, reportando-se a situações tão diversas como a existência de defeitos no locado, o exercício da sua atividade, interpelações por ela feitas ao locador ou negociações feitas com o mesmo. Também com referência aos meios de prova que invoca, a Recorrente não individualiza a parte que tem como relevante para determinar a alteração da decisão, já que se limita a transcrever o teor do relatório pericial e o depoimento das testemunhas que apresentou na totalidade, sem evidenciar em concreto em que parte é que os mesmos assumem importância para determinar a alteração de cada facto que impugna, não cumprindo também quanto à prova gravada a exigência prevista no art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC. De acordo com o disposto no art.º 640.º n.º 1 do CPC já mencionado, além da indicação concreta dos factos que considera mal avaliados, é necessário que o Recorrente individualize as divergências relativas a cada facto que impugna com referência aos concretos meios de prova que constam do processo que determinam uma diferente resposta do tribunal, exigência prevista na al. b) do n.º 1, devendo evidenciar também “com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso”, nos termo do n.º 2 al. a) sob pena de imediata rejeição do mesmo” (sublinhado nosso). Desta forma, ajuíza que à luz de tais requisitos legais “exigíveis para a impugnação da matéria de facto que ficaram expostos, é forçoso reconhecer que a Recorrente não os observa ao impugnar em conjunto um facto provado e 12 pontos de facto não provados, sem os distinguir com referência aos meios de prova que indica, quando estamos perante matéria algo vasta e diferenciada, como se referiu, mencionando depois o depoimentos das testemunhas que identifica e que considera relevantes, sem fazer qualquer menção concreta aos factos que visa alterar com os mesmos, nem tão pouco indicado os excertos da gravação do seu depoimento que o podem determinar. Entende-se que só esta correspondência dos concretos meios de prova com cada um dos factos impugnados, ou pelo menos com um conjunto de factos que se encontrem muito relacionados entre si, é que permite ao tribunal de recurso avaliar o invocado erro da decisão proferida, que deve ser especificado e não genérico. Neste sentido e a título de exemplo, pronunciou-se o Acórdão do STJ de 5 de setembro de 2018 no proc. 15787/15.8T8PRT.P1.S1 in www.dgsi.pt nos seguintes termos: “Efectivamente, o recorrente impugna a factualidade apurada pela primeira instância fazendo-o em relação a blocos de factos, não individualizando os meios de prova que em relação a cada um dos factos impugnados impõem uma decisão diversa. Ora, esta forma de impugnação não satisfaz as exigências formais da alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC (…)”. Os factos impugnados em bloco pela Recorrente são extensos e diversificados, não tendo a mesma concretizado quanto a cada um deles os concretos meios de prova suscetíveis de revelar o erro da decisão, limitando-se a fazê-lo de uma forma genérica, omitindo a correspondência dos elementos probatórios que indica com cada um dos facto que impugna. Resta concluir que a Recorrente pretendendo insurgir-se contra a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo praticamente sobre todos os factos que integram a matéria das exceções que invocou, fá-lo de uma forma genérica, não dando cumprimento ao disposto no art.º 640.º n.º 1 al. b) do CPC, quanto à indicação dos concretos meios de prova que impõem a alteração de cada um dos 13 factos impugnados, nem tão ao disposto no n.º 2 al. a) do mesmo artigo, impondo-se a rejeição do recurso da matéria de facto apresentada, atenta a cominação aí prevista para tal inobservância, o que se determina” (sublinhado nosso). Ora, no caso concreto, constata-se ter a Ré Impugnante actuado nos seguintes termos: - aludindo aos factos não provados 5., 7. e 10., transcreveu parte das declarações de parte da legal representante da 1ª Ré (e igualmente 2ª Ré) ; - bem como procedeu à parcial transcrição das declarações de parte produzidas pelo legal representante da Autora ; - no que concerne à demais prova produzida (de natureza documental e testemunhal), apenas a enuncia em termos genéricos, referenciando que a mesma impunha diferenciada resposta não só àqueles factos não provados, como adita, ainda, a factualidade não provada sob os pontos 1., 2., 6. e 8. ; - referencia, ainda, que a factualidade exposta nos pontos 1. e 6. foi confessada pela Ré Cátia …………., e que a factualidade identificada em 10. é demonstrável pela média paga pelas Rés ; - constata-se, assim, que relativamente à totalidade da prova documental e testemunhal, inexiste qualquer concretização ou precisão das partes ou trechos capazes de sustentarem ou fundarem diferenciada resposta à factualidade questionada, em total contravenção ao prescrito na alínea b), do nº. 1, do artº. 640º (bem como, no que à prova testemunhal concerne, também ao disposto na alínea a), do nº. 2, do mesmo normativo), pelo que, nesta parte, decide-se pela rejeição da recurso de impugnação da matéria de facto ; - o qual apenas será apreciado, no que concerne à sua putativa pertinência, no que concerne ao invocado teor das declarações de parte, aludida confissão factual da Ré Cátia …………….. e referenciado facto demonstrado, ainda que indirectamente, por outra prova alegadamente produzida. No âmbito da sentença sob sindicância, a factualidade dada como não provada mereceu a seguinte justificação: “Os factos julgados não provados foram assim julgados por não ter sido feita prova bastante sobre os mesmos. No que respeita aos factos alegados pela A., o depoimento da testemunha Hugo ………….. não foi de forma alguma o bastante para julgar provada a matéria relativa à dinâmica de vendas da loja de Mem Martins, nem do ponto de vista da comparação de mercados, nem de valor absoluto deste mercado. Este depoimento revelou tão só para prova do facto de a formação das franchisadas ser feita no Porto, ao contrário do que sucedeu com a 2ª R.. Nenhuma outra prova, testemunhal e máxime documental, fez a A. quanto ao volume de vendas concreto das lojas, nem dos royalties pagos na loja de Mem Martins. Igualmente nenhuma prova fez a A. quanto aos prejuízos decorrentes do fecho da loja da Amadora, nomeadamente decorrentes da má imagem da marca e da perda de clientela. A este respeito releva o facto de tão pouco se ter logrado apurar que impendia sobre a 1ª R. a obrigação de pagamento de consignações anteriores à celebração do contrato de franquia, dada a resolução do contrato que anteriormente havia sido firmado. Com efeito, o contrato ao ser revogado cessou todos os seus efeitos jurídicos, não tendo sido feita prova quanto ao acordado relativamente às situações pendentes à data da revogação do contrato de franquia de 2014, coincidente com a data da outorga do contrato de cessão de quotas da 1ª R. e do contrato de franquia dos autos. No que respeita aos factos alegados pelas RR. e respeitantes ao incumprimento da A., decorrente de alegada falta de apoio, para além das declarações de parte da 2ª R. que ainda assim afirmou que a A. visitava a loja e que esteve presente na abertura das lojas, não foi feita qualquer prova convincente. A este respeito pronunciou-se a testemunha Zélia …………., sem que o seu depoimento mereça relevância dado que apenas tomou conhecimento dos factos pela 2ª R. e já na pendência dos presentes autos. Ainda assim, ao contrário do alegado pelas RR., afirmou esta testemunha, que manteve um contrato de franquia com a A. entre Junho de 2019 e Julho de 2020, que a loja da Amadora só deixou de constar nos e-mails enviados pela A. em Outubro de 2019, data em que foi anunciado o fecho da loja. Mais referiu a testemunha que também ela teve 3 dias de formação no Porto, antes de abrir a sua loja em Setembro de 2019. Nenhuma prova, lograram, assim, as RR. fazer dos incumprimentos contratuais que imputaram à A., motivo pelo qual tal matéria foi julgada não prova”. Tendo em atenção o balizamento ou limitação supra expostos, analisemos cada um dos factos em equação: “Facto 1. - Não se provou que em data anterior à celebração do contrato a R. Cátia já tinha sido funcionária da loja de Oeiras”. O presente facto dado como não provado surge como totalmente inquestionável, não se entendendo, sequer, como a Recorrente Autora logra impugná-lo. Efectivamente, resulta inclusive quer dos articulados apresentados nos autos, quer (insistentemente) das declarações de parte prestadas quer pelo legal representante da própria Autora, quer pela legal representante da Ré sociedade (e 2ª Ré), que em data antecedente à outorga do contrato de franquia ora em equação, datado de 26/04/2018, a Ré nunca tinha sido, efectivamente, funcionária da loja de Oeiras, tendo-o antes sido de uma outra loja franquiada, sita em Mem Martins, pertença de um outro franquiado. Conforme resulta, aliás, do facto provado f). Pelo que, logicamente, o presente facto deverá continuar a figurar como não provado. “Facto 2. - Não se provou que as RR., para além valor do investimento realizado, estavam vinculadas e obrigadas contratualmente a criarem fundo de maneio para financiamento da atividade corrente da loja, pelo menos equivalente a seis (6) meses”. Da prova efectuada não resulta o teor da vinculação descrita no presente ponto factual, ou seja, que as Rés se encontrassem vinculadas e contratualmente obrigadas a criarem um fundo de maneio, pelo menos equivalente a seis meses, para o funcionamento da actividade corrente da loja. Tal obrigação não consta do contrato de franquia outorgado, nomeadamente do elenco das obrigações do franquiado, descritas no ponto 1 da cláusula sexta – cf., o teor do contrato de franquia dado como provado sob a alínea m) dos factos provados. O que resultou fundamentalmente provado era a efectiva necessidade da existência de um fundo de maneio com a suficiente amplitude para operacionalizar as específicas características do negócio, ou seja, permitir um vasto leque de aquisições de produtos, a serem pagos de imediato (o que requeria liquidez e disponibilidade instantânea), de forma a alimentarem as vendas, donde adviria o lucro. O que resulta com clareza e é insistentemente referenciado pela Autora nas avaliações mensais do franshizado que era explorado pelas Rés – cf., o facto provado fff). Ora, tal matéria já se encontra perfeitamente descrita nos pontos factuais provados identificados sob as alíneas ff) a hh) e yy), ou seja, a necessidade daquela tesouraria inicial e sua finalidade, a recusa da Ré Cátia no providenciar dessa disponibilidade financeira para a concretização das exigíveis compras e o aconselhamento e pedido da Autora às Rés para providenciarem por tal liquidez, de forma a constituírem tal fundo de maneio e permitir o desenvolvimento e rentabilidade do negócio. Donde, no indeferimento da impugnação apresentada, o presente ponto factual, deverá manter-se na elencagem não provada. “Facto 5. - Não se provou que as RR. se tivessem obrigado a cumprir as obrigações de consignação perante os fornecedores que tinham na loja artigos à consignação entregues antes da assinatura do contrato de Franquia”. Conforme resultou das declarações de parte do legal representante da Autora franqueadora, as consignações configuravam uma parte mínima do negócio, reportando-se a produtos de maior valor (nomeadamente puericultura pesada), exemplificando com a situação de uma transacção de um carrinho de bebé. Como o negócio se reportava fundamentalmente à transacção de produtos não novos, caso alguém pretendesse vender um carrinho de bebé usado que novo valia 700,00 €, o mesmo ficava na loja á consignação. Pretendendo-se, exemplificativamente, a sua venda por metade do valor (350,00 €), só aquando da sua venda é que o proprietário recebia metade deste valor (175,00 €), sendo então contactado para o efeito, ficando a demais para a loja. Ora, tal entendimento, segundo subjaz dos autos, também não era questionado pelas Rés, nem a controvérsia se colocou nos termos expostos no facto ora impugnado. A problemática existiu foi relativamente a bens que haviam sido deixados à consignação antes da aquisição da 1ª Ré pela Ré Cátia, ou seja, quando a sociedade pertencia à identificada Susana …………….., e esta havia-os alienado, ainda durante a sua gestão, sem ter liquidado o valor das consignações aos donos dos bens que os haviam entregue para venda (que, para o efeito, não haviam sido contactados). Tais proprietários vieram, posteriormente, já após a cessão de quotas da Ré sociedade, interpelá-la para proceder a tais pagamentos, com os quais, aparentemente, a nova proprietária, e ora 2ª Ré, não contava, apesar de tal configurar uma responsabilidade da Ré sociedade, mas que não terá sido devidamente contabilizada no acerto do valor de aquisição das quotas societárias. Donde, a factualidade ora equacionada não merecerá controvérsia, perante a forma como funcionava a colocação dos artigos sob consignação, e o negócio de cessão de quotas operado, apenas urgindo esclarecer e precisar que, nesse âmbito, a responsabilidade pertencia à Ré sociedade, e não igualmente à Ré Cátia, não decorrendo propriamente tal obrigação do teor do contrato de franquia celebrado com a Autora franqueadora. Assim, na parcial procedência da impugnação apresentada, decide-se aditar á factualidade provada uma nova alínea, que figurará sob a designação nnn), com a seguinte redacção: - “nnn) a Ré M…………….., Lda., encontrava-se obrigada a cumprir as obrigações de consignação perante os fornecedores que tinham na loja artigos à consignação entregues antes da assinatura do contrato de Franquia” ; - passando o facto 5. não provado a ter a seguinte redacção: “facto 5. que a obrigação referenciada em nnn) se estendesse igualmente à Ré Cátia ………………….”. “Facto 6. - Não se provou que as RR., por intervenção da A., receberam a quantia de 1200€ da anterior franqueada para o efeito pagar consignações, nem que retiveram mais de 1000€ referentes devoluções de IRC”. Relativamente á presente factualidade, a Ré Cátia, também legal representante da Ré sociedade, negou que lhe tivesse sido pago qualquer valor das consignações que a anterior proprietária da sociedade havia recebido, que quantificou em mais ou menos 1.600,00 €. E, relativamente ao IRC, confirmou a sua devolução à Ré sociedade, em valor que não precisou, considerando-o pertença desta. Nas suas declarações de parte, o legal representante da Autora aludiu a tal devolução de IRC à sociedade, falando de um valor de 900,00 € (apesar da transcrição efectuada constar 900/1200 Euros, que não tem correspondência com o declarado). No respeitante ao valor alegadamente pago pela anterior franqueada, aludiu a uma transferência “à volta de 1.200,00 €”, mediante a sua intervenção junto daquela, o que fez claramente de forma pouco convicta ou precisa, quer no valor efectivo em equação, quer no que concerne á efectiva ocorrência de tal transferência negada, quer, ainda, na sua putativa intervenção, que num primeiro momento o seu Ilustre Mandatário havia mesmo qualificado como dinheiro dado pelo legal representante da Autora às próprias Rés (cf., o teor do declarado pelo mesmo na formulação da questão à legal representante da Ré, aos 42 minutos e 53 segundos a 43 minutos e 24 segundos). Donde, a prova produzida não permite concluir por tal recebimento por parte da anterior franqueada, mas apenas pela devolução à Ré sociedade de um valor de IRC, não concretamente apurado ou determinado. Pelo que, na parcial procedência da impugnação, decide-se aditar á factualidade provada uma nova alínea, a figurar sob a menção ooo), com a seguinte redacção: - “ooo) a Ré M…………………….. Lda., após a aquisição de quotas referenciada em l), recebeu quantia não concretamente determinada referente a devolução de IRC reportada a exercício fiscal antecedente” ; - passando o facto 6. não provado a ter a seguinte redacção: “facto 6. que as Rés, por intervenção da A., tenham recebido a quantia de 1200€ da anterior franqueada para o efeito pagar consignações, e que a devolução descrita em ooo) tenha sido no montante de 1.000,00 €”. “Facto 7. - Nada se provou quanto a danos patrimoniais sofridos pela A. em termos de marca e conceito de negócio, no concelho da Amadora, nem quanto à perda de clientela e à criação de uma imagem pouco abonatória da A.”. Relativamente ao presente ponto factual não provado, a panóplia probatória em análise limita-se a uma referência genérica, pouco precisa e manifestamente conclusiva do legal representante da Autora de que o ocorrido com o franchizado na Amadora “afecta sempre a marca”, pois existiram clientes que ficaram aborrecidos por não terem recebido o dinheiro. Não houve qualquer precisão factual acerca de tal pretensa forma de afectação, em que é que a mesma se traduziu, que efeitos concretos produziu em termos patrimoniais junto da Autora, fruto da alegada criação de imagem pouco abonatória, e qual a alegada perda clientela global suportada pela franqueadora. Ora, sem qualquer precisão ou concretização, por mínima que fosse, bem como perante a omissão de qualquer outra fonte probatória ponderável, não pode a presente factualidade figurar como provada. Donde, no indeferimento, neste segmento, da pretensão impugnatória apresentada, deverá o presente ponto factual manter-se na elencagem não provada. “Facto 8. - Nada se provou quanto à imagem das lojas de Oeiras e/ou da Amadora, nem que a loja da Amadora tivesse má imagem”. O referenciado relativamente à análise do ponto factual 7. não provado tem plena aplicação na análise do presente ponto factual. Com a agravante do presente ponto possuir uma natureza genérica, indeterminada e pouco precisa, nomeadamente no que concerne ao seu 1º segmento – a denominada imagem das lojas de Oeiras e/ou da Amadora -, sem esclarecer ou definir a que tipo de imagem nos reportamos. Relativamente à alegada má imagem da loja da Amadora, para além de estarmos perante um conceito claramente subjectivo (o que é má imagem no conceito em questão ?), surge ainda o mesmo despido de conteúdo factual preciso ou esclarecedor, nomeadamente de que forma se projectava, expressava ou traduzia tal aludida imagem, que efeitos produziu na putativa reputação da Autora, e que dificuldades, desde logo com conteúdo patrimonial, esta suportou. Determinando, igualmente, que o presente ponto se deva igualmente manter como não provado. “Facto 10. - Nada se provou quanto ao valor médio de royalty mensal da loja de Mem Martins entre Janeiro de 2018 e Setembro de 2019, nem que tivesse sido de 350,00€ + IVA”. Alega a Impugnante Autora resultar o presente facto provado ou demonstrado pela média paga pelas Rés. Por um lado, a prova em ponderação nada referencia relativamente ao presente ponto. Por outro, estamos a aludir a um eventual valor médio dos royalties da loja de Mem Martins, ou seja, de um outro franquiado, nunca explorado ou gerido por qualquer das Rés, e onde a Ré Cátia apenas desempenhou as funções de funcionária. Assim, e para além de tal ausência probatória, sempre seria de muito discutível pertinência a sua transposição, no que aos valores de royalties concerne, para os franquiados explorados pelas Rés, sitos, num primeiro momento em Oeiras e, posteriormente, na Amadora. Donde, também no que concerne ao presente ponto, surge como inquestionável a sua não prova. Resumindo o presente segmento decisório, temos que: - Mantêm-se a figurar na elencagem não provada os pontos factuais 1., 2., 7., 8. e 10. ; - Aditam-se à elencagem factual provada os seguintes pontos: I) “nnn) a Ré M…………., Lda., encontrava-se obrigada a cumprir as obrigações de consignação perante os fornecedores que tinham na loja artigos à consignação entregues antes da assinatura do contrato de Franquia” ; II) “ooo) a Ré M……………., Lda., após a aquisição de quotas referenciada em l), recebeu quantia não concretamente determinada referente a devolução de IRC reportada a exercício fiscal antecedente” ; - Altera-se a redacção da factualidade não provada no que concerne aos seguintes pontos: I) “facto 5. que a obrigação referenciada em nnn) se estendesse igualmente à Ré Cátia ……………..” ; II) “facto 6. que as Rés, por intervenção da A., tenham recebido a quantia de 1200€ da anterior franqueada para o efeito pagar consignações, e que a devolução descrita em ooo) tenha sido no montante de 1.000,00 €”. III) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS A sentença apelada, relativamente ao enquadramento jurídico em equação, raciocinou nos seguintes termos: - entre a Autora e a 1ª Ré vigorou um contrato de franquia, sendo que é à luz da lei geral e do quadro contratual acordado entre as partes que as questões controvertidas serão apreciadas e decididas ; - relativamente à invocada nulidade, o contrato de franquia outorgado é totalmente válido, pois provou-se que o contrato celebrado entre a Autora e 1ª Ré, em 20/01/2014, foi revogado em 26/04/2018, sendo a 1ª Ré aí representada por Susana …………………., na qualidade de gerente ; - donde, à data da outorga pela 1ª Ré, representada pela 2ª Ré, do contrato sub júdice, não existia qualquer contrato em vigor entre a Autora e a 1ª Ré ; - para além do exposto, as Rés, em sede de audiência de julgamento, confessaram o pedido formulado pela Autora, aceitando serem solidariamente devedoras a esta da quantia de 2.000,00 €, referente à dívida do direito de entrada, confissão que foi aceite pela Autora ; - donde, tal confissão de dívida sempre seria um reconhecimento da obrigação e necessariamente da sua fonte, ou seja, o contrato de franquia firmado em 26/04/2018 ; - concluindo-se, assim, pela improcedência da arguida nulidade e consequente validade do contrato sub júdice ; - No concernente ao incumprimento contratual das Rés e (i)licitude da resolução do contrato por parte da Autora, urge considerar a cláusula 12ª do contrato e o artº. 432º, nº. 1, do Cód. Civil ; - provou-se que na vigência do contrato de franquia, a 1ª Ré, fruto das decisões tomadas pela 2ª Ré, não cumpriu: a) Com a cláusula 7ª do contrato, uma vez que se mantém em dívida, ainda que parcialmente, a quantia respeitante ao direito de entrada ; b) A cláusula 6ª, nº. 1.8 e 11ª, nº. 3, a), na medida em que não contratou sequer qualquer colaborador ; c) A obrigatoriedade de efectuar incrementos no negócio, fruto da degradação da situação financeira da 1ª Ré, tal como estava contratualmente obrigada ; d) Com a permissão de controlo do franquiador quanto ao modo de funcionamento do estabelecimento, no que se integra a aceitação plena quanto à sua localização, dependente da sua autorização ; e) Com outras situações tradutoras de obrigações a que se tinha vinculado (descritas no 2º § de fls. 314), o que consubstancia incumprimento contratual da Ré, motivador e justificativo da resolução contratual por parte da Autora ; - acresce que, previamente á resolução do contrato, a Autora interpelou admonitoriamente as Rés ao cumprimento das obrigações que entendia estarem a ser violadas, e as Rés nada responderam ou fizeram ; - donde, conclui-se pela violação, por parte da 1ª Ré, das obrigações contratuais, o que traduz uma quebra do sinalagma contratual, que faz com que a resolução do contrato por parte da Autora se mostre justificada ; - por outro lado, não lograram as Rés provar qualquer incumprimento contratual da Autora, nomeadamente que esta não tivesse prestado a assistência a que estava obrigada, de forma a concluir-se pela ilicitude da resolução, por não motivação desta ; - nem lograram, como se lhes impunha o artº. 799º, do Cód. Civil, que os incumprimentos imputados pela Autora, e que se provaram, não provinham de culpa sua ; - o que determina a total improcedência da defesa das Rés, no que respeita à violação contratual por parte da Autora ; - relativamente às consequências da resolução do contrato de franquia por parte da Autora, pretende esta, a título de indemnização pela resolução contratual com justa causa, a condenação solidária das Rés no pagamento: a) Da quantia de 2.000,00 € (dois mil euros) referente à dívida de direito de entrada ; b) Da quantia de 34.009,50 € (trinta e quatro mil nove euros e cinquenta cêntimos) referente aos royalties devidos até ao final do contrato de franquia ; c) Da quantia de 3.000,00 € (três mil euros) a título de afectação da marca ; tudo acrescido de juros à taxa legal. - pretendendo, ainda, a Autora que se declare o direito de retenção sobre todos os bens e equipamentos que integram a loja pertença da 1ª Ré ; - no que concerne á pretensão indemnizatória da alínea a), quer a obrigação do franquiado enunciada nos nºs. 1 e 2, da cláusula 7ª do contrato de franquia, quer a confissão de dívida relativamente ao parcial montante do direito de entrada, determinam a procedência do pedido, acrescido dos juros, nos termos peticionados ; - relativamente à pretensão indemnizatória inscrita na alínea b), urge ponderar o nº. 3 da cláusula 7ª do contrato de franquia, onde se prevê acerca do pagamento dos royalties por parte do franquiado, fixando-o no “equivalente a 5% do montante global de vendas realizadas/serviços prestados, mensalmente, mediante aviso prévio do FRANQUIADOR, com base no volume de negócio anterior” ; - não decorre do contrato que o franquiado se obrigue a pagar ao franquiador os royalties, ou qualquer outra quantia, para além do direito de entrada, no caso de resolução contratual ; - resulta da interpretação da cláusula 12ª, que prevê acerca do incumprimento do contrato, que em caso de incumprimento por parte do franquiado, a opção será entre: a) Exigir o cumprimento da obrigação do contrato (o denominado cumprimento da obrigação violada) ; ou b) Exigir a resolução – situação em que poderá, ainda, ter direito a uma indemnização pelos prejuízos causados, a exigir nos termos gerais do artº. 798º, do Cód. Civil, tendo em atenção os efeitos da resolução plasmados nos artigos 432º a 434º, do Cód. Civil ; - pelo que, na falta de estipulação de cláusula indemnizatória, não poderá a Autora receber, a título de indemnização, uma quantia por efeitos de um contrato que deixou de existir ; - não tem, assim, a Autora o direito a receber os royalties até ao termo do contrato, pois tal obrigação não foi clausulada em caso de resolução do contrato, por culpa do franquiado, nem tal lhe advém das regras gerais previstas nos artºs. 432º e segs. do Cód. Civil ; - caberia, apenas, à Autora o direito a ser indemnizada por eventuais prejuízos resultantes da resolução do contrato, nomeadamente a título de lucros cessantes ; - todavia, a tal respeito a Autora nada logrou provar, nem qual o valor médio de royalties pagos pelas Rés, na vigência do contrato, nem o valor médio pago por outras franquiadas, nem sequer que, com a mudança da loja para a Amadora, a que acabou por anuir, tivesse a expectativa de auferir lucros, e em que montante, decorrentes da actividade das Rés ; - o que determina a improcedência, nesta parte, da pretensão indemnizatória apresentada ; - no que respeita à pretensão indemnizatória suscitada na alínea c), cabia à Autora provar que existiu efectiva e concreta afectação da marca, o que não logrou fazer, não sendo sequer de presumir que tal existiu ; - ademais, não se provando qual a clientela das Rés na Amadora, não há que considerar a clientela que existia em Oeiras, sendo certo, ainda, ter a Autora aceite a mudança de loja para a Amadora, ainda que tal não fosse do seu agrado e, com isso, o risco inerente a tal mudança ; - o que determina, igualmente nesta parte, juízo de improcedência da pretensão indemnizatória suscitada ; - por fim, no que concerne ao alegado direito de retenção, equaciona-se o mesmo sobre todo o recheio e produtos da loja respeitante à marca T………… ; - não se provou que sobre a Autora impenda qualquer obrigação de entregar quaisquer bens às Rés, que lhe fosse legítimo reter, em função do crédito que detém sobre estas ; - pelo contrário, são as Rés que detêm na sua posse o recheio e produtos da marca, aos quais, nos termos da cláusula 24ª do contrato, deveriam ter dado destino, uma vez findo o contrato de franquia ; - donde, ter-se-á que concluir pela improcedência, por não prova, do pedido de reconhecimento do direito de retenção. A Apelante Autora questiona tal enquadramento e entendimento daí decorrente, aduzindo, no essencial, o seguinte: - As Rés confessam que violaram as cláusulas contratuais de franchising, pelo que a ruptura de tal contrato ocorreu por culpa única e exclusiva daquelas ; - Devendo, assim, ser declarada provada a resolução do mesmo contrato de franchising, por incumprimento culposo das Rés ; - Não fez o Tribunal a quo uma interpretação e enquadramento da confissão plena, livre, espontânea, esclarecida e expressa, obtida em sede de julgamento por parte das RR., de não terem cumprido com as obrigações emergentes do contrato celebrado ; - Face á condenação decidida na sentença, deveria o mesmo Tribunal ter decretado o direito de retenção sobre os artigos existentes na loja de forma a proteger a garantia patrimonial da Autora. Em primeiro lugar, urge consignar que toda a alegação da Autora, no respeitante ao enquadramento jurídico da causa, é genérica e tecnicamente imprecisa, aludindo à circunstância da sentença recorrida ser injusta e ilegal, mas sem concretizar, minimamente, quais os concretos e reais erros efectuados no enquadramento jurídico ajuizado, qual o enquadramento que deveria ter sido adoptado e de que forma é que os pedidos julgados improcedentes deveriam ter merecido juízo de procedência. E isto, para além de, repetidamente, misturar no próprio enquadramento jurídico questões de facto, sem um critério diferenciador minimamente objectivado. Tal circunstância coloca, desde logo, a este Tribunal, no juízo de sindicância que se lhe impõe, dificuldades de total percepção e compreensão do objecto recursório equacionado, e devidamente balizado, ainda que não se olvide, como procuraremos não o fazer, inexistir qualquer vinculação do julgador no referente à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – cf., o nº. 3, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil. Ora, contrariamente ao que parece depreender-se das conclusões recursórias da Apelante Autora, a sentença concluiu e reconheceu no sentido da Ré sociedade, por consequência das decisões tomadas pela 2ª Ré (sua legal representante), ter incumprido o contrato de franquia, bem como que tal incumprimento contratual justificava a resolução contratual operada pela Autora franquiadora. Ou seja, a sentença recorrida entendeu no sentido das Rés não terem cumprido o contrato outorgado com a Autora franquiadora, antes violando várias obrigações do mesmo emergentes, que especificou e concretizou, revelando-se, assim, incompreensível o apelo, e reivindicação, recursória a uma declaração no sentido de ser declarada provada a resolução contratual, por incumprimento culposo das Rés. Cumprimento que foi reconhecido e validado na sentença sob sindicância, decorrente da violação, por parte da 1ª Ré, de obrigações contratuais que foram devidamente enunciadas e detalhadas. Por outro lado, no que respeita á enunciada confissão plena e expressa, por parte das Rés, alegadamente obtida em sede de julgamento, o que resulta dos autos, conforme anotámos no relatório supra exarado, é terem as Rés, através da sua Ilustre Mandatária, confessado o pedido formulado sob o nº. 2 da petição inicial, confessando, assim, serem solidariamente devedoras á Autora da quantia de 2.000,00 € (dois mil euros), relativa à dívida do direito de entrada – cf., a parte final da acta da audiência final de 03/12/2021. Pedido que, logicamente, nesta parte, mereceu juízo de procedência, não fazendo ora parte do objecto do presente recurso. Todavia, não resulta que tal invocada confissão plena, esclarecida e consciente das Rés se tenha estendido às demais vertentes do petitório accional, nomeadamente no que concerne aos efeitos indemnizatórios da resolução contratual, bem como no que concerne ao invocado direito de retenção da Autora sobre os bens e equipamentos que integram a loja pertença da Ré. E, assente tal enquadramento, constata-se que a discórdia da Recorrente Autora circunscreve-se aos efeitos da reconhecida resolução contratual do contrato de franquia, quer no que se reporta às demais vertentes indemnizatórias que não mereceram juízo de procedência, quer no concernente ao não reconhecido direito de retenção. O que se passará a apreciar a conhecer, apesar da limitação supra exposta, decorrente do objecto recursório fixado e balizado, ausente de quaisquer soluções alternativas juridicamente fundadas e de qualquer concretização dos alegados erros judiciários cometidos, para além da imputação como ilegal e injusta da sentença proferida e da invocação de uma inexistente confissão susceptível de produzir os invocados efeitos. Apreciemos. - do invocado direito de retenção Relativamente ao presente segmento decisório, reportado a uma das vertentes do pedido accional, para além do já supra exposto em súmula, fez-se constar da sentença apelada o seguinte: “Alega a A. que ao abrigo do disposto no artigo 754º do Código Civil lhe assiste o direito de retenção sobre todo o recheio e produtos da loja respeitante à marca "T…………..". Estatui o artigo 754º do Código Civil “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”. São pressupostos do direito de retenção a existência de um crédito e de uma obrigação recíproca de entrega de um bem, sendo que esse crédito há-que resultar de despesas feitas por causa da coisa a entregar ou de danos por ela causados. No caso dos autos, não se provou que sobre a A. impenda qualquer obrigação de entregar quaisquer bens às RR., que fosse legítimo reter, em função do crédito que tem sobre estas. Ao contrário o que resultou provado em sede de audiência de julgamento é que as RR. têm na sua posse o recheio e produtos da marca "T………….." a que nos termos da cláusula vigésima quarta do contrato deveria ter dado destino, uma vez findo o contrato. Porém, não se provando que a detém quaisquer bens, nem tão pouco que tenha obrigação de entregar seja o que for às RR., terá o pedido de reconhecimento do direito de retenção de ser julgado improcedente por não provado”. Ora, o direito de retenção, enquanto direito real de garantia limitado, previsto em termos gerais no enunciado artº. 754º, do Cód. Civil, tem como pressupostos ou requisitos: - A licitude da detenção da coisa ; - A reciprocidade de créditos ; - A conexão substancial (intelectual ou material) entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção. Por sua vez, o artº. 755º, do mesmo diploma, enuncia os caos especiais em que, para além daquela previsão geral, justificam a existência de tal direito garantístico. A Apelante Autora reivindica que a sentença recorrida deveria ter decretado o solicitado direito de retenção da Autora sobre todos os bens e equipamentos que se encontravam na loja à data do seu encerramento, pertencentes à Ré sociedade, em virtude de ser credora das Rés. E que, ao não fazê-lo, reduziu a zero a sua garantia patrimonial “em ver satisfeito o crédito a que tem direito, inclusive, sobre o valor já decretado de 2.000,00 € do direito de entrada”. Todavia, o equívoco da Recorrente Autora parece ser claro e evidente, tal como justificado no teor da decisão sob sindicância. Em primeiro lugar, não resulta minimamente provado que a Autora seja lícita detentora de quaisquer bens pertença das Rés, a quem os devesse entregar, susceptíveis de sobre os mesmos exercer qualquer retenção ; por outro, também não está em equação, nem resulta da factualidade provada, a existência de qualquer reciprocidade de créditos, antes apenas constando ser apenas a Autora credora das Rés, e não estas daquela. Aliás, a atitude e pretensão reafirmada pela Autora mais parece consubstanciar a pretensão do exercício de um alegado direito de sequela ou de uma antecipada (e encapotada) providência cautelar de arresto, e não propriamente do exercitar de um efectivo e concreto direito de retenção. O que, por si só, é mais do que suficiente, e evidente, para o naufragar da pretensão de exercício de tal direito garantístico, conducente, nesta vertente, à total improcedência da pretensão recursória. - das consequências indemnizatórias da resolução contratual Estipulando acerca da regra da pontualidade no cumprimento dos contratos, dispõe o nº1 do art.º 406º do Cód. Civil [21] que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”. Anteriormente, e estatuindo a propósito da liberdade contratual, dispõe o art.º 405º, nº1, que “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”. No âmbito do cumprimento, e como princípio geral, prescreve o art.º 762º que: “1. o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. 2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”, acrescentando o n.º 1 do art.º 763º que “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos”. É tempo de consignar estarmos nos presentes autos, o que surge como incontroverso, perante um contrato de franquia outorgado entre a Autora e a Ré sociedade, surgindo a 2ª Ré como garante do mesmo, ou seja, assumindo-se como solidariamente e principal pagadora de todas as obrigações emergentes do contrato e suas prorrogações – cf., o facto provado p). Na definição de tal tipo contratual, por todos, enunciemos o exposto no douto aresto do STJ de 09/01/2007 [22], referenciando que ”na definição do Prof. Menezes Cordeiro, no contrato de franquia "uma pessoa - o franquiador - concede a outra - o franquiado - a utilização dentro de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processos de fabrico e técnicas empresariais e comerciais, mediante contrapartidas." (in "Do contrato de franquia - "franchising": autonomia privada versus tipicidade negocial", ROA 1988-67 e "Do contrato de concessão comercial", ROA, 2000, 600). Ou, na noção do Prof. Pinto Monteiro (apud "Contratos de distribuição comercial", 2002, 121) "o contrato pelo qual alguém (franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado) mediante contrapartida actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços) de modo estável, com a formula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência...) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e a aceitar o controlo e a fiscalização a que for sujeito." Então, o franquiador garante ao franquiado o uso da marca, insígnias, designações na comercialização de serviços ou produtos que este adquire e fabrica, propicia-lhe os conhecimentos técnicos para essa actividade tal como os seus processos produtivos. O franquiado paga-lhe direitos de entrada, "royalties" (ou prestações periódicas), adquire os produtos que lhe são indicados, devendo manter a qualidade, o bom nome e o sigilo comercial dos produtos franquiados. Aquele tem direito a receber uma entrada inicial, "royalties", fiscalização, controlo e aprovação. O franquiado pode usar marcas, insígnias, nomes comerciais, conhecimentos técnicos do franquiador e a sua assistência. (cf., a propósito, a Dr.ª Elsa Vaz de Sequeira, in "Contrato de Franquia e Indemnização de Clientela", in "Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida e Costa, 2002, 446). O franquiador tem como objectivo tirar proveito da notoriedade da sua marca e da sua imagem de marca, (e por vezes adjuvantemente escoar os seus produtos) recebendo por isso não só a "initial fee" como as "royalties". E para preservar essa imagem presta toda a assistência técnica e comercial ao franquiado que é um meio de expandir o bom nome daquele sinal distintivo. O franquiado beneficia da assistência do franquiador, coloca no mercado um produto já testado e geralmente aceite pelo consumidor correndo, em consequência, um menor risco comercial e garantindo um melhor acolhimento empresarial”. - da pretensão de condenação solidária das Rés na quantia de 3.000,00 € (três mil euros), a título de afectação da marca T…………… e da Autora franquiadora Neste segmento decisório, fez-se constar da sentença sob recurso o seguinte: “Pede igualmente a A. a condenação das RR. ao pagamento da quantia 3.000,00€ a título de afetação da marca. Ora, também no que a este pedido respeita cabia à A. provar que existiu efetiva afetação da marca, não sendo de presumir que tal existiu. Não se tendo provado sequer qual a clientela das RR. na Amadora, não há que considerar a clientela que existia em Oeiras, pois como sobejamente já se referiu a A., aceitou a mudança da loja para a Amadora, ainda que tal não fosse do seu agrado, e com isso o risco inerente a tal mudança”. Invoca a Autora que, por via do incumprimento das Rés sofreu prejuízos, nomeadamente a afectação da imagem comercial da marca, bem como o bom-nome e consideração enquanto franquiador, pelo qual peticiona o pagamento da indemnização no valor de 3.000,00 €. O que exercita, apelando ao convencionado no nº. 4 do Considerando ou Preâmbulo do contrato de franquia outorgado, o qual dispõe que “o FRANQUIADO reconhece e admite a importância, para o FRANQUIADOR e para os demais franquiados, da manutenção das características especiais do negócio, a fim de preservar a imagem dos estabelecimentos junto do público, bem como do modelo de negócio”. Bem como ao disposto no último § da alínea a), da Cláusula Décima Segunda do mesmo contrato, onde se exarou que “o incumprimento do FRANQUIADO poderá, ainda, conferir ao FRANQUIADOR o direito a uma indemnização pelos prejuízos sofridos”. Todavia, tal como bem refere a sentença apelada, nada se provou no sentido da conduta das Rés ter afectado a imagem comercial da marca ou da própria Autora, ou que as lojas franquiadas exploradas pela Ré sociedade possuíssem ou tivessem conferido uma má imagem da marca nominativa pertença da Autora, junto da clientela e público consumidor – cf., os factos 7. e 8. não provados. O que, irremediavelmente, e para além da própria qualificação dos pretensos danos em equação, sempre determinariam, nesta vertente, improcedência da pretensão indemnizatória. Conducente a que, também neste segmento, tenham de falecer as conclusões recursórias, num juízo confirmativo da sentença recorrida. - da pretensão de condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de 34.009,50 € (trinta e quatro mil nove euros e cinquenta cêntimos), referente aos royalties devidos até ao final do contrato de franquia A presente vertente do petitório accional foi igualmente julgada improcedente pela sentença em crise, tendo-se consignado o seguinte: “Quanto aos royalties estatui o nº 3 da citada cláusula contratual: “A título de royalties pagará (o franquiado) o equivalente a 5% do montante global de vendas realizadas/serviços prestados, mensalmente, mediante aviso prévio do FRANQUIADOR, com base no volume de negócio anterior”. Alegou a A. resultar do contrato de franquia que no caso de resolução do mesmo, com culpa do franquiado, este fica obrigado a pagar os royalties até ao termo do contrato, além de outras quantias. Porém, ao contrário do alegado, da letra do contrato, sendo este que vincula as partes dada a sua atipicidade, não resulta que o franquiado se obrigue a pagar ao franquiador os royalties ou qualquer outra quantia, para além do direito de entrada, em caso de resolução. A este respeito importa atender ao teor da já citada cláusula décima segunda, da qual consta, além do mais, “O incumprimento do FRANQUIADO poderá, ainda, conferir ao FRANQUIADOR o direito a uma indemnização pelos prejuízos sofridos.”. Esta estatuição surge integrada num parágrafo, cuja primeira premissa é, como acima referimos, “em caso de incumprimento (do franquiado), o FRANQUIADOR poderá optar por exigir o cumprimento da obrigação violada ou por resolver o contrato. A resolução será feita, no prazo de um mês a contar do conhecimento dos factos, através da notificação do FRANQUIADO, por carta registada, com aviso de receção, onde deverão constar as razões. Interpretando a letra do contrato e na ausência de qualquer outra prova relativa à vontade das partes, da mesma resulta que em caso de incumprimento por parte do franquiado o Tribunal pode optar por exigir o cumprimento da obrigação do contrato ou pela resolução, optando pela resolução poderá ainda ter direito a uma indemnização pelos prejuízos causados. Ora, na ausência de qualquer estipulação essa indemnização só poderá ser atribuída nos termos gerais, ou seja, ao abrigo do artigo 798º do Código Civil. Isto, tendo em conta os efeitos da resolução previstos nos artigos 432º a 434º do Código Civil. Com efeito, atenta a natureza retroativa da resolução e ressalvado o disposto no nº 2 do citado artigo 434º, o contrato deixa de ter existência ou operar quaisquer efeitos na ordem jurídica, por referência à data da sua outorga, dito por outro modo e ressalvados alguns efeitos, ficciona-se que o contrato nunca existiu. Assim sendo, como é, na falta de estipulação de cláusula indemnizatória, não poderá a A. receber a título de indemnização uma quantia por efeitos de um contrato que deixou de existir. Aqui chegados diremos que a A. não tem direito a receber os royalties até ao termo do contrato, uma vez que as partes não clausularam tal obrigação, em caso se resolução do contrato, por culpa do franquiado, nem tal direito lhe advém das regras gerais previstas nos artigos 432º e segs. do Código Civil, apenas assistindo à A. o direito a ser indemnizada por eventuais prejuízos resultantes da resolução do contrato. Cabia à A. provar que teve prejuízos decorrentes da resolução do contrato, nomeadamente, a título de lucros cessantes. A este respeito, nada a A. logrou provar, nem qual o valor médio dos royalties pagos pelas RR. na vigência do contrato, nem o valor médio pago por outras franquiadas. Tão pouco logrou provar, antes pelo contrário, que após a mudança da loja das RR. para a Amadora, no que anuiu tivesse a expectativa de vir a auferir lucros decorrentes da atividade das RR.”. Reafirmamos, numa primeira aproximação, que o argumentário consignado na sentença apelada, e ora transcrito, não foi alvo de qualquer contradição jurídica minimamente consistente nas alegações recursórias produzidas. Ou seja, não logrou a Autora minimamente fundamentar, com juízos técnico-jurídicos, os fundamentos da não-aceitação da decisão proferida, contrapondo outros, com a mínima solidez, capazes de os questionar ou subverter. Analisando o teor do contrato de franquia outorgado, nomeadamente as consequências aí previstas para as situações de incumprimento do franquiado – a alínea a), da cláusula 12ª -, a opção da Autora franqueadora pela solução resolutiva, o regime decorrente da resolução contratual, enunciado fundamentalmente nos artigos 432º a 434º, do Cód. Civil, bem como teor e natureza do pedido indemnizatório em equação, a solução configurada na sentença apelada afigura-se-nos inatacável, consistente e juridicamente fundada. Explicitemos. Perante o incumprimento da Ré franquiada, e perante a opção prevista no antepenúltimo § da alínea a) da cláusula 12ª, do contrato de franquia outorgado, a Autora franquiadora optou pela resolução contratual, e não pelo exigir do cumprimento da obrigação violada. Exercitou, assim, o direito á resolução convencionalmente outorgada, fundado num conjunto factual ocorrido posteriormente à outorga contratual – o nº. 1, do artº. 432º, do Cód. Civil. A resolução operada tem necessária eficácia retroactiva, com excepção das situações equacionadas no nº. 2, do artº. 434º, do mesmo diploma, sendo equiparada, quanto aos seus efeitos, á nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico – o artº. 433º e a sua remissão para o artº. 289º, ambos do Cód. Civil. Ora, extinguindo-se o contrato outorgado, ou, melhor afirmando, cessando o mesmo a produção de quaisquer efeitos na ordem jurídica, por efeitos da retroactividade prevista, com ressalva das prestações já efectuadas nos contratos de execução continuada ou periódica, não pode a Autora, prima facie, perante a opção resolutiva tomada, exigir a indemnização correspondente às prestações contratuais ainda não vencidas, como se o contrato se mantivesse válido, operante e em execução. Ou seja, e in casu, não poderia a Autora reclamar o pagamento dos royalties alegadamente devidos até ao final do contrato de franquia, já não subsistente e resolvido, sendo certo, ainda, que nem sequer provou o seu quantum. Todavia, perante aquele incumprimento da Ré franquiada, prevê o contrato de franquia que a Autora franquiadora tenha direito a uma indemnização pelos prejuízos sofridos. Em perfeita e total consonância com o dever ressarcitório legalmente equacionado no artº. 798º, do Cód. Civil, acerca da responsabilidade do devedor, nas situações em que incorre em incumprimento contratual e, por causa deste, causa prejuízos ao credor cumpridor. Mas, considerando, ainda, o disposto no artº. 801º, do mesmo diploma, o qual, prevendo acerca da impossibilidade culposa, estatui que: “1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. 2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”. O que coloca um concreto problema de cumulação do direito de resolução com o direito de indemnização, nomeadamente no que concerne á natureza e âmbito deste. Referencia Ana Prata [23]que a impossibilidade do cumprimento prevista neste normativo e divisão onde se insere, vale tanto “para os casos de impossibilitações culposas de cumprimento em sentido estrito como para as hipóteses de incumprimentos definitivos culposos, por interpretação extensiva. Não nos parece necessário recorrer à analogia para alcançar este resultado, já que, sendo o incumprimento definitivo, impossibilitada está a satisfação do interesse creditório”. Relativamente à cumulação do direito de resolução do contrato com o direito de indemnização prevista no nº. 2, acrescenta que “tradicionalmente, entendia-se quase pacificamente que o direito de indemnização aqui referido tinha por objeto o chamado interesse contratual negativo ou danos negativos: assim, paradigmaticamente, I. GaIvão Telles, Direito das Obrigações, 7.a edição, reimp., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 463 e 464; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, pp. 59-60. Este entendimento foi posto em causa por João Baptista Machado "Pressupostos ... ", pp.175 a 183, e "A Resolução por Incumprimento e a Indemnização", pp. 195 a 212, ambos in Obra Dispersa, Vol. I, cit .. Segundo este, o direito de resolução, que decorre da "ruptura do sinalagma", "não exckui o direito à indemnização pelo interesse de cumprimento"; a relação contratual desaparece e "converte-se numa relação de liquidação" e os regimes do n.º 2 deste preceito e do art. 802.° referem-se ao mesmo direito de indemnização. A partir desta tomada de posição, outros autores, com os mesmos ou outros argumentos vieram a defender conclusão semelhante: p. ex., Ana Prata, Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual, Coimbra, Almedina, reimp. 2005, pp. 479 a 495 ;sem ser categórico, Jorge L. A. Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. II, Coimbra, Livraria Almedina, 1990, pp. 424 a 438. Na jurisprudência, as soluções também têm sido díspares, embora prevaleça a ideia da indemnização dos danos negativos. No sentido da admissão da ressarcibilidade do interesse contratual positivo, v., p. ex., acs. do STJ de 17-12-09 (885/04.lTCSNT.Ll.S1; Sebastião Póvoas); de 21-10-10 (1285/07.7TJVNF.Pl.S1; Barreto Nunes); e de 23-3-06 (426/06; Pires da Rosa). Contra, entre muitos, acs. do STJ de 17-5-07 (746/07; Pereira da Silva), 24-1-08 (551/07; Custódio Montes) e 11-11-10 (1593/04.9TVLSB.L1.S1; Cunha Barbosa)”. Efectivamente, referenciam Pires de Lima e Antunes Varela [24] que “a indemnização a que o credor tem direito, quando opte pela resolução do contrato, refere-se obviamente ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo, nomeadamente ao lucro que o credor teria tido, se não fora a celebração do contrato resolvido. Em sentido diferente, dando à resolução do contrato uma fisionomia complexa, heterogénea, distinta do seu recorte lógico e natural, Baptista Machado (Pressupostos da resolução por incumprimento, págs. 60 e segs.)”. O que é basicamente reafirmado por Antunes Varela [25], ao referenciar que “mesmo para a hipótese de o credor optar pela resolução do contrato se prevê o direito a indemnização. Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr. a fórmula do art. 908º), que é a indemnização do chamado interesse negativo ou de confiança. Desde que o credor opte pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado, assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo)”. Acrescenta, por fim, que este interesse contratual negativo (tal como o interesse contratual positivo), “pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante (o proveito que o credor teria obtido, se não fora o contrato que efectuou)”. Ora, independentemente da posição que assuma relativamente ao âmbito indemnizatório que acompanha a resolução contratual (e tendemos para a presentemente prevalecente posição que entende como admissível a cumulação da resolução com o interesse contratual positivo, ainda que condicionada a uma ponderação casuística, a efectuar segundo os ditames da boa-fé, da análise e ponderação dos concretos interesses em equação e tipo contratual em causa, de modo a obviar a situações de grave e evidente desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado [26]), fazendo uma interpretação do convencionado no citado último § da alínea a), da cláusula 12ª, onde apenas se alude ao “direito a uma indemnização pelos prejuízos sofridos”, cremos estar em concreta equação previsional o dano de confiança ou interesse contratual negativo. Efectivamente, caso assim não fosse, certamente que a previsão convencionada, até pela especificidade do contrato de franquia outorgado, aludiria ao recebimento dos royalties devidos até ao termo do contrato, o que traduziria uma clara e deliberada opção pelo interesse de cumprimento ou ressarcibilidade do interesse contratual positivo. E, ademais, é este interesse pelo cumprimento da obrigação violada que surge como optativo, no contrato outorgado, da solução resolucional contratual, o que mais reforça a interpretação efectuada. Ora, não tendo a Autora alegado, e provado, ter tido quaisquer prejuízos decorrentes do provado incumprimento, e consequente resolução, nomeadamente quer a título de danos emergentes, quer a título de lucros cessantes (que não os alegadamente decorrentes da subsistência do contrato), a pretensão indemnizatória teria que improceder. O que a sentença consignou e ora se confirma, decaindo, igualmente na presente vertente, as conclusões recursórias apresentadas, com consequente confirmação da sentença apelada/recorrida. Pelo exposto, e sem outras delongas, o juízo só pode ser o de improcedência da pretensão recursória apresentada, com a consequente confirmação da sentença apelada. Relativamente à tributação, decaindo a Apelante Autora no presente recurso, é a mesma responsável pelas custas devidas, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil. * IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Apelante S……………….., LDA., em que figuram como Rés/Apeladas M…………………, LDA. e CÁTIA ……………., confirmando-se, consequentemente, a sentença recorrida/apelada. Custas a cargo da Autora/Apelante – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil. Lisboa, 23 de Junho de 2022 Arlindo Crua António Moreira Orlando dos Santos Nascimento _______________________________________________________ [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] Tinha como redacção original que “não se provou que as RR. se tivessem obrigado a cumprir as obrigações de consignação perante os fornecedores que tinham na loja artigos à consignação entregues antes da assinatura do contrato de Franquia”. [3] Era a seguinte a redacção original: “não se provou que as RR., por intervenção da A., receberam a quantia de 1200€ da anterior franqueada para o efeito pagar consignações, nem que retiveram mais de 1000€ referentes devoluções de IRC”. [4] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599. [5] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina., pág. 368. [6] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102. [7] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601. [8] Idem, pág. 603, citando doutrina de Alberto dos Reis, bem como o sustentado no douto aresto da RP de 28/10/2013, Processo nº. 3429/09.5TBGDM-A, no sentido de que “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº. 1 do citado art. 615º do Novo Código Processo Civil. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. [9] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 370, especifica traduzir-se o presente vício na “falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os nºs. 3 e 4 do artº 607º impõem ao julgador. Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada ; [esta última pode afectar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, não gerando, contudo nulidade]”, citando Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 140. [10] Neste sentido, cf, entre outros, o douto aresto do STJ de 06/07/2017, Relator: Nunes Ribeiro, Processo nº. 121/11.4TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf . [11] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 603. [12] Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 7598/12.9TBCSC-A.L1-6, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf , citado pelo Apelante. [13] Ob. cit., pág. 370 e 371. [14] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 604 e 605. [15] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 368 a 370. [16] Ob. cit., pág. 606 e 607. [17] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372. [18] Ob. cit., pág. 606. [19] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285. [20] Idem, pág. 285 a 287. [21] todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, referem-se ao presente diploma. [22] Relator: Sebastião Póvoas, Processo nº. 06A4416, in www.dgsi.pt . [23] Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, Almedina, pág. 1002 e 1003. [24] Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 60. [25] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª Edição, Almedina, pág. 104. [26] Parece ser efectivamente este o entendimento jurisprudencial prevalecente ao nível do Supremo Tribunal de Justiça. Entre outros, podemos referenciar os seguintes doutos arestos (todos in www.dgsi.pt): - de 28/09/2021: Relator: Manuel Capelo, Processo nº. 344/18.5T8AVR.P1.S1, no qual se sumariou ser “de considerar admissível a cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo, impõe-se sempre uma ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa-fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado” ; - de 28/10/2021: Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 1778/15.2T8CSC.L1.S1, sumariando-se que “a resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, na medida em que vise a reparação de prejuízos resultantes do não cumprimento definitivo do contrato resolvido não cobertos pela eficácia retroativa da resolução do contrato e desde que não revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do princípio da boa fé” ; - de 18/01/2022: Relator: Pedro de Lima Gonçalves, Processo nº. 3609/17.0T8AVR.P1.S1, constando do sumário que “no quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado. A indemnização prevista no artigo 801.º, n.º 2, do Código Civil poderá visar, não apenas o interesse contratual negativo, mas igualmente o interesse contratual positivo, sendo calculada de acordo com a teoria da diferença” ; - de 15/02/2022: Relator: Pedro de Lima Gonçalves, Processo nº. 3009/15.6TPRT.P1.S1, constando do sumário que “de acordo com a jurisprudência, em casos excecionais, é admissível o ressarcimento pelos danos positivos em casos de resolução do contrato, o que implica uma análise casuística, à luz do princípio da boa-fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado, e não uma afirmação generalizada. (…) Admitir, no caso, que a resolução se compagine com o interesse contratual positivo na vertente dos lucros cessantes introduziria uma nota de desequilíbrio na relação de liquidação atentatória dos ditames da boa-fé, na medida em que na relação contratual duradoura que foi estabelecida nenhuma confiança da contraente adimplente resultou frustrada. Em alternativa à resolução sempre podia ter sido pedido o cumprimento do contrato”. |