| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | PEDRO JOSÉ ESTEVES DE BRITO | ||
| Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA ACTO INÚTIL IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO VENDA OU OCULTAÇÃO DE PRODUTOS MEDIDA DA PENA TRIBUNAL DE RECURSO | ||
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| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
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| Sumário: | Sumário: I. Para efeitos da nulidade a que alude o art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P. (omissão de pronúncia) cumpre distinguir as questões das razões ou argumentos, uma vez que só a falta de apreciação das primeiras, quando suscitadas pelos sujeitos processuais ou de conhecimento oficioso, consubstancia a referida nulidade, sendo irrelevante o não conhecimento dos segundos; II. Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes ou relevantes, isto é, suscetíveis de influir na decisão da causa, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe inútil e que, como tal, é proibida por lei (cfr. arts. 4.º do C.P.P. e 130.º do C.P.C.); III. A valoração ou não um determinado meio de prova, suscitada em recurso, só assume relevância no âmbito da impugnação da matéria de facto (cfr. art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P.), pelo que, não tendo sido esse o caminho trilhado pelo recorrente, não deve ser conhecida; IV. A previsão do crime de venda ou ocultação de produtos, p. e p. pelo art.º 321.º do C.P.I., só abrange as atividades da venda a retalho, dirigida ao cliente final, bem como a da ocultação (armazenagem) com vista a realizar essa atividade de venda, sendo as condutas situadas a montante dessa fase final da cadeia económica, punidas pelos crimes previstos nos arts. 319.º e 320.º do C.P.I.; V. O tribunal de recurso apenas deverá intervir alterando a medida da pena concreta em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso. | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório: I.1. Da decisão recorrida: No âmbito do processo comum singular n.º 66/20.7ECLSB, que corre termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 06-03-2025 foi proferida e depositada sentença pela qual AA foi condenado na pena única de 205 dias de multa, à taxa diária de EUR 8, pela prática, em autoria, de 1 crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, p. e p. pelo art.º 319.º, al. c), do Código de Propriedade Industrial (C.P.I.), e de 1 crime de venda ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelo art.º 321.º do C.P.I. I.2. Do recurso: Inconformado com a decisão, o arguido AA dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões: “As perícias realizadas não podem ser valoradas por haverem sido realizadas por pessoas indicadas pela própria marca (artigos 152º e 160º-A, do CPP), questão não apreciada pela sentença recorrida apesar de invocada em audiência de julgamento. 2º Por isso, o artigo 160º-A, nº 1, do CPP, é inconstitucional quando interpretado no sentido da indicação de perito pela marca não significar ligação daquele com esta, por violação dos artigos 20º, nº 4, e 203º, da CRP. 3º Efectivamente, o arguido só pode ser condenado pelo crime de venda ou ocultação de produtos previsto no artigo 321º, do CPI, por três razões, a saber: os dois crimes em causa protegem o mesmo bem jurídico afinal; o crime de venda ou ocultação de produtos comporta uma ampliação de condutas penalmente relevantes com o intuito de uma proteção mais eficiente da propriedade industrial; numa perspectiva diferente, o arguido foi condenado simultaneamente pelo “furto” e pela “receptação”. 4º Por fim, a pena de multa aplicada deve ser reduzida substancialmente por a ilicitude ser de grau médio atento o número de isqueiros expostos à venda, as exigências de prevenção geral são medianas uma vez que é um crime de verificação menos frequente e não se conseguiram apurar prejuízos para a marca, ausência de antecedentes criminais e a data da prática do crime.” O referido recurso foi admitido por despacho de 08-04-2025. I.3. Da resposta: Ao dito recurso respondeu a Digna Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela sua improcedência, sem formular conclusões. Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação. I.4. Do parecer: Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer através do qual propugnou pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância. I.5. Da tramitação subsequente: Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (C.P.P.), nada foi acrescentado. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir. II. Fundamentação: II.1. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso: Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 241; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S12) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-1995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, de 28-12-1995, págs. 8211 e segs.3). Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidas, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar. II.2. Das questões a decidir: A esta luz, são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem: A. Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.) (cfr. II.4.A.); B. Se a perícia realizada deve ser ou não valorada (cfr. II.4.B.); C. Se é fundada a condenação do recorrente também pela prática de 1 crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, p. e p. pelo art.º 319.º, al. c), do C.P.I. (cfr. II.4.C.); e D. Da dosimetria da pena (cfr. II.4.D.). II.3. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto do recurso: Ora, com relevo para o definido objeto do recurso, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte: II.3.A. Da perícia (cfr. ref.ªs 401200220 de 11-12-2020, 28092705 de 30-12-2020 e 37747493 de 29-11-2023 e fls. 116 a 154): No dia 11-12-2020 o Ministério Público proferiu despacho do seguinte teor: “Com vista a efetuar perícia ao material apreendido, notifique a denunciante para, no prazo de 10 dias, indicar nome e morada de perito. Ordeno a realização de exame aos objetos apreendidos, nos termos do artigo 360º nº 3, do Código da Propriedade Industrial, a fim de se aferir se os mesmos são, ou não, contrafeitos, nomeando o Exmo. Perito, que vier a ser indicado pela denunciante, o qual deve ser convocado para comparecer nestes Serviços para prestar o compromisso a que se refere o n.º 2, do artigo 91.º, do Código de Processo Penal e proceder ao referido exame” No dia 18-12-2020, a sociedade “...” veio indicar como perito BB. O relatório pericial de 25-03-2021 aos 436 isqueiros apreendidos foi assinado por BB. II.3.B. Do arquivamento e despacho de acusação (cfr. ref.ªs 434104000 de 22-03-2024, 434163333 de 25-03-2024 e 441731047 de 13-01-2025 e 41657886 de 20-01-2025): Após proferir despacho de arquivamento relativamente ao crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art.º 23.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei 28/84, de 20-01 e, também quanto a AA, quanto ao crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo art.º 320.º do C.P.I., o Ministério Público deduziu contra o mesmo acusação, em processo comum e perante tribunal singular, imputando-lhe a prática, em ...-...-2020, em autoria imediata e em concurso efetivo, de 1 crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, p. e p. pelo art.º 319.º, al. c), do C.P.I. e de 1 crime de venda ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelo art.º 321.º do C.P.I. Indicou como prova pericial o exame pericial de fls. 116 a 154. O despacho de acusação, com a indicação do referido meio de prova, foi notificado ao ilustre defensor do recorrente, mediante via postal registada, tendo a carta sido enviada em 25-03-2024. O arguido foi notificado da acusação, mediante via postal simples, tendo a carta enviada sido depositada em 14-01-2025. II.3.C. Da pronúncia da defesa sobre a perícia (cfr. ref.ªs 442972351 de 19-02-2025): Na audiência de julgamento realizada em 19-02-2025, durante a inquirição da testemunha CC, dada a palavra ao ilustre defensor, ocorreu o seguinte4: Defensor Oficioso: Houve duas perícias, não é? Testemunha: Houve duas perícias. Primeiro, há aos isqueiros que foram apreendidos na primeira ação e depois na segunda ação que foi efetuado nos mandados. Defensor Oficioso: E nas duas perícias? Testemunha: A conclusão foi a mesma. Defensor Oficioso: E o perito foi indicado pelo denunciante, pela marca? Testemunha: O perito foi indicado pela marca, pelos titulares da marca. Defensor Oficioso: E? Testemunha: Para identificar se aqueles isqueiros…A nós os peritos não vão dizer nem vão classificar aquilo com qualquer enquadramento jurídico. A única coisa que vão dizer é se aquele tipo de produto, independentemente de que produto for, foi fabricado por eles ou não. É a única resposta que eu pretendo quando faço a investigação. É se aquele produto concreto foi ou não fabricado por eles. Se não foi fabricado por eles, portanto, é proveniente de um outro circuito comercial. E é esse circuito comercial que depois nós temos que ver qual é que é, se é legal ou se não é legal. O que ele diz é que aquele circuito comercial, que aqueles isqueiros não foram fabricados por eles, não foram autorizados pelos titulares da marca e é a única resposta que nós queremos para seguir ou não. Porque se eles disserem que os produtos foram autorizados, que os produtos são originais e que foram eles que os fabricaram, ou que os venderam, que seguiram o circuito normal, nós fazemos proposta para devolução dos produtos, porque são originais, são considerados originais. Defensor Oficioso: E isso significa que na perícia não dizem se é contrafeito ou não? Testemunha: Dizem que é contrafeito. Se não é proveniente de um circuito comercial, é contrafeito. Se não é proveniente de um circuito comercial autorizado pelos titulares do sinal distintivo, é contrafeito. Juiz de direito: Isto é uma marca registrada, Sr. Dr. Testemunha: É marcas e visões. Juiz de direito: Ou eles é que produziram e só eles é que podem vender ou as entidades que eles autorizam, ou então o circuito comercial Defensor oficioso: Isto depois é questão de alegações. Juiz de direito: Claro. Mais alguma questão?. Defensor oficioso: Obrigado. Não, é tudo. Só em sede de alegações do ilustre defensor este referiu o seguinte5: “Apresento os meus cumprimentos a todos os presentes. Considero que há três tipos de provas que não podem ser valoradas. A primeira é o exame pericial. As perícias foram feitas por peritos indicados pelo denunciante, pela marca. Depois foram nomeadas pelo Ministério Público e essa nomeação não respeita os critérios do art.º 152.º do Código de Processo Penal. Essa nomeação foi feita à margem dessa regra. (…)” II.3.D. Da matéria de facto considerada na sentença recorrida (cfr. ref.ª 443384398 de 06-03-2025): É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1.ª instância: “1. Factos Provados Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultou assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa: A. O arguido explora, em nome individual, desde data não apurada, mas situada no ano de 2009, o estabelecimento comercial sito na .... B. Em data não concretamente apurada, o arguido adquiriu, a indivíduo não identificado, embalagens de isqueiros que ostentavam a marca ..., bem como o modelo associado aos mesmos. C. No dia ... de ... de 2020, pelas 10 horas e 40 minutos, no estabelecimento sito na ..., o arguido expunha para venda quatrocentos e trinta e seis isqueiros, como o exemplar abaixo reproduzido: D. O arguido procedia à venda de tais isqueiros pelo valor de cinquenta cêntimos cada. E. A ..., foi constituída em 1959, iniciando a sua atividade com a produção e comercialização de isqueiros metálicos - os .... F. Em 1971, com a revolução e aparecimento de materiais plásticos com novas potencialidades, ... criou o isqueiro de plástico .... G. Os isqueiros ... são isqueiros com características únicas tais como o facto de serem reutilizáveis e incluírem um sistema único de embalar para tabaco de enrolar, e fabricados com o plástico e gás mais seguro - o que permite uma chama mais segura. H. Os isqueiros ... são, habitualmente, distribuídos e colocados à venda em embalagens de 48 unidades com a apresentação abaixo reproduzida: I. ... tem devidamente protegida, em Portugal e nos demais Estados-Membros da União Europeia, a marca ..., bem como a marca tridimensional composta pela FORMA do próprio isqueiro. J. ... é titular do registo da marca da União Europeia nº ..., o qual foi requerido a ... de ... de 2010 e concedido em ... de ... de 2010: K. ... é também titular de registos de marca que protegem a própria forma do isqueiro, nomeadamente, é titular do registo da marca da União Europeia nº ..., requerido em ... de ... de 1998 e concedido em ... de ... de 2000, com a forma abaixo reproduzida L. Bem como do registo da marca da União Europeia nº..., requerido em ... de ... de 2005 e concedido em ... de ... de 2006, com a forma abaixo reproduzida: M. Os isqueiros que o arguido vendia ostentam reprodução da marca ..., sendo também o próprio isqueiro reprodução da supracitada marca tridimensional acima referida. N. O mecanismo de funcionamento dos isqueiros vendidos pelo arguido é imperfeito, possui peças diferentes das originais e de inferior qualidade, sendo que não são compostos por todas as peças presentes nos originais. O. Estes produtos não foram produzidos pela ..., nem por qualquer terceiro autorizado por esta para esse efeito, sendo que também não foram estes produtos introduzidos no Espaço Económico Europeu com autorização da referida empresa. P. Os referidos artigos foram adquiridos pelo arguido a pessoa e em ocasião não apurada, o qual as destinava à venda ao público consumidor, com pleno conhecimento de que, aquando da sua produção, lhe haviam sido apostos todos os símbolos e referências das marcas atrás mencionadas, símbolos esses desenhados e apostos de tal forma que se tornavam semelhantes à verdadeira marca daqueles artigos, marcas essas que o arguido bem sabia não estar autorizado a usar/vender. Q. O arguido visava proceder à venda dos referidos objetos, sendo que não detinha autorização das competentes marcas para as comercializar, as quais estão registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e na EUIPO. R. O arguido admitiu como possível que os referidos artigos tinham sido fabricados e vendidos sem autorização ou consentimento dos respetivos donos ou representantes. S. Ainda assim, não se inibiu de os colocar à venda a terceiros. T. O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal. U. O arguido é comerciante auferindo, mensalmente, a quantia de €1.500. V. O arguido é casado, sendo a esposa doméstica, não desempenhando qualquer actividade profissional. W. O arguido tem uma filha, com 19 anos de idade, que é estudante. X. O arguido reside com a esposa e com a filha em habitação arrendada, suportando, mensalmente, a título de renda a quantia de €750. Y. O arguido frequentou doze anos do sistema de ensino no .... Z. O arguido não tem averbada qualquer condenação ao respectivo certificado do registo criminal. * 2. Factos não provados Não resultaram provados outros factos, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem relevância para a boa decisão da causa.” II.3.E. Dos motivos de facto, indicação e exame crítico das provas exarados na sentença recorrida (cfr. ref.ª 443384398 de 06-03-2025): É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância: “A convicção do tribunal estribou-se, no que respeita aos factos pelos quais o arguido vinha acusado, na prova documental constante dos autos e bem assim nas declarações produzidas pelo arguido e pelas testemunhas DD (inspectora da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) e EE (inspector da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) em audiência de discussão e julgamento. A prova da factualidade descrita em A) a T) resultou do cotejo do teor da documentação da EUIPO de fls. 14 a 19, 59 a 71 e 124 a 154, do print do Portal da Justiça de fls. 20 e 72, das fotografias de fls. 21 a 23, 26 verso a 29, 73 a 77 e 83 a 89, da factura de fls. 23 verso, 78, 373 a 375, do auto de notícia de fls. 25 e 81, do auto de apreensão de fls. 30 e 90, do auto de perícia de fls. 110, do relatório pericial de fls. 116 e seguintes, da marca de registo internacional de fls. 119 a 123, da certidão permanente de fls. 155 e 380, do auto de busca e apreensão de fls. 222, 232, 301 e 316, do talão de fls. 361 e 362, do cheque de fls. 363, do contrato de fls. 364 e da fotografia de fls. 514 com as declarações produzidas pelo arguido e pelas testemunhas DD e EE em audiência de discussão e julgamento. Com efeito, o arguido admitiu pronta e espontaneamente a factualidade elencada em A) e B), explicitando que dois a três dias antes da fiscalização levada a cabo pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, um fornecedor cujo nome disse desconhecer compareceu espontaneamente no estabelecimento mostrando ao arguido isqueiros que disse serem da marca ... “por bom preço” (sic). Questionado, o arguido admitiu conhecer a marca em causa, tendo o dito fornecedor proposto vender ao arguido os isqueiros por menos €0,50 do que o preço praticado pelo fornecedor habitual do arguido do referido produto. Por considerar ser um bom negócio, o arguido encomendou ao novo fornecedor uma caixa contendo dez embalagens cada qual com 48 isqueiros, que aquele entregou no estabelecimento mencionado nos autos no dia seguinte, tendo o arguido pago a quantia de cerca de €19 quando ao outro fornecedor pagava €20 pela mesma quantidade de isqueiros. O arguido referiu que esta foi a única vez que adquiriu algo a este fornecedor que não chegou a entregar-lhe a factura referente à aquisição porquanto ficara acordado que o fornecedor passaria pelo estabelecimento para entregar a factura e receber o remanescente do pagamento, o que não chegou a ocorrer tendo a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica entretanto comparecido no local. O arguido referiu ter tido conhecimento da fiscalização porquanto recebeu um telefonema da empregada (a inspectora DD mencionou que se tratava de uma pessoa do sexo masculino) FF (que deixou de trabalhar para o arguido desde há dois ou três anos) dizendo que a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica se encontrava no estabelecimento, não se tendo o arguido deslocado logo para o estabelecimento (o que DD confirmou) por se encontrar, no momento em ... a visitar a família, admitindo porém ter-se deslocado ao estabelecimento no próprio dia da fiscalização mas no período da tarde explicitando que regressou a Portugal nessa mesma data em viagem já planeada para o efeito, não tendo alterado os vôos devido a esta acção de fiscalização, sendo de anotar a coincidência (e inverosimilhança das declarações do arguido) de o arguido ter estado com o fornecedor cujo nome não logrou indicar na véspera da fiscalização (quando foi lá entregar a caixa contendo os isqueiros) e, tendo viajado para ..., ainda logrou regressar a Portugal no próprio dia da fiscalização tendo estado no estabelecimento na tarde de ... de ... de 2020, pelo que segundo as suas declarações terá estado em ... menos que 24H, o que é pouco plausível para uma visita a familiares. Acresce que, confrontado o arguido com o número de isqueiros que afirmou ter comprado na véspera da fiscalização (10 embalagens contendo cada uma contendo 48 isqueiros, o que perfaz um total de 480 isqueiros) e o número de isqueiros apreendidos (436- cfr. fls. 30), pelo que teria sido vendida a diferença (44) no espaço de algumas horas, o arguido admitiu que tivessem sido vendidos alguns isqueiros, alvitrando a hipótese de que outros pudessem estar noutra loja, sendo certo que não mencionou qual. DD prestando um depoimento espontâneo e firme, relatou ao tribunal que no âmbito de uma operação, na data e hora mencionadas no auto de notícia de fls. 25, que confirmou, deslocou-se ao estabelecimento ali mencionado e que se encontrava aberto ao público. No local encontrou um funcionário que se identificou com o respectivo título de residência, dizendo que o dono não se encontrava, não tendo o arguido comparecido no estabelecimento durante a fiscalização. Espontaneamente relatou que nos expositores da loja encontravam-se dispostos para venda (nas prateleiros e no balcão), pelo preço de €0,50 cada (quando o preço dos originais oscila entre €1 e €2 a unidade), mais de quatrocentos isqueiros ostentando a marca ... e que foram apreendidos conforme fls. 90. Com firmeza, referiu que foi solicitada ao empregado a factura de aquisição dos isqueiros, a qual não foi apresentada nem o funcionário exibiu qualquer autorização para venda daqueles artigos. Denotando conhecimento dos factos, referiu que qualquer pessoa comum confundiria os isqueiros expostos para venda no estabelecimento do arguido como sendo originais. Todavia, os mesmos não o eram, precisando a depoente que realizou um movimento com a patilha que acciona a chama ostentando tal patilha uma folga que inexiste no produto original e que faz toda a diferença em termos de segurança do produto. Confrontada com o teor de fls. 78, precisou que foi o funcionário que recebeu os inspectores da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que entregou o referido talão, que retirou da caixa registadora. EE, prestando um depoimento espontâneo e firme, relatou prontamente ao tribunal as características originais dos isqueiros clipper por contraponto com as que eram evidenciadas pelos isqueiros apreendidos nos autos, tendo estado presente no momento das perícias de fls. 110 e 116, realçando que o seu nome consta do auto de diligência de fls. 110. Peremptório, EE confirmou que os isqueiros apreendidos nos autos não foram fabricados pela marca .... Do cotejo da prova produzida e face à inverosimilhança das declarações do arguido, sendo que a marca de isqueiros em causa requer a comercialização nos termos definidos pela marca, tendo um design próprio, ficou o tribunal convencido da demonstração da factualidade elencada e de que o arguido foi o respectivo autor. No que respeita às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal teve em consideração as declarações produzidas pelo arguido as quais se revelaram verosímeis atendendo à forma espontânea e clara com que foram prestadas. Relativamente aos antecedentes criminais o tribunal atendeu ao certificado do registo criminal junto aos autos antes da audiência de discussão e julgamento.” II.3.F. Do enquadramento jurídico-penal exarado na sentença recorrida (cfr. ref.ª 443384398 de 06-03-2025): É a seguinte a fundamentação da qualificação jurídico-penal dos factos provados na sentença recorrida: “O arguido vem acusado da prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de venda ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artigo 321.º, do Código de Propriedade Industrial e de um crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, previsto e punido pelo artigo 319.º, alínea c), do Código da Propriedade Industrial. Analisemos individualmente cada tipo de ilícito. 1.1. Do crime de Venda ou ocultação de produtos ou artigos O arguido vem acusado da prática, em autoria material, de um crime de venda ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artigo 321.º, do Código de Propriedade Industrial. O artigo 321.º, do Código da Propriedade Industrial, estatui que “É punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa até 120 dias quem vender ou ocultar para esse fim produtos que estejam nas condições referidas nos artigos 318.º a 320.º” O bem jurídico tutelado pela incriminação é “o uso exclusivo do titular do direito de propriedade industrial sobre a inovação ou marca, aqui se alargando o âmbito da tutela penal a comportamentos posteriores e adicionais (ou complementares) dos factos consignados” nos artigos 321.º a 323.º, do Código da Propriedade Industrial. O tipo objectivo de ilícito consubstancia-se na venda, colocação em circulação ou ocultação de produtos contrafeitos por qualquer dos meios previstos nos artigos 318.º a 320.º, do Código da Propriedade Industrial, com conhecimento dessa situação. São, pois, comportamentos posteriores aos previstos nestes normativos que se traduzem num auxílio material ao agente dos ilícitos ali descritos Nos presentes autos resultou provada a factualidade elencada em A) a O) que aqui se dá por integralmente reproduzida. Mostram-se, pois, preenchidos os elementos objectivos do ilícito. O tipo subjectivo de ilícito é doloso, ao abrigo do disposto nos artigos 13.º e 14.º, do Código Penal. Nos termos do disposto no artigo 14.º, do Código Penal, o dolo abrange os elementos intelectual (conhecimento dos elementos objectivos do tipo) e volitivo (vontade de praticar um acto ou de atingir um resultado). Os referidos artigos foram adquiridos pelo arguido a pessoa e em ocasião não apurada, o qual as destinava à venda ao público consumidor, com pleno conhecimento de que, aquando da sua produção, lhe haviam sido apostos todos os símbolos e referências das marcas atrás mencionadas, símbolos esses desenhados e apostos de tal forma que se tornavam semelhantes à verdadeira marca daqueles artigos, marcas essas que o arguido bem sabia não estar autorizado a usar/vender. O arguido visava proceder à venda dos referidos objetos, sendo que não detinha autorização das competentes marcas para as comercializar, as quais estão registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e na EUIPO. O arguido admitiu como possível que os referidos artigos tinham sido fabricados e vendidos sem autorização ou consentimento dos respetivos donos ou representantes. Ainda assim, não se inibiu de os colocar à venda a terceiros. O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal. Ambos os elementos do dolo estão, por isso, verificados. Os elementos subjectivos do tipo estão, assim, verificados. Inexistem causas de justificação e de exclusão da culpa. Pelo exposto, o arguido praticou, em autoria material, um crime de venda ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artigo 321.º, do Código de Propriedade Industrial, pelo qual vinha acusado. 1.2. Do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos O arguido vem acusado da prática, em autoria material, de um crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, previsto e punido pelo artigo 319.º, alínea c), do Código da Propriedade Industrial. O artigo 319.º, alínea c), do Código da Propriedade Industrial, estatui que “É punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias quem, sem consentimento do titular do direito: c) Importar ou distribuir desenhos ou modelos obtidos por qualquer dos modos referidos nas alíneas anteriores.” O bem jurídico tutelado pela incriminação é a singularidade (cfr. artigo 175.º, n.º1, do Código da Propriedade Industrial) do desenho ou modelo sendo como tal considerada “a aparência da totalidade, ou de parte, de um produto resultante das características de, nomeadamente, linhas, contornos, cores, forma, textura ou materiais do próprio produto e da sua ornamentação.” (cfr. artigo 173.º, do Código da Propriedade Industrial). O critério da novidade do desenho ou modelo é o que vem referido no artigo 176.º, do Código da Propriedade Industrial e o da singularidade do mesmo é o que vem plasmado no artigo 177.º, do Código da Propriedade Industrial. O tipo objectivo de ilícito consubstancia-se na reprodução ou imitação, total ou parcial, de um desenho ou modelo registado; na exploração de um desenho ou modelo registado, mas pertencente a outrem e na importação ou distribuição de desenhos ou modelos obtidos por qualquer dos modos referidos nas alíneas anteriores, sem o consentimento do titular do direito. Nos presentes autos resultou provada a factualidade elencada em A) a O) que aqui se dá por integralmente reproduzida. Mostram-se, pois, preenchidos os elementos objectivos do ilícito. O tipo subjectivo de ilícito é doloso, ao abrigo do disposto nos artigos 13.º e 14.º, do Código Penal. Nos termos do disposto no artigo 14.º, do Código Penal, o dolo abrange os elementos intelectual (conhecimento dos elementos objectivos do tipo) e volitivo (vontade de praticar um acto ou de atingir um resultado). Os referidos artigos foram adquiridos pelo arguido a pessoa e em ocasião não apurada, o qual as destinava à venda ao público consumidor, com pleno conhecimento de que, aquando da sua produção, lhe haviam sido apostos todos os símbolos e referências das marcas atrás mencionadas, símbolos esses desenhados e apostos de tal forma que se tornavam semelhantes à verdadeira marca daqueles artigos, marcas essas que o arguido bem sabia não estar autorizado a usar/vender. O arguido visava proceder à venda dos referidos objetos, sendo que não detinha autorização das competentes marcas para as comercializar, as quais estão registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e na EUIPO. O arguido admitiu como possível que os referidos artigos tinham sido fabricados e vendidos sem autorização ou consentimento dos respetivos donos ou representantes. Ainda assim, não se inibiu de os colocar à venda a terceiros. O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal. Ambos os elementos do dolo estão, por isso, verificados. Os elementos subjectivos do tipo estão, assim, verificados. Inexistem causas de justificação e de exclusão da culpa. Pelo exposto, o arguido praticou, em autoria material, um crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, previsto e punido pelo artigo 319.º, alínea c), do Código da Propriedade Industrial, pelo qual vinha acusado.” II.3.G. Da fundamentação jurídica exarada na sentença recorrida relativamente às penas aplicadas (cfr. ref.ª 443384398 de 06-03-2025): Por fim, é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida no que respeita às penas aplicadas: “O crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos é punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa até 120 dias. O crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias Sendo os tipos de crime em questão puníveis com pena de multa em alternativa à pena de prisão importa optar por uma das sanções tendo sempre presente o critério orientador fixado no artigo 70.º, do Código Penal. Segundo este normativo, sempre que os fins das penas possam ser alcançados por vias alternativas à pena privativa da liberdade, deve dar-se-lhes prevalência desde que as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade- cfr. artigo 40.º, do Código Penal. Assim, por referência ao citado artigo 70.º, a opção por uma pena de multa, em detrimento de uma pena de prisão, deve ser realizada em função das exigências de prevenção geral (positiva ou de integração e negativa ou de intimidação) e especial (positiva e negativa) que a situação concreta reclama. No caso dos autos, as exigências de prevenção geral são elevadas porquanto os tipos de ilícito atentam contra os direitos de quem regista marcas e desenhos e são recorrentemente cometidos. Justifica-se, por isso, a afirmação da norma jurídica infringida. As exigências de prevenção especial revelam-se diminutas porquanto o arguido não apresenta antecedentes criminais e mostra-se inserido em termos sociais, familiares e profissionais. Não se olvida que o arguido continua a exercer a actividade de comerciante. Considerando os factores supra mencionados, as finalidades da punição ficam ainda suficientemente realizadas com a aplicação de uma pena não privativa da liberdade para cada um dos delitos. A moldura da pena de multa é até 120 dias e até 360 dias respectivamente para cada um dos delitos em causa nos autos, com um limite mínimo de 10 dias, nos termos do disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Código Penal. Nos termos do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente- que constitui o limite máximo daquela (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal)- e das exigências de prevenção. As exigências de prevenção geral e especial são as supra mencionadas pelo que damos por reproduzidos os fundamentos aí expendidos. O grau de culpa do arguido é elevado considerando que actuou dolosamente estando em causa um número significativo de artigos. Entende, por isso, o tribunal, que se revela adequada a aplicação de uma pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa para o crime de venda ou ocultação de produtos e de 120 (cento e vinte) dias de multa para o crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos. Na determinação do quantitativo diário da multa há que ponderar, ao abrigo do disposto no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, a situação económica e financeira do arguido e os seus encargos pessoais. O quantitativo diário da multa deve, porém, importar para aquele um sacrifício patrimonial, sob pena de perder a característica de uma pena. Não pode, no entanto, implicar uma total privação do sustento do arguido e o do respectivo agregado familiar. No presente caso, e considerando os factores supra mencionados, entende o tribunal que se mostra adequada a aplicação de uma taxa diária de €8 (oito euros). DO CONCURSO DE CRIMES Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.”. No caso sub judice, o arguido praticou dois crimes, os quais estão, entre si, numa relação de concurso efectivo, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal. Tais crimes foram praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, pelo que se impõe a determinação da pena única. Considerando que as penas concretamente aplicadas a cada um dos tipos de crime são da mesma natureza, importa atender ao disposto no n.º2, do artigo 77.º do Código Penal. De acordo com aquela disposição legal, o limite máximo da moldura penal aplicável corresponde à soma das penas concretamente aplicadas, sendo, no caso sub judice, de 215 dias de multa. O limite mínimo corresponde a 120 dias. Estabelecida a moldura penal do concurso, importa agora determinar a medida da pena única. Esta deve ser encontrada atendendo às exigências gerais de culpa e de prevenção. Neste âmbito, importa considerar o critério especial definido no artigo 77.º, n.º 1, in fine, do Código Penal, segundo o qual “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. Importa, assim, ponderar, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, dois elementos: a gravidade do ilícito global e a personalidade unitária do agente. Quanto ao primeiro aspecto, importa referir que os crimes foram cometidos no mesmo contexto fáctico, sendo elevado o número de objectos expostos para venda pelo arguido. Considerando estes factores, o ilícito globalmente considerado assume elevada gravidade. No que concerne à personalidade do agente, considerando que o arguido não apresenta antecedentes criminais e mostra-se inserido em termos sociais, familiares e profissionais, é possível concluir que o conjunto dos factos não é reconduzível a uma tendência/”carreira” criminosa. Trata-se, apenas, de uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade” (FIGUEIREDO DIAS). Mostra-se, por conseguinte, adequado fixar a pena em 205 (duzentos e cinco) dias de multa. O quantum diário da multa, considerando os factores já supra mencionados, deve fixar-se em €8 (oito euros).” II.4. Da apreciação das questões objeto do recurso: Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas pelo recorrente (cfr. II.2.): II.4.A. Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.): O recorrente pugna que a sentença recorrida não se pronunciou sobre o que havia sido por si referido quanto à perícia realizada6, isto é, de que a mesma não poderia ser valorada por ter sido realizada por perito indicado pela marca em violação do prescrito no C.P.P.7 (cfr. I.2.) e, assim, no fundo, que a decisão condenatória está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P. Apesar de o recorrente referir na motivação (corpo) do recurso que interpôs que também teria suscitado tal questão durante a inquirição da testemunha EE, a verdade é que, então, por iniciativa do próprio e anuência da juiz de direito que presidia à audiência de julgamento, remeteu a mesma para alegações onde, de facto, a colocou (cfr. II.3.C.). Por seu turno, a sentença recorrida valorou o relatório pericial em causa sem expressamente afirmar que o facto de a perícia a que o mesmo se refere ter sido realizada por perito indicado pela marca não obstava à sua valoração (cfr. II.3.E.). No entanto, só será nula a sentença quando, na parte que agora importa, o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.). Deste modo, a omissão de pronúncia ocorrerá quando o tribunal não aprecie e decida de questões que devesse conhecer, quer tenham sido suscitadas pelos sujeitos processuais, quer sejam de conhecimento oficioso, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respetivas posições, na defesa das teses em presença (cfr. LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, 2022, págs. 800 e 801; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S18). Assim, a doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos, sendo que a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade e o não conhecimento dos segundos, será irrelevante. Nessa perspetiva, a questão colocada ao tribunal consistia em saber se a perícia realizada devia ser ou não valorada e, quanto a isso, o tribunal recorrido deu resposta positiva, valorando-a (cfr. II.3.E.). É certo que não se pronunciou expressamente sobre os argumentos esgrimidos ou as razões apresentadas pelo recorrente em defesa da sua posição segundo a qual a dita perícia não deveria ser valorada. No entanto, tal é, nos termos expostos, irrelevante. Deste modo, improcede, nesta parte, o recurso. II.4.B. Da perícia: O recorrente pugna que a perícia realizada não pode ser valorada pois foi levada a cabo por perito indicado pela marca (cfr. I.2.). O Ministério Público, na resposta que apresentou, salientou que o recorrente, em tempo, não suscitou questões respeitantes à realização da perícia, nomeadamente qualquer dúvida quanto à idoneidade de quem a realizou ou quanto ao mérito substantivo da mesma e não requereu a renovação da perícia ou sequer a prestação de quaisquer esclarecimentos ao perito, pelo que considerou que o recurso não é o momento oportuno para as suscitar, sendo que qualquer irregularidade que tivesse sido cometida já estaria sanada. Ora, nos recursos, apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes ou relevantes, isto é, suscetíveis de influir na decisão da causa, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe inútil e que, como tal, é proibida por lei (cfr. arts. 4.º do C.P.P. e 130.º do C.P.C.; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-11-2023, processo n.º 835/15.0T8LRA.C4.S19; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02-03-2023, processo n.º 189/20.2T8ALJ.G110; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-09-2019, processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-211; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-09-2019, processo n.º 3960/16.6T8LRA.C112). Assim sendo, não se impõe aqui sequer tomar posição sobre se o facto de a perícia realizada ter sido levada a cabo por perito indicado pela marca obsta ou não à sua valoração, dado que tal questão apenas seria relevante no âmbito da impugnação da matéria de facto (cfr. art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P.), caminho que não foi o trilhado pelo recorrente (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-06-2023, processo n.º 340/22.8PBCLD.C113; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-09-2024, processo n.º 51/23.7GCTCS.C114). Assim, uma vez que, nesta parte, fica impossibilitada qualquer alteração da sentença recorrida, não a cumpre conhecer. Contudo, sempre se dirá que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei (cfr. art.º 118.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular (cfr. art.º 118.º, n.º 2, do C.P.P.). Acresce que qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado (cfr. art.º 123.º, n.º 1, do C.P.P.). Ora, mesmo admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que algum vício tinha sido cometido, como a situação não é cominada na lei do processo com a nulidade (cfr. arts. 119.º e 120.º, do C.P.P.), a mesma só poderia constituir uma irregularidade. Ora, tendo em conta que a data em que o recorrente e o seu ilustre defensor se consideram notificados da acusação onde era indicada como prova a dita perícia (cfr. II.3.B. e arts. 113.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.P.), é evidente que quando o recorrente suscitou a situação (cfr. II.3.C.), já havia decorrido o referido prazo de três dias. Deste modo, qualquer irregularidade, a existir, já estaria sanada. É certo que “pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado” (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do C.P.P.). Contudo, tal pressupõe que a irregularidade ainda não esteja sanada, sob risco de, a admitir-se reparação de irregularidades já sanadas, se introduzir grave entorse no sistema qual seja a de, relativamente ao menos solene dos vícios formais se admitir, afinal, um regime de reparação não só mais permissivo do que o das nulidades relativas (cfr. art.º 120.º do C.P.P.), como equiparável, até, ao das nulidades insanáveis (cfr. art.º 119.º do C.P.P.) (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-01-2022, processo n.º 303/12.1JACBR.P1-B.P1.S115). Por outro lado, apesar de ser possível invocar uma irregularidade em sede de recurso, tal também pressupõe que a mesma ainda não esteja sanada (cfr. CORREIA, João Conde, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, pág. 1299). Acresce que, uma vez que o recorrente, legitimamente e de acordo com a opção por si tomada, não exerceu faculdade que detinha, não se poderá considerar que tenha existido uma violação de qualquer direito seu, nomeadamente o do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (cfr. art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.). II.4.C. Do concurso de crimes – em particular do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, p. e p. pelo art.º 319.º, al. c), do C.P.I.: Pugna o recorrente que só pode ser condenado pelo crime de venda ou ocultação de produtos, p. e p. pelo art.º 321.º, do C.P.I., por três razões: - Os dois crimes pelos quais foi condenado protegem o mesmo bem jurídico; - O crime de venda ou ocultação de produtos comporta uma ampliação de condutas penalmente relevantes com o intuito de uma proteção mais eficiente da propriedade industrial; e - Foi condenado simultaneamente pelo “furto” e pela “recetação” (cfr. I.2.). No parecer, o Ministério Público entende que não merece censura a condenação do recorrente, em concurso efetivo, pela prática de 1 crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, p. e p. pelo art.º 319.º, al. c), do C.P.I. e de 1 crime de venda ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelo art.º 321.º do C.P.I. Ora, segundo o disposto no art.º 319.º do C.P.I.: “É punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias quem, sem consentimento do titular do direito: a) Reproduzir ou imitar, totalmente ou em alguma das suas partes características, um desenho ou modelo registado; b) Explorar um desenho ou modelo registado, mas pertencente a outrem; c) Importar ou distribuir desenhos ou modelos obtidos por qualquer dos modos referidos nas alíneas anteriores.” Já o art.º 320.º do C.P.I. dispõe que: “É punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias quem, sem consentimento do titular do direito: a) Fabricar, importar, adquirir ou guardar, para si ou para outrem, com qualquer das finalidades referidas nas alíneas seguintes, quaisquer suportes que reproduzam ou imitem uma marca registada, no todo ou em algumas das suas partes características; b) Usar, nos seus produtos ou respetivas embalagens, marcas contrafeitas ou imitadas; c) Oferecer ou prestar serviços sob marcas contrafeitas ou imitadas; d) Importar, exportar, distribuir, colocar no mercado ou armazenar com essas finalidades, produtos com marcas contrafeitas ou imitadas; e) Usar reprodução ou imitação de marca registada como firma ou denominação social; f) Usar, no exercício das atividades referidas nas alíneas b) a e), marcas contrafeitas ou imitadas em documentos comerciais ou em publicidade; g) Usar, contrafizer ou imitar marcas notórias cujos registos já tenham sido requeridos em Portugal; h) Usar, ainda que em produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, marcas que constituam tradução ou sejam iguais ou semelhantes a marcas anteriores cujo registo tenha sido requerido e que gozem de prestígio em Portugal, ou na União Europeia se forem marcas da União Europeia, sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do caráter distintivo ou do prestígio das anteriores ou possa prejudicá-las; i) Usar, nos seus produtos, serviços, estabelecimento ou empresa, embalagens, dísticos ou quaisquer outros suportes com marcas registadas legitimamente apostas.” Finalmente, segundo o art.º 321.º do C.P.I.: “É punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa até 120 dias quem vender ou ocultar para esse fim produtos que estejam nas condições referidas nos artigos 318.º a 320.º” Os atos típicos que integram a previsão incriminatória do crime previsto no art.º 319.º, al. c), do C.P.I. são a importação ou distribuição dos produtos resultantes da reprodução ou imitação do desenho ou modelo registado. Já os atos típicos que integram a previsão incriminatória do crime previsto no art.º 321.º do C.P.I. são a venda ou a ocultação para venda de produtos contrafeitos ou imitados. Tendo em conta as condutas típicas que integram as previsões incriminatórias dos arts. 319.º a 321.º do C.P.I., houve clara intenção do legislador em distinguir os atos praticados na fase final da cadeia económica das condutas situadas a montante e que estão na origem dos produtos contrafeitos ou imitados, considerando estas mais graves, razão pela qual aquelas são punidas com menor severidade (cfr. SILVA, Pedro Sousa e, in Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2021, págs. 1198 e 1205). Deste modo, o art.º 321.º do C.P.I. só abrange a venda a retalho, dirigida ao cliente final, bem como a ocultação (armazenagem) com vista a realizar essa venda (cfr. SILVA, Pedro Sousa e, in Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2021, págs. 1198 e 1205). Por outro lado, quando o legislador se refere no art.º 321.º do C.P.I. a “quem vender” está a reportar-se a uma “atividade” que vai para além do “ato de venda”, integrando-se, naturalmente, este na dita “atividade”, estando não só em causa a criminalização do “ato (contrato) de compra e venda”, mas antes da “atividade de venda” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-11-2020, processo n.º 104/15.5GBSCD.C316). Por seu turno, os atos praticados e as transações realizadas num segmento anterior do circuito económico, incluindo o fabrico, importação, colocação em circulação e distribuição, que abrange apenas a venda por grosso de produtos contrafeitos ou imitados, ficam unicamente submetidas à previsão dos arts. 318.º a 320.º do C.P.I., consoante o direito exclusivo que esteja em causa (cfr. SILVA, Pedro Sousa e, in Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2021, págs. 1198 e 1205). Assim sendo, tendo em conta a concreta conduta que se demonstrou ter sido praticada pelo recorrente, que interveio apenas na fase final da cadeia económica, adquirindo e expondo para venda os referidos produtos, num estabelecimento comercial aberto ao público para o efeito (cfr. II.3.D.), apenas incorreu, como autor imediato e sob a forma consumada, no crime de venda ou ocultação de produtos, p. e p. pelo art.º 321.º, do C.P.I., por referência ao art.º 320.º, al. d), do C.P.I., pelo que se impõe a sua absolvição do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, p. e p. pelo art.º 319.º, al. c), do C.P.I., cuja prática também lhe havia sido imputada. Procede pois, nesta parte, o recurso interposto. II.4.D. Da dosimetria da pena: Por fim, o recorrente entende que medida da pena de multa aplicada mostra-se desajustada ao caso, não só à culpa do arguido como às exigências de prevenção. Na verdade, entende que as exigências de prevenção geral são medianas uma vez que é um crime de verificação menos frequente e não se conseguiram apurar prejuízos para a marca, que a ilicitude é de grau médio atento o número de isqueiros expostos à venda, não foi tido em conta que sobre a prática dos factos em ...-...-2020 passaram quatro anos e quatro meses, sendo que as exigências de prevenção especial são reduzidas visto que o recorrente não tem averbado no certificado de registo criminal qualquer condenação (cfr. I.2.). Por seu turno, o Ministério Público entende que a pena de multa concreta aplicada ao arguido pelo tribunal recorrido se revela adequada e doutamente doseada, não merecendo, pois, qualquer crítica. Cumpre salientar que o tribunal de recurso apenas deverá intervir alterando a medida das penas em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 197; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-12-2024, processo n.º 2103/22.1T9LSB.S117; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-10-2024, processo n.º 2390/18.0T9AVR.P1-S118; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-11-2023, processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S119; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-05-2022, processo n.º 1537/20.0GLSNT.L1.S120; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-04-2022, processo n.º 192/19.5JAPDL.S121). O crime em causa é punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa até 120 dias (cfr. art.º 321.º, do C.P.I.). Não foi sequer posta em causa a opção pela pena de multa estabelecida em alternativa à pena de prisão, pela prática do crime de venda ou ocultação de produtos, p. e p. pelo art.º 321.º do C.P.I., bem como a taxa diária aplicada. Apesar de o referido crime ser punido com uma pena de prisão ou, em alternativa, com uma pena de multa, a opção por esta impõe-se. Na verdade, face à ausência de antecedentes criminais e à boa inserção social, familiar e profissional, afigura-se que a pena de multa ainda se mostra apta a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente do crime na sociedade, face à séria possibilidade de se alcançar, por essa via, a reinserção do recorrente, dissuadindo-o da prática de futuros crimes (cfr. arts. 40.º. n.º 1, e 70.º do C.P.). Tendo sido valorada a ausência de antecedentes criminais e a boa inserção do recorrente na escolha da pena de multa em detrimento da pena de prisão, na determinação dos concretos dias de multa não poderá tal circunstância ser novamente tida em conta, sob pena de violação da proibição da dupla valoração (cfr. art.º 71.º, n.º 2, do C.P. e DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 237). Na verdade, as concretas circunstâncias que serviram para escolher a pena não podem ser de novo valoradas para quantificação da culpa e da prevenção relevantes para a medida concreta da pena escolhida. Por outro lado, cumpre salientar que a pena de multa não pode representar uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que se não tem a coragem de proferir, antes devendo representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 119). No presente caso, na determinação da medida dos concretos dias de multa, afigura-se que se mostram observados os critérios da culpa do agente e das exigências de prevenção a que se terá que atender na tarefa de determinação da medida da pena, de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico (cfr. art.º 71.º, n.º 1, do C.P. e ANTUNES, Maria João, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pág. 41 e segs.), onde: - A prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar (cfr. art.º 40.º, n.º 1, do C.P.); - A culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (cfr. art.º 40.º, n.º 2, do C.P.); - Cabendo à prevenção especial, dentro dos referidos limites assim definidos, a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente. Na verdade, a pena concretamente encontrada (95 dias de multa) não se mostra desproporcional em face: - Das elevadas exigências de prevenção geral (de integração) ligadas a este género de criminalidade e que se fazem sentir, atenta a sua inquietante frequência e a vulgarização da utilização de isqueiros, sendo assim mais vincada a necessidade de desmotivar a sua prática; - Não é propriamente diminuta a ilicitude dos factos cometidos e a gravidade do seu modo de execução, atendo o número de produtos em causa e a sua fácil confusão com os produtos originais, sendo a marca em causa conhecida, o que facilitaria a venda dos mesmos; - Da considerável culpa com que o recorrente atuou, uma vez que agiu não só dolosamente, mas também com uma evidente intenção lucrativa; - Das exigências de socialização que o caso denota. Na verdade, não obstante o tempo decorrido sobre a prática dos factos, o recorrente continua a exercer a atividade de comerciante, no seio da qual cometeu o crime em apreço. Por outro lado, na falta de atos concretos demonstrativos de arrependimento sincero, não cumpre desencadear a atenuação especial a que alude o art.º 72.º, n.º 2, al. c), do Código penal (C.P.). Finalmente, para efeitos da alínea d), do n.º 2, do art.º 72.º do C.P. não basta ter o crime sido cometido há muito tempo e haver o agente mantido boa conduta, sendo fundamental que isso tenha mexido profundamente no facto ou no agente e que, por exemplo, o alvoroço social se tenha esfumado ou a personalidade se tenha modificado para muito melhor (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-07-1984, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 338, pág. 297; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-05-1991, processo n.º 04165222). Ora, não se descortinou no recorrente qualquer arrependimento sincero, o que eleva a fasquia das necessidades de prevenção especial negativa, pela necessária advertência individual, sendo certo que as penas só cumprem a sua finalidade enquanto sentidas como tal pelos seus destinatários (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-11-1996, in Coletânea de Jurisprudência, Tomo V, pág. 47). Tudo ponderado, afigura-se que a medida concreta da pena de multa fixada pelo tribunal recorrido não é manifestamente desproporcional, não impondo os critérios de determinação da pena concreta a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso acima elencados. II.5. Das custas: Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso (cfr. art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo o arguido condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo (cfr. art.º 513.º, n.º 2, do C.P.P.), devendo a condenação em taxa de justiça ser sempre individual e o respetivo quantitativo ser fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) (cfr. art.º 513.º, n.º 3, do C.P.P.). Ora, na área do processo penal, tendo em conta o seu primacial interesse público, que escapa à vontade privada, bem como o estatuto do arguido enquanto sujeito processual e as garantias de defesa que lhe são reconhecidas, nomeadamente o direito ao recurso (cfr. art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P.), o legislador entendeu que o arguido só poderia ser responsabilizado pelo pagamento das custas, em sede de recurso, caso decaísse totalmente. Ora, assim sendo, como não houve decaimento total, não há lugar a condenação em custas. III. Decisão: Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência: - Revoga-se a sentença recorrida na parte em que o condenou por 1 crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, p. e p. pelo art.º 319.º, al. c), do C.P.I., de cuja prática se absolve; e - Mantém-se, no mais, a sentença recorrida, isto é, na parte em que o condenou, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de EUR 8 (oito euros), pela prática em ...-...-2020, como autor imediato e na forma consumada, de 1 crime de venda ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelo art.º 321.º do C.P.I. Sem custas. Lisboa, 23-09-2025 Pedro José Esteves de Brito Alexandra Veiga Ana Cristina Cardoso _____________________________________________________ 1. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf 2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument 3. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf 4. cfr. 38min57s a 41min07s da gravação da dita audiência de julgamento, efetuada em contínuo. 5. cfr. 55min13s a 56min13s da gravação da dita audiência de julgamento, efetuada em contínuo. 6. Embora o recorrente mencione “perícias”, no plural, estando em causa 436 isqueiros, verifica-se que a única perícia que sobre eles incidiu foi a datada de 25-03-2021 (cfr. ref.ª 37747502 de 29-11-2023/fls. 116 a 154). Na verdade, a outra perícia constante dos autos incidiu sobre outros distintos 18 isqueiros (cfr. ref.ªs 38821794 de 13-03-2024 e 434104000 de 22-03-2024). 7. Em sede de alegações o recorrente refere apenas o art.º 152.º do C.P.P., mas no recurso que interpôs aditou o art.º 160.º-A do C.P.P. 8. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/716b1b216836db4c802579980057452c?OpenDocument 9. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/664e1c191b149d4d80258a6000332c02?OpenDocument 10. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/2bd7b12eafa956648025897a0034668e?OpenDocument 11. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/cc96c49d2417a44d8025848e002ed37a?OpenDocument 12. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/0eddb5734fb753dc8025849d0039bdc0?OpenDocument 13. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3ccb20a1da8c8715802589d3004ffc41?OpenDocument 14. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/32b8a467c100b8ff80258baf00550930?OpenDocument 15. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/73ad50e5aadfd1ff802587e3003d0399?OpenDocument 16. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/dd49eb0f7c111637802586220038a798?OpenDocument 17. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4f8f78e27d6cebf180258bea00384a26?OpenDocument 18. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8d23bfe6933133c680258bcb0050fff2?OpenDocument 19. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd6d98b804277dc080258a6200375c3b?OpenDocument 20. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/deea6d084a733dfa802588470031b727?OpenDocument 21. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a04a546a8b81bb3b8025881d00304eca?OpenDocument 22. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/420a969449c83d0f802568fc003a2892?OpenDocument |