Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CELSO MANATA | ||
Descritores: | RECURSO PENAL VÍCIOS DO ART.º 410 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL VÍCIOS DA SENTENÇA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVARICAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 10/31/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I – Na situação de absolvição em primeira instância o arguido pode recorrer do acórdão do Tribunal da Relação que o condenou, independentemente da pena que esta lhe tenha aplicado - o que se mostra conforme ao disposto na Constituição da República Portuguesa – estando tal recurso apenas limitados pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal e justiça consignados no artigo 434º do código de Processo Penal; II – Se, após alteração da matéria de facto, decorrente da verificação de erro notório da apreciação da prova (cfr. artigo 410º, nº 2 al. c) do Código de Processo Penal), o Tribunal da Relação estiver na posse de todos os elementos que permitam decidir a causa, deve – em obediência ao disposto, a contrario sensu, no nº 1 do artigo 426º do mesmo diploma legal - proceder à determinação da espécie e medida da pena, o que igualmente não viola qualquer norma ou principio constitucional; III -O “erro notório na apreciação da prova” é um vício que configura uma patologia extrema da decisão - não se confundindo, portanto, com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova levada a efeito pelo julgador – e traduz-se na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, violadora das regras da experiência comum, das legis artis ou das regras sobre o valor da prova vinculada; IV – Dado o presente recurso ter sido interposto de decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal da Relação do Porto, não pode o recorrente fundamentar o recurso colocado á consideração deste Supremo Tribunal de Justiça no disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal, o que não impede que este Alto Tribunal apure da existência de tais vícios e nulidades, relativamente ao acórdão recorrido, tendo apenas de fundamentar a sua decisão caso conclua pela sua existência; V – Nas circunstâncias atrás descritas (v.g. em II) não tinha o Tribunal da Relação de proceder à audição do arguido, não ocorrendo, por isso e face ao princípio da legalidade estabelecido no artigo 118º do Código de Processo Penal, qualquer nulidade; VI – No que concerne ao tipo subjetivo, a conduta do agente no crime de prevaricação - previsto e punível pelo artigo 11º da lei 34/87, de 16 de julho - apenas não pode ser praticada na modalidade de dolo eventual, o que decorre da inclusão da expressão “conscientemente” no texto da norma referida; VII - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena por este Supremo Tribunal de Justiça abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada; VIII – Face ao disposto na al. b) do nº 1 do artigo 110º do Código Penal, a perda de vantagens não depende, necessariamente, da demonstração de um efetivo ganho patrimonial ou enriquecimento na esfera jurídica do arguido recorrente | ||
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, A - Relatório A.1. Decisão da primeira instância No âmbito do processo comum coletivo que, sob o nº 23.../18..., correu termos pelo Juízo Central Criminal de ... foram submetidos a julgamento os arguidos AA, BB, CC, para além da sociedade arguida Construções...Lda.”, tendo sido proferido acórdão, no qual foi designadamente decidido o seguinte: «Perante o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal Coletivo em julgar parcialmente procedente a acusação e, consequentemente, em: a) Absolver os arguidos AA, BB e CC, com os demais sinais dos autos, da acusação pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 26.º, 28.º e 66º, n.º 1 do Código Penal e art. 11.º da Lei n.º 34/87 de 16/07. b) Absolver o arguido AA da acusação pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de falsificação de documento, agravado, p. e p. pelos arts. 66.º, n.º 1 e 256.º, n.º 1, als. d) e e), e n.º 4 do Código Penal. c) Condenar o arguido BB, com os demais sinais dos autos, pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de falsificação de documento, agravado, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, als. d) e e), e n.º 4 do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo período de 2 (dois) anos. d) Condenar a sociedade arguida Construções...Lda., com os demais sinais dos autos, pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, agravado, p. e p. pelos arts. 11º, n.º 2, al. a), n.º 4 e n.º 7 e 256.º, n.º 1, als. d) e e), e n.º 4, ambos do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 150 (cento e cinquenta euros), perfazendo o quantitativo total de € 22 500 (vinte e dois mil e quinhentos euros). e) Condenar a arguida CC, com os demais sinais dos autos, pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de falsificação de documento, agravado, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, als. d) e e), e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo período de 2 (dois) anos. f) Condenar a sociedade arguida Construções...Lda., ao abrigo do disposto no 110º, n.º 1, al. b) e n.º 4 do Código Penal, no pagamento ao Estado da quantia de € 2.321,35 (dois mil trezentos e vinte e um euros e trinta e cinco cêntimos), absolvendo-o do pedido de pagamento de montante superior. g) Absolver os arguidos AA, BB e CC do pagamento ao Estado de quantia monetária, no montante de € 42.627,50, correspondente a vantagem da atividade criminosa desenvolvida.” A.2. Recursos interpostos pelo MP e por alguns arguidos para o Tribunal da Relação e respetiva decisão Não se conformando com essa decisão, dela interpuseram recurso, para o Tribunal da Relação do Porto, o Ministério Público, bem como os arguidos CC, BB e Construções...Lda.”. Através de acórdão proferido a 03 de abril de 2024 aquele Venerando Tribunal decidiu, designadamente, o seguinte: Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto no seguinte: I. Negam provimento aos recursos dos arguidos CC, BB e Construções...Lda., mantendo, consequentemente, a respetiva condenação pela prática, em coautoria material, do crime de falsificação de documento, nos moldes decididos pelo tribunal de primeira instância. II. Concedem parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, como consequência do reconhecimento da verificação do vício decisório previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP (erro notório na apreciação da prova), determinam: a. A alteração da decisão recorrida quanto à matéria de facto, nos moldes explicitados no presente acórdão. b. A condenação do arguido AA pela prática, em coautoria material, de um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16/7, em conjugação com o disposto nos artigos 26.º e 28.º, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução suspendem por igual período temporal, nos termos previstos no art.º 50.º do mesmo diploma legal. c. A condenação do arguido BB pela prática, em coautoria material, de um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16/7, em conjugação com o disposto nos artigos 26.º e 28.º, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico com a pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão determinada pelo tribunal de primeira instância, decidem pela aplicação ao arguido da pena única de 3 anos de prisão, cuja execução suspendem pelo mesmo período temporal, nos termos previstos no art.º 50.º do Código Penal. d. A condenação dos arguidos AA, BB e CC, no pagamento ao Estado do montante de € 2.321,35, equivalente ao valor da vantagem indevidamente obtida (art.º 110.º, n.º 1, b) e n.º 4, do Código Penal), obrigação solidária esta que acresce à da sociedade arguida, determinada pelo tribunal de primeira instância.” A.3. Recursos interpostos para este STJ pelos arguidos BB e AA Não se conformando com essa decisão, dela interpuseram recurso para este Alto Tribunal os arguidos BB e AA. A.3.1. Recurso de BB Este arguido termina as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição integral): “DAS CONCLUSÕES 1. A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432º do Código de Processo Penal (CPP). De uma forma directa, nas alíneas a), c) e d) do seu nº 1, e, de um modo indirecto na sua alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, nos termos do artigo 400º, nº 1 e respectivas alíneas, do mesmo CPP. 2. Nos autos, situação em que a uma absolvição de primeira instância sucede a condenação em pena de prisão, ainda que suspensa, no tribunal de recurso, o que implica o surgimento de uma decisão que se apresenta como nova. Um juízo condenatório que não foi objecto de reapreciação. Sem que exista a previsão legal de um segundo grau de jurisdição ... 3. Aderir-se, nesta situação, à irrecorribilidade da decisão condenatória, seria admitir que o direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º, nº 1 da Constituição, não garante a reapreciação por uma segunda instância desta decisão e seria decisão livre de qualquer controlo. 4. Só após a decisão ser proferida pode existir verdadeiro exercício do direito de recurso. O direito ao recurso previsto no artigo 32º da Constituição da República fica posto em causa se não for possível a reapreciação desta decisão da Relação por uma instância superior, designadamente na parte em que a integração de nova facticidade provada, levou à condenação do arguido em crime de que tinha sido absolvido, com a consequente imposição ao arguido de pena de prisão, ainda que suspensa, o que necessariamente lhe acarreta, enquanto arguido, lesão nos seus direitos fundamentais. 5. O presente recurso é admissível. 6. É inconstitucional o disposto nos art. 400º, nº 1, al. e) e 432º, nº 1, al. b) do CPP, por violação do direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º, nº 1 da Constituição, na medida em que com isso não se garante a reapreciação por uma segunda instância desta decisão, se interpretado no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, revogando decisão do Tribunal Colectivo de 1ª Instância que absolvera o arguido da prática, em coautoria, de um crime de prevaricação, e o absolvera do pagamento ao Estado de quantia monetária, vem conceder “ … parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, como consequência do reconhecimento da verificação do vício decisório previsto no art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP (erro notório na apreciação da prova)” vem determinar A alteração da decisão recorrida quanto à matéria de facto, nos moldes explicitados no presente acórdão e vem a condenar este arguido pela prática, em coautoria material, de um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º da Lei nº 34/87, de 16/7, em conjugação com o disposto nos artigos 26º e 28º, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico com a pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão determinada pelo tribunal de primeira instância, decidem pela aplicação ao arguido da pena única de 3 anos de prisão, cuja execução suspendem pelo mesmo período temporal, nos termos previstos no art. 50º do Código Penal e, ainda, a condená-lo no pagamento ao Estado do montante de € 2.321,35, equivalente ao valor da vantagem indevidamente obtida (art. 110º, nº 1, b) e nº 4, do Código Penal), obrigação solidária esta que acresce à da sociedade arguida, determinada pelo tribunal de primeira instância e em custas. 7. Decidiu o Tribunal recorrido (pág. 133) que Considerando as alterações introduzidas na matéria de facto, como consequência da procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, incumbe a este Tribunal da Relação aplicar o direito em substituição do Tribunal de primeira instância. O Recorrente não se conforma com esta decisão. A entender-se existir o vício de erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 1, al. c) do CPP), o Tribunal recorrido deveria ter determinado o reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões identificadas na decisão de reenvio – neste sentido os acima citados Acórdão do TRP de 06/10/2010, in CJ, 2010, T4, pág.216, Acórdão do TRE de 15/10/2009, in CJ, 2009, T4, pág.266 e, sobretudo, Acórdão do TRL de 14/01/2009, relator Desembargador Carlos Almeida, Proc. nº 10484/08, 3ª secção, in www.dgsi.pt, de que se transcreve e sublinha: I – O Tribunal da Relação, se entender que um determinado recurso merece provimento, deve, em geral, para além de revogar a decisão recorrida, proferir uma nova decisão que substitua a revogada. II Esse poder de substituição tem, para além de outros os limites impostos pela garantia do duplo grau de jurisdição III – Por isso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente um recurso interposto pelo Ministério Público ou pelo assistente de uma sentença que tinha absolvido o arguido, decidindo condená-lo, deve o processo ser remetido à 1.ª instância para aí, se necessário após ter sido reaberta a audiência, nos termos do artigo 371.º do Código de Processo Penal, se determinar a sanção. IV – Só assim se garante ao arguido o direito de impugnar a decisão que a tal respeito vier a ser proferida. 8. É inconstitucional o disposto no art. 426º nº 1 do CPP se interpretado, como o faz o Acórdão recorrido, no sentido de que, existindo vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPP, o tribunal de recurso pode revogar decisão absolutória proferida em 1ª Instância e não determinar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões concretamente identificadas na decisão de reenvio, por entender ser possível decidir da causa, e, com isso, impedir que seja esta a proceder à determinação da sanção e a avaliar da necessidade de reabrir para esse efeito a audiência ou de ordenar quaisquer diligências, mas, e sobretudo, com isso ultrapassar os limites que lhe são impostos pela garantia do duplo grau de jurisdição e impedir ao arguido o direito ao recurso e por via disso, querendo, impugnar essa decisão, por violação deste direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º, nº 1 da Constituição 9.O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) pode, oficiosamente, conhecer dos vícios do art. 410º, nºs 2 e 3 do CPP relativamente a toda a matéria de facto. 10. Refere o Acórdão recorrido, que ”O Ministério Público/recorrente aponta à decisão recorrida o vício de contradição insanável da fundamentação, ...” que (o sublinhado é nosso) “Inexiste, portanto, contradição insanável da fundamentação, cuja verificação pressuporia “um vício ao nível das premissas, determinando a formação deficiente da conclusão”, evidenciado no próprio texto da decisão. E não se deteta, igualmente, uma patente contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo a decisão sobre a matéria de facto congruente com as premissas lógicas enunciadas na fundamentação“. 11. Depois, ao indagar se a decisão recorrida está afetada de «erro notório na apreciação da prova», como sustenta o recorrente o Acórdão recorrido vem a entender que sim, nos concretos termos que dele constam, entendimento com o que o Recorrente não se conforma e que, com todo o respeito, é merecedor de censura, por inaceitável, devendo por consequência ser revertido. 12. Desde logo porque, assinalando o Acórdão recorrido que, no que concerne a indagar sobre eventual erro notório na apreciação da prova, esse configura uma patologia extrema da decisão que, não se confundindo com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova levada a efeito pelo julgador, traduz-se na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, violadora das regras da experiência, das legis artis ou das regras sobre o valor da prova vinculada, ou, mais adiante, quando, referindo-se ao Acórdão proferido em 1ª Instância, não tem dúvidas (e sublinhamos) que “Analisando a decisão recorrida verificamos que o tribunal a quo explicitou, claramente e de forma perfeitamente lógica, as razões pelas quais se convenceu, para além da dúvida razoável, … Com efeito, resulta claramente do texto do acórdão que o tribunal a quo efetuou um rigoroso e exaustivo exame crítico das provas, descrevendo quais as declarações/depoimentos que lhe mereceram credibilidade ou não, analisando a prova documental e expondo as respetivas razões lógicas e de ciência de forma clara e conforme com as regras da experiência. Da análise dos elementos de prova de que se baseou para formar a sua convicção, expressamente referidos na motivação, não resulta que o tribunal tenha apreciado arbitrariamente a prova produzida ou que tenha incorrido em qualquer erro lógico – bem pelo contrário, vem depois, quando concluiu que essa mesma decisão está afetada de erro notório na apreciação da prova, a eleger o que não mais é do que uma sua mera discordância ou diversa opinião. (quanto à valoração da prova levada a efeito pela 1ª Instância, elevando indevidamente essa discordância à categoria de remédio jurídico, apontando àquela erro notório na apreciação da prova quando, contraditoriamente, aceita que aquela decisão da 1ª Instância expôs as respetivas razões lógicas e de ciência de forma clara e conforme com as regras da experiência e não apreciou arbitrariamente a prova produzida ou não incorreu em qualquer erro lógico – bem pelo contrário !!) 13. Depois porque (neste sentido o citado ponto I do sumário do Ac. STJ de 02/02/2011, relator Maia Costa, in www.dgsi.pt, quanto ao erro notório na apreciação da prova (com sublinhado nosso), I - O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito, porquanto no texto da decisão proferida pela 1ª Instância não se deram como provados, ou não provados, factos que contrariem com toda a evidencia o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar ou as regras da experiência comum, nem tal vício, sequer, constava do teor da própria decisão de facto. (que não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito). Se, como concluiu o acórdão recorrido “…Inexiste contradição insanável da fundamentação… E não se deteta, igualmente, uma patente contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo a decisão sobre a matéria de facto congruente com as premissas lógicas enunciadas na fundamentação“, e “No presente caso, analisada a fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida, verificamos que o tribunal a quo procedeu a uma análise crítica da prova de forma detalhada e exaustiva. Nesse processo, analisando as declarações prestadas pelos arguidos na audiência de julgamento, por confronto com a restante prova produzida (fundamentalmente, os depoimentos das testemunhas inquiridas e o conteúdo da vasta prova documental), concluiu pela falta de demonstração do dolo do arguido AA no que concerne ao crime de prevaricação e pela ausência de prova suficientemente sólida e consistente quanto à sua participação na execução do crime de falsificação de documento e, por fim, quanto participação dos arguidos CC e BB no crime de prevaricação. Coerentemente, o tribunal incluiu os respetivos factos relevantes para a determinação da responsabilidade criminal assacada aos arguidos no núcleo da factualidade não provada.” conclui-se que o Tribunal de 1ª Instância, analisou toda a prova, que o fez em conjugação com juízos de normalidade decorrentes da experiência comum, que retirou todas as necessárias ilações quanto à decisão “… da execução da “obra suplementar”, em representação da sociedade Construções...Lda.”, que não analisou a prova produzida de uma forma compartimentada, segmentada ou atomizada, antes a valorou na sua globalidade, e que não desprezou presunções simples, naturais ou hominis … 14. Compulsados os factos provados e os factos não provados constantes do Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo em 1ª Instância, conclui-se que não contrariam toda a evidência segundo o ponto de vista de um homem de formação média, ou a lógica mais elementar ou as regras da experiência comum. 15. Não contraria “as regras da experiência comum a afirmação do tribunal a quo de que aquela decisão foi tomada unicamente pelo diretor técnico da obra, engenheiro DD, sem a participação do arguido BB (cf. os pontos 17) e 37) da matéria de facto provada e, em particular, a alínea VIII) dos factos não provados).”. 16. O Tribunal recorrido, ao concluir que a decisão da 1ª Instância está afectada de erro notório na apreciação da prova ao abrigo do disposto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP e decidindo depois como faz nos termos subsequentes, incorre em inadequada interpretação ao disposto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP e, por consequência, na sua inadmissível aplicação, vício que o Recorrente aqui invoca para todos os efeitos legais. 17. O Tribunal recorrido o que fez, imputando erro notório na apreciação da prova ao Tribunal Colectivo da 1ª Instância - que não se verifica - foi socorrer do disposto nesta al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP para substituir aquilo que foi a convicção deste Tribunal de 1ª Instância, e, por via disso, alterar parcialmente, nos termos aí constantes, a resposta que a 1ª Instância dera à matéria de facto, isto apesar de a reconhecer alicerçada no princípio da livre apreciação da prova, exposta em conformidade com as regras da experiência e apreciada de uma forma que não foi arbitrária ou ilógica … – bem pelo contrário !!. 18. Erro notório é uma falha grosseira ou ostensiva na análise da prova. Uma distorção de ordem lógica, entre os factos provados ou não provados. Uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorreta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio, ao juiz normal, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente … 19. O Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo em 1ª Instância, na apreciação e análise à prova produzida, não padece deste vício que lha assaca o Acórdão recorrido, desta falha grosseira ou ostensiva na análise da prova. Nem contém uma sua apreciação que seja manifestamente ilógica, ou arbitrária ou, de todo insustentável… 20. Se assim é, mantendo sempre o devido respeito, ao Tribunal recorrido outra solução não restaria que não fosse a de confirmar a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto e confirmar essa decisão recorrida. 21. Invocando erro notório que a decisão da 1ª Instância não contém, a decisão recorrida, sob a capa de remédio, e com o argumento de que, com isso, o está a colmatar, mais não faz do que indevido novo julgamento a essa matéria de facto, alterando-a, com isso violando o disposto no art. 127º do Código de Processo Penal quanto ao que foi a livre apreciação da prova feita pela 1ª Instância [ que foi “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela (deve ser) uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.” - Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205 ], princípio da livre apreciação da prova que assume especial relevância na audiência de julgamento, e encontra afloramento, nomeadamente, no art. 355º do CPP, uma vez que é aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova e se assegura o princípio do contraditório, que a Constituição garante (art. 32º, nº 5 ), sendo o Tribunal de 1ª Instância quem plenamente beneficia da imediação e da oralidade da prova. 22. Para o Tribunal Colectivo da 1ª Instância foi incontroverso que Não há … nos autos qualquer meio de prova que relacione os arguidos BB e CC com a aquela atuação do arguido AA. Nem sequer que, antes da realização dos trabalhos de pavimentação, aqueles estivessem tampouco informados e inteirados do que este fizera e que … as relações pessoais entre os arguidos BB e AA não eram as melhores, quer as próprias relações entre o Município e a Construções...Lda. não eram isentas de litígio…. 23. Estas evidências nada têm de ilógico. Nada têm de violador das regras da experiência, das legis artis ou das regras sobre o valor da prova vinculada … 24. Para mais quando aí também se refere que “A testemunha DD, diretor técnico em representação da arguida sociedade, afirmou ter acedido à solicitação do arguido AA, tendo decidido por si próprio, por ter autonomia para tal, não tendo falado com ao arguido BB.”. 25. A conclusão que o Tribunal recorrido avança, no segmento decisório de que aqui se recorre, não é a única conclusão lógica a extrair da globalidade da prova e dos demais factos feitos constar no elenco da factualidade provada … 26. O Tribunal de 1ª Instância não podia retirar “… as necessárias ilações quanto à participação do arguido BB na decisão da execução da “obra suplementar”, em representação da sociedade Construções...Lda.” na medida em que não teve dúvidas em dar como provado que Nessa sequência, o arguido AA, no dia 23/09/2017, deslocou-se ao local, tendo verificado que o piso da estrada do troço da ...-... estava em muito mau estado, com desgaste expressivo e depressões acentuadas. Solicitou, nessa ocasião, à sociedade arguida Construções...Lda., cujos trabalhadores estavam a pavimentar o troço ...- ..., que procedesse, logo de seguida, à pavimentação do piso do troço ...-..., o que aquela sociedade, por decisão do Eng. DD, diretor técnico da empreitada e representante da empreiteira no procedimento n.º 20.../201725, aceitou fazer, como efetivamente fez e não teve dúvidas em dar como não provado o que aí veio a dar. 27. Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido, viola os princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo, porquanto fica uma dúvida razoável entre a factualidade que a 1ª Instância deu como provada e não provada e a factualidade que o acórdão recorrido pretende alterada. 28. A falência de manancial probatório, nos termos que se deixaram alegados, só pode conduzir ao que foi apurado em 1ª Instância, e, sempre, ser valorado probatoriamente a favor do arguido. 29. Ao decidir nos termos em que o faz, e que acima se impugnam, o Acórdão recorrido viola o princípio da presunção de inocência do art. 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, 30. bem como o princípio do in dubio pro reo, que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet. 31. A 1ª Instância não teve dúvidas de que a decisão a que se refere o nº 17 dos factos provados, em relação à sociedade, foi tomada pelo seu diretor técnico, e não teve dúvidas em dar como não provado os factos que, de entre outros, elenca sob os nºs I, VIII e XI 32. Atentas as exigências do nº 2 do art. 374º do CPP, quanto à fundamentação da matéria de facto, e, como aceita o Acórdão recorrido, tendo a 1ª Instância feito uma correcta exposição sobre os critérios lógicos que constituíram o substracto racional da decisão, não é concebível, nem aceitável, que, depois, venha a concluir que isso colide com as regras da experiência… 33. O art. 127 do CPP indica-nos um limite à discricionaridade do julgador que a 1ª Instância reconhecidamente cumpriu, na medida em que avançou com decisão devidamente fundamentada, de acordo com uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência. Logo, por esta via, inatacável, já que proferida em obediência à lei que impõe que se julgue de acordo com a sua livre convicção. Ao decidir nos termos em que o fez e que acima se impugnam, o Tribunal recorrido violou esta inatacabilidade que decorre do disposto neste preceito legal. 34. Para o fazer o Acórdão recorrido socorreu-se de indevida e inaceitável presunção, a que a 1ª Instância, de uma forma objectivada e motivada não deu relevância nem credibilidade. 35. Para proceder à alteração da matéria de facto, nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido socorreu-se de mera prova indirecta, sem circunstancia, e, sobretudo, sem tomar em consideração que, para o fazer, se exige uma pluralidade de factos-base ou indícios, que não se verificam, e que não é admissível que a demonstração do facto indício que é a base da inferência, seja também ele feito através de prova indiciária 36. Nos autos, não só não há prova como também não existem os necessários indícios que permitam que, apenas com base em presunção, o Tribunal recorrido altere, nos termos em que o faz, a resposta à matéria de facto proferida pela 1ª Instância. 37. Conclui-se ainda como o fez o acima citado Acórdão do TRC de 20/06/2012 I. A prova por presunção não é uma prova totalmente livre e absoluta, como, aliás, o não é a livre convicção (sob pena de abandono do patamar de segurança da decisão pressuposto pela condenação penal, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo) conhecendo limites que quer a doutrina quer a jurisprudência se têm encarregado de formular; II. Desde logo, é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis «saltos» lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação); III. Por outro lado, há-de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma (por exemplo, a autoria «desconhecida» de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido); IV. Por fim, a presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo (é esse, aliás, o sentido da restrição referida na parte final do exemplo que antecede).. 38. É inconstitucional o disposto no art. 410º, nº 2º, al. c) do Código de Processo penal se, não detectando o Tribunal recorrido, na decisão do Tribunal de 1ª Instância, contradição insanável da fundamentação, nem contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo a decisão sobre a matéria de facto congruente com as premissas lógicas enunciadas na fundamentação e, não constando do teor da própria decisão de facto, como provado ou como não provado, facto que contrarie com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, seja ainda assim, nos termos do Acórdão recorrido, fazer uma sua interpretação e aplicação neste sentido, uma vez que, desta forma, é violado o princípio constitucional de presunção da inocência consagrado no art. 32º, nº 2 da CRP. 39. Decorre de tudo o acima concluído que a decisão recorrida viola, para além do mais, o disposto nos artigos 125º, 127º, 410.º, n.º 2, alínea c), e 426º, nº 1, todos do CPP, o disposto no art. 11.º da Lei n.º 34/87, de 16/7, no art.º 110.º, n.º 1, b) e n.º 4, do Código Penal e no art. 32º nºs 2 e 5 da CRP.” A.3.2. Recurso de AA Este arguido termina as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição também integral): “CONCLUSÕES I - A norma do artº 434, do CPP, interpretada no sentido de que é vedado ao arguido condenado pelo Tribunal da Relação, em recurso de decisão absolutória da 1ª instância, ver reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça a decisão que alterou a matéria de facto que foi determinante para a condenação em segunda instância, é inconstitucional por violação do direito ao recurso, em segundo grau de jurisdição, consagrada no artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). II - Se assim se não entender, o que apenas se admite por mera facilidade de exposição de raciocínio, então sofre do mesmo juízo de inconstitucionalidade, igualmente por violação do direito ao recurso, a norma do artº 426, nº 1, interpretada no sentido de que em caso de verificação dos vícios da decisão previstos no nº 2, do artº 410, do CPP, o Tribunal da Relação pode não determinar o reenvio do processo à primeira instância para novo julgamento, interpretação, que, aliás, foi seguida no caso em apreciação, pois assim está a coartar a garantia do duplo grau de jurisdição e a violação do direito ao recurso consagrado no identificado artº 32, nº 1, da CRP. II - Aliás, essas duas normas, assim interpretadas, são ainda inconstitucionais por violação do princípio da igualdade, ínsito no artº 13º, da CRP. III – Por outro lado, ao dar como provados factos que não o foram na primeira instância, relativos à consciência da ilicitude, à modalidade de dolo adequado para a condenação, em suma ao juízo de culpabilidade, bem como à escolha e medida da pena, sem previamente ouvir o arguido, o Tribunal da Relação cometeu a nulidade insanável prevista na alínea c), do artº 119, do CPP (cfr., a mesma autora, pag. 15), que expressamente se invoca, com as legais consequências, nomeadamente o reenvio do processo à primeira instância. IV – Não se verifica a existência de erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal de 1ª instância e o Acórdão recorrido ao reconhecer o referido erro e, em consequência, ao alterar a decisão sobre a matéria de facto (aditamento do ponto 42 a), alteração da redação dos pontos 17 e 37, inclusão na factualidade provada do ponto VIII e XI dos factos não provados, com a redação que lhes foi dada e a eliminação da matéria dos pontos I e IX), violou o artº 410, nº 2, al. c), do CPP. V – Pois, para que a decisão sobre a matéria de facto possa ser alterada por erro notório na apreciação da prova é necessário que tal vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, como impõe o corpo do referido nº 3, do artº 410, do CPP. VI – Ora, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, nem do texto do Acórdão da primeira instância nem da conjugação deste com as regras da experiência comum resulta que houve erro na apreciação da prova quanto aos factos que tinham sido julgados provados e não provados. VII – Aliás, lendo-se os factos provados e a motivação que sobre eles o Tribunal de primeira instância deu é totalmente fundamentada, lógica, razoável e congruente, alicerçada em concretos meios de prova em que se baseiam os factos dados como provados e a falta de prova ou a prova do contrário relativamente aos julgados não provados. VIII - Assim, ficou explicada a motivação que orientou o recorrente a ordenar a extensão dos trabalhos que a arguida Construções...Lda., se encontrava a realizar, no âmbito de um contrato de empreitada celebrado com o Município de ..., mediante prévio concurso público, as circunstâncias em que foram ordenados, que foi com o diretor técnico da obra, Engº DD, e não com o arguido BB, que o recorrente falou e que, embora este tenha representado a vantagem eleitoral que poderia advir para lista a que concorria às eleições autárquicas que se aproximavam e o benefício económica que adviria para o empreiteiro com o pagamento dos trabalhos mandados executar sem prévio procedimento não se determinou por elas, antes quis resolver um problema de segurança da via para as populações que a utilizavam. IX – Pelo que, não se está perante erro notório na apreciação da prova mas antes em presença da formação de um diferente convicção quanto à apreciação da prova e, consequentemente, quanto à culpabilidade do recorrente. X – Acontece que, esta diferente convicção não é fundamento para alterar a decisão por erro notório na apreciação da prova. XI - Para além de que, no caso, o Tribunal da Relação vai mesmo mais longe e substitui factos que resultam da prova produzida em audiência de julgamento, devidamente identificada na motivação, sujeitos aos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório por supostas presunções da experiência comum, não necessárias nem únicas, ou até mesmo contrariadas por regras da experiência comum bem mais sólidas. XII - Contra as declarações diretamente prestadas pelos envolvidos (arguido aqui recorrente e a testemunha Engº DD, diretor técnico da obra e, nessa qualidade, representante do empreiteiro), não contraditadas por qualquer outro elemento de prova, avaliadas de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, merecendo total credibilidade ao julgador, e que serviram para dar como provado, nos pontos 17 e em 37, que a realização da “obra suplementar”, sem procedimento contratual prévio, foi acordada entre o recorrente, como presidente da Câmara, e o referido Engº DD, o Tribunal da Relação infere que tal acordo só pode ter resultado da intervenção do gerente da sociedade empreiteira, o arguido BB, por, enuncia, “ser esta a única conclusão lógica a extrair da globalidade da prova e dos demais factos feitos constar no elenco da factualidade provada . XIII - Ora, o Tribunal não explica como tal conclusão lógica, necessária e única se extrai da globalidade da prova e dos demais factos feitos constar no elenco dos factos provados, quando dos mesmos nada resulta quanto à participação do referido arguido BB nos contactos havidos pelo arguido AA para a execução da “obra suplementar”. XIV - Em segundo lugar, o trecho da motivação do Acórdão de 1ª instância que refere “É de notar que o próprio tribunal afirma, na motivação da decisão, que «apesar de as testemunhas DD e EE terem tentado, de alguma forma, obnubilar ou mitigar a responsabilidade do arguido BB, seu patrão, da caracterização que fizeram da personalidade deste, sendo ele que assumia a condução dos negócios, adveio-nos a convicção que o referido arguido estava inteirado do que se passava, nada foi feito no procedimento n.º 60... à sua revelia, até porque era do seu interesse receber o dinheiro da pavimentação do troço ...-...» (fls. 47 do acórdão recorrido)”, refere-se à participação direta do arguido BB na prática do crime de falsificação de documento do qual também foi condenado, e não à participação no crime de prevaricação. XV - Em terceiro lugar, não é por o arguido BB ser sócio e gerente da sociedade empreiteira, promover, nessa qualidade, atividade comercial da empresa, ter assinado o contrato de empreitada com o Município e ter-se apresentado a cobrar as obras realizadas a mando do arguido AA, que os contactos e o acordo para a realização do prolongamento da estrada de ... até ... tenha sido acordado com ele e não com o referido diretor técnico, que tinha autonomia para assumir a sua realização. XVI - Acresce que, uma coisa é a representação formal de uma determinada sociedade na celebração de contratos e nas interpelações para pagamento, que tem de resultar de quem tem competência legal e estatutária para a representar, outra tem a ver com a assunção de compromissos, que, embora tenham expressão financeira, é verdade (embora de pequeno valor), são mais de natureza operacional, como a oportunidade e a otimização na mobilização de meios técnicos e humanos, como era o caso. XVII – Por outro lado, uma coisa é ter havido uma conjugação de esforços entre o recorrente e a empresa, também arguida, Construções...Lda., para a execução dos referidos trabalhos, outra bem diferente é esses trabalhos terem sido diretamente acordados entre o recorrente e o arguido BB. XVIII – Acresce que, é da experiência comum que o sócio e gerente de uma sociedade como a arguida Construções...Lda., que no ano de 2017 fez vendas e prestações de serviços no valor de € 14.762.045,56 euros (ponto 70 dos factos provados), não concentre em si decisões como a de realizar uma “obra suplementar” no valor de €42.617,50 euros, pois é de tal regra da experiência comum que estas decisões sejam delegadas em colaboradores, sem prejuízo, obviamente, do conhecimento tomado à posterior, mas que, para aqui, não é relevante. XIX – Acresce, ainda, que não é a circunstância de ser imputada à sociedade Construções...Lda., a responsabilidade pelos atos em sua representação praticados (mesmos os de natureza criminal) que a “consciência” ou ciência de tais atos lhe tenham de advir apenas da intervenção direta do seu sócio gerente. XX - Perante as más relações existentes entre o recorrente e o arguido BB, como resulta da motivação da decisão de 1ª instância, não é crível que aquele se tivesse relacionado pessoalmente com este para transmitir a decisão que havia tomado de realizar os trabalhos de pavimentação do troço ... – .... XXI – Por sua vez, uma coisa é o arguido ter agido admitindo que um determinado comportamento irregular pode vir a gerar determinadas consequências, ainda que necessárias, como vantagens eleitorais para si ou para a lista em que concorre e económicas para o empreiteiro com o recebimento do preço, outra, bem distinta, é agir motivado por esses propósitos. XXII – Para além de que, a vantagem ilícita para o empreiteiro não pode consistir no lucro que a atividade da construção civil e a realização de obras públicas sempre é suposto potenciar, já que a razão de ser de uma empresa comercial é sempre a de obter lucro com a sua atividade; tem de tratar-se, antes, de uma vantagem indevida especialmente prevista aquando da decisão de contratar em violação de normas legais atinentes à contratação pública. XXIII - Do mesmo modo, a vantagem eleitoral não pode resumir-se àquela que naturalmente é almejada por qualquer autarca ou outro ator político eleito e que resulta da ação desenvolvida em benefício dos seus eleitores; tem de ser, também, uma vantagem eleitoral indevida especialmente querida ou prevista aquando da prática do facto. XXIV – Destarte, o raciocínio seguido pela decisão da 1ª instância tem explicação lógica não só nos próprios factos dados como provados como indícios fortes em regras da experiência comum e que apontam, claramente, no sentido de que o objetivo prosseguido pelo recorrente foi a satisfação do interesse público e não as vantagens eleitorais para si ou para a lista nem vantagem económica para a sociedade empreiteira, como detalhadamente se expõe no corpo destas alegações. XXV – Donde, dos factos provados e das inferências que deles têm de ser extraídas, resulta que o recorrente visou com a sua conduta a satisfação do interesse público municipal que enquanto presidente da Câmara Municipal tinha de prosseguir, sendo que, da conduta irregular resultante da não formalização de procedimento contratual prévia à decisão de contratar, resultaram as vantagens reflexas apuradas no referido acórdão, mas não foi para as obter que o recorrente se motivou a agir como agir. XXVI – Pelo que, ao proceder à alteração da matéria de facto, nos sobreditos termos, o Acórdão da Relação incorreu, ele próprio, em erro notório da apreciação da prova, como em detalhe se expôs no corpo das alegações. XXVII – Sendo que, os juízos de inferência ou lógico-dedutivos que a que o Tribunal da Relação ou não ocorreram, ou existem sérias dúvidas sobre a verificação, os indícios conhecidos nas suas relações recíprocas não reforçam os factos que o Tribunal alterou, existem contraindícios que afastam ou neutralizam a força dos indícios invocados e surgem como possíveis, à luz das regras da lógica e do normal acontecer, outras conclusões que não a afirmação dos factos alterados. XXVIII - Razão pela qual, por falta de prova direta e indireta, por as regras da experiência comum não imporem, ou sequer consentirem, as alterações efetuadas pelo Tribunal da Relação e por não serem possíveis ou verosímeis os juízos de inferência a que recorreu, incorreu a decisão recorrida em erro notório na apreciação da prova, violando os princípios estruturantes do direito penal como o da presunção da inocência, do in dúbio pro reo, da legalidade da prova e da livre apreciação da mesma. XXIX – Pelo que deverá revogar-se a decisão impugnada no que respeita à alteração da matéria de facto, mantendo-se o decidido em primeira instância. XXX - Subsumindo os factos ao direito, sendo que aqueles, pelos motivos invocados, não podem ser outros senão os dados como provados em primeira instância, o recorrente não praticou o crime de que foi condenado pelo Tribunal recorrido. XXXI - Aliás, o direito penal tem de intervir como último patamar do direito punitivo, intervindo apenas, e só, quando os outros regimes sancionatórios já não se mostrem adequados a reprovar os infratores e repor o bem jurídico violado, fazendo, assim funcionar, o princípio da intervenção mínima do direito penal, que apenas permite a sua intervenção quando os demais ramos do direito não forem capazes de proteger os bens e os valores de vida em sociedade mais relevantes. XXXII - Ora, mesmo admitindo que ao ordenar os trabalhos em causa nos autos, sem prévio procedimento pré-contratual, o recorrente agiu contra o direito, violando normas da contratação pública e, com isso, regras sobre a assunção da despesa pública, isso não pode significar, necessariamente, que a sua conduta possa ser sancionada criminalmente. XXXIII – Por outro lado, no caso do crime de prevaricação, o tipo subjetivo apenas admite o dolo direto e específico, que vai, pois, além do dolo genérico e que consiste em o agente saber plenamente da sua qualidade de titular de cargo político ou equiparado, saber que a ação ou omissão em causa é cometida no exercício das funções inerentes à qualidade de titular de cargo político ou equiparado, ter consciência de que tal ação ou omissão é contrária ao direito e atuar com o propósito de prejudicar ou beneficiar alguém, específica exigência que resulta das expressões «conscientemente» e «com intenção de» utilizadas no artº 11 da Lei 34/87 de 16/07. XXXIV – Ou seja, só poder ser condenado pelo crime de prevaricação quem, agir na modalidade de dolo direto, e não quando se verifica o dolo eventual ou o dolo necessário. XXXV - Ainda que assim se não entendesse, o que a apenas se admite por mera facilidade de exposição de raciocínio, é excessiva a pena de três anos de prisão aplicada ao arguido, ainda que suspensa na sua execução. XXXVI - Considerando que o crime de prevaricação é punido com pena de prisão de dois a oito anos e atendendo a que o dolo imputado ao arguido não é significativamente intenso, o tempo já decorrido desde a prática dos factos (mais de seis anos), a circunstância de não ter existido qualquer prejuízo para o Município e, bem pelo contrário, ter consistido na realização de uma obra necessária à população e por ela legitimamente reclamada, que o arguido é primário, não exerce qualquer cargo político ou público na atualidade e tem uma adequada inserção social, a pena deve aproximar-se do limite mínimo previsto na lei, por outro superior se mostrar desproporcional e excessivo, pelo que nunca poderá ser superior a dois anos e seis meses, suspensa na sua execução por igual período, impondo-se a alteração da decisão nesse sentido. XXXVII – Para além disso, a condenação a existir, o que, mais uma vez apenas se admite por facilidade de raciocínio, não pode implicar a condenação solidária no pagamento da importância correspondente à perda de vantagem, pois o recorrente de nenhuma vantagem beneficiou. XXXIX - Decidindo como decidiu, o Acórdão recorrido violou, entre o mais, os artigos 125, 127, 410, nº 2, al. c) e 426, nº 1, todos do CPP, o artº 11º da Lei nº 34/87, de 16 de julho, conjugado com o artºs 26 e 28, do CP, o artº 110, nº1, al. b) e nº 4, do CP, e artºs 13 e 32, nºs 2 e 5, da CRP.” A.4. A resposta do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto apresentou respostas a ambos os recursos. A.4.1. Quanto ao arguido BB Relativamente a este recurso entende que o mesmo deve ser rejeitado, consignando na respetiva resposta, para o efeito e designadamente, o seguinte (transcrição parcial): “IV – Entende o Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto que o recurso do arguido BB para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos em que se mostra formulado, não é legalmente admissível e, por isso, se impõe a sua rejeição pelos seguintes fundamentos. Por força do disposto no artigo 432º do Código de Processo Penal, 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) Dedecisões das relações proferidasem 1.ªinstância, visando exclusivamenteo reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. 2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414º. Sobre os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, dispõe o artigo 434.º do CPP que, sem prejuízo do disposto nas als. a) e c) do art. 432º, o recurso para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito. As exceções reportam-se a recursos de decisões da Relação proferidas em primeira instância e aos recursos per saltum de acórdão final proferido por tribunal de júri ou por tribunal coletivo, em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos. Como claramente decorre da longa motivação de recurso e respetivas conclusões, o recurso interposto pelo arguido BB tem exclusivamente por objeto a decisão sobre matéria de facto proferida em recurso pelo Tribunal da Relação. Decisão esta em que se reverteu a decisão de facto proferida na primeira instância o que, em consequência, determinou a condenação do recorrente pela prática, em coautoria material, de um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16/7, em conjugação com o disposto nos artigos 26.º e 28.º, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão que havia sido aplicada pelo tribunal de primeira instância, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período temporal. O recorrente impugna apenas o “acórdão de facto” com o fundamento de que nele se errou na verificação de vícios quanto à matéria de facto decorrentes do texto do acórdão de primeira instância e com o fundamento de que não há prova que permita ao Tribunal recorrido alterar, nos termos em que o fez, a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª Instância e, a final, também, com fundamento na violação dos princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro reo. Em suma, apenas pretende o recorrente, como exaustivamente fundamenta, que o STJ reaprecie a matéria de facto e a (in)existência, no acórdão de primeira instância e no acórdão recorrido, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP. Não obstante a não formulação de pedido expresso, pugna o recorrente no sentido de reverter a decisão da Relação sobre a matéria de facto. A regra da recorribilidade do acórdão inovatoriamente condenatório da Relação - art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP – tem de ser conjugada com a regra que define os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça quando julga em terceiro grau de jurisdição e em segundo grau de recurso– art. 434º CPP. A opção do legislador de 2021 (Lei nº 94/2021, de 21 de dezembro que alterou diversos normativos do CPP em matéria de recursos) foi claramente a da circunscrição do objeto do recurso para o STJ, nos casos de condenação apenas na segunda instância, a matéria exclusivamente de direito. É conhecida a jurisprudência, ao que se crê uniforme e constante do STJ, no sentido da impossibilidade de invocação, nestes casos, dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. (Entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos do STJ de 20.12.2014 (Rel. Raul Borges), de 07-06-2017 (Rel. Maia Costa), de 25-10-2018 (Rel. Manuel Braz), de 14-10-2020 (Rel. Manuel Matos), de 29/02/2024 (Rel. Agostinho Torres), de 24/04/2024 (Rel. Orlando Gonçalves). Afirma a mais recente jurisprudência sobre a matéria que, mesmo após a entrada em vigor da atual redação dos arts. 432.º, n.º 1, als. a) e c) e 434.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 94/21, de 21 de dezembro, os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, no recurso de decisões recorríveis proferidas em recurso pelas Relações, apenas são de conhecimento oficioso, isto é quando o STJ constatarquea decisão recorrida, devido aos vícios quedenotaao nível damatériade facto, inviabiliza a correta aplicação do direito ao caso sub judice. Enquanto nas situações a que aludem as alíneas a) e c) do n.º1 do art.432.º, do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça desempenha a denominada função de revista alargada, nas situações a que alude a alínea b) do mesmo preceito legal, o Supremo Tribunal continua a desempenhar exclusivamente a função de tribunal de revista. Ou seja, o recurso de acórdão da Relação que decide em recurso, continua a poder visar apenas o reexame em matéria (exclusivamente) de direito. E os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça encontram-se circunscritos a este conhecimento. (Neste sentido e entre outros o Ac. do STJ de 15/02/2023, Rel. Ana Barata Brito) A alteração legislativa consagrou, de resto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, circunscrevendo, nestes casos, o direito ao recurso a matéria exclusivamente de direito, que não apenas quanto à da determinação da sanção, mas também qualquer outra questão de direito, vg a tipicidade, a ilicitude, a culpa, a escolha e a medida da pena, a indemnização, etc.. Esta impossibilidade de conhecimento abrange, portanto, todas as questões sobre a matéria de facto suscitadas pelo recorrente BB, concretamente a impugnação da matéria de facto provada por referência aos meios de prova, a invocação de vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP e a violação dos princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência e mesmo a invocada violação dos arts. 426º, nº 1 do CPP, art. 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho e art.º 110.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, do Código Penal, posto que tudo tem por referência a pugnada anulação da decisão de facto proferida pelo Tribunal da Relação, do juízo concretamente formulado pela Relação no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto. Neste sentido ea título de exemplo o Ac. do STJ de 11/03/2020 (Rel. Nuno Gonçalves), em que se afirma que a“irrecorribilidade é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação”, ou sejam, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais. Assim e não tendo o recorrente suscitado a apreciação de qualquer questão de direito, importa apenas adscrever algumas considerações relativamente à suscitada inconstitucionalidade da interpretação, que aqui se sustentou, dos arts. 400º, nº 1, al. e) e 432º, nº 1, al. b) do CPP, no sentido da inadmissibilidade, in casu, do recurso com o fundamento invocado pelo recorrente, a saber, o da violação do direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º, nº 1 da Constituição, na medida em que com isso não se garante a reapreciação por uma segunda instância de decisão do Tribunal da Relação que, revogando decisão do Tribunal Coletivo de 1ª Instância que absolvera o arguido o condenou, como consequência do reconhecimento da verificação do vício decisório previsto no art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP (erro notório na apreciação da prova). Como decorre do disposto no artigo 31º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, a lei fundamental garante o direito ao recurso e ao contraditório, mas não o direito a triplo grau de recurso. Como o Tribunal Constitucional vem repetidamente afirmando, o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias. Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. O Tribunal Constitucional nunca considerou desconforme à Constituição a irrecorribilidade do acórdão da Relação inovatoriamente condenatório na parte em que decidiu sobre matéria de facto. Sempre tem considerado aquele Tribunal que as garantias de defesa se consideram suficientemente asseguradas pelo duplo grau dejurisdição ea possibilidade dealegar econtra-alegar em recurso (no recurso para a Relação) sobre a matéria de facto. Como efetivamente sucedeu in casu, o recorrente teve oportunidade de se pronunciar, e pronunciou-se efetivamente, sobre o recurso em matéria de facto interposto pelo Ministério Público com fundamento na verificação dos vícios referidos no artigo 410º, nº 2 do CPP e com fundamento, também, na reapreciação da prova, pelo que nenhuma garantia constitucional foi postergada. Quanto à matéria de direito também decidida pela Relação e nesta parte constituindo decisão inovatória, a lei garante o recurso, direito que o recorrente, todavia não usou. Em princípio, a garantia de duplo grau de jurisdição concretiza o direito de recurso, mas para que tal se mostre compatível com as exigências da Constituição é indispensável – como tem afirmado o Tribunal Constitucional – que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto se apresente como tutela suficiente das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Ou seja, assumindo a Constituição o direito ao recurso do arguido como integrando as suas garantias de defesa, a liberdade conformadora do legislador na definição da recorribilidade das decisões judiciais e do regime de recursos em processo penal não pode deixar de encontrar como limite aquele direito». (Neste sentido Acórdão do TC n.º 429/2016). Assim, tal como vem dizendo o Tribunal Constitucional, desde que a concreta restrição do direito ao recurso não coloque em causa a dimensão essencial deste e seja também justificada, proporcionada e adequada, permitindo sempre que o recurso do arguido seja apreciado por um tribunal de recurso e impedindo apenas que, nos processos em que já houve apreciação da decisão da primeira instância, seja ainda possível o recurso para o STJ relativamente a matérias que não foram já objeto de dupla apreciação, mostra-se respeitado o comando constitucional O direito ao recurso, constituindo, nos termos do nº 1 do artigo 32.º da CRP, uma importante garantia de defesa do arguido, coincide com a garantia de um duplo grau de jurisdição, ou seja, com a garantia de que a causa seja reexaminada por um tribunal superior, perante o qual tenha o arguido a possibilidade de apresentar a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável. Não decorre da Constituição a imposição, em processo penal, do esgotamento de todas as instâncias que a lei preveja. Assim, a limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça a matéria de direito relativamente à qual ainda não houve dupla apreciação, não constitui limitação desrazoável ou desproporcionada dos direitos de defesa dos arguidos, em especial do direito ao recurso. A exclusão de terceiro grau de jurisdição não viola as garantias fundamentais do arguido, nomeadamente as consagradas nos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, nº 1, da Constituição e, em especial, o direito ao recurso.” A.4.2. Quanto ao arguido AA Relativamente a este recurso entende o Ministério Público junto do Tribunal da Relação que o mesmo não merece provimento, consignando para o efeito na respetiva resposta, designadamente o seguinte (transcrição igualmente parcial): “IV – Entende o Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto não assistir razão ao recorrente em qualquer das questões que suscita perante o Supremo Tribunal de Justiça. 1. Quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 426º, nº 1 do CPP, na interpretação segundo a qual pode o Tribunal da Relação não determinar o reenvio do processo à primeira instância para novo julgamento quando conclua pela verificação de alguns dos vícios do art. 410º, nº 2 do CPP, por assim se coartar a garantia do duplo grau de jurisdição e consequente violação do direito ao recurso consagrado no art. 32º, nº 1 da CRP Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva (Direito Processual Penal Português. Do procedimento (marcha do processo), volume III, Lisboa; Universidade Católica Portuguesa, 2014, p. 301), quanto às finalidades dos recursos são configuráveis três modelos: - sistema de cassação, - sistema de substituição e sistema intermédio. Num puro sistema de cassação, o tribunal de recurso limita-se a revogar a decisão recorrida e o tribunal a quo decidirá de novo. No sistema de substituição, o tribunal de recurso substitui a decisão por aquela que considere ser a legal. No sistema intermédio, o tribunal de recurso manda ao tribunal a quo que profira nova decisão com o conteúdo que o tribunal de recurso lhe fixa. No nosso sistema processual penal predomina, apenas com algumas limitações, o sistema de substituição. Como sustenta Joaquim Correia Gomes, in «As sentenças absolutórias, o recurso e o provimento condenatório na relação», Revista do Ministério Público, Ano 31, Abr-Jun 2010, n.º 122, p. 200. “O nosso modelo processual penal de recurso segue essencialmente o modelo de substituição - e não de cassação - na modalidade de apelação limitada, tendo por base o princípio do dispositivo, sendo este o paradigma dos recursos para as Relações.” O Código Processo Penal Português configura os recursos como remédios jurídicos que sempre que possível, devem ter como finalidade a substituição da decisão recorrida por outra que o tribunal superior entenda, no caso de revogação da decisão recorrida, ser aquela que o tribunal recorrido devia ter proferido. As relações, enquanto instâncias de recurso e atentos os seus amplos poderes de cognição (em matéria de facto e em matéria de direito) não podem, em regra, limitar-se a revogar a decisão recorrida, mandando baixar o processo ao tribunal recorrido para que este profira uma nova decisão. A baixa do processo para reforma da decisão só pode/deve ocorrer quando a Relação não disponha de todos os elementos necessários à nova decisão ou não possa proferir decisão substitutiva porque ela impõe ainda o conhecimento de questões que a decisão anulada ainda não ponderou. É o que, a nosso ver, cristalinamente decorre das normas dos artigos 426º, nº 1 e 431º do CPP. Nos termos do artigo 426.º, n.º 1, nahipótesedenão ser possível decidir dacausa, por existência dos vícios previstos no art. 410º do mesmo código, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas. Dispõe, por sua vez, o artigo 431º do CPP, quanto à modificabilidade de decisão recorrida que Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova Em suma, só quando não for possível decidir da causa é que o tribunal ad quem não pode substituir a decisão recorrida por outra. A Constituição da República Portuguesa que claramente consagra o direito ao recurso como uma das garantias de defesaem processo criminal obviamente não definiu o modelo de recursos penais quanto à questão em apreciação, mas, constituindo o direito ao recurso, nos termos do nº 1 do artigo 32.º daCRP, uma importante garantiadedefesado arguido, alei ordinária garante, na conformação daquele direito constitucional, sempre um duplo grau de jurisdição, ou seja que a causa seja reexaminada por um tribunal superior, perante o qual tenha o arguido a possibilidade de apresentar a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável. A alteração de decisão recorrida, em sede de recurso, pela verificação de qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº 2 do CPP, consiste, precisamente, nasubstituição dadecisãopor aquela que o Tribunal superior tem por justa e conforme ao direito, após ao arguido ter sido garantido o direito de se pronunciar sobre o objeto do recurso, como, in casu, sucedeu relativamente ao recursou do Ministério Público em que se pugnou pela alteração da matéria de facto. Os acórdãos proferidos em recurso obedecem, na sua estrutura, aos requisitos das sentenças de primeira instância, estando sujeitos a similares deveres de fundamentação e a exigências de explicitação da decisão absolutória e condenatória, ou seja, os requisitos enunciados na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º, sob pena de nulidade do acórdão, pelo que, dispondo a Relação de todos os elementos para a decisão, nenhum fundamento existe para que, perante a constatação do vício de erro notório na apreciação da prova, tenha que se impor à primeira a instância a prolação de nova decisão expurgada dos vícios que o Tribunal superior, no cumprimento daquela que é a sua função, julgou verificado. Cumpre notar que uma tal exigência de reenvio não existe - nem nos casos de eventual alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respetiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, situação em que é o próprio tribunal de recurso a notificar o arguido para se pronunciar – cfr. art. 424º, nº 3 do CPP; - nem, sequer, nas situações em que em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória na 1ª instância se imponha a condenação do arguido e a determinação da espécie e medida da pena – cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2016, publicado no DR – 1ª Série de 22/02/2016 2. Quanto à arguida nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do CPP – “A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência” O arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público. Não foi requerida audiência no Tribunal da Relação nem a renovação da prova, pelo que se não verifica qualquer ausência do arguido ou do seu defensor em qualquer ato em que a lei exija a respetiva comparência. 3. Quanto à invocada inexistência do vício de “erro notório na apreciação da prova” na decisão de primeira instância, e 4. Ao invocado vício de erro notório da apreciação da prova no acórdão do TRP O recorrente impugna o “acórdão de facto” (aparentemente) com dois fundamentos: i. o de que a Relação errou na decisão sobre o reconhecimento de vícios quanto à matéria de facto, constantes do texto do acórdão de primeira instância, por si e em conjugação com regras de experiência comum; ii. o de que, ao proceder à alteração da matéria de facto nos termos que constam da decisão do TRP, este acórdão “incorreu, ele próprio, em erro notório da apreciação da prova.” Em suma, o que o recorrente pretende, com este recurso, é que se reaprecie, novamente, a matéria de facto para afirmar a inexistência, no acórdão de primeira instância, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP, transpondo-se agora os vícios para o acórdão da Relação. Parece-nos que, nos termos em que vem expresso, não pode o STJ conhecer deste fundamento do recurso. (…)1 Quanto à matéria de direito i. Conquanto as questões de direito venham suscitadas, no essencial, por reporte à matéria de facto que havia sido fixada na primeira instância e que o recorrente entende não dever ser outra que não a ali fixada, ainda assim sustenta que, mesmo admitindo que ao ordenar os trabalhos em causa nos autos, sem prévio procedimento pré-contratual, agiu contra o direito, violando normas de contratação pública e, com isso, regras sobre assunção da despesa pública, isso não pode significar, necessariamente, que a sua conduta possa ser sancionada criminalmente. Assim poderia ser, não fosse o caso de, com as alterações introduzidas à matéria de facto na sequência da procedência parcial do recurso do Ministério Público, também se ter demonstrado que, -ao assim agir, o arguido AA, concertou-se com a sociedade Construções...Lda., tendo em vista a execução célere do troço ...-..., cuja exclusão do Proc. n.º 20... era por eles conhecida, mas que sabiam desagradar à população local; - estava ciente que dava preferência à sociedade arguida na execução da empreitada de obras públicas de pavimentação do troço ...-... e no pagamento do correspondente preço e inerente lucro, ainda que violando conscientemente as regras e as normas aplicáveis à contratação pública, como bem sabia ser o caso, pois, caso fossem cumpridas as regras e as normas aplicáveis não permitiria a execução dos trabalhos sem um procedimento contratual prévio (cfr. facto provado 37, devidamente corrigido); - e mais sabia o arguido/recorrente AA, enquanto ... e no exercício dessas funções, que devia agir tendo exclusivamente em mente o interesse público, e não o seu interesse particular ou de terceiros, atuar com imparcialidade, e respeitar as regras e normas da contratação pública e da contabilidade pública, estando todos cientes que tal não sucedeu (cfr. facto 40); - e também sabia o arguido que a contratação pública é regida pelos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, e que o procedimento de formação de qualquer contrato se inicia com a decisão de contratar, a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, precedendo a sua execução, sem que, no caso vertente, existisse fundamento para a retroatividade do contrato de empreitada (cfr. facto 41); - ao acordar com a sociedade também arguida a pavimentação do troço ...-..., o arguido AA sabia que decidia contra o Direito aplicável e ao solicitar e acordar a extensão da pavimentação do piso da estrada até ..., atuou movido pelo propósito de assegurar para o partido pelo qual se candidatava a maior votação possível nas eleições autárquicas, com consciência de que, da sua conduta, adviria necessário benefício para a empreiteira (factos 42) e 42.a)) Oarguido AA eem conjugação deesforços com o arguido BB, violou conscientemente as regras e as normas aplicáveis à contratação pública, com o propósito de assegurar para o partido pelo qual se candidatou a maior votação possível nas eleições autárquicas e assim concomitante e conscientemente beneficiou a sociedade arguida Construções...Lda.”. Preenchidos estão, por conseguinte, todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito de prevaricação. Comete o crime de prevaricação p. e p. pelo artº 11 da Lei 34/87 de 16 de julho “O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos.” São elementos objetivos do tipo de crime: - a condução ou decisão de um determinado processo no âmbito das suas funções enquanto titular de cargo político; - que a condução ou decisão desse processo se faça, de forma consciente, contra direito. E são elementos subjetivos desse ilícito: - que o agente tenha atuado com a consciência que conduziu ou decidiu esse processo contra direito; - que assim tenha agido com a intenção de beneficiar ou prejudicar alguém. ii. Quanto ao dolo O crime de prevaricação é, manifestamente, doloso, exigindo o conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito objetivo. Porém, acresce ao dolo do facto a descrição de especiais elementos subjetivos do tipo, que caracterizam, de forma mais precisa, a vontade que preside ao comportamento objetivo típico, restringindo assim a conduta incriminada a uma espécie delimitada …De facto o legislador considerou necessária a verificação de um especial grau de consciência dos factos e a consagração de um desvalor de resultado como elemento referencial da intencionalidade, no sentido da não exigência da sua produção, mas da demonstração de actos objetivos que externalizem essa específica orientação da conduta (…) O tipo legal em análise pode classificar-se como um delito de intenção ou de tendência interna transcendente, no sentido de que o agente persegue um resultado, que determina internamente a sua conduta, sem que, contudo, o preenchimento do tipo dependa da efetiva produção desse resultado (in Crime de prevaricação, no âmbito da responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos” Sílvia Marques Alves, RPCC, nº 1, 2015) A exigência de prejudicar ou beneficiar intencionalmente alguém, definido pela doutrina e pela jurisprudência como um dolo específico, apenas significa que para além de se exigir que o titular do cargo político, ao atuar contra direito, saiba que assim está a agir, que tenha conhecimento dos elementos normativos da ação, das normas e princípios jurídicos em toda a sua extensão e que constituem o objeto da ação típica, cuja representação tem de estar presente no espírito do agente para se poder concluir que o mesmo sabia que a sua atuação era contra direito. Ou seja, o dolo deste tipo de crime, como e alcança das expressões “conscientemente” e “com intenção de” leva-nos a concluir que o elemento subjetivo é formado pela consciência de que se está a atuar contra direito, assim se prejudicando ou beneficiando alguém. Voltando ao caso dos autos, a decisão de ordenar a realização de obras foi, tal como demonstrado na decisão recorrida, tomada contra direito por se tratar de obra não prevista no procedimento. A decisão contra direito visou agradar, na véspera de ato eleitoral, a quem protestou pela não realização da obra, do mesmo passo que assim se beneficiavam os candidatos pela lista em que o agente do crime também se candidatava e se beneficiava, também, a sociedade construtora que, desta forma, foi privilegiada na escolha para a realização da obra em prejuízo de outros eventuais interessados. Não se vê como se possa afirmar que tudo isto não foi almejado pelo agente do crime com a decisão contra direito. O dolo foi direto não só quanto à tomada de decisão contra direito, mas também quanto aos fins que com essa decisão se pretendiam alcançar. O arguido conhecia, não podia ignorar pelas funções que exercia de Presidente da Câmara, as regras de contratação pública que tinha que respeitar, bem sabendo que a decisão contra direito determinava obviamente e para além do mais que também pretendia, benefício económico para a sociedade construtora o que, portanto, também foi abrangido pela sua intenção na tomada de decisão contra direito. iii. Quanto à medida da pena O Tribunal da Relação ponderou: a intensidade do dolo, o modo de execução do crime e o respetivo grau de ilicitude, considerando o grau de violação dos deveres que impendiam sobre o arguido que então era ..., o tempo já decorrido sobre os factos, a adequada inserção social e a ausência de antecedentes criminais. Tudo ponderado, considerou-se adequada à culpa e às exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração, a pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na ponderação de que “apesar de serem inegavelmente elevadas as exigências de prevenção geral, ‘sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico’, pelas quais se limita sempre o valor da socialização, a necessária manutenção da ordem jurídica e da fidelidade do público ao direito ainda consente a condenação em pena não detentiva, na confiança de que o arguido se manterá afastado da criminalidade.” Em sede de recurso não é invocada qualquer circunstância que não tenha sido devidamente ponderada pelo tribunal recorrido. Não se afigura relevante a circunstância do arguido não exercer atualmente qualquer cargo político ou público. Numa moldura de 2 a 8 anos de prisão, a pena concreta que apenas excede em um ano o mínimo legal e que se mostra muito distante da metade e do máximo legalmente consentidos, tem-se por justa, adequada e proporcional à medida da culpa. iv. Quanto à também impugnada condenação solidária na perda de vantagens apenas invoca o recorrente que de nenhuma vantagem beneficiou. Ora, como decorre do disposto no artigo 110º nº 1 al. b) do Código Penal, na redação introduzida pela Lei nº 30/2017, de 30/05, em vigor à data da consumação dos factos: 1- São declarados perdidos a favor do Estado: a)… b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. “Vantagem do crime” é tudo aquilo que é adquirido em virtude da prática do crime, ou seja, todo e qualquer benefício que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado. (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário Código Penal”, pág. 460 e João Conde Correia e Hélio Rigor Rodrigues, Revista Julgar online 8, pág. 12.) São pressupostos legais da perda das vantagens: a existência de um facto ilícito típico, a existência de benefícios patrimoniais e a demonstração de que esses benefícios resultaram da prática daquele facto. No caso dos autos, tais pressupostos mostram-se integralmente preenchidos, pois, em consequência dos provados ilícitos criminais a sociedade arguida obteve vantagens económicas. Essas vantagens assim adquiridas devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, constituindo-se como a justa medida destinada a restabelecer a ordem económica conforme ao direito. Os factos provados são cristalinos quanto à comparticipação de todos os arguidos nos factos ilícitos típicos que determinaram obtenção de vantagens pela pessoa coletiva arguida. Não merece, portanto, censura a condenação solidária de todos os arguidos no pagamento ao Estado do valor das vantagens obtidas pela sociedade Construções...Lda. Neste sentido se decidiu no Ac. de 19/04/2023 do TRP, Proc. nº 2460/20.4t8VFR.P1, Rel. João Pedro Pereira Cardoso, que - A declaração de perda do valor das vantagens do crime não depende da demonstração de um efetivo enriquecimento ou obtenção de beneficio pessoal pelo autor do desvio patrimonial, antes e só que da atuação típica ilícita do arguido resultou (nexo causal) uma vantagem patrimonial para si e/ou terceiro. Como se fundamentou neste acórdão, a não ser assim, “o instituto deixaria de fora do seu âmbito de aplicação “os gerentes das sociedades arguidas” (por ex. em crimes de fraude fiscal, abuso de confiança fiscal, abuso de confiança à Segurança Social, entre outros) bem como todos os coautores do crime que participaram com as suas condutas para a obtenção da vantagem patrimonial ilícita desde que a mesma seja canalizada por via direta ou indireta apenas para um dos coarguidos ou, no limite e na maior parte das vezes, desde que não se lograsse em julgamento fazer prova em que esfera patrimonial concretamente reverteu essa vantagem patrimonial. … a perda ocorre aquando da verificação de um facto ilícito típico e do qual resultou a existência de uma vantagem económica para o agente ou outrem. Exige-se apenas um concreto facto ilícito típico e a existência de vantagens com ele obtidas, e do nexo de causalidade entre ambos, independentemente da esfera patrimonial, para a qual resultou a vantagem, pertencer ao arguido ou a um terceiro. Verificados tais requisitos, “a perda da vantagem (ou o pagamento do valor equivalente) deve ser declarada contra aquele agente que, não obtendo para si a vantagem, possibilita e determina, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção por outrem.” Como mui doutamente se afirma no acórdão recorrido e que dispensa mais considerações, a imposição do confisco ao autor do crime, independentemente da demonstração de um efetivo ganho patrimonial é a interpretação mais correta da norma do art.º 110.º, n.º 1, alínea b) do CP. A «exigência de demonstração de obtenção direta da vantagem patrimonial pelos autores do crime equivale a uma restrição do funcionamento dos mecanismos do confisco que não se encontra legalmente prevista e que, para além disso, colide com a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas. Para demonstração de que o crime não compensa e que não se pode tolerar a manutenção de uma situação patrimonial contrária ao direito, deve proceder-se à declaração da perda a favor do Estado das vantagens do facto ilícito típico, substituída, no presente caso, pelo pagamento do respetivo valor a cargo detodos osarguidos,nos termos previstos noart.º 110.º, n.º 1,alínea b) e n.º 4, do Código Penal. Com efeito, o desvio patrimonial que o legislador pretende corrigir com o instituto da perda de bens ou vantagens foi determinado pelo comportamento ilícito dos arguidos AA, BB e CC. Atuando de forma concertada – o primeiro com o segundo e o segundo com a terceira – possibilitaram a obtenção de uma vantagem indevida pela sociedade arguida, sendo, por isso, todos eles solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Estado do valor equivalente ao da vantagem ilicitamente obtida (ou seja, o valor de € 2.321,35, indicado no acórdão recorrido). Paralelamente, todos os arguidos – comparticipantes, inicialmente, no crime de prevaricação, os arguidos AA e BB, e, seguidamente, no crime de falsificação de documento, os arguidos BB e CC - teriam de ser condenados solidariamente com a sociedade arguida no pagamento da indemnização devida ao Estado, nos termos próprios da responsabilidade civil extracontratual, caso tivesse sido formulado pedido de indemnização civil: o que ocorreria independentemente da indagação e prova da obtenção de qualquer benefício patrimonial (direta ou indiretamente) pelos próprios arguidos. … É de notar que mesmo que os arguidos fossem «terceiros» – e não são, sendo antes os autores dos crimes de prevaricação e de falsificação de documento que ocasionaram a vantagem patrimonial para a sociedade arguida – a perda (ou pagamento ao Estado do respetivo valor) poderia ser decretada, desde que estivesse prevista qualquer uma das situações contempladas nas diversas alíneas do nº 2 do art.º 111.º do CP. E é manifesto que estas hipóteses não se restringem às situações em que o terceiro retirou benefícios do facto ilícito cometido por outrem.» Impunha-se, portanto, inequivocamente a condenação da totalidade dos arguidos no pagamento ao Estado do valor equivalente à vantagem indevidamente obtida pela sociedade arguida.” A.5. O parecer do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto nesse Supremo Tribunal de Justiça acompanha a posição do seu Colega e emitiu parecer no sentido de que “ambos os recursos devem ser julgados improcedentes, mantendo-se a decisão recorrida.” A.5. Contraditório Notificados do aludido parecer nenhum dos recorrentes apresentou qualquer resposta. * * * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. B - Fundamentação B.1. âmbito do recurso O âmbito do recurso delimita-se, como se sabe, pelas conclusões dos recorrentes (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal). Dessas conclusões resulta que as questões colocadas pelos recorrentes - e que cumpre apreciar neste recurso – são, em síntese, as seguintes: BB: a. Inconstitucionalidade do disposto nos artigos 400º, nº 1, al. e) e 432º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal; b. Inconstitucionalidade do disposto no art. 426º, nº 1 do mesmo diploma legal; c. (In)existência de erro notório de apreciação da prova. AA: 1. Inconstitucionalidade do disposto no art. 426º nº 1 do Código de Processo Penal; 2. Nulidade estabelecida no artigo 119º al. c) do Código de Processo Penal; 3. Inexistência de erro notório de apreciação da prova; 4. Inexistência dos elementos que integram o crime de prevaricação previsto e punível pelo artigo 11º da lei nº 34/87, de 16 de julho; 5. Medida concreta da pena que lhe foi aplicada excessiva; 6. Incorreta condenação solidária na perda de vantagens. B.2. Matéria de facto B.2.1. Decisão da primeira instância Na primeira instância foram dados como provados e não provados os seguintes factos: «Instruída e discutida a causa, resultaram provados, com relevo para a decisão desta, os seguintes factos: 1. No contexto dos factos narrados infra, o cargo de ... foi ocupado pelo arguido AA até à tomada de posse desse cargo, em 14/10/2017, pela arguida CC, na sequência das eleições autárquicas de 01/10/2017. Até então, esta arguida ocupava o cargo de ..., desde o ano de 2013, acumulando os Pelouros da .... 2. Os dois arguidos referidos concorreram nessas eleições em listas do Partido ...,7 concorrendo o arguido AA como cabeça de lista para o cargo de ..., que veio a ocupar 8. (nota de rodapé 7: Lista para a Câmara Municipal, a arguida CC, e lista para a Assembleia Municipal, o arguido AA; nota de rodapé 8: Cf. https://www.cne.pt/content/eleicoes-autarquicas-2017). 3. A sociedade Construções...Lda. foi constituída em ...1995, dedicada a pavimentações, construção de obras públicas e particulares, compra e venda de materiais de construção, compra e venda de imóveis, entre outros.9 (nota de rodapé 9: Cf. certidão permanente de fls. 351-359). 4. O arguido BB é ... da sociedade arguida e interveio, no contexto dos factos narrados infra, em nome e no interesse desta, para promoção da correspondente atividade comercial. 5. No Município de..., inscreveram-se nas Grandes Opções do Plano (GOP) do ano 2015, com repetição nas GOP do ano 2016, os seguintes projetos: a. .../2015/73 - pavimentação da estrada de ligação de ... a ...); b. .../2015/54 – pavimentação da via de ligação de .../...); c. .../2015/75 – pavimentação da estrada de ...); d. .../2015/56 – pavimentação da via de ligação de ... a ... 6. No Município de..., inscreveram-se nas GOP do ano 2017 os projetos referidos em a., b. e c. do ponto anterior e, ainda o seguinte projeto: 33.../56 – grandes reparações/beneficiação de estradas, entroncamentos, pontes e caminhos.11 (nota de rodapé 10: Cf. Dossier sem indicação de assunto na capa, do ..., contendo as GOP, página 32 (do ano de 2015) e pág. 31 (do ano de 2016); nota de rodapé 11: Cf. Fls. 403 verso e fls. 404; cf. ainda Dossier sem indicação de assunto na capa, do Município de ..., contendo as GOP, páginas 34 e 35 (do ano de 2017). 7. No projeto previsto nas GOP de 2015, 2016 e 2017, sob o código “.../2015/73 - pavimentação da estrada de ligação de ... a ...)”, referido em a. do ponto 5 da factualidade provada, a estrada, tendo em conta os seus pontos extremos, é constituída pelo troço de ... e pelo troço ...-.... Assim, qualquer um destes troços faz parte da estrada do ... e, consequentemente, a sua pavimentação estava prevista nas referidas GOP. 8. Posto isto, foi deliberada pela Câmara Municipal de ... (...) a abertura, em 06/06/2017, do procedimento contratual com o n.º 20..., de concurso público, relativo a “empreitada de pavimentação em tapete em vários locais do concelho”, incluindo os seguintes projetos: a. Pavimentação da Estrada de ... a ...) – Troço .... PPI .../2015/73; b. Pavimentação da Via de Ligação da.... a ... – Troço .... PPI .../2015/54; c. Pavimentação da Estrada de ...). PPI .../2015/75; d. Grandes Reparações/Beneficiações de Estradas, Entroncamentos, Pontes e Caminhos. PPI 33.../56, projeto que contemplava as seguintes vias: i. Pavimentação da Estrada da ... (...); ii. Pavimentação da ...); e iii. Pavimentação da ... e ...).12 (nota de rodapé 12: Fls. 48 a 51e 655 a 663. Cf. Pasta Proc. n.º 20...-Município de ..., fls. 5, 11, 46 a 49 e 87 a 90). 9. Foi adjudicada a empreitada à Construções...Lda., pelo preço contratual de 239.864,53€, classificada no “CPV 45...-7, Pavimentação de estradas”13. (nota de rodapé 13: Cf. fls. 48 a 51). 10. A adjudicação foi determinada por deliberação da Câmara Municipal de ... de 18 de julho de 2017.14. Foi celebrado o contrato de empreitada entre o Município de... (representado pelo arguido AA) e a Construções...Lda.(representada pelo arguido BB), assinado digitalmente nos dias 13/09/2017 e 14/09/2017. Foi o dito contrato publicitado no portal BASE em 14/09/2017.15 (nota de rodapé 14: Cf. fls. 664 e fls. 366, 393 a 398 da Pasta Proc. n.º 20... – Município de ...; nota de rodapé 15: Cf. fls. 49 a 51 dos autos, fls. 393 a 397 e fls. 398 e 399 da Pasta Proc. n.º 20... – Município de ...). 11. O contrato tinha por objeto a execução da empreitada de “Pavimentação em Tapete em Vários Locais do Concelho”, constando expressamente do mesmo, na cláusula 10ª, que integrava os projetos previstos no Plano Plurianual de Investimentos (PPI) para 2017/2020, sob os números .../2015/7316, .../2015/54, .../2015/75 e 33.../56, referidos no ponto 8º da factualidade provada.17 (nota de rodapé 17: O Plano Plurianual de Investimentos (PPI) e as Atividades Mais Relevantes (AMR) compõem as denominadas Grandes Opções do Plano (GOP). 12. Ficou a constar no contrato que ao encargo orçamental correspondiam os cabimentos n.º 7136, 7137, 7138 e 7139, de 31/05/2017, e os compromissos 25737, 25738, 25739 e 25740, de 21/07/2017 (cláusula 12.ª). O cabimento n.º 7138 e o compromisso n.º 25741 respeitavam ao projeto referido em a. do ponto 8º da factualidade provada (PPI .../2015/73).18 (nota de rodapé 18: Cf. fls. 1 a 4, maxime fls. 3 da Pasta Proc. n.º 20...– Município de .... Cf. ainda fls. 366 a 370. O cabimento n.º 7138 e o compromisso n.º 25741 eram no valor de € 99.999,66. O preço unitário da proposta da sociedade arguida para a execução da empreitada do PPI .../2015.73 – Troço ..., a quem foi adjudicada, era de € 64.774.36. Ou seja, o preço da proposta continha-se dentro da despesa autorizada pela Câmara Municipal de ...). 13. Ficou a constar no contrato que os pagamentos devidos seriam “efetuados no prazo de sessenta dias após a entrega das respetivas faturas, tendo por base os autos de medição dos trabalhos realizados e a liquidação dos preços correspondentes” (cláusula 9ª). 14. Por referência ao projeto indicado em a. do ponto 5º e no ponto 7º da factualidade provada, foi executada pela sociedade arguida a pavimentação da estrada entre ... (freguesia de ...) e ... (freguesia de ...)19, entre os dias 23/09/2017 e 26/09/2017, a poucos dias das eleições autárquicas. (nota de rodapé 19: Cf. ortofotomapa de fls. 105 e fls. 40 da Pasta Proc. n.º 20... – Município de ..., respeitante ao Troço ..., cuja pavimentação foi incluída no contrato de empreitada do procedimento vindo de referir; cf. ainda fls. 106, que respeita ao Troço ...-.... Cf. documentos, mails trocados entre a fiscal da obra e o diretor técnico, bem como informação daquela à Chefe da DPO, que inculcam que os trabalhos de pavimentação foram executados no período apontado, cf. fls. 170 a 175, 178, 180 e 181 da Pasta proc. n-º 20...). 15. Não estava, porém, previsto no procedimento contratual por concurso público n.º 20..., mormente na orçamentação 20, caderno de encargos 21, proposta e lista de preços unitários 22, contrato de empreitada, mapa de trabalhos, conta final da empreitada 23, adjudicação ou qualquer outro documento do dito procedimento, a pavimentação do troço entre ... e ... (mas apenas, como já referido, o troço ...). (nota de rodapé 20: Cf. Artigo 1 de Fls. 46 da Pasta Proc. n.º 20...– Município de...; nota de rodapé 21: Cf. fls. 21 a 45 da Pasta Proc. n.º 20... – Município de ...; nota de rodapé 22: Cf. art. 1 de fls. 25 da Pasta Proc. n.º 20... – Município de ...; nota de rodapé 23: Cf. Artigo 1 de fls. 15, fls. 18, fls. 58, 84 e 185 da Pasta Proc. n.º 20...). 16. Sucede que, aproximando-se as eleições autárquicas às quais concorriam os arguidos AA e CC, em listas do mesmo partido político, foi transmitido ao primeiro o desagrado da população local com a não inclusão na empreitada do procedimento n.º 20... do troço ...-..., população que há muito reclamava pela respetiva pavimentação 24, o que lhe foi transmitido, entre outras pessoas, pelo então Presidente da Junta de Freguesia de ..., FF. (nota de rodapé 24: Cf. ofício de fls. 88). 17. Nessa sequência, o arguido AA, no dia 23/09/2017, deslocou-se ao local, tendo verificado que o piso da estrada do troço da ...-... estava em muito mau estado, com desgaste expressivo e depressões acentuadas. Solicitou, nessa ocasião, à sociedade arguida Construções...Lda., cujos trabalhadores estavam a pavimentar o troço ..., que procedesse, logo de seguida, à pavimentação do piso do troço ...-..., o que aquela sociedade, por decisão do Eng. DD, diretor técnico da empreitada e representante da empreiteira no procedimento n.º 20... (25), aceitou fazer, como efetivamente fez. O arguido AA estava ciente que a pavimentação deste troço, não prevista no proc. n.º 20...,26 sendo desejada pela população local, era suscetível de aumentar o número de votos na lista do partido pelo qual, juntamente com a arguida CC, se candidatava às eleições autárquicas. E não ignorava que, desse modo, a sociedade arguida Construções...Lda. seria preferida, como foi, na execução da obra de pavimentação do troço ...-... e no pagamento do correspondente preço, sem a realização de qualquer procedimento contratual prévio. (nota de rodapé 25: Cf. fls. 190 e fls. 195 e 196 da Pasta n.º 20...; nota de rodapé 26: Cf. ortofotomapa de fls. 106). 18. O arguido AA não era candidato, nas eleições autárquicas de 2017, a um órgão executivo da Câmara Municipal de .... 19. A pavimentação do troço ...-..., acordada entre o arguido AA e a arguida Construções...Lda., atuando ambos em conjugação de esforços e vontades, foi executada, nos sobreditos termos, logo após a pavimentação do troço ... – estando este troço previsto no Proc. n.º 20.../2017, mas não aquele –, sem a prévia abertura de procedimento contratual autónomo. Proc. n.º 60...: 20. Posto isto, para permitir a realização do pagamento à sociedade Construções...Lda. pelos trabalhos de execução da pavimentação do troço ...-..., com aparência de respeito pelas regras da contabilidade pública, visto que tal pagamento não estava contemplado no Proc. n.º 20..., não obstante os trabalhos a menos que no mesmo vieram a ser decididos 27, a arguida CC e o arguido BB, em representação da sociedade arguida, puseram-se de acordo quanto à formalização de um novo procedimento contratual, respeitante àquele troço, ainda que posterior à execução da predita pavimentação. (nota de rodapé 27: Cf. fls. 40, 98 e 104 a 109, da Pasta Proc. n.º 20...; e ainda informação de fls. 445 a 447). 21. Nessa sequência, por despacho de 28/11/2017, veio a ser tomada pela arguida CC (28) a decisão de contratar a empreitada de obras públicas, dando início ao procedimento contratual com o n.º 60..., por ajuste direto, que veio a resultar na adjudicação dos trabalhos de pavimentação daquele troço ... à Construções...Lda., pelo preço contratual de € 42.617,50, inserido no CPV 45...-1, Obras diversas de pavimentação. (nota de rodapé 28: Cf. fls. 20, 22 e 23 do Anexo A (numeração no canto superior direito). 22. A adjudicação, decidida por despacho da mesma arguida de 05/12/2017 (29), foi publicitada no portal BASE a 15/12/2017 (30), tendo o contrato de empreitada outorgado entre o Município de ... (representado pela arguida CC) e a Construções...Lda.(representada pelo arguido BB) sido assinado digitalmente no mesmo dia. (31) (nota de rodapé 29: Cf. fls. 57 do Anexo A; nota de rodapé 30: Cf. fls. 42; nota de rodapé 31: Cf. fls. 61 e 62 e fls. 69 a 71 do Anexo A. Fls. 92 a 94 do Pasta do Proc. n.º 60...). 23. Nesse contrato, inscreveram, na sequência daquele acordo, que o contrato tinha por objeto a execução da empreitada de pavimentação da estrada de ... a ..., acrescentando a esse objeto: “- Troço ...” (cláusula 3.ª). 24. Com o assentimento da arguida CC, a eng. GG, funcionária da Divisão de Planeamento e Obras do Município de ..., elaborou o Caderno de Encargos (32) e o Programa e Projeto de Execução (Memória Descritiva)33. (nota de rodapé 32: Cf. fls. 6 a 17 do Anexo A; nota de rodapé 33: Cf. fls. 18 do Anexo A). 25. O arguido BB, em nome e no interesse da sociedade arguida, subscreveu o documento intitulado DECLARAÇÃO 34, datado de 04/12/2017, no qual declarou ter tomado conhecimento do caderno de encargos do contrato e que a sua representada se obrigava a executar este último em conformidade com o dito caderno e nos termos previstos na proposta e na lista unitária de preços unitários final, e noutros documentos anexos, necessários para a formalização do procedimento, apesar de bem saber que o dito contrato já se encontrava executado. (nota de rodapé 34: Cf. fls. 27 a 55 do Anexo A). 26. O cabimento de despesa foi autorizado por despacho da arguida CC, de 13/11/2017 (35). (nota 35: Cf. fls. 5 do Anexo A) 27. Atenta a execução da obra, foi emitida pela Construções...Lda. por ordem do arguido BB, a fatura FA 2017/..., com alusão ao compromisso n.º .../2017, no valor de 45.185,15€ (36), com IVA incluído, e o recebimento n.º .../2017, de 28/12/2017 (37), confirmando o recebimento do preço da pavimentação de tal troço. (nota 36: Cf. fls. 131; nota 37: Cf. fls. 132 e 133). Os limites trienais – impedimento de convite a contratar: 28. Ademais, à data, em procedimento de formação de contratos de empreitada de obra pública, estava vedado à entidade adjudicante, como era o caso do Município de ..., convidar a apresentar propostas em procedimento de ajuste direto as entidades às quais a entidade adjudicante tivesse adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, na sequência de ajuste direto, propostas para a celebração de contratos cujo objeto fosse constituído por “prestações do mesmo tipo ou idênticas” às do contrato a celebrar, e cujo preço contratual acumulado fosse igual ou superior a 150.000,00€ (38). (nota 38: Cf. art. 113.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, conjugado com o art. 19.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma legal (na versão do Dec.-Lei n.º 214-G/2015 de 02/10, então vigente). 29. Estava já então em vigor o Vocabulário Comum para os Contratos Públicos (CPV) (39), que é um sistema único de classificação aplicável aos contratos públicos, com o objetivo de normalizar as referências que as autoridades e entidades adjudicantes utilizam para caracterizar o objeto dos seus contratos públicos. (40) (nota 39: Cf. fls. 448 a 456; nota 40: O Common Procurement Vocabulary, ou CPV, foi instituído pelo Regulamento (CE) n.º 2195/2002 de 05/11/2002, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 213/2008 da Comissão Europeia, de 28/11/2007. Cf. nomeadamente os considerandos deste último Regulamento, consultável no sítio da internet base.gov.pt. Nos considerandos do primeiro dos regulamentos referidos, consta que “o recurso a diferentes nomenclaturas prejudica a liberalização e a transparência dos contratos públicos europeus” e ainda que os “Estados-Membros devem dispor de um sistema único de referência, que utilize a mesma descrição dos bens nas línguas comunitárias oficiais e o mesmo código alfanumérico correspondente e que permita, assim, derrubar as barreiras linguísticas a nível comunitário”. Cfr. ainda as Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2004/17/CE e 2004/18/CE, relativas aos processos de adjudicação de contratos, no que respeita à revisão do CPV. a. O CPV era, e é, de utilização obrigatória pelas entidades adjudicantes (modelos publicados em anexo à Portaria n.º 701-A/2008 de 29 de julho). 30. O CPV contém um Vocabulário Principal e um Vocabulário Suplementar. O Vocabulário Principal assenta numa estrutura de códigos em árvore de até 9 algarismos (um código de 8 algarismos e um algarismo de verificação), associados a uma designação que descreve o tipo de fornecimentos, obras ou serviços objeto do contrato. No código numérico: os primeiros 2 algarismos identificam as divisões (XX000000-Y); os primeiros 3 algarismos identificam os grupos (XXX00000-Y); os primeiros 4 algarismos identificam as classes (XXXX0000-Y); os primeiros 5 algarismos identificam as categorias (XXXXX000-Y); cada um dos três algarismos finais acrescenta um grau de precisão suplementar, dentro de cada categoria. (41) (nota 41: Cf. Anexo I do Regulamento (CE) n.º 213/2008 da Comissão Europeia, de 28/11/2007). 31. Para aferir da existência de “prestações do mesmo tipo ou idênticas”, era utilizável pelas entidades adjudicantes como critério a classificação CPV dos contratos, nomeadamente os primeiros 5 algarismos, que definem a categoria da prestação. (42) (nota 42: Cf. Acórdão n.º 3/2022, do Tribunal de Contas, 3.ª Secção, de 12/01/2022). 32. Verificava-se à data da adjudicação realizada no Proc. n.º 60... a realidade descrita no quadro que segue (43):
(nota 43: Fls. 278-279). 33. Considerando que em tais casos estão em causa prestações do mesmo tipo ou idênticas, tendo por referência os primeiros cinco dígitos do CPV, 45233 no caso, quando foi decidido adjudicar a empreitada do Proc. n.º 60..., a sociedade arguida já havia ultrapassado o preço contratual acumulado de 150.000,00€ correspondente ao máximo legalmente imposto (sendo já esse o caso do Proc. n.º 31...), o que não demoveu os arguidos de agir como descrito. 34. Como foram executados trabalhos a menos no âmbito do Proc. n.º 20..., o pagamento neste caso veio a cifrar-se em €172.953,96, acrescido de IVA; e não o preço adjudicado de € 239.864,53, acrescido de IVA. (44) Se considerado o preço adjudicado de 42.617,50€, acrescido de IVA, do Proc. n.º 60..., a sociedade arguida acabou por receber, de ambos os procedimentos, o total € 215.571,46, acrescido de IVA. (nota 44: Fls. 107 da Pasta Proc. n.º 20...). 35. No entanto, apesar de os trabalhos a menos se terem vindo a tornar uma realidade, a pavimentação do troço entre ...-... (45): a. Não resultava necessária em razão de erro ou omissão no âmbito do Proc. n.º 20...; b. Não era necessária para a execução da obra incluída no Proc. n.º 20...; c. Era tecnicamente e economicamente separável da obra incluída no Proc. n.º 20..., não se impondo a sua execução para a realização das obras contempladas neste. (nota 45: Arts. 370.º a 382.º do Código dos Contratos Públicos na versão instituída e em vigor pelo Decreto-Lei n.º 214- G/2015, de 02/10). 36. Agiram os arguidos BB - em nome e no interesse da sociedade Construções...Lda. -, e CC, em conjugação de esforços, intentos e vontades, nos moldes descritos supra. 37. Os arguidos AA e a sociedade Construções...Lda., atuando esta através do diretor técnico da obra, eng. DD, concertaram-se, tendo em vista a execução célere do troço ...-..., cuja exclusão do Proc. n.º 20... era por eles conhecida, mas que sabiam desagradar à população local. Cientes que davam preferência à sociedade arguida na execução da empreitada de obras públicas de pavimentação do troço ...-..., e no pagamento do correspondente preço e inerente lucro, ainda que violando conscientemente as regras e as normas aplicáveis à contratação pública, como bem sabiam ser o caso, pois caso fossem cumpridas não permitiriam a execução dos trabalhos sem um procedimento contratual prévio. 38. Sabiam os arguidos CC e BB, atuando este em nome e no interesse da sociedade arguida Construções...Lda., que esta última não podia ser convidada a apresentar proposta no procedimento n.º 60..., porque havia sido beneficiária nos dois anos anteriores de contratos, tendo por objeto prestações do mesmo tipo ou idênticas, celebrados por ajuste direto, em valor superior a € 150.000,00. 39. BB, em especial, atuou visando promover as atividades a que se dedicava a Construções...Lda., e obter o correspondente pagamento, ainda que violando as regras e normas aplicáveis. 40. Sabiam todos os arguidos que AA, enquanto ... da Câmara Municipal, e CC, enquanto ..., respetivamente, e como indicado, no exercício dessas funções, deviam agir tendo exclusivamente em mente o interesse público, e não o seu interesse particular ou de terceiros, atuar com imparcialidade, e respeitar as regras e normas da contratação pública e da contabilidade pública, estando todos cientes que tal não sucedeu. 41. E, ainda, que a contratação pública é regida pelos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, e que o procedimento de formação de qualquer contrato se inicia com a decisão de contratar, a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, precedendo a sua execução, sem que, no caso vertente, existisse fundamento para a retroatividade do contrato de empreitada. 42. Sabia, pois, o arguido AA que, ao acordar com a sociedade arguida a pavimentação do troço ...-..., decidia contra o Direito aplicável. 43. Os arguidos CC e BB, atuando este em nome e no interesse da sociedade Construções...Lda., em conjugação de esforços e intentos, quiseram fazer constar falsamente do Proc. n.º 60... o ajuste direto por referência a uma empreitada ainda por realizar, bem como a proposta efetuada pela Construções...Lda. por referência a empreitada ainda por realizar, estando perfeitamente cientes que essa empreitada já havia sido executada, e que as menções à execução futura, nos documentos do procedimento, eram por isso contrárias à realidade dos factos, o que fizeram para dissimular que a execução da obra já ocorrera, com a intenção de que o pagamento da empreitada à sociedade arguida por parte da entidade adjudicante se pudesse realizar, em consonância com as regras da contabilidade pública e, ainda, com a intenção de dificultar a fiscalização das autoridades de auditoria e de controlo e assim se eximirem à responsabilização, sabendo até que a sociedade arguida não poderia ser convidada a apresentar propostas no procedimento n.º 60.... 44. Em tudo, agiram de um modo livre, deliberado e consciente, cientes de que incorriam em responsabilidade penal. * 45. Havia anos, tendo por referência setembro de 2017, que a estrada entre ... e ... tinha um pavimento em semipenetração betuminosa, com superfície de desgaste muito degradada e deformada, com buracos que abriam, o que obrigava à intervenção frequente da brigada de cantoneiros da edilidade. 46. O arguido AA, como transmitia à população e aos presidentes de Junta, tinha a preocupação de que a realização de obras de pavimentação das estradas com tapete betuminoso fosse precedida da execução das infraestruturas, nomeadamente a colocação das tubagens de saneamento e de abastecimento de água, de modo a evitar que, pouco tempo depois da aplicação do tapete, tivessem de ser feitos rasgos na estrada, deteriorando o respetivo piso. 47. A execução das infraestruturas dos serviços públicos de água era, como é, da responsabilidade da empresa pública Águas...SA (Águas...SA). 48. Apesar de a estrada entre ... e ... estar com piso mau em toda a sua extensão, atento o facto de não ter ainda a garantia de as Águas...SA procederem à instalação da conduta de saneamento entre o lugar de ... e ..., o arguido AA deu instruções aos serviços municipais para incluir no objeto da empreitada do Proc. n.º 20... somente a pavimentação do troço de ... até .... 49. A realização da pavimentação da estrada, entre ... e ..., foi pedida pela Junta de Freguesia de ..., tendo esse pedido sido reforçado verbalmente junto do vereador do pelouro da Câmara de ..., HH, pelo presidente daquela junta, FF, particularmente aquando da execução dos trabalhos de pavimentação do troço .... 50. Quando se iniciou a pavimentação deste troço, e a população se apercebeu que a pavimentação chegaria apenas a ..., foi pedido ao arguido AA que se deslocasse ao local para ver que o piso da estrada estava péssimo. 51. O arguido AA deslocou-se ao local e verificou que o piso do troço ...-... estava em muito mau estado. 52. Esse troço fazia parte do percurso que fazia o autocarro escolar no transporte de alunos para as escolas em ... e, para além do trânsito local, era utilizado por muitos visitantes, vindos de fora, em direção à Serra .... 53. Estas circunstâncias, com repercussão na segurança do trânsito da via, preocuparam o arguido. 54. Vieram a ser suprimidos à empreitada do proc. n.º 20... trabalhos previstos e contratados, por deliberações da Câmara Municipal de... de 19/12/2017 e de 06/03/2019, (46) nomeadamente, nesta última deliberação, a pavimentação: do troço entre ... e a ...; do troço de estrada entre ... e ...). Donde resultou a existência de trabalhos a menos naquela empreitada (nota 46: Cf. atas das reuniões de Câmara juntas a fls. 33 e 112 e informações de trabalhos a menos, da DPO, de fls. 40 e de fls. 105, todas da Pasta n.º 20.... E ainda 1º Adicional ao Contrato de Empreitada, do Proc. n.º 20..., outorgado em 02/04/2019, junto a fls. 104). 55. O arguido AA, ao solicitar e acordar a extensão da pavimentação de ... a ..., estava ciente de que beneficiaria, como beneficiou, da presença das máquinas e equipamentos no local e que seria praticado o mesmo preço unitário contratual resultante do concurso público. 56. O arguido AA, no dia 23/09/2017, informou da decisão de estender a pavimentação de ... a ... quer o Vereador do Pelouro das Obras Municipais, HH, quer a responsável técnica pela fiscalização da obra, Eng. GG, solicitando-lhes que acompanhasse a execução dos trabalhos e ainda a esta última que acompanhasse a medição e que preparasse os elementos necessários à formalização dos trabalhos assim decididos realizar. 57. O arguido AA não deu ordens ou instruções expressas para lançar um novo procedimento contratual. 58. O presidente da Junta de Freguesia de ... militava em partido diferente dos arguidos AA e CC. Era candidato à Câmara Municipal, ao cargo de vereador pela coligação do ... e do ..., com a designação .... Era também candidato, como 2ª da lista, pela mesma coligação, à Assembleia de Freguesia de .... 59. De acordo com os Relatórios de Gestão da Câmara Municipal de ..., aprovados pelos órgãos competentes, foram a seguintes as taxas de execução financeira das Grandes Opções do Plano (GOP) (47), foram as seguintes: - 2013 ………. 71,16% (ano eleitoral) - 2014 ………. 72,13% - 2015 ………109,32% - 2016 ……… 118,61% - 2017 ………. 74,09% (ano eleitoral) - 2018 ………. 59, 95% - 2019 ………. 73,30% - 2020 ………. 74,21% - 2021 ………. 72,58% (ano eleitoral). (48) (nota 47: As Grandes Opções do Plano (GOP) integram o Plano Plurianual de Investimentos (PPI) e as Atividades Mais Relevantes (AMR); nota 48: Cf. documentos 5 a 13, de fls. 668 a 697). 60. O Município de ... transitou em 31 de dezembro de 2016 com uma capacidade de endividamento no valor de 17.057.208,44 euros, sendo que em 31 de dezembro de 2017, ano durante o qual decorreram as eleições, o saldo transitado para o ano seguinte foi de 17.452,311,73 euros. (49) (nota 49: Cf. fls. 698). 61. No que respeita às disponibilidades financeiras, o Município de ... transitou no final do ano económico de 2016 com um saldo em dinheiro de operações orçamentais, próprio, no valor de € 3.525.673,13, saldo que no final de 2017 foi de € 4.310.511,56. (50) (nota 50: Cf. “Resumo Diário da Tesouraria” números 247 de 30/12/2016 e 244 de 29/12/2017, juntos a fls. 699 a 701). 62. No ano de 2005, quando o arguido AA iniciou o seu primeiro mandato, o Município de ... registava uma dívida a terceiros, de operações orçamentais, no valor no valor de 4.251.435,46€, sendo que no final de 2017, termo do último mandato, a dívida registava € 2.437.587,76. No ano de 2021, na presidência da arguida, CC, o Município registava uma dívida a terceiros de €1.212813,43. (51) (nota 51: Cf. Relatórios de Gestão dos anos de 2005, 2017 e 2021, na parte intitulada de “Evolução da Dívida de e a Terceiros”, de fls. 703 a 715). 63. A gestão financeira do Município de ... foi referida no Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, editado pela Ordem dos Contabilistas Certificados, com o apoio do Tribunal de Contas, sendo referido como um dos municípios que, em 2017, ano eleitoral autárquico, integrava o ranking dos que apresentam, entre outras referências positivas, “maior equilíbrio orçamental”, “melhor índice de dívida total” e uma das melhores classificações no “ranking global” dos municípios portugueses. (52) (nota 52: Cf. Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, pág. 161, 214 e 319, in https://www.occ.pt/noticias/...../). 64. O lugar de ..., da freguesia de ..., contava com uma população, nos censos de 211, de 111 residentes. A freguesia de ..., ao tempo das eleições autárquicas de 2017, contava 1 163 eleitores inscritos. 65. Os troços de estrada suprimidos na empreitada do procedimento n.º 20... ficam situados em ..., freguesia que contava, em 2017, com 933 eleitores inscritos, e em ..., que contava, em 2017, com 2036 eleitores inscritos. (53). (nota 53: Cf. Mapa Oficial dos Resultados Eleitorais n.º 1-A/2017 da CNE, publicado no DR, n.º 231, 1ª série, de 30/11/2017). 66. A lista em que concorreu o arguido AA à Assembleia Municipal de ... obteve 7753 votos (52,07%), tendo a segunda lista mais votada obtido 5790 votos (38,88%). 67. A lista em que concorreu a arguida CC à Câmara Municipal de ... obteve 8220 votos (55,20%), tendo a segunda lista mais votada obtido 5425 votos (36,43%). (54) (nota 54: Cf. Mapa Oficial dos Resultados Eleitorais n.º 1-A/2017 da CNE, publicado no DR, n.º 231, 1ª série, de 30/11/2017). 68. Na empreitada do proc. n.º 20..., cujo valor de adjudicação era de €239.864,53, a autarquia decidiu unilateralmente suprimir trabalhos no valor € 66.910,57 (trabalhos a menos), tendo a sociedade arguida executado apenas €172.953,96, acrescido de IVA. Na conta final da empreitada, elaborada pela autarquia, não foi liquidada indemnização alguma à empreiteira, não tendo esta, a ora arguida Construções...Lda., reclamado da dita conta final. (55) (nota 55: Fls. 18 da Pasta 20/2017). * 69. A sociedade Construções...Lda. para a realização da empreitada de pavimentação do troço ...-..., forneceu e aplicou diversos materiais na obra, tendo utilizado máquinas e recorrido a mão-de-obra, tendo suportado os correspondentes custos. 70. No ano de 2017, a sociedade arguida fez vendas e prestações de serviços no valor de € 14.762.045,56, tendo apurado um lucro tributável, antes de impostos, de € 803.890,26. A coleta (de IRC) ascendeu à quantia de € 168.216,95. Considerando a derrama e tributação autónoma e deduzidos os benefícios fiscais e os pagamentos por conta, entre o mais, fez o pagamento autoliquidado, a título de IRC, no montante de € 36.005,66. 71. A empreitada da pavimentação do troço ...-... trouxe um lucro para a sociedade arguida no valor líquido de € 2.321,35. * 72. O arguido AA é casado. A esposa, de 54 anos de idade, é doméstica. 73. A relação conjugal é sentida por ambos como gratificante e emocionalmente estável, com entreajuda mútua. 74. O arguido terminou, em outubro de 2017, o seu terceiro, e último, mandato como ... da Câmara Municipal de .... 75. A dedicação à atividade autárquica retirava-lhe disponibilidade para a família, tendo contado, durante o período em que exerceu funções como autarca, com o apoio e a colaboração da esposa no acompanhamento dos filhos. A esposa do arguido, a partir da gravidez do segundo filho, optou por se dedicar exclusivamente à família. 76. O arguido AA trabalha, desde março de 2020, em .... Visita a família em Portugal com uma periodicidade trimestral, permanecendo usualmente no nosso país pelo período de duas a três semanas. 77. A ausência regular do arguido no estrangeiro, por motivos profissionais, determinou a necessidade de readaptação do seu quotidiano. Não obstante, considera ter mais disponibilidade para a família agora do que no tempo em que era autarca. 78. O casal reside, desde janeiro de 2000, numa moradia de sua propriedade, com espaço exterior, localizada em zona sem problemáticas sociais de relevo. 79. O arguido AA é engenheiro técnico, tendo estudado do ISEP. Concluiu a licenciatura aos 26 anos. Durante a frequência do ensino superior, já lecionava. 80. Após a conclusão da sua formação académica integrou imediatamente os quadros superiores da Brisa-Autoestradas de Portugal, onde exerceu funções durante cerca de 10 anos. Trabalhou depois em empresas ligadas à construção de autoestradas em Portugal. Cessou a atividade profissional nessa área em 2005, quando foi eleito ... da Câmara Municipal de .... 81. Iniciou a atividade política na freguesia de ..., sua terra natal, tendo sido eleito ... de junta de freguesia em 1993. Este foi o seu primeiro cargo político, que exerceu até 2001. 82. AA exerceu as funções de presidente da Câmara Municipal de ... em exclusividade de 2005 até 2017, altura em que, por impossibilidade legal de se recandidatar, assumiu as funções de ... da Proteção Civil, que desempenhou cerca de dois anos, até setembro de 2019, tendo renunciado ao cargo na sequência da instauração de inquérito sobre alegadas irregularidades em negócios públicos. 83. Por essas alturas, os rendimentos do agregado provinham do vencimento do arguido como ... da Câmara Municipal e, depois, como ... da Proteção Civil. 84. Atualmente exerce funções como diretor geral da empresa A...Lda., em ..., e de gestor agrícola na empresa C...Lda., localizada em .... Ambas as empresas fazem parte do mesmo grupo. 85. A sua situação profissional atual foi precedida de deslocação a ..., em 2019, para avaliação das condições de trabalho que lhe eram propostas. 86. O arguido aufere mensalmente € 7000 líquidos. O valor das despesas do agregado ascende a cerca de € 3000, com a habitação, os gastos do casal e o apoio regular aos agregados de ambos os filhos. O arguido AA não tem despesas com a sua estada em .... A sua situação económica é sentida, por si próprio, como satisfatória. 87. O arguido AA tem uma imagem local associada ao seu percurso autárquico, sendo-lhe reconhecido mérito no desenvolvimento comunitário, proximidade aos residentes e interação regular e equilibrada. É pessoa respeitada e conceituada pela generalidade dos que o conhecem. 88. O arguido sempre sentiu a vida política como gratificante, sobretudo como autarca, considerando ter qualidades de liderança e sentindo-se reconhecido 89. O presente processo não tem repercussões conhecidas no seu quotidiano, quer laboral, quer familiar, quer social. 90. Não tem antecedentes criminais. * 91. A arguida CC vive com o filho, II, de 22 anos, estudante do curso superior de Gestão do Desporto, no ... (...). 92. As dinâmicas familiares e parentais são afetivamente gratificantes e solidárias, quer ao nível da relação parental/filial, com investimento no futuro e interesses do descendente, bem como, no relacionamento da arguida com os quatro irmãos, também residentes em ..., refletindo-se esta união e solidariedade nos cuidados partilhados para com a progenitora, pessoa com alguma idade e fragilidades de saúde. 93. A arguida e o filho vivem em moradia, com adequadas condições, propriedade dos pais do arguido, inserida em meio não associado a problemáticas sociais e criminais. 94. A arguida é licenciada em ..., pelo Instituto ..., com pós-graduação em .... 95. Durante vários anos, a arguida CC foi responsável pelo Posto ... (...), em ..., tendo este sido o seu primeiro emprego como funcionária pública, no ano de 1987. 96. Posteriormente, integrou os Serviços Centrais desta Região de Turismo, onde foi ... dos serviços (administrativos, financeiros, técnicos/promoção) e ... de Promoção Interna e Externa. 97. Entre 2009 e 2017, primeiramente como vereadora e depois, a partir de 2013, como ..., teve a seu cargo os pelouros do ...do Câmara Municipal de .... 98. A arguida é, desde outubro de 2017, ... da Câmara Municipal de ..., cumprindo atualmente o segundo mandato. 99. A arguida aufere mensalmente, como presidente da câmara, cerca de € 2500 líquidos. Os encargos fixos do agregado, com amortização de empréstimos e despesas de água e luz e propinas, ascendem a €432 mensais. 100. A situação económica do agregado é ajustada às necessidades, apesar de, para o efeito, ser necessária uma gestão ponderada dos recursos. 101. No meio sociocomunitário onde a arguida CC está inserida dispõe de imagem social positiva, sendo vista como pessoa dedicada ao trabalho, disponível para os outros e sensível às causas sociais da região. 102. É referenciada como elemento ativo em prole da comunidade local, envolvendo-se em relações e ações pró-sociais, na sua maioria no exercício das funções de autarca, mas também, como habitante de .... 103. Atualmente, assume também a ... daAD... e da A.... Integra igualmente o Conselho Estratégico.... 104. Para além do envolvimento na coletividade e do tempo passado em família, dedica-se a atividades ao ar livre e junto da natureza. 105. O presente processo causou na arguida surpresa, alguma revolta e indignação, por se ver confrontada com o sistema da justiça penal. Já teve implicações negativas na sua vivência, sobretudo em termos emocionais, por se sentir afetada na sua dignidade pessoal, e ainda socialmente, devido impacto mediático da situação, tendo em conta a sua imagem pública, embora considere que a arguida que esta não foi de todo afetada. 106. Não tem antecedentes criminais. * 107. O arguido BB é casado com JJ, de 66 anos. Dessa união nasceram dois filhos, já profissionalmente ativos e autonomizados. 108. O arguido tem uma vida familiar estabilizada, desenvolvendo com a esposa dinâmicas habituais de convívio e de partilha. Recebem em casa os filhos e os netos. Entre todos existe um relacionamento harmonioso. 109. O arguido e a esposa vivem numa moradia, propriedade do casal, inserida em zona não associada problemáticas sociais ou criminais. 110. Trata-se de uma moradia unifamiliar (T 5 + 1), de arquitetura moderna, ladeada por áreas verdes (jardim e vegetação) em zona residencial de meio peri urbano, que dispõe de adequadas condições de habitabilidade e conforto. 111. O arguido BB tem o 4º ano de escolaridade. 112. Desde os seus 21 anos de idade, trabalha na área da construção civil e obras públicas. 113. É sócio e gerente da sociedade arguida Construções...Lda., empresa familiar de construção civil e de obras públicas, onde também trabalham a esposa e os filhos, em funções e cargos distintos (a primeira como gerente e os descendentes como técnicos que coadjuvam o arguido na supervisão e orientação dos trabalhos). 114. O arguido define-se como pessoa que “se fez a si próprio”, pelo seu afinco no trabalho, tendo logrado aceder a um nível de vida favorecido e a um estatuto social reconhecido no meio. 115. O arguido aufere mensalmente o vencimento líquido de € 2376, sendo o montante total das despesas fixas do agregado de cerca de €3800. 116. O arguido BB é visto na comunidade, de um modo geral, como pessoa voluntariosa, de convicções fortes e espírito audaz – podendo por vezes ser excessivo ou impetuoso - que soube sempre orientar os seus negócios e rodear-se de pessoal técnico habilitado e capacitado para o ajudar empresarialmente na resposta aos desafios contratuais. 117. É visto como pessoa altruísta, não só pela sua ligação e dedicação ao clube da terra, mas também pelo envolvimento em iniciativas/campanhas em prol do bem comum e social (apoiando, designadamente, a corporação de bombeiros local). 118. O arguido BB é, há mais de 15 anos, presidente do Clube Desportivo de ..., cargo que exerce com gosto e entusiamo. Muito do reconhecimento social de que goza advém deste cargo. 119. O arguido BB não sentiu impactos negativos decorrentes do seu envolvimento no presente processo, seja a nível da sua vida pessoal e familiar ou empresarial. 120. Foi condenado, no processo n.º 8.../20..., por sentença transitada em julgado em 05/01/2023, pela prática, em 2020, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º da Lei n.º 5/2006 de 23/02, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 8. * 121. A sociedade arguida Construções...Lda. para além do arguido BB, tem por sócia e gerente a esposa deste, JJ. Tem o capital social de € 500.000,00. 122. No ano fiscal de 2019, a sociedade Construções...Lda. realizou vendas e prestações de serviços no valor € 21.160.323,15. Teve gastos com o pessoal no valor de € 3.107.218,71. Apresentou um resultado antes de impostos de € 1.884.314,06. Teve um resultado líquido, nesse período, de € 1.472.321,80. 123. No ano fiscal de 2020, realizou vendas e prestações de serviços no valor de € 20.924.580,59. Teve gastos com o pessoal no valor de € 3.240.374,42. Apresentou um resultado antes de impostos de € 4.897.310,63. Teve um resultado líquido, nesse período, de € 4.685.960,13. 124. No ano fiscal de 2021, realizou vendas e prestações de serviços no valor de € 22.187.761,5. Teve gastos com o pessoal no valor de € 3.328.109,75. Apresentou um resultado antes de impostos de € 2.166.363,22. Teve um resultado líquido, nesse período, de € 2.228.396,59. 125. No final do ano fiscal de 2021, o total do ativo da sociedade era de € 29.219.323,33 e o total do passivo de € 4.177.683,18. * Da discussão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, tendo designadamente resultado não provados os seguintes: I. O arguido BB foi quem, em seu nome, lidou pessoalmente com os demais arguidos. II. O projeto com o n.º 33.../56 foi incluído nas GOP dos anos de 2015 e 2016. III. O procedimento n.º 20... contemplava: por referência ao projeto n.º .../2015/73, a pavimentação do troço .../...; e, por referência ao projeto n.º 33.../56, a pavimentação da via de ligação de ... a ...). IV. O projeto previsto nas GOP sob o n.º 33.../56 contemplava a pavimentação da via de ... a ...). V. A adjudicação da empreitada do procedimento contratual n.º 20... foi determinada por despacho da arguida CC de 19/07/2017. VI. A pavimentação do piso do troço entre ...-... não estava prevista nas GOP dos anos de 2015 a 2017. VII. O presidente da Junta de Freguesia de ..., aproximando-se o dia das eleições autárquicas de 2017, transmitiu ao arguido AA o desagrado da população local com a exclusão do troço ...-.... VIII. O arguido AA acordou a realização da pavimentação do troço ...-... com o arguido BB, por si e enquanto representante da sociedade arguida. IX. O arguido AA, ao solicitar e acordar a extensão da pavimentação do piso da estrada até ..., atuou movido pelo propósito de assegurar para o partido pelo qual se candidatava a maior votação possível nas eleições autárquicas e/ou pelo propósito de beneficiar a sociedade arguida Construções...Lda. X. O arguido AA obteve o acordo da arguida CC, na sua qualidade de ..., para a imediata pavimentação do piso do troço (de ...) até ..., acordo esse reforçado depois da tomada de posse desta como... da Câmara Municipal de .... XI. Foi acordado entre todos os arguidos a execução da pavimentação do troço de ... até ... sem a prévia abertura de procedimento contratual, tendo atuado todos os arguidos em conjugação de esforços e intentos. XII. O arguido AA recebeu indicações da empresa Águas...SA de que apenas em 2018 esta iria instalar a conduta de saneamento no troço de estrada entre ... e .... XIII. O estado do piso do troço ...-... tinha-se agravado, de modo relevante, já depois de lançado o procedimento por concurso público n.º 20.... XIV. Em setembro de 2017 já havia sido decidido suprimir, no procedimento n.º 20..., a pavimentação dos seguintes troços de estrada: o troço entre ... e a ...; o troço de estrada entre ... e ...). XV. O arguido AA mandou estender a pavimentação do piso de ... a ... a título de trabalhos complementares, ciente de que se tratava de trabalhos urgentes, estando convencido de que tinha cobertura contratual e legal para mandar executar tais trabalhos ao abrigo da figura dos trabalhos a mais, prevista no art. 370º e segs. do Código dos Contratos Público em vigor ao tempo. XVI. Nunca esteve na mente do arguido AA que se estaria perante uma nova empreitada, nem de um novo procedimento contratual. XVII. A sociedade arguida deixou de realizar os trabalhos suprimidos da empreitada n.º 20... por decisão do arguido AA. XVIII. O arguido AA estava convencido que a situação teria sido formalizada como trabalhos a mais no âmbito da empreitada adjudicada por concurso público. XIX. A arguida CC, até assumir a ... da Câmara Municipal de ..., não tinha, nem adquirira conhecimento ao nível do regime jurídico da contratação pública. XX. Quando assumiu a ... da Câmara Municipal eram os serviços administrativos que, sempre que era necessário recorrer ao regime da contratação pública, escolhiam o tipo de procedimento adequado, limitando-se o decisor a assinar os documentos procedimentais que eram da sua competência. XXI. Depois de eleita ... da Câmara de ..., a arguida CC estava convencida que o procedimento estava arrumado, julgando que o troço ...-... ficara incluído nos trabalhos complementares. XXII. Os arguidos AA, CC e BB, em seu nome e no interesse da sociedade arguida, não podiam ignorar que se deve ter em conta os primeiros cinco algarismos que definem a classificação CPV». Motivação da decisão (transcrição parcial): Resulta, de modo incontroverso das declarações dos arguidos, dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos testemunhais, mormente de KK, FF, LL, GG, HH e DD que a Estrada de ligação de ... (freguesia de ...) a ... (freguesia de ...), atento o sentido ascendente, passa pelo lugar de ..., lugar este da freguesia de ... (se considerado o sentido descendente da via, a estrada segue por .... Consequentemente, a estrada entre ... e ... pode ser dividida, como foi, em dois troços, que, não obstante são fisicamente contínuos: um, ... (cfr. ortofotomapa de fls. 105); o outro, ...-... (cfr. ortofotomapa de fls. 106). É unívoco, perante os documentos coligidos nos autos, que nas GOP dos anos de 2015 a 2017 figurava a pavimentação da estrada .... E, também, que no procedimento por concurso público n.º 20..., que teve início em 06/06/2017, quando era ... da Câmara o arguido AA, foi apenas contemplada a pavimentação de parte dessa estrada, a saber, de um dos aluídos troços, a saber, .... Não foi deliberadamente incluído naquele procedimento contratual, segundo decorre proficientemente das declarações do arguido AA e dos depoimentos de LL, HH e GG, o troço ...-.... E a documentação dos autos corrobora, reitera-se, confirma isso mesmo. A adjudicação, em se tratando de concurso público, foi deliberada pela Câmara Municipal, em 18/07/2017, como documentado nos autos, cf. fls. 664. O contrato foi outorgado eletronicamente em 13 e 14 de setembro desse ano. E a consignação da obra ocorreu em 20/09/2017 (cf. fls. 186 da Pasta 20...), ou seja, foi somente nesta data que foi facultado ao empreiteiro o acesso aos locais onde se iriam realizar as obras. Ou seja, esta é a data a partir da qual a sociedade arguida pôde iniciar os trabalhos. É, concomitantemente, incontroverso que o arguido AA, ao tempo ... da Câmara, quando decorriam os trabalhos de pavimentação no troço ..., em 23/09/2017, determinou, com a concordância do diretor técnico da arguida, adjudicatária da empreitada, que a tal anui, que se procedesse, logo de seguida, à pavimentação até ..., ou seja, do (outro) troço: ...-.... É ainda incontroverso, adiantando-nos um pouco, que, já depois de materialmente executada a pavimentação do troço ...-..., quando já era ... da Câmara a arguida CC, foi aberto, em 28/11/2017, e tramitado o procedimento n.º 60..., por ajuste direto, tendo por objeto a pavimentação do referido troço, como se a dita pavimentação ainda não tivesse sido feita. Mas tinha, como se disse. Foi, depois, realizado o pagamento do preço correspetivo, tendo sido emitido o recibo pela empreiteira em 28/12/2017. No tocante ao contexto em que o arguido AA solicitou a pavimentação do troço da estrada ...-... à empreiteira, ora arguida, bem como ao estado degradado do respetivo piso e características de utilização, estribou-se o tribunal nas declarações daquele arguido, bem como das testemunhas KK, FF, LL, GG, HH e DD, tudo concatenado, entre o mais, com os documentos de fls. 88, de fls. 170 a 175, 178, 180 e 181 da Pasta Proc. n.º 20... e, ainda, a correspondência entre a empresa Águas...SA e a ..., junta eletronicamente aos autos com a ref. elet. ... de 08/05/2023 e com a ref. elet. ... de 24/05/2023. Isto dito, o arguido AA disse que o troço ...-... não foi incluído no procedimento por concurso público porque havia a expectativa de que a empresa Águas...SA fizesse a instalação das infraestruturas de saneamento naquele troço. Pretendia evitar fazer as obras de pavimentação e pouco depois fossem feitos rasgos na estrada. Porém, as pessoas manifestaram o seu desagrado e o arguido, deslocando-se ao local, verificou o mau estado da estrada. E como não acreditasse que a empresa Águas...SA colocasse o saneamento, tendo também ficado preocupado com a segurança da via, decidiu avançar com a pavimentação do troço ...-.... O arguido AA refutou qualquer concertação ou conhecimento com os arguidos BB e CC. A testemunha DD, diretor técnico em representação da arguida sociedade, afirmou ter acedido à solicitação do arguido AA, tendo decidido por si próprio, por ter autonomia para tal, não tendo falado com o arguido BB. Não há, diga-se, nos autos qualquer meio de prova que relacione os arguidos BB e CC com a aquela atuação do arguido AA. Nem sequer que, antes da realização dos trabalhos de pavimentação, aqueles estivessem tampouco informados e inteirados do que este fizera. Relativamente à intenção que norteou a atuação arguido AA, o tribunal não ficou convencido, para lá de toda a dúvida razoável, que o mesmo tivesse por objetivo conseguir obter votação superior nas eleições, nem tampouco que o seu fito fosse favorecer a arguida sociedade. Está documentada a informação da empresa Águas...SA, recebida na CMA em 12/06/2017, que não iria colocar o saneamento. Perante isso, o arguido, sensível ao desagrado da população, verificou o mau estado do piso do troço de ...-.... Com repercussão negativa na segurança da via. O empreiteiro tinha os funcionários e equipamentos no local, o que permitia obviar aos custos de nova deslocação de homens e máquinas. Nesse condicionalismo, concede-se que o arguido viu vantagem, para a população e demais utentes da via, na pavimentação do troço ...-..., cujo estado degradado justificava a realização da obra. Ademais, note-se, os relatórios de gestão e as contas do município mostram que a taxa de execução financeira, entre os anos de 2013 a 2017 não foram das mais elevadas em anos de eleições. E, por outro lado, se o arguido pretendesse mostrar obra, dispunha, no Município, de saldos financeiros e capacidade de endividamento significativos. Por outro lado, o arguido AA, que estava em vias de completar o seu terceiro mandato como... da Câmara, veio a ganhar as eleições com margem confortável, não necessitante de carecer de granjear à última da hora mais uns quantos votos, sendo certo que o lugar de ... era pouco populoso. A arguida CC viria também a ganhar as eleições com uma margem confortável. Perante as declarações produzidas pelos arguidos, AA e CC, bem como pelas testemunhas MM, NN, OO e FF, retira-se que quer as relações pessoais entre os arguidos BB e AA não eram as melhores, quer as próprias relações entre o Município e a Construções...Lda. não eram isentas de litígios. Dito isto, uma coisa é o arguido AA ter atuado movido pela intenção de obter benefícios eleitorais e/ou de beneficiar a sociedade arguida. Outra coisa diferente é o arguido AA ter realizado que da sua conduta adviria necessário benefício para a empreiteira (uma vez que lhe atribuiu a realização daquela obra, de modo não concorrencial, possibilitando-lhe o aumento das vendas e, consequentemente, da obtenção de lucro) e que a sua conduta agradaria à população local e que, por essa via, tenderia a granjear mais votos para as listas do partido pelo qual concorria. Uma pessoa com o percurso de vida do arguido AA, naquele concreto condicionalismo, seguramente não teria deixado de realizar o vindo de expor. Porém, reitera-se, uma coisa é a consciência desses benefícios, outra coisa diferente é os mesmos serem a causa e o móbil de atuação do arguido AA. E, reitera-se também, não ficamos convencidos que a intenção subjacente à atuação do arguido, o que o fez atuar, tenha sido a de obter qualquer dessas vantagens. Posto isto, ficamos convencidos que o arguido AA estava perfeitamente ciente de que, ao ordenar a realização da pavimentação, com a anuência do diretor de obra da sociedade arguida, atuava contra a legalidade, ao mandar fazer a obra sem prévio procedimento contratual. O arguido AA era engenheiro civil, ligado à construção de estradas. Cumpria o terceiro mandato como presidente de câmara, tendo larga experiência em empreitadas de obras públicas. É incontroverso que o troço ...-...não estava previsto no procedimento do concurso público. Não era necessária a sua realização para a execução da obra contemplada no concurso público. Menos ainda por circunstância imprevista. Com efeito, o mau estado do piso não era uma circunstância imprevista. Aliás, isso mesmo resulta dos depoimentos das testemunhas HH, LL, que fizeram medições para o lançamento do concurso público. E ainda da testemunha GG. Os serviços camarários sabiam. E não o esconderam seguramente ao arguido AA. Não ficou demonstrado, perante as declarações e testemunhos, que entre o lançamento do concurso e o início das obras ocorresse uma deterioração adicional anormal, abrupta e inesperada do estado do piso do troço ...-.... E não havia inconvenientes graves para o Município na não realização da pavimentação deste troço. A demora adicional para a realização de um novo contrato. Tanto mais que a Câmara podia até fazer intervenções pontuais através da equipa de cantoneiros. E, o facto de o preço vir a ser superior, tendo em conta a reduzida dimensão da obra e a boa situação financeira do Município, não era incomportável. O arguido sabia que os trabalhos determinados não configuravam trabalhos a mais (art. 370º do Código dos Contratos Públicos). E, por isso, que a realização da obra dependia da observância de um dos tipos de procedimento previstos na lei para a formação do contrato (arts. 1º, 16º e 34º e segs. do Código dos Contratos Públicos) Prosseguindo, cumpre salientar que a empreitada do proc. n.º 20... estava praticamente no início. Veja-se, como já aludido, a data da consignação. E, ao tempo em que o arguido AA, determinou a pavimentação do troço ...-... não havia ainda sido tomada, ao contrário do que aquele referiu, a decisão de supressão de outros trabalhos. Ou seja, a determinação de trabalhos a menos. É o que se retira, atentando nas respetivas datas, dos documentos de fls. 88 e 95, 105, 107, 123 a 125, 163, 164 e 152 verso e 152 rosto. Veja-se que de fls. 152 se retira que em 12 outubro de 2017, a supressão de trabalhos ainda não era uma certeza. Consequentemente, ao tempo em que determinou a pavimentação do troço ...-... ainda não havia sido decidida a existência de trabalhos a menos, pelo que o arguido não poderia ter cogitado qualquer compensação do custo daquela obra com estes. De todo o modo o arguido, para o projeto da Estrada ..., não havia dotação orçamental inscrita, cabimento registado e compromisso assumido, em termos contabilísticos, suficientes para acomodar, sem mais, o custo adicional da pavimentação do troço ...-.... Aqui chegados, do acervo de provas é incontroverso que foi lançado e tramitado o procedimento n.º 60..., com intervenção dos arguidos CC e BB, atuando em nome e no interesse da sociedade arguida, em comunhão de esforços e intentos, tendo em vista ocultar e dissimular a ilícita pavimentação do troço ...-.... Como se a obra ainda estivesse por realizar. Fazendo ambos constar nos documentos do procedimento factos falsos juridicamente relevantes, atinentes às prestações e obrigações das partes contraentes. Como a realização da obra não deu observância prévia às regras da contratação pública e das normas contabilísticas, o pagamento ao empreiteiro não se podia legalmente realizar, como ressuma dos depoimentos das testemunhas NN, PP, QQ e RR). A libertação do pagamento é, em si, um benefício. Como benefício é a “regularização” das contas da autarquia e, assim, evitar a deteção da irregularidade e evitar eventual responsabilização dos agentes. Note-se que o procedimento n.º 60... correu integralmente termos no mandato da arguida CC. Não se apurou a intervenção do arguido AA em tal procedimento. Nem há evidência de que ele tenha convencido ou determinado os coarguidos a cometer o ilícito, nem que lhes tenha prestado qualquer tipo de auxílio. A arguida CC, nas suas declarações, sustenta o desconhecimento de que a obra fora já feita, que o procedimento foi tratado pelos serviços administrativos e que não tinha conhecimentos do regime da contratação pública. No que é frontalmente contrariada pela testemunha GG, engenheira que fiscalizava o procedimento por concurso público e que fez as peças para o procedimento por ajuste direito. Ora, a verdade é que a arguida CC já cumprira dois mandatos como autarca na Câmara, um com ..., outro como .... As empreitadas de obras públicas e suas vicissitudes, até pela participação nas reuniões de Câmara, não lhe eram seguramente matérias estranhas. De mais a mais, a necessidade de fazer o pagamento ao empreiteiro em consonâncias com as regras da contabilidade pública, era tema que lhe dizia respeito e que contendia com a sua atividade autárquica. Ademais, tendo sido o arguido AA o responsável pela realização da obra sem precedente procedimento contratual e sem observâncias das regras contabilísticas, não havia razão algum para os serviços municipais esconderem a situação à presidente em exercício. A responsabilidade era do anterior presidente. Estamos, por isso, convencidos que a arguida, deparando-se com um problema, o tentou resolver, mediante um novo procedimento e um novo contrato, por ajuste direito. Aliás, outro procedimento não poderia ser, uma vez que a adjudicatária teria que ser a sociedade arguida, pois ela é que fizera a obra. Relativamente ao arguido BB, o mesmo colaborou no dito procedimento, sabendo seguramente o que se passava. O arguido é o gerente da empresa e, retira-se dos depoimentos das testemunhas DD e EE dirige, nos vetores principais, o negócio e acompanha-os. E apesar de a assinatura do arguido ser eletrónica, não sendo ele – disse a testemunha - que pratica a operação informática de assinar, decorre do depoimento da testemunha EE que não é aposta assinatura do arguido à revelia do mesmo. Ademais, também aqui se não descortina razão para que o que estava a acontecer, e tinha acontecido, fosse omitido ao arguido BB. Assim, apesar de as testemunhas DD e EE terem tentado, de alguma forma, obnubilar ou mitigar a responsabilidade do arguido BB, seu patrão, da caracterização que fizeram da personalidade deste, sendo ele que assumia a condução dos negócios, adveio-nos a convicção que o referido arguido estava inteirado do que se passava, nada foi feito no procedimento n.º 60... à sua revelia, até porque era do seu interesse receber o dinheiro da pavimentação do troço ...-.... No que concerne aos CPV, é uma matéria técnica, não havendo provas de que os arguidos estivessem familiarizados com eles e soubessem concretamente que os cinco primeiros algarismos eram utilizados como critério para aferir dos serviços relevantes para efeitos de convidar a apresentar propostas em ajuste direito. Mas era apenas um critério de que se lançava mão, para aferir se as prestações contratuais eram do mesmo tipo ou idênticas. Esse critério não estava, como tal, positivado. Mas é um critério válido. Prosseguindo, os arguidos CC e BB tinham conhecimento, não havia razão para não saberem, dos contratos antes celebrados entre o Município e a Construções...Lda. e, como tal, que esta já havia ultrapassado o preço contratual acumulado de € 150 000 para serviços idênticos, pelo que não poderia ser escolhida no procedimento n.º 60.... Mas, por ter sido essa empresa a fazer a obra, tinha agora que ser ela a escolhida para apresentar propostas. A classificação de acordo com o CPV dos contratos do procedimento por contrato público e por ajuste direto são diferentes. Naquele, a classificação foi efetuada pela testemunha LL, E neste pela testemunha GG. Apesar de os trabalhos a realizar serem em tudo semelhantes. Quanto ao lucro da sociedade arguida, chegou-se ao valor do mesmo pela extrapolação proporcional do lucro resultante do preço do contrato por ajuste direto, tendo por referência o lucro decorrente do total de vendas e prestações de serviços da empresa (mediante o uso de uma regra de três simples). Prosseguindo, o propósito e vontade de atuação dos arguidos infere-se, à luz de regras de lógica e de experiência, da factualidade objetiva demonstrada. Resulta também de regras de lógica e de experiência comum que pessoas adultas, como eram os arguidos, com a sua experiência de vida, não ignoravam, não poderiam ignorar, a ilicitude das condutas dadas como provadas.” B.2.2. Decisão do Tribunal da Relação do Porto Após ter considerado que o acórdão da primeira instância padecia do vício de erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2 al. c) do Código de Processo Penal), aquele Venerando Tribunal decidiu alterar a matéria de facto acima transcrita, o que fez nos seguintes termos (transcrição do decidido): “Assim, ao elenco dos factos provados são aditados os seguintes, reproduzindo o sentido da factualidade constante do ponto 13) da acusação, mas com uma redação adaptada à descrição do dolo por parte do arguido AA 2: 42. a) O arguido AA, ao solicitar e acordar a extensão da pavimentação do piso da estrada até ..., atuou movido pelo propósito de assegurar para o partido pelo qual se candidatava a maior votação possível nas eleições autárquicas, e com consciência que, da sua conduta, adviria necessário benefício para a empreiteira. A redação dos pontos 17) e 37) deve ser corrigida, eliminando-se a referência ao «diretor técnico da obra, eng. DD», e fazendo deles constar o nome do arguido BB. Simultaneamente, devem ser eliminados os pontos I) e IX) da matéria de facto não provada, incluído o ponto VIII) na factualidade provada e corrigido o teor do ponto XI) – por forma a que dele permaneça excluída a participação da arguida CC -, o qual transita, igualmente, para o elenco da factualidade provada, com a seguinte redação: «Foi acordado entre os arguidos AA e BB a execução da pavimentação do troço de ... até ... sem a prévia abertura de procedimento contratual, tendo atuado estes arguidos em conjugação de esforços e de intentos».” B.3. O direito B.3.1. A alegada inconstitucionalidade do disposto nos artigos 400º, n1, al. e) e 432º, nº nº 1 al. b) do Código de Processo Penal Como já atrás se deixou consignado no relatório, o recorrente foi absolvido do crime de prevaricação (p. e p. pelo artigo 11.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho) na primeira instância e condenado pela prática de tal ilícito no Tribunal da Relação, na sequência da alteração, por esta, da matéria de facto dada como provada e não provada, em decorrência do reconhecimento da existência de vício de erro notório da apreciação da prova, tendo-lhe sido aplicada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Perante esta situação entende o recorrente que “(é) inconstitucional o disposto nos art. 400º, nº 1, al. e) e 432º, nº 1, al. b) do CPP, por violação do direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º, nº 1 da Constituição, na medida em que com isso não se garante a reapreciação por uma segunda instância desta decisão, se interpretado no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, revogando decisão do Tribunal Colectivo de 1ª Instância que absolvera o arguido da prática, em coautoria, de um crime de prevaricação, e o absolvera do pagamento ao Estado de quantia monetária, vem conceder “ … parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, como consequência do reconhecimento da verificação do vício decisório previsto no art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP (erro notório na apreciação da prova)” vem determinar A alteração da decisão recorrida quanto à matéria de facto, nos moldes explicitados no presente acórdão e vem a condenar este arguido pela prática, em coautoria material, de um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º da Lei nº 34/87, de 16/7, em conjugação com o disposto nos artigos 26º e 28º, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico com a pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão determinada pelo tribunal de primeira instância, decidem pela aplicação ao arguido da pena única de 3 anos de prisão, cuja execução suspendem pelo mesmo período temporal, nos termos previstos no art. 50º do Código Penal e, ainda, a condená-lo no pagamento ao Estado do montante de € 2.321,35, equivalente ao valor da vantagem indevidamente obtida (art. 110º, nº 1, b) e nº 4, do Código Penal), obrigação solidária esta que acresce à da sociedade arguida, determinada pelo tribunal de primeira instância e em custas.” E, para alicerçar a sua posição, cita os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 412/2015, de 6 de outubro e 429/2016, de 13 de julho, bem como o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12 de julho de 2018. Tais arestos foram proferidos antes da Lei 94/2021, de 21 de dezembro, ter introduzido uma nova redação na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, sendo que essa nova redação veio justamente dar resposta àquelas críticas. Com efeito, a partir de então, essa norma passou a ter a seguinte redação: “1. Não é admissível recurso (…) e. De acórdão proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1ª instância.” (sublinhado e negrito nossos) Ou seja, no caso dos autos, existe direito a recorrer da decisão proferida pelo Tribunal da Relação nos termos acima referidos, encontrando-se tal direito apenas limitado pelo disposto no artigo 434º do Código de Processo Penal. Ou seja, só não é possível recorrer da decisão sobre a matéria de facto. Mas essa também já foi apreciada em duas instâncias: a primeira no Juízo Central Criminal de ... e, a segunda, no Tribunal da Relação do Porto. Pelo que 3 não se compreende a posição do recorrente. Concluindo, não se vislumbra justificação para considerar inconstitucional o disposto nos art. 400º, nº 1, al. e) e 432º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal. B.3.2. A alegada inconstitucionalidade do disposto no artigo 426, nº1 do Código de Processo Penal O recorrente que “(é) inconstitucional o disposto no art. 426º nº 1 do CPP se interpretado, como o faz o Acórdão recorrido, no sentido de que, existindo vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPP, o tribunal de recurso pode revogar decisão absolutória proferida em 1ª Instância e não determinar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões concretamente identificadas na decisão de reenvio, por entender ser possível decidir da causa, e, com isso, impedir que seja esta a proceder à determinação da sanção e a avaliar da necessidade de reabrir para esse efeito a audiência ou de ordenar quaisquer diligências, mas, e sobretudo, com isso ultrapassar os limites que lhe são impostos pela garantia do duplo grau de jurisdição e impedir ao arguido o direito ao recurso e por via disso, querendo, impugnar essa decisão, por violação deste direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º, nº 1 da Constituição.” Antes de mais importa afirmar que a interpretação que o acórdão recorrido faz do artigo 426º nº 1 do Código de Processo Penal é correta e é desde logo determinada pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2016, deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21 de janeiro de 20164 e que tem o seguinte teor: «Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.» Aliás, como se pode ler nesse acórdão, a posição que o recorrente defende foi a que ficou vencida, sendo certo que um dos argumentos em que assentava a pretensa obrigação de reenvio era, justamente, “por ser essa a solução imposta pela consagração constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, acolhido no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.” Entretanto e como bem refere o Magistrado do Ministério Público – depois de transcrever parte substancial do acórdão de uniformização de jurisprudência atrás citado: “A Constituição da República Portuguesa que claramente consagra o direito ao recurso como uma das garantias de defesaem processo criminal obviamente não definiu o modelo de recursos penais quanto à questão em apreciação, mas, constituindo o direito ao recurso, nos termos do nº 1 do artigo 32.º daCRP, uma importante garantiadedefesado arguido, alei ordinária garante, na conformação daquele direito constitucional, sempre um duplo grau de jurisdição, ou seja que a causa seja reexaminada por um tribunal superior, perante o qual tenha o arguido a possibilidade de apresentar a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável. A alteração de decisão recorrida, em sede de recurso, pela verificação de qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº 2 do CPP, consiste, precisamente, nasubstituição dadecisãopor aquela que o Tribunal superior tem por justa e conforme ao direito, após ao arguido ter sido garantido o direito de se pronunciar sobre o objeto do recurso, como, in casu, sucedeu relativamente ao recursou do Ministério Público em que se pugnou pela alteração da matéria de facto.” Face ao exposto e ao já consignado no ponto anterior (e com a ressalva – resultante da própria lei – de que tal baixa só pode ocorrer quando o Tribunal da Relação estiver em poder de todos os elementos necessário para determinação da medida concreta da pena) não se entende que exista a inconstitucionalidade a que alude o recorrente. B.3.2. (In)existência de erro notório de apreciação da prova ou da nulidade a que alude o artigo 119º al. c) do Código de Processo Penal. A este propósito convém, antes de mais, consignar que, nos termos do disposto no artigo 434º do Código de Processo Penal: “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º.” Por seu turno, dispõem essas referidas normas o seguinte: “Nº 1 Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a. De decisões das relações proferidas em primeira instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º. c. De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos números 2 e 3 do artigo 410º.” Ora, in casu, estamos perante um processo cuja decisão foi objeto de um primeiro recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Ou seja, estamos perante um recurso que se enquadra na al. b) do nº 1 do artigo 431º do Código de Processo Penal. Contudo, embora os recorrentes não possam fundamentar os seus recursos com base na ocorrência dos vícios (ou das nulidades) a que alude o artigo 410º nº 2 (e 3) do Código de Processo Penal, este Supremo Tribunal tem obrigação de verificar se o acórdão recorrido padece desses vícios ou se está prejudicado pelas aludidas nulidades. Contudo, ao contrário do que acontece nos recursos enquadráveis nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º, in casu este Supremo Tribunal de Justiça só tem de o fazer (oficiosamente ou a pedido do recorrente, mesmo que formalmente tal pedido não seja admissível face à nova redação do artº 434 do Código de Processo Penal) se concluir pela existência dos vícios ou das nulidades referidas. E só tem de o fazer porque, como refere Pereira Madeira “Na verdade mandam a prudentia e o bom senso que nenhum tribunal, seja ele qual for, possa ser obrigado a aplicar o direito a uma matéria de facto ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por erroneamente apreciada. Claramente, em tais casos, qualquer que fosse o edifício jurídico que assentasse em tais bases seria uma edificação insegura, por falta de alicerces.”, Com efeito, tem sido este o entendimento deste Alto Tribunal podendo citar-se, por todos, o seguinte acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 20235: I. A Lei n.º 94/2021 procedeu a alterações ao CPP em matéria de recursos, passando o art. 434.º do CPP a estatuir que “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432”, segmento final aditado. II.Esta norma continuou a estipular a regra geral de que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, passando, no entanto, a exceptuar duas (únicas) situações, que são as que resultam das als. a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP. III. O art. 432.º, n.º 1, al. a) do CPP, estabelece agora a possibilidade de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça “de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º”, segmento final aditado, e a al. c), “de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, segmento final aditado também. IV Nestes dois casos,de excepção, trata-se de recurso de primeiro grau para o Supremo, o que justifica a diferente solução legislativa. V. Já nos casos em que não esteja em causa recurso de decisão da Relação proferida em 1.ª instância, nem recurso directo de decisão proferida por tribunal do júri ou coletivo de 1.ª instância, mas sim recurso interposto de um acórdão da Relação que decidiu já recurso anterior, nada foi alterado (pela Lei n.º 94/2021) no que respeita à (im)possibilidade de o recurso (não) poder ter os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º. VI. Se a admissibilidade do recurso do acórdão da relação que reverte a decisão absolutória de 1.ª instância em condenação é agora evidente, no que respeita ao âmbito do recurso e aos poderes de cognição do Supremo, o recurso segue a regra geral, pois encontra-se fora da previsão das (únicas) alíneas que prevêem a excepção ao regime-regra. Ou seja, o recurso de acórdão da Relação que decide em recurso, continua a poder visar apenas o reexame em matéria (exclusivamente) de direito. E os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça encontram-se circunscritos a esse conhecimento. VII. A alteração legislativa surge, aliás, na linha da jurisprudência do Tribunal Constitucional, tendo ido no entanto além dela: circunscreveu o direito ao recurso a matéria exclusivamente de direito, e este pode ter como fundamento qualquer questão exclusivamente de direito, que não apenas a da determinação da sanção, como seja a tipicidade, a ilicitude, a culpa, a escolha e a medida da pena, a indemnização. VIII. No seguimento daquela que é jurisprudência consolidada, o Supremo conhece oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, bem como das nulidades de sentença por deficiente fundamentação da matéria de facto, independentemente da possibilidade de arguição em recurso, e o Supremo está obrigado a declarar tais vícios quando, em concreto, os detecte no (texto do) acórdão recorrido. IX. Trata-se, no entanto, de uma decisão de fundamentação positiva, pois é a detecção (afirmativa) do vício que tem de ser fundamentada e declarada, não a ausência dela. Nesta derradeira hipótese, no âmbito da fiscalização oficiosa dos vícios da decisão bastará a constatação e a consignação dessa ausência.” Volvendo ao caso dos autos, não se vislumbra que o acórdão recorrido padeça desses vícios (v.g. o de erro notório da apreciação da prova) ou que esteja prejudicado pelas aludidas nulidades (v.g. pela que alude a al. c) do artigo 119º do Código de Processo Penal) Com efeito, e no que concerne ao erro notório na apreciação da prova, o Tribunal da Relação do Porto justificou a sua decisão nos seguintes termos (transcrição): “Importa, agora, indagar se a decisão recorrida está afetada de «erro notório na apreciação da prova», como sustenta o recorrente. Como já tivemos oportunidade de salientar, o «erro notório na apreciação da prova» configura uma patologia extrema da decisão que, não se confundindo com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova levada a efeito pelo julgador, traduz-se na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, violadora das regras da experiência, das legis artis ou das regras sobre o valor da prova vinculada. No presente caso, analisada a fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida, verificamos que o tribunal a quo procedeu a uma análise crítica da prova de forma detalhada e exaustiva. Nesse processo, analisando as declarações prestadas pelos arguidos na audiência de julgamento, por confronto com a restante prova produzida (fundamentalmente, os depoimentos das testemunhas inquiridas e o conteúdo da vasta prova documental), concluiu pela falta de demonstração do dolo do arguido AA no que concerne ao crime de prevaricação e pela ausência de prova suficientemente sólida e consistente quanto à sua participação na execução do crime de falsificação de documento e, por fim, quanto participação dos arguidos CC e BB no crime de prevaricação. Coerentemente, o tribunal incluiu os respetivos factos relevantes para a determinação da responsabilidade criminal assacada aos arguidos no núcleo da factualidade não provada. Ora, importa assinalar que a função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos e que a prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, deve ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção 6. Por outro lado, convém não esquecer que as provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza dos factos a provar – certeza essa que, muitas vezes, seria impossível, ou quase impossível de alcançar. O que é necessário é que as mesmas indiquem um grau de probabilidade tão elevado que se baste como certeza possível para as necessidades da vida, de forma a se poder concluir, sem dúvida razoável, que um indivíduo praticou determinados factos. Dito isto, não podemos deixar de assinalar que a análise da prova (tal como se encontra enunciada na decisão recorrida), em conjugação com juízos de normalidade decorrentes da experiência comum, implicava que o tribunal tivesse retirado as necessárias ilações quanto ao dolo do arguido AA, por referência ao crime de prevaricação. Com efeito, a prova do dolo, na ausência de confissão, assenta naturalmente em prova indireta a partir da leitura do comportamento exterior e visível dos arguidos, mediante os elementos objetivamente comprovados e em conjugação com as regras da experiência comum 7. Ora, resulta claro a partir da simples leitura da decisão recorrida que o tribunal a quo admitiu, como certo, que o arguido AA teve consciência de que, da sua conduta, adviria necessário benefício para a empreiteira (uma vez que lhe atribuiu a realização daquela obra, de modo não concorrencial, possibilitando-lhe o aumento das vendas e, consequentemente, da obtenção de lucro) e que a sua conduta agradaria à população local e que, por essa via, tenderia a granjear mais votos para as listas do partido pelo qual concorria (cf. a fundamentação constante página 43 do acórdão). Como afirma o tribunal no acórdão recorrido, «Uma pessoa com o percurso de vida do arguido AA, naquele concreto condicionalismo, seguramente não teria deixado de realizar o vindo de expor». É esta, efetivamente, a única conclusão lógica a extrair da globalidade da prova e dos demais factos feitos constar no elenco da factualidade provada – tarefa que o tribunal não levou até ao fim, parece-nos, pela circunstância de ter partido do pressuposto de que o preenchimento do tipo subjetivo do crime de prevaricação pressupõe a verificação de dolo direto (com exclusão não só do dolo eventual, mas também do dolo necessário) 8 e que o denominado «dolo específico» pressupõe uma atuação tendo em vista, unicamente, a finalidade descrita no tipo legal, com exclusão de quaisquer outras com ela eventualmente concorrentes e, até, porventura, legítimas. É de notar que o tribunal a quo considerou ter ficado provado que, aproximando-se as eleições autárquicas às quais concorriam os arguidos AA e CC, em listas do mesmo partido político, foi feito saber ao primeiro o desagrado da população local com a não inclusão na empreitada do procedimento n.º 20... do troço ...-..., população que há muito reclamava pela respetiva pavimentação, o que lhe foi transmitido, entre outras pessoas, pelo então ... da Junta de Freguesia de ..., FF (cf. ponto 16), não impugnado). E ainda que, nessa sequência, o arguido AA, no dia 23/09/2017, deslocou-se ao local, tendo verificado que o piso da estrada do troço da ...-... estava em muito mau estado, com desgaste expressivo e depressões acentuadas, tendo solicitado, nessa ocasião, à sociedade arguida Construções...Lda., cujos trabalhadores estavam a pavimentar o troço ..., que procedesse, logo de seguida, à pavimentação do piso do troço ...-..., o que aquela sociedade aceitou fazer, como efetivamente fez (ponto 17), não impugnado neste segmento). Neste contexto, não se vê como pôde o tribunal a quo ter deixado de concluir, já que regras da experiência e da lógica assim o impunham, que o arguido AA atuou movido pelo propósito de assegurar para o partido pelo qual se candidatava a maior votação possível nas eleições autárquicas – ainda que se admita, como admitiu o tribunal, que com este propósito pudessem ter concorrido outros, designadamente ligados ao interesse da população ali residente e, em geral, aos utentes da via. Por outro lado, se não podemos concluir com toda a certeza, em face dos dados equacionados na decisão recorrida, que o arguido AA agiu com o propósito de beneficiar a sociedade arguida, é evidente, porém, que teve consciência de que tal benefício decorria como consequência necessária da sua conduta (uma vez que lhe atribuiu a realização daquela obra, de modo não concorrencial, possibilitando-lhe o aumento das vendas e, consequentemente, da obtenção de lucro, como se assinalou no acórdão recorrido) 9. Exigia-se, assim, na conclusão de uma tarefa consequente com os princípios da lógica e adequada valoração da prova apreciada na sua globalidade, tal como se encontra enunciada na decisão recorrida, a seleção dos factos que se afiguravam congruentes com a atuação dolosa do arguido AA. Além disso, consideramos também que a análise da prova (tal como se encontra enunciada na decisão recorrida), em conjugação com juízos de normalidade decorrentes da experiência comum, implicava que o tribunal tivesse retirado as necessárias ilações quanto à participação do arguido BB na decisão da execução da “obra suplementar”, em representação da sociedade Construções...Lda.. Com efeito, parece-nos ser esta a única conclusão lógica a extrair da globalidade da prova e dos demais factos feitos constar no elenco da factualidade provada, contrariando as regras da experiência comum a afirmação do tribunal a quo de que aquela decisão foi tomada unicamente pelo diretor técnico da obra, engenheiro DD, sem a participação do arguido BB (cf. os pontos 17) e 37) da matéria de facto provada e, em particular, a alínea VIII) dos factos não provados). É de notar que o próprio tribunal afirma, na motivação da decisão, que «apesar de as testemunhas DD e EE terem tentado, de alguma forma, obnubilar ou mitigar a responsabilidade do arguido BB, seu patrão, da caracterização que fizeram da personalidade deste, sendo ele que assumia a condução dos negócios, adveio-nos a convicção que o referido arguido estava inteirado do que se passava, nada foi feito no procedimento n.º 60... à sua revelia, até porque era do seu interesse receber o dinheiro da pavimentação do troço ...-...» (fls. 47 do acórdão recorrido). Como bem salienta a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, «[…] decorre da factualidade provada que: - o arguido BB é sócio e gerente da sociedade arguida e interveio, no contexto dos factos narrados, em nome e no interesse desta, para promoção da correspondente atividade comercial; - foi o arguido BB quem, em representação da sociedade Construções...Lda., celebrou o contrato de empreitada com o município de ..., pelo preço contratual de 239.864,53€, classificada no “CPV 45....20-7, Pavimentação de estradas” - Proc. n.º 20...; - foi o arguido BB, quem, em representação da sociedade, se apresentou a cobrar as obras de pavimentação realizadas por aquela sociedade, a mando do arguido AA. Não se compreende, por conseguinte, à luz de toda a factualidade provada e de regras de experiência comum, que não tenha sido o arguido BB, quem, em representação da sociedade arguida, acordou com o arguido AA a execução da pavimentação do troço de ... até ..., com aquele tendo atuado em conjugação de esforços e intentos, conforme tido como não provado em XI. Atente-se que se tratou de obra no valor de 42 417,50€, valor que, não obstante o volume de negócios da sociedade, se não pode ter por irrelevante e por isso deixado ao critério de um funcionário, ainda que diretor técnico da obra e representante da empreiteira no procedimento n.º 20.... Acresce, tal como consignado no facto provado sob o nº 19, que «A pavimentação do troço ...-..., acordada entre o arguido AA e a arguida Construções...Lda., atuando ambos em conjugação de esforços e vontades, foi executada, nos sobreditos termos, logo após a pavimentação do troço ... – estando este troço previsto no Proc. n.º 20..., mas não aquele –, sem a prévia abertura de procedimento contratual autónomo». Não podia também o arguido BB ignorar, considerando a sua experiência em matéria de realização de obras públicas, que a adjudicação e a realização da obra em causa dependia de prévia abertura de procedimento contratual autónomo e que à realização da mesma nem sequer se poderia candidatar por a sociedade sua representada ter já ultrapassado o preço contratual acumulado de €150.000,00. E à luz de regras de experiência comum, também se não compreende, considerando o valor da obra de pavimentação do troço ...-... (€42 617,50), que este arguido, em representação da sociedade, não tenha imediatamente acordado com o arguido AA quais os termos em que, perante a não previsão destas obras no processo n.º 20..., a impossibilidade de nele as incluir e a inexistência de prévio procedimento concursal, se iria realizar o pagamento da obra à sociedade. A tudo acrescendo, como se afirma no facto provado nº 37, que os arguidos AA e a sociedade Construções...Lda. estavam «Cientes que davam preferência à sociedade arguida na execução da empreitada de obras públicas de pavimentação do troço ...-..., e no pagamento do correspondente preço e inerente lucro, ainda que violando conscientemente as regras e as normas aplicáveis à contratação pública, como bem sabiam ser o caso, pois caso fossem cumpridas não permitiriam a execução dos trabalhos sem um procedimento contratual prévio.» Não se duvida que o arguido AA possa ter falado com o Engenheiro DD sobre a realização da obra respeitante ao troço ...-..., pois que este era o diretor técnico da obra, por conta da sociedade arguida, na empreitada do Proc. n.º 20.... Contudo, impunha-se uma apreciação crítica do depoimento prestado pela testemunha DD, o que, conjugado com todos os demais elementos já enunciados, levaria a que o tribunal concluísse, para além da “dúvida razoável”, e apesar do por ela declarado, que o arguido BB, atuando em representação da sociedade, assentiu na execução da obra, tanto mais que, como a testemunha naturalmente sabia - pois os trabalhos em causa não podiam ser enquadrados no procedimento n.º 20... -, havia a necessidade de acautelar as condições do respetivo pagamento. Relativamente à exclusão da factualidade relativa à participação dos arguidos AA e CC na execução dos factos que se relacionam, respetivamente, com os crimes de falsificação de documento e de prevaricação, e respetivo dolo, a valoração da prova efetuada pelo tribunal de primeira instância não nos merece qualquer censura, resultando da leitura da sentença recorrida que o tribunal a quo explicitou, claramente e de forma perfeitamente lógica, as razões pelas quais não se convenceu, para além da dúvida razoável, 10 de que os arguidos/recorrentes adotaram os comportamentos descritos na acusação, tendo agido com culpa. Como se fez notar no acórdão recorrido, «o procedimento n.º 60... correu integralmente termos no mandato da arguida CC. Não se apurou a intervenção do arguido AA em tal procedimento. Nem há evidência de que ele tenha convencido ou determinado os coarguidos a cometer o ilícito, nem que lhes tenha prestado qualquer tipo de auxílio». Já quanto à atuação da arguida CC, salientou o tribunal a quo que não há nos autos qualquer meio de prova que relacione a arguida CC com a precedente atuação do arguido AA. Importa notar, como é salientado no parecer do MP e decorre do texto da decisão recorrida, que a arguida CC não tinha, então, poderes para determinar a realização da obra e, conquanto possa ter obtido vantagem eleitoral em consequência do comportamento do arguido AA e se tenha disponibilizado a simular a existência de um regular procedimento no Proc. 60..., de tanto não decorre, sem mais, que esta arguida tenha participado no acordo (verbal) firmado entre os arguidos AA e BB, em representação da sociedade Construções...Lda., para a pavimentação do troço ...-.... O que resulta da factualidade assente (com as correções necessárias) é que a realização da obra decorreu do acordo de vontades daqueles dois arguidos, inexistindo qualquer evidência de que a arguida CC nele tenha participado ou, por qualquer forma, naquele contexto 11, a ele tenha aderido. * Como se assinala no acórdão do TRP de 22/6/2016 12, o reenvio do processo para novo julgamento, previsto no art.426.º, do CPP, deve constituir a exceção e a sanação dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, deve ser a regra. O tribunal de recurso só deve proceder ao reenvio quando for objetivamente inviável a decisão da causa pela segunda instância com os elementos de que dispõe. No presente caso, é possível sanar no tribunal de recurso o aludido vício, alterando a decisão sobre a matéria de facto. Assim, ao elenco dos factos provados são aditados os seguintes, reproduzindo o sentido da factualidade constante do ponto 13) da acusação, mas com uma redação adaptada à descrição do dolo por parte do arguido AA 13: 42. a) O arguido AA, ao solicitar e acordar a extensão da pavimentação do piso da estrada até ..., atuou movido pelo propósito de assegurar para o partido pelo qual se candidatava a maior votação possível nas eleições autárquicas, e com consciência que, da sua conduta, adviria necessário benefício para a empreiteira. A redação dos pontos 17) e 37) deve ser corrigida, eliminando-se a referência ao «diretor técnico da obra, eng. DD», e fazendo deles constar o nome do arguido BB. Simultaneamente, devem ser eliminados os pontos I) e IX) da matéria de facto não provada, incluído o ponto VIII) na factualidade provada e corrigido o teor do ponto XI) – por forma a que dele permaneça excluída a participação da arguida CC -, o qual transita, igualmente, para o elenco da factualidade provada, com a seguinte redação: «Foi acordado entre os arguidos AA e BB a execução da pavimentação do troço de ... até ... sem a prévia abertura de procedimento contratual, tendo atuado estes arguidos em conjugação de esforços e de intentos». Concorda-se, sem quaisquer reservas, com esta apreciação da prova feita pelo Tribunal da Relação do Porto, não se considerando que a mesma possa ser objeto de censura por este Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, conjugando o texto da decisão da primeira instância (sobretudo a matéria de facto pela mesma dada como assente) com as regras de experiência comum, era evidente a existência do vício a que alude o artigo 410º, nº 2 al. c) do Código de Processo Penal, entendendo-se como acertada a decisão de alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação do Porto. Assim e embora não cumprindo repetir aqui o longo e minucioso percurso de análise de provas (integralmente transcrito supra) -que se mostra claro e coerente, sem saltos, incongruências ou contradições -, sempre se dirá o seguinte: • Quanto à demonstração do dolo direto de AA, no que concerne ao crime de prevaricação, a mesma resulta da própria convicção da primeira instância (v.g. de que ele teve consciência do benefício que propiciava a BB e à empresa deste, bem como de que a realização da obra agradaria à população e granjearia votos para o seu partido nas eleições que se avizinhavam), sendo que, ao contrário do que parece ter sido entendido pela primeira instância, para que se verifique a existência de crime de prevaricação, não é necessário que se prove o dolo direto, bastando para isso que esteja demonstrado o dolo necessário, devendo ainda ter-se em atenção que, não havendo confissão, o dolo, apenas pode ser provado por prova indireta. Assim e de acordo com as regras da experiência e da lógica, tinha de se concluir – como concluiu o acórdão recorrido – que AA atuou movido pelos propósitos de obter ganhos eleitorais para o seu partido e de beneficiar economicamente BB e a sua empresa; • Quanto à participação de BB no aludido crime de prevaricação, a mesma resulta da prova realizada, em articulação com as regras da experiência comum. Na verdade, face à matéria de facto dada como provada, vai contra a lógica e as regras de experiência comum concluir-se que o mesmo não tenha participado na decisão da realização da obra em questão. Com efeito e designadamente, os valores em questão, a liderança da sociedade de que era sócio e gerente, a experiência e conhecimentos que tinha dos procedimentos necessários à realização da obra (de qualquer obra), a circunstância de ter sido ele que celebrou o contrato de empreitada, bem como o facto de ter sido também ele quem se apresentou, a mando de AA, a cobrar as obras de pavimentação referenciadas assim o demonstram. Aliás, face à inexistência de procedimento contratual que legitimasse tal obra, não se vê, face às aludidas regras da experiência comum, que não tivesse sido o BB a negociar os termos do seu pagamento… Uma nota complementar para afirmar que, in casu, as alegações dos recorrentes no que tange a violações dos princípios da presunção da inocência, da livre apreciação da prova ou do princípio do in dúbio pro reo – referentes à matéria de facto - têm, necessariamente, de ser enquadradas nos poderes de cognição deste Alto Tribunal. Com efeito e no que concerne ao princípio in dubio pro reo, veja-se o seguinte acórdão de 17 de março de 2016 deste Supremo Tribunal de Justiça14: “III - Também a violação do princípio in dubio pro reo, diz respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção, o que não sucede no caso.” Assim, sendo certo que a decisão que está em apreciação é o acórdão do Tribunal da Relação do Porto e tendo anteriormente concluído que não merece censura a alteração que o mesmo fez da matéria dada como provada - por ter considerado verificado o vício de erro notório da apreciação da prova na decisão da primeira instância –, temos de concluir pela não ocorrência da violação dos aludidos princípios. Na verdade, da leitura desse acórdão resulta que o tribunal a quo não teve qualquer dúvida em decidir como decidiu, fez uma correta apreciação da prova e demonstrou a culpabilidade dos arguidos AA e BB. * * Cumpre agora abordar a alegada existência da nulidade a que se reporta o artigo 119º al. c) do Código de Processo Penal. É o recorrente AA que invoca a existência da aludida nulidade, fazendo-o nos seguintes termos: “Acresce que, ao dar como provados factos que não o foram na primeira instância, relativos à consciência da ilicitude, à modalidade de dolo adequado para a condenação, em suma ao juízo de culpabilidade, bem como à escolha e medida da pena, sem previamente ouvir o arguido, o Tribunal da Relação cometeu a nulidade insanável prevista na alínea c), do artº 119, do CPP (cfr., a mesma autora, pag. 15), que expressamente se invoca, com as legais consequências, nomeadamente o reenvio do processo à primeira instância.” Dispõe a alínea c) do artigo 119º do Código de Processo Penal o seguinte: “Constituem nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além desde que como tal forem cominadas em outras disposições legais: c. A ausência do arguido ou do seu defensor nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência” Por outro lado, dispõe o nº1 do artigo 118º do mesmo diploma legal que: “1 - A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” Ora, não se vislumbra – nem o recorrente a indica - qual a norma que determina que o Tribunal da Relação tivesse de proceder à audição do arguido nas circunstâncias do caso em análise. E, não existindo tal norma, cai por base, face ao princípio da legalidade acima enunciado, a alegação da existência de nulidade. Aliás, como bem refere o Ministério Público, o recorrente podia ter solicitado a realização de audiência nos termos do disposto no artigo 411º, nº 5 do Código de Processo Penal e, se o tivesse feito, aquele Tribunal tinha de o ouvir. Aliás, sublinhe-se, também não requereu tal diligência a este Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que também o podia ter feito. Assim e sendo certo que teve oportunidade de responder às motivações de recurso do Ministério Público, não vemos do que se possa queixar. Concluindo não se vislumbra a existência de qualquer nulidade pelo que, também nesta parte, o recurso tem de improceder. B.3.3. Inexistência dos elementos que integram o crime de prevaricação previsto e punível pelo artigo 11º da lei nº 34/87, de 16 de julho O Recorrente AA entende que não estão verificados os elementos que integram o crime de prevaricação previsto e punível pelo artigo 11º da lei 34/87, de 16 de julho, porquanto “só poder ser condenado pelo crime de prevaricação quem, agir na modalidade de dolo direto, e não quando se verifica o dolo eventual ou o dolo necessário.” Dispõe a aludida norma o seguinte: Artigo 11.º Prevaricação O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos. No que concerne ao dolo o acórdão recorrido consignou o seguinte: No que concerne ao tipo subjetivo, torna-se clara a exigência de dolo direto ou necessário, em face da exigência típica resultante da expressão “conscientemente" 15. Na síntese do acórdão do TRL de 24/6/2020 (João Lee Ferreira, já citado), o crime de prevaricação tem como elementos objetivos do tipo: - condução ou decisão de um processo por titular de cargo político em que intervenha no exercício das suas funções; - conscientemente contra direito. E, como elemento subjetivo: - o dolo (excluindo a forma eventual em face da utilização da expressão “consciente” pela norma legal); e, - especial intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém (o denominado “dolo específico”). Para o cometimento do crime de prevaricação não é necessária a existência de prejuízo para a entidade adjudicante, mas que o agente, conscientemente, conduza – ou decida 16– contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém 17. O benefício – entendido como toda a vantagem que o sujeito ativo pretende retirar da sua atuação -, embora ilegítimo, não tem que ser patrimonial, podendo derivar do mero compadrio, ou mesmo assumir fins caritativos ou altruísticos, como assinala Paula Ribeiro de Faria (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, parte especial, tomo III, em anotação ao artigo 382.º do Código Penal) 18. Como reconheceu o tribunal a quo, relativamente ao arguido AA, considerando a matéria de facto apurada, mostram-se presentes todos os elementos objetivos do tipo legal de crime em apreço. E o mesmo sucede, tendo em conta as alterações introduzidas à matéria de facto por força da procedência parcial do recurso do Ministério Público, quanto ao arguido BB. Com efeito, ficou demonstrado que os arguidos AA e a sociedade Construções...Lda., atuando esta através do arguido BB, concertaram-se, tendo em vista a execução célere do troço ...-..., cuja exclusão do Proc. n.º 20... era por eles conhecida, mas que sabiam desagradar à população local. Cientes que davam preferência à sociedade arguida na execução da empreitada de obras públicas de pavimentação do troço ...-..., e no pagamento do correspondente preço e inerente lucro, ainda que violando conscientemente as regras e as normas aplicáveis à contratação pública, como bem sabiam ser o caso, pois caso fossem cumpridas não permitiriam a execução dos trabalhos sem um procedimento contratual prévio (cf. ponto 37), devidamente corrigido). Sabiam os arguidos que AA, enquanto ... da Câmara Municipal, e no exercício dessas funções, devia agir tendo exclusivamente em mente o interesse público, e não o seu interesse particular ou de terceiros, atuar com imparcialidade, e respeitar as regras e normas da contratação pública e da contabilidade pública, estando todos cientes que tal não sucedeu (cf. ponto 40). E, ainda, que a contratação pública é regida pelos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, e que o procedimento de formação de qualquer contrato se inicia com a decisão de contratar, a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, precedendo a sua execução, sem que, no caso vertente, existisse fundamento para a retroatividade do contrato de empreitada (ponto 41). Sabia, pois, o arguido AA que, ao acordar com a sociedade arguida a pavimentação do troço ...-..., decidia contra o Direito aplicável e, para além disso, que ao solicitar e acordar a extensão da pavimentação do piso da estrada até ..., atuou movido pelo propósito de assegurar para o partido pelo qual se candidatava a maior votação possível nas eleições autárquicas, e com consciência de que, da sua conduta, adviria necessário benefício para a empreiteira (pontos 42) e 42.a), este por nós aditado ao elenco da factualidade provada). Por seu turno, BB, ciente da factualidade atrás descrita, atuou visando promover as atividades a que se dedicava a Construções...Lda., e obter o correspondente pagamento, ainda que violando as regras e normas aplicáveis (ponto 39). Por fim, ficou demonstrado que os arguidos agiram de um modo livre, deliberado e consciente, cientes de que incorriam em responsabilidade penal (ponto 44). Ainda que a execução daquela obra fosse necessária, dado o mau estado em que se encontrava o piso da estrada no troço ...-..., e não tivesse sido causado, ao que tudo indica, prejuízo patrimonial ao Estado 19, não há dúvida de que o arguido AA, atuando de comum acordo e em conjugação de esforços com o arguido BB, violou conscientemente as regras e as normas aplicáveis à contratação pública, 20 com o propósito de assegurar para o partido pelo qual se candidatava a maior votação possível nas eleições autárquicas, e com consciência de que, da sua conduta, adviria necessário benefício para a sociedade Construções...Lda.”, tendo, por isso, agido com dolo direto (neste se incluindo o “dolo necessário” 21). Encontram-se, por conseguinte, verificados todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito do crime de prevaricação previsto e punido pelo art.º 11 da Lei n.º 34/87, de 16/7, e, bem assim, o respetivo tipo de culpa, no que concerne aos arguidos AA e BB 22– sendo certo que a qualidade de titular de cargo político pressuposta pelo crime específico próprio em causa é comunicável ao arguido BB, por força do disposto no art.º 28.º, n.º 1 do Código Penal.” Concorda-se inteiramente com esta abordagem, não só em termos teóricos, mas também na análise que faz do caso concreto. Relativamente à não imprescindibilidade do dolo direto e à possibilidade de o crime ser cometido com dolo necessário (afastando-se apenas o dolo eventual) acrescente-se que, no mesmo sentido, se pronunciaram Carmo Dias23 e Paula Ribeiro de Faria24. Por outro lado, e no que concerne ao caso concreto, é evidente que, face a matéria de facto apurada – e tendo designadamente em conta o aditamento feito pelo Tribunal da Relação do Porto do facto 42a) -, está demonstrada a existência de dolo direto, mostrando-se reunidos os demais requisitos para o preenchimento do crime de prevaricação, parecendo-nos despiciente repetir o que já ficou demonstrado no acórdão recorrido, com o qual se concorda. B.3.4. Medida concreta da pena O recorrente AA alega que a pena que lhe foi aplicada pela prática do crime de prevaricação – 3 anos de prisão com execução suspensa por igual período - é excessiva, pedindo a sua diminuição para 2 anos e 6 meses de prisão, com a sua execução suspensa por igual período. E, para assim concluir, alega que “atendendo a que o dolo imputado ao arguido não é significativamente intenso, o tempo já decorrido desde a prática dos factos (mais de seis anos), a circunstância de não ter existido qualquer prejuízo para o Município e, bem pelo contrário, ter consistido na realização de uma obra necessária à população e por ela legitimamente reclamada, que o arguido é primário, não exerce qualquer cargo político ou público na atualidade e tem uma adequada inserção social, a pena deve aproximar-se do limite mínimo previsto na lei, por outro superior se mostrar desproporcional e excessivo, pelo que nunca poderá ser superior a dois anos e seis meses, suspensa na sua execução por igual período, impondo-se a alteração da decisão nesse sentido” Como atrás deixámos consignado, o crime em causa é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão. No acórdão recorrido justifica-se a pena aplicada nos seguintes termos: “No presente caso, ponderando, sobretudo, a intensidade do dolo de ambos os arguidos, o modo de execução dos crimes em apreço e o respetivo grau de ilicitude (mais gravoso no que diz respeito ao arguido AA, considerando o grau de violação dos deveres sobre ele impostos) 25, o tempo já decorrido desde a prática do ilícito em questão e, finalmente, a circunstância de os arguidos denotarem adequada inserção social, sendo primário o arguido AA e tendo sofrido uma condenação posterior, em pena de multa e por crime diverso, o arguido BB, consideramos adequadas à culpa de cada um deles e necessárias para responder às exigências de prevenção especial de socialização (menos acentuadas quanto ao arguido AA, dada a circunstância de ser primário e de não exercer qualquer cargo político, na atualidade) e geral de integração, as penas de 3 anos e de 2 anos e 6 meses de prisão, respetivamente, para os arguidos AA e BB.” Ou seja, todas as circunstâncias referidas pelo recorrente foram tidas em consideração pelo Tribunal a quo, pelo que não se vê como se poderia censurar o acórdão recorrido. Com efeito, e ao contrário do que parece resultar da peça subscrita pelo Ministério Público, mesmo o não exercício de qualquer cargo público ou político foi ponderado, sendo que a alegada não existência de prejuízo para o município desde logo não consta da matéria dada como assente, recordando-se que a obra foi realizada sem qualquer procedimento de despesa público prévio e com um subsequente “ajuste direto” à empresa arguida que justificou a condenação dos arguidos pelo crime de falsificação de documento agravado… E, por outro lado, importa não esquecer fatores que pesaram negativamente na ponderação do Tribunal a quo, como seja, a “mais gravoso (ilicitude) no que diz respeito ao arguido AA, considerando o grau de violação dos deveres sobre ele impostos”. Seja como for, é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que: “IV. Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.26 Ora, como já se deixou consignado, nenhuma das circunstâncias acima referenciadas ocorreu, não se justificando qualquer censura ao acórdão recorrido no que concerne à pena aplicada ao recorrente AA. B.3.5. Perda de vantagens Este mesmo recorrente, AA, vem também impugnar a decisão recorrida no que se refere à “incorreta condenação solidária na perda de vantagens”. Alega, para o efeito que “de nenhuma vantagem beneficiou”. Dispõe o artigo 110º, nº 1, al. b) que: “São declarados perdidos a favor do estado: b. As vantagens do facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para terceiro.” Ou seja, desde logo não restam dúvidas de que a vantagem não tem de ser necessariamente para o próprio, podendo ser “para terceiro”. E. também não há dúvida de que, no caso dos autos, a sociedade “Construções...Lda.” obteve o lucro de 2321,35€ relativo à construção da pavimentação do troço ...- .... Finalmente, é igualmente cristalino, que esse lucro foi obtido em resultado da prática do crime de prevaricação cometido, designadamente, pelo recorrente. Aliás, a falta de fundamento do recurso resulta evidente quando se lê o que ficou consignado, a este propósito, no acórdão recorrido: “Importa, desde já, salientar que, muito embora a resolução deste problema não suscite uma resposta uniforme, existindo divergência jurisprudencial sobre tal matéria, também nós defendemos que a perda da vantagem (ou a condenação no pagamento do valor equivalente) deve ser declarada contra aquele agente que, não obtendo para si a vantagem, possibilita e determina, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção por outrem.27 Na verdade, no modelo, que é o nosso, de mera restauração de uma ordem patrimonial conforme ao direito, o confisco não é uma pena. Está em causa, apenas, corrigir uma situação patrimonial ilícita, que não goza de tutela jurídica. Portanto, o confisco não tem caráter sancionatório – ou não o tem primordialmente -, assumindo-se, antes, quer como um simples mecanismo preventivo análogo à medida de segurança (perda de instrumentos e de produtos), quer como um mero mecanismo civil enxertado no processo penal (confisco das vantagens, das recompensas e do património incongruente) de tutela de uma ordem patrimonial conforme ao direito.28 A imposição do confisco ao autor do crime, independentemente da demonstração de um efetivo ganho patrimonial ou enriquecimento na sua esfera jurídica, vem sendo reconhecida pelos tribunais superiores italianos, como nos dá conta Tommaso Trinchera 29. E a redação do art.º 110.º, n.º 1, alínea b) do CP sugere que esta interpretação é a mais correta, pois nele se prescreve que são perdidas a favor do Estado “as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”. Como já fizemos notar no acórdão deste TRP de 29/6/2022 30, a exigência de demonstração de obtenção direta da vantagem patrimonial pelos autores do crime equivale a uma restrição do funcionamento dos mecanismos do confisco que não se encontra legalmente prevista e que, para além disso, colide com a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas. Para demonstração de que o crime não compensa e que não se pode tolerar a manutenção de uma situação patrimonial contrária ao direito, deve proceder-se à declaração da perda a favor do Estado das vantagens do facto ilícito típico, substituída, no presente caso, pelo pagamento do respetivo valor a cargo de todos os arguidos, nos termos previstos no art.º 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do Código Penal. Com efeito, o desvio patrimonial que o legislador pretende corrigir com o instituto da perda de bens ou vantagens foi determinado pelo comportamento ilícito dos arguidos AA, BB e CC. Atuando de forma concertada – o primeiro com o segundo e o segundo com a terceira – possibilitaram a obtenção de uma vantagem indevida pela sociedade arguida, sendo, por isso, todos eles solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Estado do valor equivalente ao da vantagem ilicitamente obtida (ou seja, o valor de € 2.321,35, indicado no acórdão recorrido). Paralelamente, todos os arguidos – comparticipantes, inicialmente, no crime de prevaricação, os arguidos AA e BB, e, seguidamente, no crime de falsificação de documento, os arguidos BB e CC - teriam de ser condenados solidariamente com a sociedade arguida no pagamento da indemnização devida ao Estado, nos termos próprios da responsabilidade civil extracontratual, caso tivesse sido formulado pedido de indemnização civil: o que ocorreria independentemente da indagação e prova da obtenção de qualquer benefício patrimonial (direta ou indiretamente) pelos próprios arguidos 31. É de notar que mesmo que os arguidos fossem «terceiros» – e não são, sendo antes os autores dos crimes de prevaricação e de falsificação de documento que ocasionaram a vantagem patrimonial para a sociedade arguida – a perda (ou pagamento ao Estado do respetivo valor) poderia ser decretada, desde que estivesse prevista qualquer uma das situações contempladas nas diversas alíneas do nº 2 do art.º 111.º do CP. E é manifesto que estas hipóteses não se restringem às situações em que o terceiro retirou benefícios do facto ilícito cometido por outrem. Ou seja, admitir-se a tese sufragada no acórdão recorrido, equivaleria a fazer incidir sobre os terceiros consequências patrimoniais mais gravosas do que as que decorreriam para os autores do crime, o que, como é óbvio, não faz sentido e não pode ter sido pretendido pelo legislador. Procede, assim, também nesta parte o recurso do Ministério Público, impondo-se a condenação da totalidade dos arguidos no pagamento ao Estado do valor equivalente à vantagem indevidamente obtida pela sociedade arguida.” Face ao exposto e aderindo-se ao decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, tornam-se despiciendas outras considerações, concluindo-se que, também relativamente a esta parte. o recurso não pode proceder. C – Decisão Por todo o exposto, decide-se negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos BB e AA, mantendo-se a decisão recorrida. Condenam-se os recorrentes nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça, em 6 (seis) U.C. para cada um (artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e 1º e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais32 e sua tabela III anexa). Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada (Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Os Juízes Conselheiros, Celso Manata (Relator) Jorge Gonçalves (1º Adjunto) e João Rato (2º Adjunto) ______________ 1. Neste ponto o Ministério Público reproduz, inteiramente, a argumentação exposta na resposta apresentada relativamente ao recurso do coarguido BB, para onde se remete. 2. Sendo certo que o elemento “emocional” do dolo se encontra já enunciado no ponto 44) da factualidade provada, não carecendo de qualquer aditamento ou correção. 3. Embora se tenha presente que há quem sustente posição contrária, v.g. Helena Morão no “Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos o Homem” 4. Publicado no Diário da República nº 36/2016, Série I de 2016-02-22de fevereiro de 20216, págs 532 a 542 5. Proc 7528/13.0TDLSB.L3.S1 in www.dgsi.pt 6. Cf., neste sentido, o acórdão do TRP de 9/12/2015, relatado por Renato Barroso e disponível em www.dgsi.pt. 7. Como é assinalado no acórdão do TRP de 27/1/2021 (disponível em www.dgsi.pt), a intenção de praticar o crime pertence ao foro íntimo, psicológico da pessoa e só a ela se chega através de factos externos ao agente e, assim, através de prova indireta. 8. Cf., a este propósito, o segmento do acórdão, no qual o tribunal a quo afirma que «o tipo subjetivo só admite dolo direto» (fls. 55). 9. Como se observa no acórdão do STJ de 31/1/2024 (relatado pelo Conselheiro Ernesto Vaz Pereira e disponível para consulta em www.dgsi.pt), a propósito de uma situação com contornos idênticos à que estamos a analisar, e reconhecendo-se a existência de erro notório na apreciação da prova, «Se a lei exige o recurso a concurso para efetuar determinadas obras, e os arguidos, atropelando essa imposição, verbalmente acordam com o respetivo empreiteiro a realização de obras que implicariam a realização de concurso, então os arguidos já estão a beneficiar esse empreiteiro que, vendo o seu lugar assegurado por um primeiro concurso, acaba por beneficiar da isenção de fazer novo concurso para uma outra obra que nasce da primeira e que deveria ir a concurso. Ou seja, esse empreiteiro “passou à frente”, por assim dizer, de todos os outros possíveis candidatos pois, tendo entrado pela porta para realizar uma determinada obra acaba por lá ficar para fazer todas as demais. Não realizar um concurso quando a lei o exige é beneficiar o candidato que fica com a obra adjudicada fora de concurso e é prejudicar todos aqueles outros candidatos a quem se negou a possibilidade de concorrer. Por outro lado, afigura-se-nos que dos factos dados como provados é perfeitamente possível concluir-se pela vontade eleitoralista dos arguidos e, portanto, o seu próprio benefício». 10. A decisão da matéria de facto, em processo penal, constitui, não só a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno (cf., neste sentido, o acórdão do TRP de 14/7/2020, relatado pelo Desembargador Jorge Langweg e disponível em www.dgsi.pt).↩︎ 11. Uma vez que, como é sabido, o dolo posterior não é punível.↩︎ 12. Relatado pelo Desembargador Vítor Morgado e disponível em www.dgsi.pt.↩︎ 13. Sendo certo que o elemento “emocional” do dolo encontra-se já enunciado no ponto 44) da factualidade provada, não carecendo de qualquer aditamento ou correção.↩︎ 14. Proc. nº 849/12.1JACBR.C1.S1 disponível em www.dgsi.pt↩︎ 15. Neste sentido e a título exemplificativo, cf. o acórdão do TRL de 24/6/2020, relatado pelo Desembargador João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt. Como observa A. Medina de Seiça, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, parte especial, tomo III, em anotação ao artigo 369.º do Código Penal, exigindo a lei portuguesa que o funcionário atue “conscientemente”, as situações recondutíveis à dolosidade eventual, isto é, aquelas em que o agente representando a realização do facto como possível conforma-se com a sua realização (art.º 14.º, n.º 3), não se encontram abrangidas pela norma incriminadora, o mesmo é dizer, não são puníveis. O crime é, por isso, apenas punível a título de dolo direto (aqui incluído o “dolo necessário”). 16. Para “conduzir” um processo é preciso ter o poder de o orientar, de lhe imprimir um determinado rumo, de acordo com o formalismo legal e “decidir” implica proferir uma decisão de fundo sobre a questão (administrativa) que é colocada (cf. o acórdão do TRP de 9/11/2022, relatado pela Desembargadora Maria Luísa Arantes, in www.dgsi.pt).↩︎ 17. O «alguém» de que se fala pode ser uma pluralidade de pessoas, singulares ou coletivas, desde que concretamente determinadas, como se observa no acórdão recorrido.↩︎ 18. Como observa a autora (ob. cit, pág. 778), a exigência da patrimonialidade do benefício pode até não fazer muito sentido sob o ponto de vista do bem jurídico protegido, uma vez que o favoritismo ou o compadrio (mesmo que não remunerados) poem ser mais lesivos para o bom funcionamento da administração e para a imagem do Estado, do que a perspetiva da obtenção de um lucro.↩︎ 19. O que é irrelevante para a verificação dos elementos objetivos do tipo, pois que a lei não faz depender a incriminação da existência de prejuízo para a entidade adjudicante.↩︎ 20. Como justamente assinala o Ministério Público, nas conclusões do seu recurso, no caso dos autos, a antijuridicidade assenta em primeiro plano nos deveres funcionais que obrigavam o arguido AA, positivados na Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LGTFP) e Lei n.º 29/87, de 30/06 (EEL), e sobretudo no Código de Procedimento Administrativo, como os da legalidade (art. 3.º), prossecução do interesse público (art. 4.º), boa administração (art. 5.º), e imparcialidade (art. 9.º), obrigando a uma atuação subordinada integralmente ao interesse público sem procurar quaisquer favorecimentos ou interesses pessoais.↩︎ 21. Cf., neste sentido, A. Medina de Seiça, ob. cit., pág. 619.↩︎ 22. Encontra aqui plena validade o que dissemos a propósito da possibilidade de sobreposição da responsabilidade de natureza financeira, disciplinar, administrativa, civil, etc, com a responsabilidade criminal (cf. a nota de rodapé 64).↩︎ 23. In “Comentário das Lei Penais Extravagantes” Organizado por Paulo Pinto de Albuquerque e José branco, Vol I., pág753.↩︎ 24. In “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo III, Coimbra Editora, pág,780↩︎ 25. Como se observa no acórdão do STJ de 31/1/2024, já citado, «O titular de cargo político, aqui autarca, está constituído num dever funcional qualificado, cuja violação se traduz em elevado grau de desvalor e em grave afronta à sua acrescida responsabilidade social».↩︎ 26. Ac do STJ de 8 de novembro de 2023 – Proc. 808/21.3PCOER.L1.S1, in www.dgsi.pt↩︎ 27. Cf. “Perda de vantagens versus pedido de indemnização civil – algumas questões práticas”, in Revista do Ministério Público n.º 172, Out-Dez 2022.↩︎ 28. Neste sentido, cf. João Conde Correia, “«Non-Conviction Based Confiscations» no Direito Penal Português Vigente”, Revista Julgar nº 32, Maio-Agosto 2017, pág. 94.↩︎ 29. In “Confiscare Senza Punire? Uno studio sullo statuto di garanzia della confisca della ricchezza illecita”, G. Giappichelli Editore – Torino, páginas 115, 118 e 406.↩︎ 30. Da autoria da ora relatora e disponível para consulta em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, cf. o acórdão desta Relação, de 19/4/2023 (relatado pelo Desembargador João Pedro Pereira Cardoso, in www.dgsi.pt).↩︎ 31. A possibilidade de condenação do arguido AA pelo pagamento ao Estado do valor equivalente ao da vantagem ilicitamente obtida não podia ter sido equacionada pelo tribunal de primeira instância, já que este concluiu pela falta de prova da autoria de qualquer um dos crimes por que havia sido acusado. Este contexto alterou-se, naturalmente, com a alteração da matéria de facto efetuada por este tribunal de recurso e a consequente condenação do arguido pelo crime de prevaricação, consistindo, por isso, a sua responsabilidade patrimonial nestes moldes como mais um dos efeitos daquela condenação. 32. Aprovado pelo Decreto Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro e na redação atualmente vigente |