Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1537/20.0GLSNT.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
RECURSO PER SALTUM
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA PARCELAR
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 05/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 1537/20…, do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., foi proferido acórdão em que se decidiu, na parte que agora releva:

“A)   Absolver o arguido AA da prática de dois crimes de burla do artigo 217.º do CP e de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do D. Lei 2/98.

B)     Condenar o arguido AA pela prática em 7.11.2020 de um crime de burla simples do artigo 217.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão.

C)   Condenar o arguido AA pela prática em 5.11.2020, em co-autoria, de um crime de furto qualificado do artigo 203.º e 204.º, n.º 1, al. a) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

D)    Condenar o arguido AA pela prática em 22.05.2020 e em 4.06.2020 de dois crimes de furto simples do artigo 203º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um dos dois crimes;

E)    Condenar o arguido AA pela prática em 7.11.2020 e em 8.11.2020 de um crime de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, als. c), d) e e) e de um crime de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, al. a) e e) e nº 3, do CP, nas penas, respectivamente, de 1(um) ano e 6 (seis) meses de prisão e de 2 (dois) anos de prisão;

F)    Condenar o arguido AA pela prática de seis crimes de condução sem habilitação legal do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do D. Lei 2/98 na pena de 8 (oito) meses de prisão por cada um desses crimes;

G)   Condenar o arguido AA pela prática de dois crimes de burla informática do artigo 221.º, n.º 1 do CP, um deles Processo Comum (Tribunal Coletivo) em co-autoria, na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um desses crimes;

H)    Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, condená-lo na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“a)  Vem o Recurso interposto do douto acordão proferido nos presentes autos.

b) O arguido discorda da medida das penas fixadas na douta decisão recorrida.

c)  O n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal prevê que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que o nº 2 da norma supra citada prevê que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. valoração da prova produzida e examinada em audiência, apreciada segundo as regras da experiência”.

d) Nos termos da norma supra, a pena tem por finalidade a proteção dos bens jurídicos e, se possível, a ressocialização do agente, em caso algum podendo exceder a medida da culpa.

e) Analisando e ponderando os factos relativos ao crime de burla simples praticado em 7.11.2020, considera o Arguido que a pena de 6 meses de prisão acautelaria as necessidades de prevenção geral e especial, porquanto se requer a fixação da pena relativa a este crime em 6 meses de prisão.

f) Analisando e ponderando os factos relativos ao crime de furto qualificado praticado em 5.11.2020, considera o Arguido que a pena 1 ano e 6 meses de prisão acautelaria as necessidades de prevenção geral e especial, porquanto se requer a fixação da pena relativa a este crime em 1 ano e 6 meses de prisão.

g) Analisando e ponderando os factos relativos a dois crimes de furto simples praticados em 22.05.2020, considera o Arguido que a pena 6 meses de prisão para cada um dos crimes acautelaria as necessidades de prevenção geral e especial, porquanto se requer a fixação da pena relativa a este crime em 6 meses de prisão por cada um dos crimes.

h) Analisando e ponderando os factos relativos a um crime de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, als. c), d) e e) e de um crime de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, al. a) e e) e nº 3, do CP praticados em 7.11.2020 e em 8.11.2020, considera o Arguido que a pena 1 ano de prisão por cada um dos crimes acautelaria as necessidades de prevenção geral e especial, porquanto se requer a fixação da pena relativa a este crime em 1 ano de prisão por cada um dos crimes.

i) Analisando e ponderando os factos relativos a seis crimes de condução sem habilitação legal, considera o Arguido que a pena 6 meses de prisão para cada um dos crimes acautelaria as necessidades de prevenção geral e especial, porquanto se requer a fixação da pena relativa a este crime em 6 meses de prisão por cada um dos crimes.

j) Analisando e ponderando os factos relativos a dois crimes de burla informática do artigo 221º, nº 1 do CP, um deles em co-autoria, considera o Arguido que a pena 8 meses de prisão para cada um dos crimes acautelaria as necessidades de prevenção geral e especial, porquanto se requer a fixação da pena relativa a este crime em 8 meses de prisão por cada um dos crimes.

k) Porquanto, entende o Arguido que as penas parcelares devem ser reduzidas nos termos supra referidos, pelo que o cúmulo jurídico também deve ele ser reformulado.

l) Entende o Arguido, que uma pena única de 4 anos de prisão acautelaria as necessidades de prevenção geral e especial, o que se requer.

m) Perante a fixação da pena em 4 anos de prisão, entende o Arguido que estão reunidas as condições para a suspensão da mesma, o que se requer.

n) Pelo que, considerando o arguido que o douto acórdão violou os artigos 40º nº 1, 71º, 212º e 213º todos do Código Penal.

o) Entende o arguido que a sujeição do mesmo ao ambiente prisional é desproporcional, desadequada e violadora das normas supra identificadas.

p) Pelo que se entende que a pena única aplicada é manifestamente excessiva e deverá ser reduzida em conformidade com o supra referido, devendo a decisão ser revogada por violação dos artigos 40.º nº 1, 71.º, 212.º e 213.º todos do Código Penal.

Nestes termos, requer-se o provimento do presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e substituição por outra que aplique uma pena inferior.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“4. Dentro da moldura abstracta que tem como limite mínimo de 2 (dois) anos e (seis) meses de prisão e limite máximo a pena de 15 (quinze) anos, a pena única aplicada situa-se abaixo do meio, ou seja, mais perto do limite mínimo.

5. Pelo que se considera a mesma justa e adequada.

6. Consequentemente, não é passível de ser suspensa na sua execução.

7. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.

8. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Não houve resposta ao parecer.

Não tendo sido requerida audiência, teve lugar a conferência.

1.2. O acórdão recorrido, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:

“NUIPC 1537/20.... e NUIPC 983/20.... 

1.º No dia 08/11/2020, pelas 16h, o arguido AA, conduzia a viatura automóvel ..., ..., matrícula ...-...-CO, na Rua ..., em ... - ..., tendo nessa ocasião sido alvo de uma acção de fiscalização rodoviária pelos militares da GNR, BB e CC, que lhe deram ordem de paragem através de sinalização gestual e luminosa.   

2º O arguido AA conduzia a referida viatura na via pública, como descrito, fazendo-o sem que tivesse habilitação legal para tal e tendo sido pelos militares solicitada a carta de condução afirmou não ser titular de carta de condução. 

3º O arguido AA não era possuidor de carta de condução que o habilitasse a conduzir nas circunstâncias de tempo e lugar como o estava a fazer, em 08/11/2020, por não ter sido sujeito a exame de condução teórico e prático e obtido aprovação. 

4º Na viatura automóvel matrícula ...-...-CO, o arguido AA seguia acompanhado com a sua mãe, a arguida DD, que sabia não ter aquela carta de condução para conduzir a viatura em questão. 

 5º  O arguido AA, em resultado da ação de fiscalização rodoviária efetuada pelos militares CC e BB, foi detido, nesse dia e veio a ser localizada a viatura ..., matrícula ..-..-MC (nº chassi ...) estacionada junto à residência do arguido, no Largo ..., ... (contendo no seu interior um Booster 3100ª, 2 garrafões de água destilada, 3 auto rádios ..., uma caixa de ferramentas diversas – chave fendas, x acto, porcas, alicates-, um saco de desporto com ferramentas diversas - chave de rodas, chave fendas, chave inglesa.

6º. O arguido AA, após a detenção foi informado, pelos militares da GNR CC e BB que EE e esposa tinham apresentado queixa contra si, por se sentirem por ele enganados na troca de viatura que tinham negociado dias antes, e na qual o arguido AA lhes entregou a viatura, matrícula ...-PO-... 

7º O arguido AA, entregou a EE e FF (pessoa com quem encetou contactos após visualização de um anúncio para venda ou permuta de viaturas) a viatura comercial, ..., matricula ..-PO-.., que não lhe pertencia e que à revelia do proprietário detinha, factos que àqueles ocultou, afirmando que tinha a viatura mas não lhe dava uso, “ - a carrinha estava a ganhar pó, estava parada e não estava a ser utilizada, por isso preferia trocar por um carro que desse utilidade”. 

8º O arguido AA quer na troca de mensagens, após visualização do anúncio colocado no Marketplace, com a identificação “- ... de 98 troco por carrinha de mudanças”, onde mostrou interesse na troca, questionando os anunciantes se interessava “- ...  Lugares de 2015, interessa?, quer pessoalmente junto de EE e FF apresentou um discurso de que pretendia fazer a troca da viatura comercial, pois para o seu dia a dia não se justificava ter uma viatura comercial, precisava de um carro familiar, fazendo crer àqueles que a viatura ... era sua e estava em condições. 

9º O arguido mostrou-se sempre à vontade nas conversas, quer à distância, quer pessoalmente, com EE e FF, agiu como proprietário da viatura ..., o que determinou a que viesse a ser consumada a permuta/troca de viaturas, logrando o arguido ficar com a viatura ..., matrícula ...-...-MC, propriedade de FF e a esta e ao seu marido entregou a viatura ....

10º Conforme se mencionou em 5º, no dia 08/11/2020, pelas 18h, a viatura ..., matricula ..-..-MC, foi localizada, estacionada junto à residência do arguido AA, em Largo ... - .... 

11º O arguido AA tinha a documentação da viatura ..., matricula ..-..-MC, na sua disponibilidade, encontrando-se na sua residência (Largo ...). 

12º O arguido AA ficou com a posse e disponibilidade da viatura ..., matricula ..-..-MC, passou a dela dispor como proprietário (ficou com as chaves e documentação da viatura, livrete, certificado de seguro e de inspecção), após ter concluído o negócio de permuta de viaturas com EE e FF, no dia 07/11/2020, aos quais entregou o livrete da viatura ..., as chaves e a declaração de venda, em nome de GG. 

13º No dia 07/11/2020, o arguido AA, acompanhado pela namorada, a arguida HH e da mãe, a arguida DD, encontrou-se com EE e FF com os quais vinha trocando mensagens após ter visualizado um anúncio online, por estes colocado para venda ou troca/permuta de viatura ligeira ... por um veículo comercial. 

14º E, no encontro ocorrido a 07/11/2020, pelas 22h/23h, junto do .../..., o arguido AA chegou ao local a conduzir a viatura ..., matrícula ..-PO-.., com o intuito, como veio a ocorrer, de concretizar o negócio de permuta entre esta viatura ... e a viatura ... que EE e FF tinham para venda/troca (... que estava para venda/ permuta como valor de €2.000). 

15º O arguido AA não era o proprietário da viatura comercial ..., matricula ..-PO-.., não tinha legitimidade para negociar a venda, nem a permuta da mesma como fez, junto de EE e FF. 

16º O arguido AA com as negociações que encetou por mensagem e contactos telefónicos com EE fê-lo para ficar com a viatura ... como permuta da viatura ... (com que se apresentou a conduzir no ... e que estava consigo à revelia do legitimo proprietário de quem a retirara em 05/11/2020, na execução de um plano previamente gizado com a arguida HH). 

17º Esta viatura ... com a qual o arguido AA se apresentou junto de EE e esposa, ficou na posse e disponibilidade do arguido porquanto, em data não concretamente apurada, situada no mês de Outubro de 2020, o arguido AA pela proximidade da sua residência ao estabelecimento comercial o Café C..., verificou que era rotina a ida àquele estabelecimento, pelas 04h30/5h da madrugada, de uma viatura comercial de distribuição de bolos/ artigos pastelaria e padaria (a viatura ..., matrícula ..-PO-..) e que o motorista da mesma a deixava destrancada e com o motor ligado quando dela saía para fazer a entrega de pão e bolos no interior do estabelecimento, “Café C...”. 

18º O arguido AA perante a constatação da referida rotina engendrou um plano assente na apropriação da referida viatura comercial, plano esse assente na apropriação da viatura durante o período em que o mesmo daquela saía para proceder às entregas de mercadoria no Café C.…, e em que a viatura ficava sem ninguém no seu interior ou imediações, continuava em funcionamento (com as chaves na ignição) e destrancada. 

19º O arguido AA contou o seu plano de ficar com a viatura ..., acima já identificada, à arguida HH, sua namorada (e com quem residia, na casa da progenitora do mesmo), explicando que depois podiam usar a mesma como quisessem, fosse para circular, fosse para vender peças ou vender a viatura a terceiro. 

20º A arguida HH aderiu ao plano do arguido AA, aceitou ajudá-lo na execução do mesmo, de modo que aquele conseguisse entrar para a viatura ..., sem ser apanhado por ninguém e saísse do local onde a viatura estaria parada (junto ao Café C... – ...), ficando com a posse da mesma. 

21º Na execução do plano delineado pelo arguido e ao qual a arguida HH aceitou e quis fazer parte, na madrugada de 05/11/2020, estes arguidos AA e HH, pelas 04h30, saíram da sua residência, no Largo ... e posicionaram-se a poucos metros de distância do estabelecimento “Café C.…”, perto do local onde habitualmente a viatura ..., matrícula ...-PO-..., era parada, destrancada e com o motor em funcionamento pelo seu condutor, GG. 

22º No referido período temporal e horário, GG, como era habitual parou a viatura, matrícula ...-PO-..., junto ao Café C.… e da mesma saiu para a entrega dos bolos, deixou a porta destrancada e a viatura em funcionamento e enquanto entrou para o interior do estabelecimento para entrega dos bens que comercializa os arguidos AA e HH iniciaram a execução do plano gizado para ficarem com a posse da viatura e dos bens que contivesse. 

23º Os arguidos AA e HH, aguardaram pela saída do condutor GG e quando este entrou dentro do “Café C.…”, o arguido AA dirigiu-se, em acto contínuo e em corrida para o interior da viatura, enquanto HH ficou a vigiar se alguém o via, mantendo com aquele contacto permanente por telefone. 

24º O arguido AA conseguiu abriu a porta do condutor e entrou na viatura ..., matrícula ...-PO-... (nº chassi ...), sentou-se no lugar do condutor, colocou a mesma em marcha e saiu daquele local, o que fez na execução do plano previamente gizado e executado em articulação de esforços com a arguida HH e à revelia do proprietário e do legitimo possuidor da mesma. 

25º O arguido AA após colocar a viatura ..., matrícula ...-PO-... (chassi ...), em circulação na via pública, levou-a desde ... até à ..., tendo a arguida HH, entrado na viatura alguns metros após o início da marcha da mesma, por parte do arguido, e com este seguido até à .... 

26º A arguida HH sabia que o arguido AA não era titular de carta de condução mas ajudou-o a ficar com a posse efectiva da viatura ..., ficando de vigia enquanto aquele entrou para o interior da viatura e encetou o acto de condução, no decurso do qual o acompanhou. 

27º O arguido, após conduzir a viatura ... (ligeiro de mercadorias) até à localidade da ..., escolheu um local para a estacionar, tendo-a deixado estacionada na ... (na ...), onde ficou até sábado dia 07/11/2020, data que combinou o encontrou com EE e FF para permuta da viatura comercial de que se arrogava proprietário na negociação que vinha com aqueles estabelecendo e a foi buscar, conduzindo-a dali até a local do encontro, .... 

28º O arguido AA e a arguida ficaram com a posse e disponibilidade da viatura ..., bem como com: 

- a carteira de GG, onde este tinha documentos de identificação, 02 (dois) cartões bancários do ..., 02 (dois) cartões bancários da ..., 01 (um) cartão bancário do Banco 1..., 03 (três) telemóveis (de valor não apurado, cada um, contendo 2 dos telemóveis, um deles ..., respectivamente, os cartões nº ...15, ...64), 03 (três) certificados de matrícula, livretes correspondentes às viaturas ..-..-HD, ..-..-GQ, ..-..-LA, bem como as chaves daquelas viaturas, as chaves de 03 habitações de GG, e chaves de estabelecimentos comerciais onde fazia a entrega dos bolos/pães. 

29º No dia 05/11/2020, o arguido AA procedeu com o cartão do ... nº...06, pertencente a GG e que era um dos cartões que estava na carteira guardada no interior da viatura ..., ao pagamento de duas compras, uma no valor de €17,26 e outra no valor de €2,92, junto do comerciante “... EU” (serviços de táxi).

30º No dia 07/11/2020, o arguido AA, na sequência dos contactos que vinha mantendo, pelo menos desde 05/11/2020, com EE, após visualização do anúncio por este colocado online no Marketplace e onde era proposta a troca de uma viatura ... por um carro comercial, combinou um encontro com o mesmo no ... / ..., o qual ocorreu como já acima se descreveu. 

31º O arguido AA nas negociações que manteve com EE, expressou interesse na troca da viatura comercial que dizia já não usar, a viatura ..., matrícula ..-PO-.., pela viatura ..., que EE publicitava para venda / troca. 

32º O arguido AA comportou-se na troca de mensagens e pessoalmente junto de EE, e esposa (em nome de quem a viatura ..., matricula ..-..-MC estava registada), como se fosse o legítimo proprietário da viatura ..., matricula ..-PO-... 

33º No dia 07/11/2020, o arguido AA, após a troca de mensagens com EE, acordou encontrar-se pessoalmente com EE.

34º O arguido AA, deslocou-se, pelas 22h, acompanhado da sua mãe, a arguida DD e da namorada, a arguida HH, até ao ... para conclusão do negócio de troca das viaturas ... matrícula ...-PO-..., pela viatura ... A ..., matricula ...-...-MC, o que logrou conseguir. 

35º O arguido AA sabia que a ... em apreço, pelo ano de matrícula e estado de pintura e mecânica tinha um valor comercial não concretamente apurado, mas superior a € 5.100,00.

36º A viatura ... supra identificada foi adquirida em 2015, por II, em nome e representação da sociedade T.…, de que é legal representante por pelo menos €13.000 (treze mil euros).

37º O arguido AA antes de se deslocar até ao encontro com EE, de modo a convencer EE e esposa que a viatura envolvida na negociação e que iria entregar era de GG e que tinha autorização deste para a negociação, muniu-se do cartão de cidadão de GG (que ficou ao dispor do arguido quando entrou na viatura ..-PO-.., em 6 /11/20, dado que estava na carteira de GG que estava no interior da viatura) diligenciou pelo preenchimento, com o seu punho, do requerimento de registo automóvel constante de fls. 82 e no mesmo apôs:

- no ponto 4, na identificação do sujeito passivo – vendedor /transmitente, o nome de GG; 

- na identificação da viatura (a ser alvo de alteração de registo de propriedade, por transmissão), a indicação da matrícula ...-PO-...; 

- no campo 8, uma assinatura, por imitação da executada por GG considerando o cartão de cidadão do mesmo, bem como colocou no requerimento no campo 8 o nº de identificação civil de GG. 

38º O arguido AA entregou, em mão, a declaração de requerimento de registo automóvel a EE e a FF, e disponibilizou-se a encontrar-se no dia seguinte para que EE lhe entregasse a declaração de venda da viatura ..., dado que aquele explicou-lhe que não tinha conseguido arranjar uma (o arguido AA como visava usar o ... para venda de peças, aceitou o negócio sem intenção de vir a encontrar-se novamente com EE). 

39º O arguido AA mostrou à vontade na conversa mantida e na troca de documentação das viaturas junto do casal ..., levando-o a acreditar que tinha legitimidade para a negociação de permuta. 

40º O arguido AA não informou EE e FF quanto às circunstâncias em que mantinha a posse e disponibilidade da viatura ..., nem que aquela pertencia a outrem (à sociedade T.… unipessoal, que tem como legal representante JJ). 

41º Como consequência da actuação do arguido AA junto de EE e FF, consumou-se a troca das viaturas e este arguido saiu do ... a conduzir a viatura ..., matrícula ...-...-MC, seguindo consigo mãe e namorada. 

42º O arguido AA saiu do ..., na mencionada noite de 07/11/2020 com a posse e disponibilidade da viatura ..., conduzindo-a, apesar de não ter carta de condução, transportando consigo as arguidas DD e HH, que acompanharam as conversas mantidas entre o arguido e EE e FF e foram lhes foram apresentadas como sendo a mãe e a namorada do arguido. 

43º O arguido AA destinava o uso da viatura ... a ser desmantelada, por si, que pela experiência em mecânica (decorrente de formação profissional) conseguia retirar das viaturas as peças que sabia terem procura para compra no mercado online, ou nas sucateiras.  

44º Em data não concretamente apurada no decurso do mês de Maio de 2020, o arguido AA visualizou o anúncio no ... publicado por KK, para venda da viatura, matrícula ..-..-NO. 

45º O arguido AA ficou interessado em ficar com a viatura matricula ..-..-NO, e contactou com a anunciante KK, junto da qual expressou interesse na aquisição da viatura e na execução do seu plano, destinado a iludir KK quanto à sua verdadeira intenção, que não era de aquisição mediante pagamento da viatura mas apenas ficar com acesso à viatura e fazê-la sua, combinou um encontro alegando que assim podia verificar pessoalmente as condições da viatura e se estivesse tudo em condições consumar a compra. 

46º KK face às conversas mantidas com o arguido AA, convencida de que o interesse deste na aquisição da sua viatura era sério, aceitou encontrar-se com o mesmo para que aquele pudesse ver o estado do veículo. 

47º O referido encontrou ocorreu no dia 04/06/2020, pelas 10h, junto à Rua ..., perto do ..., sito na localidade ..., e ao mesmo compareceu o arguido AA e em representação de KK (proprietária da viatura matrícula ...-...-NO), compareceu o primo LL, que levou para o local acordado para o encontro a viatura cuja compra o arguido negociava. 

48º O arguido AA manifestou junto de LL interesse na compra da viatura, mas afirmou querer ouvir o motor a trabalhar para ver como estava em termos funcionamento do motor. 

49º Perante a solicitação do arguido AA, LL concordou e deixou aquele sentar-se no lugar do condutor e colocar o motor em funcionamento. 

50º O arguido AA sentou-se no lugar do condutor da viatura matricula ..-..-NO, e sem que LL tivesse previsto tal possibilidade, abandonou aquele local, dali saindo a conduzir a viatura pela via pública. 

51º O arguido AA ficou com a posse e disponibilidade da viatura matrícula ..-..-NO, que fez sua, em consequência da actuação acima descrita, dela passando a dispor como se lhe pertencesse, sabendo que a posse resultou da encenação de uma realidade negocial que nunca teve e que lhe permitiu ter acesso à viatura da forma exposta, logrando ficar com o veículo contra a vontade da legítima titular. 

52º O arguido AA na realidade negocial ficcionada por si junto de KK e de LL, conseguiu convencer estes de que estava interessado na aquisição da viatura que KK estava a vender, por aproximadamente €1.250, mediante pagamento da mesma, contudo queria ficar como aquela sem proceder ao respectivo pagamento. 

53º O arguido destinou, desde o início das conversações com KK, a viatura ..-..-NO para ser por si usada para obtenção de peças, que iria vender online ou em sucatas. 

54º O arguido AA quando ficou com a posse da viatura matrícula, ....-NO, ficou igualmente com a posse e disponibilidade de documentos de identificação, documentos / cartões bancários titulados por LL (do ...; ...) e de uma nota do BCE com o valor de €50,00, que se encontravam no interior da viatura, viriam a ser recuperados e entregues a LL. 

55º O arguido AA ficou com a documentação e bens de LL, e usou o cartão bancário do ..., titulado por LL, associado à conta da ..., procedendo ao pagamento de compras que veio a fazer no ... da ..., na companhia da sua mãe, a arguida DD :

- em 04/6/2020, 12h34, no valor de €3.99.

-em 04/06/2020, 13h36, no restaurante B.…, de €12,90. 

56º O arguido AA utilizou o cartão bancário titulado e pertencente a LL, usou-o, através de contacless, o cartão junto do terminal de pagamento e com tais acções determinou a que o sistema informático bancário autorizasse os pagamentos referidos por não possuir informação de que eram feitos por terceiros e contra a vontade do legítimo titular. 

57º O cartão do ... titulado por LL veio a ser recuperado no interior da viatura ... de matrícula ...-...-NO, na posse e uso do arguido AA e foi encontrado em 04/07/2020 no quarto do arguido AA, nomeadamente: 

- um Cartão de Cidadão em nome de LL 

- uma carta de condução em nome de LL 

- uma cartão ... em nome de LL 

- uma folha de IPO auto referente ao veículo matricula ...-...-NO 

- uma folha da Conservatória ..., endereçada a KK a enviar o certificado de matrícula do veículo ...-...-NO 

- documentos de seguro referente ao veículo, matricula ...-...-NO, em nome de KK 

- uma nota de € 50,00 pertencente a LL.

58º No dia 04/06/2020, a viatura, matricula ..-..-NO, que se encontrava para apreensão, pela queixa apresentada pela proprietária, foi localizada, estacionada, junto à residência do arguido AA em Largo ... – ....

59º No momento em que as autoridades policiais localizaram a viatura, matricula ..-..-NO, o arguido AA encontrava-se na traseira da mencionada viatura e também junto a uma outra viatura, a viatura ... (constavam apostas nesta viatura ... as chapas de matricula ..-..-EG). 

60º Nesta ocasião, a 04/06/2020, aquando da localização da viatura ..-..-NO, pelas 14h10, pelos militares da GNR, MM e NN, os mesmos viram o arguido agachado junto do para-choques traseiro da viatura ... ..., matrícula ..-..-NO, tendo na mão um berbequim (pequeno), executando a acção necessária à retirada da chapa de matricula ..-..-NO, que logrou conseguir. 

61º No período temporal e local mencionado, visualizaram ainda os militares MM e NN, que andavam em serviço de patrulhamento, o arguido AA a retirar-se da parte de trás da viatura ... ..., matrícula ....-NO e a ir até à parte da frente da viatura, onde com o capot aberto retirou da zona do motor peças, acções estas presenciadas pela sua mãe, a arguida DD. 

62º O arguido AA, retirava peças da viatura matrícula ..-..-NO e também da viatura ..., matricula aposta, ..-..-EG, e foi no contexto desta sua actuação que foi abordado pelos militares da GNR, MM e NN, que presenciavam as suas acções supra descritas. 

63º Os militares da GNR identificaram no local que a viatura ..., na qual o arguido exercia posse e disponibilidade (tal como fazia na viatura matrícula ...-...NO), tinha aposta uma chapa de matrícula com os dizeres ...-...-EG, chapa que não correspondia ao nº do chassi. 

64º A viatura ... que tinha aposta a matrícula ...-...-EG, correspondia ao nº de chassi ... sendo a matrícula correspondente a matrícula ...-...-TP, e no seu interior estava uma carteira com documentação diversa (cartão de cidadão e ... do arguido AA, cartão ... em nome de LL.

65º A viatura ..., matrícula ...-...-TP, que estava na posse e disponibilidade do arguido AA mas não lhe pertencia, nem estava autorizado pela legitima proprietária, OO a ter e usar aquela viatura como fazia em 04/06/2020. 

66º OO, ficou sem a sua viatura ..., matrícula …-TP por ter sido enganada pelo arguido AA.

67º Em Maio de 2020, OO, diligenciou pela criação no site ..., de um anúncio para venda da viatura, ..., matricula ...-...-PT, para venda por €1500 e foi tal anúncio visualizado pelo arguido AA. 

68º O arguido AA ficou interessado em ficar com a posse da viatura ..., por ser uma viatura com procura de peças e enviou mensagens para negociação da compra da viatura matrícula ...-...-PT. 

69º O arguido AA estabeleceu nomeadamente contacto telefónico com OO, telefonou para esta do nº ...64 e expressou interesse na viatura, mas para concluir o negócio gostaria de ver primeiro pessoalmente o estado do veiculo. 

70º OO pela postura educada nas conversas mantidas com o arguido AA considerou que esta era pessoa séria e que a solicitação do mesmo era normal no tipo de negócio em questão, pelo que combinou um encontro entre o arguido AA com o seu pai (de OO), PP, a ocorrer em 22/05/2020, pelas 14h15, na Estrada ..., em .... 

71º No referido local e período temporal, em 22/05/2020, pelas 14h15, na Estrada ..., o arguido AA identificou-se junto de PP, como sendo a pessoa que estava interessada na compra da viatura e que tinha combinado o encontro para ver a viatura e sempre com uma postura educada pediu a PP que o deixasse ver o estado do motor, abrindo o capot, que o deixasse colocar o motor da viatura a trabalhar. 

72º Perante a solicitação do arguido AA, PP abriu o capot e após fechar aquele, autorizou que o arguido se sentasse no banco do condutor e colocasse a viatura em funcionamento, entregando-lhe as chaves, de modo que pudesse ouvir o som do motor. 

73º O arguido AA sentou-se no local do condutor, na viatura ..., matricula ..-..-TP, e em acto continuo, de forma repentina fechou a porta da viatura, afastou PP (que se encontrava em pé, junto da porta do condutor) e iniciou marcha com a viatura, conduzindo-a na via pública, deixando PP sem capacidade de reaver a viatura. 

74º O arguido AA ficou como consequência directa da sua actuação junto de OO e PP com a posse e disponibilidade do veículo matricula ..-..-TP, que passou a usar como se lhe pertencesse, contra a vontade da legítima proprietária, aproveitando-se de uma encenação negocial que lhe permitiu ter acesso ao interior da viatura, com chaves na ignição. 

75º O arguido AA não é titular de carta de condução, nunca foi sujeito a exame de condução teórico / prática cuja aprovação tivesse ocorrido, não possuindo habilitação legal para conduzir viaturas a motor na via pública, mas no dia 22/05/2020 circulou como condutor do veículo matrícula ...-...-TP, 

76º O arguido AA destinou o veículo ..., supra referido, não só ao seu transporte, mas para ser por si utilizado para retirar peças a serem vendidas a terceiros, online ou em sucatas, obtendo proveitos patrimoniais de tais vendas. 

77º O arguido AA, de modo a que a viatura ..., matricula ...-...TP, não fosse localizada na sua posse pelas autoridades policiais procedeu a alterações na estética da viatura, pintou as jantes, símbolos e mudou as chapas de matriculas que tinha apostas, apondo as chapas correspondentes a outra viatura que tinha tido, correspondendo às chapas ..-..-EG que estavam na viatura em 04/06/2020, estacionada junto da casa do arguido AA, quando os militares MM e NN a localizaram. 

78º O arguido AA, desde data não apurada, mas pelo menos no decurso do ano de 2020, para obter rendimentos delineou um tipo de actuação assente em contactos com terceiros, contactos por si visualizados em anúncios online de vendas de viaturas, junto dos quais manifestava interesse na aquisição das viaturas que tinham para venda, convencendo-os do propósito de que a sua vontade negocial era séria determinando-os a encontrarem-se consigo, alegando que só desse modo podia consumar o negócio, após ver o estado da viatura que estivesse a ser negociada. 

79º O arguido AA logrou a execução do seu plano nas situações supra descritas, nas quais encenou interesse negocial para aquisição ou troca de viatura como acima se expôs, junto de OO e PP, KK e LL, EE e FF, o que fez querendo e conseguindo transmitir uma realidade negocial que nunca teve, de modo a conseguir, como conseguiu, ter acesso às viaturas que veio a fazer suas, delas dispondo na satisfação dos seus interesses e através das quais obteve vantagens patrimoniais indevidas, contra a vontade e com prejuízo dos legítimos titulares. 

80º O arguido AA com os seus comportamentos acima descritos quis e logrou enganar, OO e PP, KK e LL, EE e FF, a todos convenceu de um propósito negocial que nunca teve, determinando-os a actos que se vieram a revelar lesivos patrimonialmente para os mesmos. 

81º Os primeiros OO e KK ficaram sem as viaturas, contra a sua vontade e sem qualquer contrapartida, iludidos pela encenação negocial com que com ardil o arguido os convenceu a consigo se encontrarem e a darem acesso ao interior das viaturas, facultando-lhes as chaves. 

82º Já EE e FF apesar de terem ficado com a viatura ..., resultante da troca de viaturas negociadas com o arguido AA, como tal viatura foi retirada contra a vontade do legitimo titular, sabia o arguido não podia ser registada em nome de outrem. 

83º O arguido AA na troca de viaturas que fez com artifício junto de EE e FF sabia que a ..., em causa, estava consigo por dela se ter apoderado em 05/11/2020, na execução do plano de ficar com a viatura à revelia do seu legitimo possuidor e proprietário, o que fez em comunhão de esforços com a arguida HH. 

84º A arguida HH ficou encarregue de fazer a vigilância, de modo a proteger e avisar o arguido AA da aproximação de qualquer pessoa que pudesse impedir a concretização do plano que delinearam, assente na apropriação e posse da viatura ..., mediante a entrada dentro da viatura por parte do arguido AA. 

85º O arguido AA na realidade negocial com que se apresentou junto de EE e FF, diligenciou pelo preenchimento do requerimento de registo automóvel identificado a fls. 82 (que se dá por reproduzido), sabendo que a informação nele aposta quanto ao proprietário da viatura ... não correspondia à realidade, mas que era apta pelo facto de ter os documentos de  identificação de GG a convencer EE e FF de que correspondiam os dados apostos no requerimento ao legitimo titular da viatura. 

86º O arguido AA diligenciou ainda pela aposição, no mencionado requerimento de registo automóvel, por uma assinatura, por imitação daquela que constava no documento de identificação de GG e que o arguido tinha na sua posse para exibir a EE. 

87º O arguido AA ao proceder ao preenchimento do requerimento de registo automóvel, como acima descreveu, para entregar, como fez, a EE e FF, e ao assinar como assinou como se fosse GG, sabia que tais dados não correspondiam à realidade e que com as suas acções em tal requerimento abalava o valor probatório ao mesmo associado no trafego jurídico. 

88º O arguido AA sabia que se apresentado o requerimento de registo automóvel que entregou ao casal ..., na permuta de viaturas com os mesmos negociada e consumada com a entrega por si da viatura ... (que tinha sido por si alvo de apropriação contra a vontade do proprietário) e em contrapartida do recebimento da viatura ..., não iria permitir àqueles registar a viatura em nome dos mesmos, mas a sua actuação foi assente no intuito concretizado dos iludir, de modo ardiloso e hábil, logrando-os convencer da sua legitimidade para consumação do negócio. 

89º O arguido AA ao diligenciar pelo preenchimento e uso do requerimento de registo automóvel que entregou ao casal ..., agiu consciente que abalava a credibilidade e segurança associada a tal requerimento e à realidade que no mesmo é vertida, prejudicando não só o mencionado casal, mas o Estado na protecção da segurança jurídica associada a tal requerimento e ao valor que lhe é conferido no ordenamento jurídico nas relações transmissão de viaturas a motor, sujeitas a registo no Registo automóvel. 

90º O arguido AA abalou ainda a confiança associada ao valor probatório do escrito constante nas chapas de matrículas automóveis, quando colocou as chapas de matriculas sem correspondência com a realidade na viatura propriedade de OO, de modo a eximir-se à acção das autoridades policiais e a manter a posse e disponibilidade da viatura matrícula ..-..-TP. 

91º O arguido AA sabia que ao ter substituído, como fez, as chapas de matricula que a viatura matricula ..-..-TP ostentava e lhe pertenciam, colocando uma outra matrícula de viatura distinta, punha em causa a credibilidade e autenticidade associada às matrículas enquanto elemento de identificação das viaturas, abalando a confiança aquele elemento de identificação conferido pelo Estado, deste modo lesando os interesses do Estado. 

92º O arguido AA com as acções que determinaram a que ficasse com a posse e disponibilidade das viaturas, matriculas ...-PO-.. (conduzida por GG), ...-...-NO (KK), ...-...-TP (OO) agiu com o propósito concretizado de ficar com as mesmas e delas passar a dispor como se lhe pertencessem, contra a vontade e causando prejuízo patrimonial nos legítimos proprietários, mas também e ficar com bens e documentação que estivesse no interior daquelas, como dinheiro, cartões bancários. 

93º Nas actuações assentes em encenação de uma realidade negocial que nunca teve intenção de concretizar, compatíveis com as relações comerciais de compra e venda, o arguido AA quis e conseguiu determinar OO e PP, EE e FF e KK e LL, nos contactos que com aqueles manteve a confiarem em si e a permitir o acesso ao interior das viaturas, com chave na ignição para ficar com as mesmas, como se lhe pertencessem, contra a vontade do legitimo proprietário, querendo e conseguindo obter vantagem patrimonial indevida, à custa do prejuízo àqueles causado. 

94º O arguido AA na execução da sua decisão de usar cartões bancários que encontrasse no interior das viaturas acima referidas, decidiu usar, como supra exposto cartões bancários de LL e de GG, o que fez consciente que não tinha autorização para tal e que ao usar como meio de pagamento aqueles determinava, como ocorreu nas situações supra descritas, a respectiva instituição bancária a considerar que estava a ser usado pelo legítimo titular.  

95º O arguido AA sabia que ao usar, como se lhe pertencessem cartões bancários de terceiros, sem autorização dos mesmos, iria obter acesso a valores monetários sedeados em contas bancárias que não lhe pertenciam, pondo em causa o processamento dos dados informáticos associados ao meio de pagamento em causa, bem como a confiança e segurança no sistema bancário. 

 (…) 

97º O arguido AA bem sabia que para conduzir aquele veículo automóvel na via pública necessitava de ser titular e portador de um título de condução emitido pelo organismo competente em Portugal. 

98º E, estando ciente disso, o arguido AA decidiu e quis conduzir os referidos veículos como acima descrito, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, bem sabendo não ser titular de documento válido que o habilitasse à realização dessa actividade na via pública como fez. 

 (…)

101º O arguido AA e as arguidas HH e DD agiram com as suas condutas acima descritas de forma livre, voluntária e conscientemente, sabendo serem proibidas e puníveis por lei criminal. 

(…)

O arguido AA já foi condenado nos seguintes processos:

- No processo nº 38/16.... do Juízo de ..., foi condenado por sentença transitada em julgado em 27.01.2020, pela prática em 5.01.2016, de um crime de burla do artigo 217º do CP, na pena de 130 dias de multa, à razão diária de € 5,00, a qual viria a ser convertida em 86 dias de prisão subsidiária.

- No processo nº 478/19…, do Juízo Local Criminal ..., foi condenado, por decisão transitada em julgado em 5.05.2021, pela prática em 20.08.2019, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

- No processo nº 132/19…, do Juízo Local Criminal ..., foi condenado, por decisão transitada em julgado em 5.05.2021, pela prática em 19.12.2018, de um crime de condução sem habilitação legal, de um crime de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, als. a) e e) e nº 3 do CP, na pena única de 230 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

Mais se provou: Da condição social e percurso de vida dos arguidos:

104º AA, filho único do casal, teve um processo de desenvolvimento caracterizado pela ausência do progenitor, tendo sido criado pela sua mãe, DD, que exercia funções de ... e pela avó materna.

A progenitora assume longos períodos de ausência devido a razões de ordem profissional ainda que, acompanhado pela mesma e pela avó materna beneficiasse de imposição de normas e regras, aparentemente existiria um modelo educativo mais permissivo.

A diminuta motivação e interesse no percurso formativo, determinaram o abandono escolar, tendo o arguido concluído o 5º ano de escolaridade.

Entretanto iniciou o seu percurso laboral registando ocupações na área de lavagem de automóveis, mecânica e como operário em supermercados.

No entanto, devido a um período de instabilidade pessoal ficou numa situação de desemprego realizando apenas alguns trabalhos esporádicos na área automóvel.

Aos 18 anos, o arguido pretendeu estabelecer ligação com o progenitor a fim de o conhecer e criar uma ligação afetiva, ao qual, o mesmo não desejou restabelecer contacto.

Iniciou uma relação de namoro com HH que mantêm, há cerca de 3 anos, que se mantém.

A nível laboral, à data da reclusão o arguido encontrava-se numa situação de desemprego fazendo apenas alguns trabalhos temporários na área da mecânica auferindo cerca 150, 00 euros por mês, contando com o apoio da progenitora.

Denota ser um individuo com falhas ao nível de consciência crítica e de autoanálise, justificando os seus comportamentos com fatores externos, sustentados nas suas dificuldades económicas. A par, evidencia dificuldades em pensar na vítima e no impacto nela causado

Conta com o apoio da mãe, integrada profissionalmente a exercer funções como empregada de limpeza.

O arguido beneficia ainda do apoio da sua família alargada, nomeadamente, da avó, 89 anos, reformada e da prima, QQ, activa profissionalmente com quem mantém uma relação de proximidade.

 (…)

Enquadrada a conduta dos arguidos cumpre agora proceder à escolha e determinação da pena a aplicar.

O Direito Penal protege os bens jurídicos mais importantes na sociedade, punindo os comportamentos desconformes com o dever ser jurídico com maior ou menor severidade consoante a relevância ou importância do bem jurídico protegido pela norma e violado pelo comportamento ilícito, típico e culposo.

Deste modo, as penas previstas para os diversos comportamentos típicos criminais visam proteger os bens jurídicos que se encontram na base da norma incriminadora, sem que, no entanto, o agente seja esquecido porquanto a culpa constitui sempre o limite da pena. Pretende a lei que a pena alcance estes dois objectivos: proteja a sociedade, através da protecção dos bens jurídicos essenciais, e (re)socialize o agente do crime (art.º 40.º do CP).

A prevenção geral tem de se traduzir em prevenção positiva, de integração, ressocializadora e de reforço da consciência jurídica comunitária, do seu sentimento de segurança e força da lei face à sua violação.

Igualmente, a prevenção especial, enquanto relacionada com o agente do crime, materializa-se na sua (re)socialização, informando a pena no seu papel de reintegração do agente na comunidade.

Estas duas razões de prevenção chocam por vezes, sobressaindo a culpa que limitará e definirá o limite da pena a aplicar.

E é dentro deste quadro que devem ser interpretados e aplicados os critérios de determinação da medida concreta da pena inscritos no art.º 71º do C. Penal.

 No caso, as necessidades de prevenção geral são acima da média, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita ao sentimento de segurança que urge reforçar sobretudo face ao comércio realizado através da internet, e o alarme social que provoca a prática dos crimes de burla, com ou sem grande impacto patrimonial.

Necessidades essas reforçadas sobretudo relativamente ao arguido, que, valendo-se da sua experiência profissional na área da mecânica automóvel, se vinha dedicando à apropriação de veículos com vista ao seu desmantelamento para venda em peças – mercado que também tem vindo a crescer, face ao preço apelativo.

E contava com o apoio da sua mãe e namorada, que compactuavam com esta sua actividade, vendo na mesma uma solução, como um rendimento, face à situação de desemprego do arguido e consequentes necessidades económicas.

 Assim, para além de nada demover o arguido, nem mesmo o facto de continuar a não estar habilitado ao exercício da condução, tendo já sofrido condenações pela prática de tal crime e ainda por crime de burla, temos como bastante elevadas as necessidades de prevenção especial.

 Assim, relativamente à ponderação prevista no artigo 70º do CP não pode o tribunal aplicar ao arguido uma mera pena de multa, quanto aos crimes que a admitem, por a mesma, face à gravidade global dos factos, à sua reiteração e aos antecedentes criminais do arguido. 

 (…)

Assim,

Quanto ao arguido AA:

Em obediência ao disposto no 71º, n.º 2, Código Penal na determinação concreta da pena há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, de harmonia com o disposto no art.º 71º, n.º 2, Código Penal. 

Importa considerar, por isso, além das exigências de prevenção supra apreciadas, que:

- O arguido agiu com elevada ilicitude e culpa dolosa, estudando os carros que lhe interessavam, abordando os proprietários e subtraindo os veículos mesmo à frente dos mesmos, facilitado pela envolvência de um suposto negócio e de um suposto test drive.

- Alterou dois veículos e pretendia vendê-los, seja em peças ou não.

- Todos os veículos foram recuperados, apesar de OO e de KK terem ficado com veículos alterados e danificados.

- Todos os documentos e cartões bancários de GG, LL e KK foram recuperados;

- Aproveitando-se da posse dos cartões bancários de GG e de LL o arguido utilizou-os para compras de baixo valor, em alimentação e transporte, com prejuízo para os titulares dos cartões.

- A quantia de € 50,00 foi recuperada e entregue a LL, mas não por iniciativa do arguido.

-    Estudou as rotinas de trabalho de GG, apoderando-se da ... enquanto o mesmo fazia uma entrega de mercadoria num café conhecido, durante a madrugada, contando com a colaboração da sua parceira  

- A postura do arguido foi colaborante com o tribunal, assumiu os factos e mostrou arrependimento, algo que se valora positivamente, sem se descurar a motivação que o conduziu ao crime e o risco da mesma se repetir, considerando que o arguido vinha fazendo do crime a sua actividade profissional.

Assim, tudo visto e ponderado, reputamos ajustado ao grau de culpa com que o arguido AA agiu fixar as seguintes penas parcelares:

- 8 (oito) meses de prisão por cada um dos seis crimes de condução sem habilitação legal;

- 1 (um) ano de prisão pelo crime de burla simples; 

- 2 (dois) anos e seis meses de prisão pelo crime de furto qualificado;

- 1 (um) ano de prisão por cada um dos dois crimes de furto simples;

- 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de falsificação de documento simples;

- 2 (dois) anos de prisão pelo crime de falsificação de documento qualificado; - 1 (um) ano de prisão por cada um dos dois crimes de burla informática.

CÚMULO JURÍDICO:

Estipula o artigo 77.°, n.° 1, do Código Penal, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Como refere JORGE DE FIGUEIREDO DIAS [in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, p. 291 e 292], o conjunto dos factos fornece a «gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre factos concorrentes se verifique»; por outro lado, na avaliação da personalidade «relevará sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira” criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura pena do conjunto».

Nos termos do n.° 2 do aludido preceito, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

A moldura abstracta da pena de prisão do arguido tem como limite máximo a pena de 15 (quinze) anos de prisão e limite mínimo de 2 (dois) anos e (seis) meses de prisão (artigo 77°, n° 2, do Código Penal).

Na determinação da medida da pena única, deve o tribunal ter em consideração a globalidade dos factos e a personalidade do arguido, bem como as finalidades da punição (prevenção geral e especial).

Importa efectuar uma avaliação da gravidade da ilicitude global, a existência, ou não, de ligações, conexões, ou pontos de contacto, entre as diversas actuações, e, na afirmativa, o tipo de ligação, conexão, ou contacto, que se verifique entre os factos em concurso, quer pela proximidade temporal, quer na identidade ou proximidade de bens jurídicos violados, quer no objectivo pretendido.

Os factos foram cometidos entre maio e novembro de 2020, são em tudo idênticos e reveladores de uma personalidade propensa ao crime, porque facilitada pela oportunidade e pela confiança que o ser humano em geral deposita nas pessoas, revelando indiferença pelo outro e pelo seu património, justificando o arguido as suas condutas na sua situação de desemprego.

 O arguido tem antecedentes criminais por crime de condução sem habilitação legal, tendo também sido condenado por crime contra o património, o que revela insensibilidade às decisões judicias e dificuldade/incapacidade em pautar os seus comportamentos pelas normas e regras da vida em sociedade.

O arguido é um jovem de 25 anos de idade e ao invés de investir nas suas capacidades para trabalhar de forma séria, optou por trabalhar no crime, lesando terceiros que trabalham honestamente, sendo absolutamente indiferente a isso.

Ponderando tais factores, a globalidade dos factos, o percurso de vida, a idade e a personalidade do arguido (artigo 77°, n° 2, do Código Penal), bem como as finalidades da punição (prevenção geral e especial), o tribunal julga adequado fixar a pena única em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.”


2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita à pena. Pugna o recorrente pela redução das penas parcelares, pela fixação da pena única em quatro anos de prisão, pela aplicação de prisão suspensa. Argumenta que as penas fixadas no acórdão excederam o necessário à garantia das finalidades da punição, considerando mais adequadas as penas que (para cada um dos crimes cometidos) propõe, sem aditar, no entanto, mais razões que eventualmente demonstrassem o erro de julgamento (em matéria de pena).

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da confirmação do acórdão.

O arguido está condenado por um crime de burla simples do art. 217.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão; por um crime de furto qualificado dos arts. 203.º e 204.º, n.º 1, al. a) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; por cada um de dois crimes dois crimes de furto simples do art. 203.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão; por um crime de falsificação de documento do art. 256º, nº 1, als. c), d) e e) e um crime de falsificação de documento do art. 256º, nº 1, al. a) e e) e nº 3, do CP, nas penas de 1(um) ano e 6 (seis) meses de prisão e de 2 (dois) anos de prisão; por cada um de seis crimes de condução sem habilitação legal do art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do D. Lei 2/98, na pena de 8 (oito) meses de prisão; por cada um de dois crimes de burla informática do art. 221.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Todos os tipos de crime da condenação preveem pena abstracta compósita alternativa (prisão ou multa).

No que respeita às penas parcelares, constata-se que o tribunal optou sempre pela prisão, afastando a multa. E graduou as penas de prisão, no limite, próximo do ponto médio, mas nunca acima dele.

O recurso apresentado desencadeia a sindicância do acórdão em matéria de pena, questionando a sua medida, mas sem melhor concretizar o erro de decisão imputável ao acórdão.

Começa por lembrar-se que a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”. Tem sido esta a prática jurisprudencial dominante e é também a lição de Figueiredo Dias (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

Relativamente às penas parcelares, a leitura do acórdão não leva à detecção de qualquer violação de princípios gerais em matéria de pena, de operações de determinação impostas por lei, não se mostrando desproporcionadas as quantificações efectuadas.

Desde logo, no que respeita à escolha das penas, matéria não impugnada em recurso, não deixa de se consignar a sua correcção. À data da prática dos factos, o arguido sofrera já uma condenação em pena de multa, por crime de burla (art. 217.º, n.º 1, do CP), multa que foi depois convertida em prisão subsidiária. Esta condenação anterior demonstra que a multa aplicada se revelou insuficiente para a prevenção da recidiva. Recidiva que se veio a concretizar quanto a crimes semelhantes.

O insucesso da multa anterior, por um lado, e o número dos novos crimes agora cometidos, pelo outro, justificam amplamente a opção pela escolha da pena principal de prisão. Foi, pois, justificadamente que o tribunal lhe deu (sempre) preferência, já que a multa se apresentava aqui manifestamente insuficiente para garantir as finalidades da punição. Mormente da prevenção especial.

Olhando o acórdão, constata-se que cumpre também as demais exigências de fundamentação de facto e de direito, em matéria de pena.

Fá-lo relativamente a cada uma das penas parcelares aplicadas, justificando-as individualmente, apreciando a gravidade na lesão do bem jurídico.

Fá-lo, por último, relativamente à pena única, procedendo a uma apreciação autónoma, e global, da pena aglutinadora a proferir, tendo em conta o “ilícito global perpetrado”. A tudo procedendo, sempre após enunciar correctamente o quadro legal aplicável, com justificado apelo à doutrina - quadro legal e sua interpretação constante da fundamentação da(s) pena(s) já transcrita em 2..

Transpuseram-se para o caso concreto os princípios legais que regem em matéria de pena, a tudo se procedendo tendo sempre por base a matéria de facto provada do acórdão.

Assim, considerou-se que o arguido “agiu com elevada ilicitude e culpa dolosa, estudando os carros que lhe interessavam, abordando os proprietários e subtraindo os veículos mesmo à frente dos mesmos, facilitado pela envolvência de um suposto negócio e de um suposto test drive”, que “alterou dois veículos e pretendia vendê-los”, que todos os veículos foram recuperados, apesar de duas ofendidas terem ficado com veículos alterados e danificados, que os documentos e cartões bancários de três ofendidos foram recuperados, que a quantia de € 50,00 foi recuperada mas não por iniciativa do arguido. De destacar ainda o dolo, sempre directo, intenso e persistente.

Valorou-se a confissão, mas consideraram-se elevadas as necessidades de prevenção especial, justificando-se porquê. Estas resultam da circunstância de  o arguido não se encontrar inserido profissionalmente, não tendo outro modo de vida para além da prática (reiterada) do crime. Nos factos provados especificou-se ainda que “denota ser um individuo com falhas ao nível de consciência crítica e de autoanálise, justificando os seus comportamentos com fatores externos, sustentados nas suas dificuldades económicas. A par, evidencia dificuldades em pensar na vítima e no impacto nela causado.”

De tudo resulta que, em concreto, as exigências de prevenção geral são as que se mostram referidas. E com elas confluem as exigências de prevenção especial, que não deixam de ser igualmente elevadas.

E visando a pena prosseguir finalidades exclusivamente preventivas, mostrando-se estas devidamente avaliadas e correctamente mensuradas no acórdão (as penas fixadas nunca excederam o ponto médio das penas abstracta), não se vê razão que justifique a intervenção correctiva do Supremo.

Não se justifica no que respeita às penas parcelares. Não se justifica no referente à pena única, a qual, numa moldura abstracta de dois anos e seis meses a quinze anos de prisão, se mostra fixada pouco acima do primeiro terço.

Numa reapreciação global dos factos em conjunto com a personalidade do arguido, considerou-se que os factos foram cometidos entre Maio e Novembro de 2020, sendo em tudo idênticos e reveladores de uma personalidade propensa ao crime, facilitada pela oportunidade e pela confiança que o ser humano deposita nas pessoas, revelando indiferença pelo outro e pelo seu património, justificando o arguido as suas condutas na sua situação de desemprego.

Em suma, tendo os três juízes de julgamento, na interacção com o arguido, chegado às conclusões a que chegaram em sede de pena, conclusões concretamente sustentadas na Constituição e na lei e tendo sempre por base os factos provados do acórdão, não se vê razão que deva conduzir à alteração da(s) pena(s).


3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente que se fixam em 6 UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).


Lisboa, 18.05.2022


Ana Barata Brito, Relatora

Pedro Branquinho Dias, Adjunto

Nuno Gonçalves, Presidente de Secção