Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA DISPENSA NULIDADE PROCESSUAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2019 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | – Entendendo o Sr. Juiz a quo que podia conhecer, em sede de despacho saneador, acerca do mérito da acção (ainda que de forma parcial, nomeadamente acerca da invocada excepção peremptória de abuso de direito, o que igualmente configura conhecimento do mérito), deveria, em cumprimento do prescrito na alínea b), do nº. 1, do artº. 591º, do Cód. de Processo Civil, convocar audiência prévia ; – Não o fazendo, incorreu na prática de irregularidade que, podendo influir no exame ou na decisão da causa – artº. 195º, do CPC -, se transmuta ou converte em nulidade processual, dado ter sido praticado um acto que a lei não admite, qual seja o de dispensar a realização da audiência prévia quando esta dispensa não era legalmente viável ; – Porém, sempre se poderia argumentar, em defesa da posição assumida, que o Sr. Juiz a quo teria feito uso do poder de gestão processual, na vertente ou segmento do poder de simplificação e agilização processual, nos quadros do legalmente prescrito nos artigos 547º e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil. Situação que alguns apenas admitem quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica, jurisprudencial e doutrinariamente ; – Ora, a entender-se a possibilidade de recurso ao presente mecanismo, mesmo nas situações em que a lei impõe a regra da realização da audiência prévia, a decisão de prescindibilidade desta, para além de dever ser fundamentada nesses quadros, o que não sucedeu, sempre deveria ser precedida de devido convite às partes (Autora e Réus) para se pronunciarem acerca da possibilidade de tal dispensa e da permissão destas se pronunciarem, por escrito, nos termos em que o iriam fazer oralmente em sede de audiência, se esta tivesse lugar ; – Pelo que ocorrendo o vício de nulidade da decisão que dispensou a realização da audiência prévia, tal determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, devendo ser proferida decisão a convocar as partes (Autora e Réus) para a audiência prévia omitida, nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, ou, em alternativa, ser proferido o despacho previsto nos artºs 547º e 6º, do Cód. de Processo Civil, convidando as partes a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa desta diligência, sobre eventuais excepções e sobre o mérito da causa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I–RELATÓRIO 1– BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra RC… e AP…, peticionando que estes sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de 39.969,24 € (trinta e nove mil novecentos e sessenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, a partir de 31/03/2015, sobre a quantia de 35.829,50 €, às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais. Alegou, em súmula, o seguinte: – No âmbito da sua atividade comercial, de concessão de crédito, a Autora e os Réus celebraram entre si, em 08/08/2012, um contrato de mútuo, ao qual foi internamente atribuída a denominação ILS …, mediante o qual o primeiro emprestou aos segundos a quantia de € 37.263,01 (trinta e sete mil, duzentos e sessenta e três euros e um cêntimo) ; – A quantia mutuada foi entregue pela Autora aos Réus por depósito na conta bancária n.º …, aberta em nome destes junto dos serviços da Autora ; – Tendo acordado as partes que o capital mutuado seria reembolsado pelos Réus, acrescido dos respectivos juros, em 240 (duzentas e quarenta) prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros no valor unitário estimado de 295,88 € (duzentos e noventa e cinco euros e oitenta e oito cêntimos), a primeira com vencimento em 08/09/2012 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes ; – Ficou ainda contratualizado entre as partes que, sempre que se verificasse o não pagamento pontual e/ou integral das prestações acordadas, os Réus obrigavam-se a pagar à Autora, a título de cláusula penal, uma sobretaxa legal moratória de 4%, a acrescer à taxa de juro nominal em vigor à data da constituição em mora ; – Todavia, os Réus deixaram de efetuar o pagamento das prestações de reembolso a partir de 08/04/2014 ; – A Autora interpelou os Réus por diversas vezes, concedendo-lhes um prazo suplementar de 15 dias para que procedessem ao pagamento das prestações vencidas e não pagas, sob pena de considerar definitivamente incumprido o contrato de mútuo celebrado ; – Ao não efectuarem o pagamento das prestações de reembolso vencidas e não pagas, a Autora considerou definitivamente incumprido o contrato celebrado com os Réus e antecipadamente vencidas as prestações de capital ; – Não tendo os Réus, nem mesmo após as interpelações, procedido ao pagamento de qualquer prestação vencida a partir de 08/04/2014 (inclusive), venceram-se antecipadamente as demais prestações de capital (art. 20º/1 do DL 133/2009 de 02 de Junho). 2 – Citados os Réus, vieram contestar, por excepção, aduzindo, em resumo, o seguinte: – A petição inicial é inepta, por falta de factos essenciais à pretensão do Autor ; – Em bom rigor, a Autora não emprestou aos Réus a quantia de 37.263,01 € para uso destes, mas sim para auto-liquidar uma dívida anterior dos Réus ; – Em 08/08/2012, a Autora e os Réus acordaram dar em cumprimento, para pagamento da dívida global no montante de € 178.146,42, o imóvel que havia sido dado de hipoteca ao Autor ; – Em virtude de, nessa ocasião, a Autora apenas ter avaliado o imóvel em € 143.000,00, os Réus ficaram ainda devedores, na auto-liquidação que o Banco fez das quantias em dívida, da quantia de 35.146,42 € ; – A Autora não junta nenhuma prova da interpelação alegadamente efectuada, não alegando sequer em que data a mesma terá ocorrido, ou em que data considerou definitivamente incumprido o contrato ; – Não o tendo feito, e tratando-se de factos constitutivos do seu direito, verifica-se falta de causa de pedir ; – Pois deveria ter alegado os factos concretos constitutivos do invocado incumprimento dos Réus ; – Nomeadamente que os interpelou admonitoriamente e em que data considerou definitivamente não cumprida a obrigação ; – Não alegou, assim, factos constitutivos do direito de peticionar o vencimento antecipado da dívida, pelo que a sua pretensão nunca poderá proceder ; – Sendo inepta a petição inicial e, consequentemente, nulo todo o processado, tal constitui excepção dilatória, nos termos do artº. 577º, alín. b), do Cód. de Processo Civil, conducente á absolvição da instância, nos termos previstos no nº. 2, do artº. 576º, do mesmo diploma ; – Está legalmente vedado à Autora peticionar o pagamento de juros remuneratórios ; – Por outro lado, o pedido da Autora constitui abuso de direito ; – Tendo os contestantes assinado o documento titulado “dação em cumprimento” em manifesta debilidade face ao Banco e perante o sentimento de “impotência” face ao credor ; – Inicialmente, o Banco deu-lhes conhecimento que avaliou o seu imóvel em € 175.000,00, sendo o valor real do imóvel, na data da dação em cumprimento, nunca inferior a esse valor ; – Ou seja, muito superior ao valor de 143.000,00 € atribuído pelo Banco ; – Pelo que, não obstante a Autora invocar um direito de crédito formal e aparentemente exigível, o certo é que o seu reconhecimento configura uma situação de abuso de direito na modalidade de desequilíbrio no exercício do direito, não consentida pela ordem jurídica ; – Aliás, através da dação em cumprimento não se pode conduzir ao resultado que o legislador quis evitar com a proibição do “pacto comissório”, previsto no artº. 694º, do Cód. Civil ; – Não pode o Autor banco aproveitar-se do desequilíbrio contratual manifesto entre as partes para exigir, a coberto de um novo pacto contratual, aquilo que não poderia fazer perante as circunstâncias que motivaram a realização desse pacto. Concluem, no sentido: I)– Da invocada excepção de ineptidão da petição inicial ser julgada procedente e, consequentemente, serem absolvidos da instância ; ou quando assim não se entenda, II)– Da acção ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se os Réus do pedido, com as legais consequências. 3– Conforme fls. 35 a 39, veio a Autora apresentar resposta às excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência. 4 – Em 13/12/2018, foi proferido despacho saneador, com o seguinte teor: “I– Despacho Saneador Dispenso a audiência prévia (art. 593.º CPC). * Fixo o valor da causa em € 39.969,24 euros. * O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Da ineptidão da petição inicial: Os Réus alegaram que a Autora não emprestou aos Réus a quantia de € 37.263,01 euros para uso dos mesmos, mas sim para auto-liquidar uma anterior dívida dos Réus, na medida em que deram anteriormente um imóvel de dação em pagamento, para pagamento de uma dívida de € 178.146,42 euros, tendo sobrado a quantia de € 35.146,42 euros, tendo o Banco imposto a celebração de um contrato de mútuo para liquidar o remanescente da dívida. Mais alegaram que a Autora não concretizou as datas em que os Réus foram interpelados, nem em que data considerou definitivamente incumprido o seu crédito, o que são factos constitutivos do seu direito, transformando a mora em incumprimento definitivo, e que ao não serem alegados geram ineptidão da causa de pedir. A Autora respondeu alegando que as motivações do mútuo são inócuas e irrelevantes para caracterizar o mútuo sob discussão, tanto mais que os Réus se confessaram devedores da mesma, juntando ainda as respectivas cartas de interpelação (fls.97 e 97-v), pelo que inexiste qualquer fundamento para a ineptidão suscitada. Procurando apreciar a questão suscitada, verifica-se que a petição inicial contém todos os elementos necessários à caracterização do contrato, o qual os réus assumem ter assinado, apenas discordando que sejam um mútuo pelo contexto que antecedeu a celebração do contrato. O contexto mencionado é apenas uma circunstância derivada de o imóvel entregue para dação, não ter o valor comercial suficiente para liquidar o empréstimo anteriormente concedido, motivo pelo qual tiveram de recorrer a mútuo colateral para titularem as dívidas. Com efeito, e no que tange à acusação de falta de alegação do contexto, resulta do próprio texto do contrato, que o mesmo se destina a consolidação, o que indicia que é para fazer face a créditos anteriores em dívida. No que tange à falta de interpelação, os ofícios comprovando a interpelação, foram apresentados, sendo que, em abono da verdade, tal interpelação sempre se teria por efectuada com a citação para a presente acção. Logo, não vislumbramos qualquer falta de alegação de factos que acarrete a ineptidão da petição inicial, sendo irrelevante para o caso concreto, o contexto em que o contrato foi celebrado, motivo pelo qual entendemos não existir qualquer razão aos Réus. Sucede ainda que, ouvida a Autora, se verifica que os Réus interpretaram convenientemente a petição inicial, tendo a contestado eficazmente, motivo pelo qual se verifica o condicionalismo do art. 186.º, n.º 3 do CPC. Pelo supra exposto, julgo improcedente a ineptidão da petição inicial suscitada. Notifique. Do abuso de direito: Os Réus alegaram que resultando a dívida de um ajuste de contas anterior, verifica-se um desequilíbrio de posições, na medida em a dação em cumprimento deveria ter sido suficiente para liquidar todos os valores, não podendo a Autora exigir mais valores, sob pena de abuso de direito. A Autora respondeu alegando que não se mostra concretizado em que consiste a debilidade ou desequilíbrio invocado, sendo que a insuficiência da dação para o pagamento de toda a quantia em dívida foi mencionada na negociação da mesma, não se alcançando no que consiste o abuso invocado, tanto mais que foram comunicadas todas as cláusulas e os Réus cumpriram as prestações do mútuo durante mais de dois anos. Procurando apreciar a questão suscitada, cumpre salientar que não vêm minimamente concretizados os factos dos quais se infere a conduta abusiva do Réu Banco, nem qual o desequilíbrio ou debilidade invocada, na medida em que a celebração de contratos por erro, vício ou coacção obedece à alegação de factualidade específica que não se mostra presente no articulado em causa, nem a finalidade de consumo surge sequer evidenciada no contrato, o qual se destina a consolidação. Por conseguinte, o abuso de direito alegado é manifestamente incipiente e logo improcedente. Pelo supra exposto, julgo a excepção de abuso de direito manifestamente improcedente. Notifique. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Inexistem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * O objecto do processo consiste na condenação dos Réus a pagar à Autora a quantia de € 36.969,24 euros, acrescido de juros legais vencidos e vincendos desde 31.03.2015 até efectivo e integral pagamento. * Os temas da prova visam aferir se os Réus não liquidaram as prestações devidas no âmbito do contrato de mútuo celebrado, quais os juros cobrados, e as suas consequências. Notifique (art. 596.º, n.º 2 CPC)”. 5– Inconformados com o decidido em sede de despacho saneador, na parte em que decidiu dispensar a audiência prévia e julgou improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de abuso de direito, os Réus interpuseram recurso de apelação, em 30/01/2019, por referência às decisões prolatadas. Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES (que se transcrevem na íntegra): “1ª – O despacho que decidiu dispensar a audiência prévia não se mostra convenientemente fundamentado; 2ª – Consequentemente, é nulo por falta de fundamentação, nos termos previstos no art. 615º n.º 1 al. b), aplicável ex vi art 613º n.º 3, ambos do CPC; 3ª – Independentemente disso, estava vedado ao Meritíssimo Juiz dispensar a audiência prévia; 4ª – Quando o Juiz pretenda conhecer, no todo ou em parte do mérito da causa o NCPC passou a impor como regra a obrigatoriedade da realização da audiência prévia; 5ª – Diligência que só poderá ser dispensada desde que seja proferida decisão nesse sentido de acordo com o princípio da adequação formal, sempre sem prejuízo de prévia consulta às partes; 6ª – Se a audiência prévia for dispensada sem respeitar tais limites e condicionamentos processuais, a sua não realização implica inevitavelmente a verificação de uma nulidade, por prática de ato não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa; 7ª – Tal nulidade inquina a própria decisão proferida, afetando todo o despacho saneador, uma vez que as restantes decisões estão dependentes daquela outra decisão nula; 8ª – E estando tal nulidade coberta por decisão judicial, o meio processual adequado para a suscitar é o recurso a interpor da decisão; 9ª – Nos termos em que se encontra proposta a ação, incumbia à A. alegar os factos concretos e demonstrativos dos exatos termos em que teria efetuado a interpelação dos RR.; 10ª – Sendo que só com a interpelação poderá ocorrer a mora do devedor relativamente à totalidade da obrigação a liquidar em prestações e, subsequentemente, configurar-se um incumprimento definitivo do devedor; 11ª – A A. não alegou nomeadamente: a data em que teria efetuado essa pretensa interpelação e em que termos a teria feito; a data em que os RR. teriam rececionado a interpelação que pretensamente lhes teria sido dirigida pela A.; a data em que a A. considerou vencida a totalidade da obrigação de capital e a data em que considerou definitivamente incumprido o contrato; 12ª – Tais factos são constitutivos do direito que a A. pretende exercer com a presente ação, sendo absolutamente essenciais para se poder aquilatar da bondade e correção das quantias peticionadas pela A., designadamente a título de capital vencido e exigível e respetivos juros remuneratórios e moratórios; 13ª – Os “ofícios” juntos pela A. como docs. n.os 1 e 2 com o articulado designado por “resposta às exceções”, não comprovam minimamente que os RR. tenham sido interpelados; 14ª – A A. não alegou que tais “ofícios” tenham sido recebidos pelos RR., sendo que estaria em causa uma declaração receptícia ou recipienda, a qual carece de ser dada a conhecer ao destinatário para produzir efeitos; 15ª – Nos referidos “ofícios” a A. não declara o vencimento antecipado da totalidade da dívida, a qual deveria ser liquidada em prestações, nem comunica a efetiva resolução do contrato; 16ª – Tais “ofícios” nunca configurariam, por isso, qualquer interpelação admonitória e capaz de produzir os efeitos de vencimento imediato e antecipado de toda a dívida e de resolução do contrato celebrado entre as partes; 17ª – Atendendo aos termos em que se encontra proposta a ação, que se baseia numa pretensa interpelação prévia à sua propositura, a qual fundamenta a demanda dos RR. e o valor peticionado pela A., a citação dos RR. para os presentes autos não pode substituir os efeitos dessa mesma interpelação; 18ª – Estando em causa a falta de alegação de factos constitutivos do direito da A., a exceção da ineptidão da petição inicial não pode considerar-se sanada, em virtude da conclusão a que se possa chegar no sentido de que os RR. interpretaram convenientemente esse articulado; 19ª – A omissão do núcleo essencial da causa de pedir que conduz à ineptidão da petição inicial não é sequer suprível através do mecanismo da correção dos articulados; 20ª – A decisão que conheceu a exceção do abuso de direito, julgando-a improcedente, é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto; 21ª – Contrariamente ao que consta do despacho proferido a esse respeito, os RR., na contestação, concretizaram os factos e explanaram as razões pelas quais consideram abusiva a conduta da A.; 22ª – Tal exceção do abuso de direito invocada pelos RR. assenta na conduta censurável da A. que, aproveitando-se da situação frágil em que se encontravam os RR., atribuiu ao imóvel dado de hipoteca um valor, para efeitos de dação em cumprimento, inferior ao seu valor real e àquele que resultou da avaliação efetuada pela própria A.; 23ª – Em face do desequilíbrio contratual existente entre as partes, a conduta da A. pode consubstanciar um exercício abusivo do direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé contratual e, sobretudo, pelo fim social e económico do direito por si exercido; 24ª – Permitindo um resultado proibido por lei; 25ª – Mostrando-se adequadamente configurada a questão e tendo os RR. alegado minimamente os factos nos quais assenta a sua invocação, não podia o Tribunal julgar desde logo improcedente a exceção do abuso de direito, devendo outrossim incluí-la no objeto do litígio e/ou nos temas da prova e, conhecer, a final, do mérito da mesma; 26ª – O estado do processo não permitia, sem necessidade de mais provas, que o Meritíssimo Juiz conhecesse imediatamente do mérito da causa, julgando improcedente a exceção; 27ª – Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou designadamente as normas dos arts. 3º n.º 3, 591º, 593º, 595º n.º 1 al. b), 607º n.os 3 e 4, do CPC; arts. 224º, 334º, 694º e 781º do C. Civil”. Concluem, no sentido do recurso ser julgado procedente, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida “e anulando-se os atos subsequentes que dela dependem”. 6– Não consta que a Autora Recorrida/Apelada tenha apresentado contra-alegações. 7– Conforme despacho (1º) de fls. 58, o Meritíssimo Juiz a quo considerou não se verificar a arguida nulidade de da dispensa da audiência prévia, ajuizando, nos seguintes termos: “Em nosso entender, e salvo o devido respeito por melhor e mais fundamentada opinião, a nulidade decorrente da dispensa da audiência prévia não se verifica, porquanto as partes já tomaram posição nos articulados sobre as excepções em causa, seja do ponto de vista da matéria de facto, seja do ponto de vista da matéria de direito. Com efeito, o inciso legal da necessidade de convocação da audiência prévia para os fins do art. 591.º, n.º 1, alínea b) do CPC, deve em nosso entender ser interpretado como referindo-se aos casos em que às partes não tenha sido permitir pronunciar-se sobre as excepções formuladas, pois nos casos em que o tenha sido, não tem lugar a convocação de audiência prévia, como se extrai do art. 592.º, n.º 1, alínea b) CPC, por não existir prejuízo para a parte que é o fim tutelado pelo instituto da nulidade processual (art. 195.º, n.º 1 CPC). No caso vertente, foi dada oportunidade à Autora de responder à excepção formulada, pelo que a consequência natural é que sobre a mesma recaia decisão, sendo o despacho saneador o momento processual próprio para o efectuar, não carecendo de se efectuar um novo contraditório sobre excepções já debatidas em audiência prévia, nem convocar audiência prévia apenas para notificar as partes da decisão sobre a excepção, na medida em que nas mesmas podem sempre interpor recurso (art. 644.º, n.º 1, alínea b) CPC). A assim não ser, estar-se-ia a convocar as partes para um acto inútil, pois salvo se as partes ditassem imediatamente as alegações de recurso para a acta, não se vislumbra a utilidade da referida diligência, nem da dispensa da mesma advém qualquer prejuízo para a parte. Pelo supra exposto, sustenta-se a decisão proferida, por nela não existir nulidade”. 8 – O recurso foi admitido pelo 2º despacho de fls. 58. 9 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. *** II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a)- As normas jurídicas violadas ; b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelos Réus/Apelantes, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina aferir acerca do seguinte: A)- Da nulidade do despacho de dispensa da audiência prévia, por falta de fundamentação – cf., artº. 615º, nº. 1, alín. b), ex vi do artº. 613º, nº. 3, ambos do Cód. de Processo Civil (Conclusões 1ª e 2ª); B)- Da inadmissibilidade legal de dispensa da audiência prévia ; – Sua configuração como nulidade, nos termos do artº. 195º, do Cód. de Processo Civil ; – Da total afectação do despacho saneador: cf., o nº. 2, do artº. 195º (Conclusões 2ª a 8ª); Na hipótese de não se concluir pela invocada nulidade: C)- Do erro de julgamento quanto à excepção de ineptidão da petição inicial (Conclusões 9ª a 19ª); D)- Da nulidade da decisão na parte em que conheceu da excepção do abuso de direito, por total ausência de especificação dos fundamentos de facto - cf., alín. b), do nº. 1, do artº. 615º, ex vi do nº. 3, do artº. 613º, ambos do Cód. de Processo Civil (Conclusão 20ª); E)- Erro de julgamento quanto à excepção do abuso de direito (Conclusões 21ª a 27ª). *** III–FUNDAMENTAÇÃO A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar é a aludida no precedente relatório. *** B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1– da nulidade do despacho de dispensa da audiência prévia, por falta de fundamentação No seu desígnio recursório, invocam os Apelantes que o despacho de dispensa de audiência prévia proferido pelo tribunal a quo não se mostra “convenientemente fundamentado”, pois limita-se, tão-somente, “a mencionar de forma singela o art. 593º do CPC, sem demonstrar a sua aplicabilidade e justificar em que medida tal norma permitiria, in casu, a dispensa da audiência prévia”. Deste modo, aduz, não se podendo considerar devidamente fundamentada tal decisão, padece esta do vício da nulidade, por falta de fundamentação, nos termos do artº. 615º, nº. 1, alín. b), ex vi do nº. 3, do artº. 613º, ambos do Cód. de Processo Civil. Analisando: Prescreve a citada alínea b), do nº. 1, do artº. 615º ser nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, sendo tal regime igualmente aplicável aos despachos por força do prescrito no nº. 3, do artº. 613º, do mesmo diploma. No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [2] [3]. Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [4]. A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada. A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [5]. O vício de fundamentação em equação – alínea b), do citado nº. 1 do artº. 615º do Cód. de Processo Civil -, a apreciar no campo do error in procedendo, concretiza-se na omissão da especificação dos fundamentos de direito ou na omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão. Todavia, “só a absoluta falta de fundamentação da sentença gera a nulidade. O vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade” [6] [7] [8]. Donde decorre que “a falta de motivação da decisão de facto (art. 607º, nº. 4), considerada isoladamente, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação, desde que esta contenha a discriminação dos factos que o juiz considera provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (art. 607º, nº. 3). Este vício pode ser eliminado, sanando-se a sentença irregular, em caso de recurso (art. 662º, nºs. 2, al. d), e 3, al. d)), por haver nisso utilidade processual, pois permite uma impugnação pelo vencido e uma reapreciação da decisão pelo tribunal ad quem mais esclarecidas. A absoluta falta de motivação da decisão de facto pode contribuir, no limite, para tornar a decisão final (art. 607º, nº. 3) ininteligível, gerando, por esta via, a nulidade da sentença (nº. 1, al. c). Sendo a sentença anulada com este fundamento, valerá a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (art. 665º, nº. 1)” [9]. A necessidade/dever de fundamentação de qualquer decisão judicial encontra-se plasmada no artº. 154º do Cód. de Processo Civil, o qual prescreve que: “1– as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2– A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”. Possui inclusive tal dever legal consagração constitucional, conforme decorre do previsto no artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa , ao prescrever que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. O dever de fundamentação tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma. Nas palavras do douto aresto desta Relação, datado de 07/11/2013 [10], “é, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico-jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação. Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça” O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito” [citando Pessoa Vaz, Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p.211.]. E, acrescenta, “conforme decorre do n.º2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma “fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma” [citando José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, p.302-303]. Tal, não se verifica, claramente, no caso em apreço. Não se trata de uma fundamentação parca ou deficiente. Trata-se de ausência de fundamentação. Consequentemente, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º668.º n.º b) (actual art.º 615.º n.º 1 b)) do CPC”. Ora, na reversão do exposto ao caso concreto, constata-se ter o Tribunal a quo, finda fase dos articulados, proferido o seguinte despacho: “dispenso a audiência prévia (art. 593º CPC)”. Ou seja, o Tribunal decidiu-se pela dispensa da realização da audiência prévia, legalmente equacionada no artº. 591º, do Cód. de Processo Civil, apenas consignando tal dispensa e o normativo que a prevê, sem fundamentar ou indicar as razões de facto e as razões jurídicas subjacentes a tal juízo de dispensa, sendo certo que o nº. 1, do citado artigo 593º refere expressamente que “nas acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados na alíneas d), e) e f) o nº. 1 do artigo 591º”. Donde decorre, aparentemente sem equívocos, inexistir, no despacho proferido, qualquer especificação dos fundamentos de facto ou de direito em que assentou tal juízo de dispensa, que não é suprido pela mera e lacunar alusão á norma legal que prevê tal solução. E, adrede, no teor de tal decisão não se descortina, apenas, uma fundamentação deficiente, incompleta, medíocre, errada ou tecnicamente censurável, capaz de afectar o valor do despacho sob sindicância recursória, nomeadamente no sentido da sua revogação ou alteração. Existe antes, nos termos supra sufragados, absoluta falta de fundamentação, nos termos em que esta se impõe com as vestes enunciadas nos nºs. 3 e 4, do artº. 607º, do Cód. de Processo Civil, o que determina, sem outras delongas, reconhecimento da verificação da invocada nulidade de falta ou omissão de fundamentação, prevista na alín. b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, ex vi do nº. 3, do artº. 613º, do mesmo diploma. Conducente, nesta parte, a um juízo de procedência das conclusões recursórias em equação – Conclusões 1º e 2º. Todavia, para além do vício de nulidade de tal despacho de dispensa de realização da audiência prévia, e prejudicialmente à aferição dos efeitos de tal vício procedimental, invocam igualmente os Apelantes a inadmissibilidade legal daquele juízo de dispensa. O que se passa a conhecer. 2– da falta de realização da audiência prévia e do alegado vício (nulidade) daí decorrente Conforme supra referenciámos, o Sr. Juiz a quo, finda a fase dos articulados e previamente à fixação do valor da acção, proferiu o seguinte despacho: “Dispenso a audiência prévia (art. 593º CPC”. Insurgem-se os Apelantes contra tal decisão de dispensa da audiência prévia, aduzindo, no essencial, o seguinte: - estava vedado ao Meritíssimo Juiz dispensar a audiência prévia, pois no proferido despacho saneador conheceu imediatamente, em parte, do mérito da causa ; - o que sucedeu, inquestionavelmente, quando julgou improcedente a excepção de abuso de direito ; - o que fez sem consultar previamente as partes ; - impondo como regra o Código de Processo Civil que o juiz, quando prenda conhecer, no todo ou em parte do mérito da causa, está vinculado à obrigatoriedade de realização da audiência prévia ; - e, após citar vária jurisprudência em corroboração do aduzido, acrescenta que tal dispensa constitui nulidade, por manifestamente influir no exame ou decisão da causa – cf., artº. 195º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil ; - afectando tal nulidade a própria decisão proferida, por ter conhecido de questão de que não podia conhecer, ou seja, sendo nula a decisão de dispensa de audiência prévia, tal nulidade afecta todo o despacho saneador, nos termos do nº. 2, do artº. 195º, do CPC, uma vez que as restantes decisões proferidas nesse despacho encontram-se irremediavelmente dependentes daquela anterior decisão nula ; - pelo que, na decisão de nulidade do despacho que decretou a dispensa da audiência prévia, deve, consequentemente, anular-se o despacho saneador, substituindo-o por outro que ordene a realização de tal diligência. No juízo de sustentação proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, ao abrigo do prescrito no artº. 617º, do Cód. de Processo Civil, referenciou-se, nos termos já supra expostos, não se verificar a nulidade decorrente da dispensa da audiência prévia, “porquanto as partes já tomaram posição nos articulados sobre as excepções em causa, seja do ponto de vista da matéria de facto, seja do ponto de vista da matéria de direito”. Acrescenta-se que o normativo que impõe a realização da audiência prévia deve “ser interpretado como referindo-se aos casos em que às partes não tenha sido permitir pronunciar-se sobre as excepções formuladas, pois nos casos em que o tenha sido, não tem lugar a convocação de audiência prévia, como se extrai do art. 592.º, n.º 1, alínea b) CPC, por não existir prejuízo para a parte que é o fim tutelado pelo instituto da nulidade processual (art. 195.º, n.º 1 CPC)”. E, concretizando, aduz que no caso concreto “foi dada oportunidade à Autora de responder à excepção formulada, pelo que a consequência natural é que sobre a mesma recaia decisão, sendo o despacho saneador o momento processual próprio para o efectuar, não carecendo de se efectuar um novo contraditório sobre excepções já debatida”. Vejamos. Finda que seja a fase de gestão inicial do processo, plasmada no artº. 590º, do Cód. de Processo Civil (em que cabe a possibilidade de despacho liminar e despacho pré-saneador), determina o nº. 1 do normativo seguinte – 591º - dever ser “convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: a)- Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º; b)- Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; c)- Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate; d)- Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; e)- Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; f)- Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g)- Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas”. Prevê o nº. 1 do artº. 592º acerca das situações de não realização da audiência prévia, o que ocorre: a)- Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º; b)- Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados”. Por fim, o artº. 593º prescreve acerca da dispensa da audiência prévia, enunciando no seu nº. 1 que “nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º”. A questão a conhecer resume-se no seguinte: ao não ter sido convocada, in casu, audiência prévia, foi praticada a nulidade processual invocada ? Resulta do legal enquadramento exposto ser regra a realização da audiência prévia [11] [12], configurando-se como excepções a sua não realização, que não carece sequer de decisão judicial, pois impõe-se legalmente do decorrente no artº. 592º, e a dispensa da sua realização, apenas equacionável nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia tivesse apenas por objecto as finalidades previstas nas alíneas d), e) e f), do nº. 1 do artº. 591º, ou seja: “d)- Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; e)- Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; f)- Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes” [13] Referencia-se no douto aresto da RP de 27/09/2017 [14] que “a forma expressa e taxativa como estas disposições estão redigidas permite concluir com segurança que quando a acção houver de prosseguir (isto é, não deva findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados) e o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa (ou apreciar excepção dilatória que não tenha sido debatida nos articulados ou que vá julgar improcedente) deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento. É o que resulta claro da não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º e da relação necessária entre o artigo 592.º e o artigo 593.º” (sublinhado nosso). Acrescenta, presidir a esta opção legislativa “a intenção de facultar às partes a última oportunidade de exporem os seus argumentos para convencer o juiz sobre a solução de mérito a proferir, tendo o legislador optado pela solução de que isso se processe em sede de audiência prévia e, portanto, de forma oral através da discussão entre os intervenientes. Esta última oportunidade encontra-se, por exemplo, nas acções não contestadas em que a revelia é operante, caso em que não obstante o réu não tenha apresentado contestação lhe é permitido apresentar alegações, nessa ocasião por escrito (artigo 567.º)”. Donde decorre que o despacho proferido pelo Sr. Juiz a quo, a dispensar a realização da audiência prévia, é, prima facie, um despacho ilegal, pois foi proferido relativamente a situação em que não lhe era permitido dispensar a realização de tal acto processual, atento o desiderato de ir conhecer acerca do mérito da causa. Todavia, aduz o mesmo aresto, pode questionar-se se “não obstante, o juiz pode dispensar a realização da audiência, fazendo uso já não um poder discricionário, como aqui teve lugar de forma ilegal, mas o poder de gestão processualna dimensão do poder de simplificação-e-agilização-processual (artigos 6.º e 547.º)”. Admitindo sérias dúvidas sobre tal possibilidade, ancorada no dever de gestão processual e adequação formal, acrescenta que tal decorre do facto de estarmos “perante uma situação em que o legislador regulou de forma pensada e pormenorizada a tramitação processual, estabelecendo diferenças entre os actos a praticar consoante a situação verificada e sopesando de forma expressa o caso de o passo que se segue ser apenas o do conhecimento do mérito. Acresce que a solução legal de impor a realização da audiência possui, como vimos já, serve o objectivo coerente e justificado de levar às últimas consequências o princípio do contraditório, explorando as virtualidades da discussão oral entre os intervenientes dos argumentos pelos quais a decisão deve ser uma ou outra, sendo difícil de conceber um processo equitativo que prescinda dessa discussão oral sem, ao menos,a substituir pela possibilidade de apresentação de alegações escritas. Podemos, contudo, aceitar que em casos limite, quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacíficana jurisprudência e na doutrina, essa preocupação do legislador possa não fazer sentido e o juiz possa, no uso do seu poder de simplificação e agilização processual e adequação formal proferir a decisão por escrito sem realizar a audiência prévia”. Todavia, mesmo nestas situações, “entendemos que a decisão de prescindir desse acto processual prescrito na lei deve ser fundamentada e precedida não da manifestação da intenção de o fazer, mas, sobretudo, do convite prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e da permissão às partes de alegar por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar” (sublinhado nosso). No mesmo sentido, referenciou-se em douto aresto desta Relação de Lisboa [15] que “não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 592º, e se a acção não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art. 591º, nº 1, al. b)). A convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b) visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa (art. 3º, nº 3), pelo que se nos afigura que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º, se aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados”. Alicerça tal entendimento na posição de Lebre de Freitas (que alega mesmo ir mais longe) [16] ao referenciar que “quando se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao pedido (ou pedidos) nela deduzido(s) (art. 595-1-b), o juiz deve convocar a audiência prévia para esse fim. No CPC de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, exceptuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade. No Novo código esta excepção desaparece: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes” (sublinhado nosso). Referencie-se, ainda, o aduzido no douto Acórdão da RP de 24/09/2015 [17] no sentido de que “a audiência prévia só poderia ser dispensada no contexto – que, para o efeito, teria de ser expressamente invocado no despacho em que se decidiu pela dispensa da referida formalidade processual e só depois de ouvidas as partes - dos artigos 547º e 6º, nº1, ambos do Código de Processo Civil. Dado que a audiência prévia não foi dispensada nessa específica situação, exigia-se a sua realização para assegurar o cumprimento da finalidade imposta pelo n.º1, al. b) do Código de Processo Civil”. Acrescenta que “de acordo com o exposto, teria de ser designada audiência prévia para concretização da finalidade prevista no artigo 591º, nº1, b) do Código de Processo, não contrariando esse entendimento o facto de as partes haverem discutido nos articulados a excepção da caducidade e de o Sr. Juiz haver anunciado previamente a possibilidade do seu conhecimento imediato. Pese embora esse circunstancialismo, não tendo as partes sido ouvidas, nem sequer advertidas acerca da eventual dispensa da audiência prévia, podiam legitimamente esperar que pudessem fazer valer nesse acto, através da garantia do primado da oralidade, os seus derradeiros argumentos. Na medida em que viram defraudada essa expectativa que a lei lhes assegurava, não pode deixar de constituir decisão-surpresa a que conheceu do mérito da causa à revelia do estabelecido no mencionado artigo 591º, nº1, b)” (sublinhado nosso). Doutrinariamente, fundando a necessidade de convocação da audiência prévia, aduz Paulo Pimenta [18] que “antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito (…). Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria”. No que em termos jurisprudenciais concerne, referencie-se, ainda, o exposto no douto aresto desta Relação, datado de 19/10/2017 [19], no sentido, igualmente, de exigir a realização de audiência prévia quando está em equação o imediato conhecimento do mérito da causa. Aduz, assim, que “a justificação dada pelo Mº juiz a quo para dispensar a audiência prévia é apenas a de que iria de imediato proferir despacho saneador nos termos do art. 595º do CPC – ver 222/223 do despacho de 11/05/2015. Ou seja, baseou-se nos fundamentos da dispensa previstos no art. 593º nº 1 do CPC. Contudo, não se levou em atenção o art. 591 nº 1 b) que se reporta à audiência prévia com o fim facultar às partes a discussão de facto e de direito, “nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente do mérito da causa”. E foi isto que se passou, a saber, o Mº juiz conheceu da excepção dilatória bem como da excepção peremptória de prescrição invocadas pela Ré – sendo que o conhecimento de uma excepção peremptória é um conhecimento sobre o mérito. Ora, como vimos, o art. 593º nº 1 não inclui a situação da alínea b) do nº 1 do art. 591º como um dos casos em que o juiz pode dispensar a audiência prévia” (sublinhado nosso). Mais recentemente, douto aresto desta Relação de 22/03/2018 [20], após perfilhar idêntico entendimento ao que vimos, doutrinária e jurisprudencialmente, expondo, conclui referenciando que “neste quadro a dispensa de audiência prévia determinada fora dos apertados limites que consentirão as disposições aludidas terá como inevitável consequência a verificação de uma nulidade processual, por prática de acto não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa, a enquadrar no artº 195º do NCPC”. Acrescente-se, ainda, o douto Acórdão desta mesma Relação de Lisboa de 08/02/2018 [21], no qual expressamente enuncia que através da previsão legal de realização da audiência prévia “concede-se assim às partes uma derradeira oportunidade de discutirem não só a possibilidade entrevista pelo julgador de decisão imediata do mérito da causa, sem necessidade de averiguação de factos ainda controvertidos, como de discutirem o mérito da causa, face às pretensões e argumentos deduzidos nos articulados, podendo ainda suprir as imprecisões ou deficiências que eventualmente resultem dos articulados e que, de alguma forma possam influir no resultado do litígio. Sendo esta uma formalidade obrigatória e essencial, a sua não observância é fundamento de nulidade”. E, aduz, ainda, que “nos casos em que nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório. “Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC. (Ac. do STJ de 23/06/2016, proc. nº 1937/15.8T8BCL.S1, no mesmo sentido Ac. do STJ de 17-3-16 (Rel. Fonseca Ramos), no proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1). Conclui-se pois que ao proferir decisão sobre os presentes embargos, sem designação de audiência prévia, invocado aliás pelo embargado a prolação de decisão transitada em julgado que apreciara o incumprimento definitivo do locatário (excepção de caso julgado), sem prolação de despacho no sentido da adequação formal dos autos e sem possibilitar às partes, nomeadamente ao ora recorrente a pronúncia sobre a possibilidade de dispensa desta diligência e sobre o mérito da causa, omitiu o tribunal recorrido a realização de uma formalidade essencial, que inquinou de nulidade a sentença proferida por ter decidido de questão de que não podia conhecer e apenas impugnável por via do competente recurso (sublinhado nosso) [22] [23] [24]. Por fim, e mais recentemente, no mesmo sentido, enuncie-se o decidido nos seguintes doutos Acórdãos desta Relação: – o sumariado no Acórdão de 11/07/2019 – Relatora: Ana de Azeredo Coelho, Processo nº. 5774/17.7T8FNC-A.L1-6 -, no sentido de que: “I)– O artigo 593.º, n.º 1, do CPC, prevê a dispensa de audiência prévia em casos que indica por remissão para o artigo 591.º do mesmo Código, omitindo dessa remissão a situação em que o juiz tenciona conhecer imediatamente de todo ou parte do mérito da causa. II)– Da conjugação dos artigos 591.º, n.º 1, alínea b), e 593.º, n.º 1, do CPC, este a contrario, resulta que a obrigatoriedade legal da audiência prévia quando o juiz se proponha conhecer do mérito na fase do saneador, exceptuada adequação formal ou o prévio acordo das partes, de tal notificadas. III)– O princípio do contraditório independe de o juiz considerar irrelevante a audição das partes, quando persistam no processo questões sobre que se não pronunciaram, v.g., a possibilidade de decisão de mérito sem produção de prova. IV)– A omissão de audiência prévia quando a mesma não podia ser dispensada determina a nulidade da decisão. V)– Esta nulidade deve ser invocada em sede de recurso da decisão de mérito, pois é o conteúdo desta que impõe a realização da audiência prévia e revela a omissão de acto prescrito pela lei; a reação adequada é a do recurso da sentença” ; – o sumariado no Acórdão de 04/06/2019 – Relator: Diogo Ravara, Processo nº. 214/16.1T8MFR.L1-7 – onde se refere que: “A audiência prévia é de realização necessária quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa e as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir não tiverem sido debatidas nos articulados; - Porém, mesmo na situação descrita em I-, a audiência prévia pode ser dispensada desde que: - As razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir já se mostrem debatidas nos articulados, e as partes sejam notificadas dessa intenção, e tenham a possibilidade de sobre ela tomarem posição; - As partes sejam consultadas, nos termos do art. 3.º, n.º 3 do CPC, e lhes seja concedida a possibilidade de manite4srarem o seu assentimento ou oposição à dispensa da audiência prévia, de forma a garantir o contraditório quanto à gestão processual; - As partes sejam informadas, de forma fundamentada, sobre a decisão a proferir, o que implica a enunciação das questões a resolver; - Caso alguma das partes não concorde com a dispensa de realização da audiência prévia, esta deve obrigatoriamente realizar-se. - A prolação de despacho saneador-sentença com inobservância do procedimento supra descrito configura uma nulidade secundária, nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do CPC, suscetível de invocação em recurso de apelação interposto daquela decisão” ; – o defendido no Acórdão de 06/06/2019 – Relatora: Laurinda Gemas, Processo nº. 21172/16.7T8LSB.L1-2, no qual o ora Relator interveio como Adjunto -, ao sumariar-se que “havendo o processo de findar, no fase do saneador, pela procedência de exceção dilatória e com o conhecimento imediato do mérito da causa, a lei prevê a obrigatoriedade de realização de audiência prévia. Mas não está vedada a possibilidade de desvio a essa tramitação legal, quando as especificidades da causa o justifiquem, ao abrigo dos deveres de adequação formal e gestão processual (artigos 547.º e 6.º do CPC), com a prévia audição das partes, para que se possam previamente pronunciar sobre a conveniência da adequação da tramitação processual”. No reverter ao caso concreto, constata-se que, findos os articulados, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu, de imediato, e de forma tabelar, não devidamente fundamentada, despacho de dispensa de realização da audiência prévia, apelando ao estatuído no artº. 593º do Cód. de Processo Civil. E, após, conheceu acerca da excepção dilatória de nulidade principal de ineptidão da petição inicial, no sentido da sua improcedência, e da excepção peremptória do abuso de direito, igualmente no sentido da sua improcedência. Todavia, conforme resulta da posição supra exposta, e com pertinente argumentário, estando em equação o conhecimento acerca do mérito da causa (a excepção peremptória configura conhecimento acerca do mérito da causa), tal situação era enquadrável na finalidade da audiência prévia prevista na alínea b), do nº. 1, do artº. 591º, do CPC, a qual, conforme resulta do nº. 1 do artº. 593º, do mesmo diploma, não permitia o juízo de dispensa da sua realização. Ou seja, indo-se conhecer, em sede de saneador sentença, ainda que de forma parcial, acerca do mérito da acção, impunha a lei a realização da audiência prévia, o que não foi cumprido e observado. Porém, sempre se poderia argumentar, em defesa da posição assumida, que o Sr. Juiz a quo teria feito uso do poder de gestão processual, na vertente ou segmento do poder de simplificação e agilização processual, nos quadros do legalmente prescrito nos artigos 547º e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil. Situação que, conforme vimos, alguns apenas admitem quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica, jurisprudencial e doutrinariamente. Ora, a entender-se a possibilidade de recurso ao presente mecanismo, mesmo nas situações em que a lei impõe a regra da realização da audiência prévia, a decisão de prescindibilidade desta, para além de dever ser fundamentada nesses quadros, o que não sucedeu, sempre deveria ser precedida de devido convite às partes (Autora e Réus) para se pronunciarem acerca da possibilidade de tal dispensa e da permissão destas se pronunciarem, por escrito, nos termos em que o iriam fazer oralmente em sede de audiência, se esta tivesse lugar [25] [26]. Todavia, para além daquela ausência de fundamentação, nos quadros expostos, as partes não foram ouvidas acerca da possibilidade de dispensa de realização da audiência prévia nem quanto à possibilidade de poderem alegar por escrito, e em substituição, relativamente ao que pretendiam invocar oralmente naquela sede. A que acresce que a questão a decidir, in casu, não pode ser considerada, propriamente, simples e clara, ainda que longe de um juízo de complexidade manifesto ou evidente, ainda que eventualmente justifique alguma produção probatória que foi considerada prescindível. Donde decorre que, entendendo o Meritíssimo Juiz a quo que poderia conhecer, em sede de despacho saneador, acerca do mérito da acção (na vertente do conhecimento da invocada excepção peremptória do abuso de direito, que igualmente configura conhecimento do mérito), deveria, em cumprimento do prescrito na alínea b), do nº. 1, do artº. 591º, do Cód. de Processo Civil, convocar audiência prévia. Não o fazendo, incorreu na prática de irregularidade que, podendo influir no exame ou na decisão da causa – artº. 195º, do CPC -, se transmuta ou converte em nulidade processual, dado ter sido praticado um acto que a lei não admite, qual seja o de dispensar a realização da audiência prévia quando esta não era legalmente viável [27]. Donde se conclui pela nulidade da decisão que dispensou a realização da audiência prévia, o que determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, e in casu, o proferido saneador sentença, devendo ser proferida decisão a convocar as partes (Autora e Réus) para audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil ou, em alternativa, proferir o despacho previsto nos artºs 547º e 6º, do Cód. de Processo Civil, convidando as partes a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa desta diligência, sobre eventuais excepções e sobre o mérito da causa. O que determina, concomitantemente: – Procedência da apelação neste segmento recursório ; – prejudicialidade no conhecimento das demais questões objecto de recurso, nomeadamente dos invocados erro de julgamento quanto ao conhecimento excepção dilatória de nulidade principal por ineptidão da petição inicial, nulidade do despacho na parte em que conheceu da excepção peremptória do abuso de direito, por total ausência de especificação dos fundamentos de facto (cf., alín. b), do nº. 1, do artº. 615º, ex vi do nº. 3, do artº. 613º, ambos do Cód. de Processo Civil) e erro de julgamento no conhecimento da excepção peremptória do abuso de direito. * Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, obtendo os Apelantes vencimento e não tendo a Apelada emitido pronúncia nem apresentado contra-alegações, as custas do presente recurso serão suportadas pela(s) parte(s) vencida(s) a final. *** IV.–DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos Réus/Apelantes RC… e AP… e, consequentemente, decide-se: 1.– declarar nula a decisão (despacho) que dispensou a realização da audiência prévia, o que determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, e in casu, o proferido saneador sentença, devendo ser proferida decisão a convocar as partes (Autora e Réus) para audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil ou, em alternativa, proferir o despacho previsto nos artºs 547º e 6º, do Cód. de Processo Civil, convidando as partes a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa desta diligência, sobre eventuais excepções e sobre o mérito da causa ; 2.– considerar prejudicado o conhecimento das demais questões objecto de recurso (invocados erro de julgamento quanto ao conhecimento excepção dilatória de nulidade principal por ineptidão da petição inicial, nulidade do despacho na parte em que conheceu da excepção peremptória do abuso de direito, por total ausência de especificação dos fundamentos de facto (cf., alín. b), do nº. 1, do artº. 615º, ex vi do nº. 3, do artº. 613º, ambos do Cód. de Processo Civil) e erro de julgamento no conhecimento da excepção peremptória do abuso de direito). Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, obtendo os Apelantes vencimento e não tendo a Apelada emitido pronúncia nem apresentado contra-alegações, as custas do presente recurso serão suportadas pela(s) parte(s) vencida(s) a final. -------- Lisboa, 10 de Outubro de 2019 Arlindo Crua–Relator António Moreira–1º Adjunto (vencido, nos termos da declaração de voto que junta) Carlos Gabriel Castelo Branco–2ª Adjunto *** Vencido por entender que, no caso concreto, a dispensa de audiência prévia não gerou qualquer nulidade processual, na medida em que não corresponde a qualquer violação do princípio do contraditório que haja influído no exame ou decisão da causa. Com efeito, e face ao disposto no art.º 195º do Novo Código de Processo Civil, a dispensa da audiência prévia fora das circunstâncias a que aludem o art.º 592º e 593º, ambos do Novo Código de Processo Civil, só produz nulidade se a lei assim o declarar (o que não é o caso), ou se influir no exame ou na decisão da causa, designadamente por violação do princípio do contraditório decorrente do nº 3 do art.º 3º do Novo Código de Processo Civil. Mas, no caso concreto dos autos, a circunstância da A. ter tido a faculdade de responder por escrito às excepções deduzidas na contestação (tendo, além disso, exercido efectivamente tal faculdade, ao apresentar articulado de resposta onde se pronunciou quanto a tais excepções), permitiria afirmar que o contraditório se mostrava já concretamente assegurado (e efectivado), tendo sido debatidas as excepções em questão (designadamente a excepção peremptória do abuso de direito) por escrito, e sendo que o debate por escrito não constitui qualquer diminuição do exercício efectivo do contraditório, relativamente ao debate oral. O que equivaleria a afirmar que a violação da regra da obrigatoriedade de realização de audiência prévia, para debater oralmente e conhecer de excepção peremptória em sede de despacho saneador (julgando a mesma improcedente), não teve qualquer influência no exame nem na decisão tomada, já que, sendo consubstanciado esse exame no exercício oral (em audiência prévia) do contraditório pelas partes, foi o mesmo contraditório anteriormente assegurado, por escrito. Pelo contrário, a adopção da posição vencedora é susceptível de conduzir à desconsideração dos princípios de simplificação e agilização processual que decorrem do art.º 6º do Novo Código de Processo Civil, e que merecem a mesma consideração que o princípio do contraditório, não podendo este considerar-se de forma absoluta, mas na sua relação com os referidos princípios de implicação e agilização processual, igualmente caros ao legislador de 2013, como decorre dos parágrafos 16 e 17 da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII. ______________________ António Moreira [1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599. [3]Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368. [4]Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, Vol. III, pág. 102. [5]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601. [6]Idem, pág. 603, citando doutrina de Alberto dos Reis, bem como o sustentado no douto aresto da RP de 28/10/2013, Processo nº. 3429/09.5TBGDM-A, no sentido de que “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº. 1 do citado art. 615º do Novo Código Processo Civil. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. [7]Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 370, especifica traduzir-se o presente vício na “falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os nºs. 3 e 4 do artº 607º impõem ao julgador. Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada ; [esta última pode afectar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, não gerando, contudo nulidade]”, citando Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 140. [8]Neste sentido, cf, entre outros, o douto aresto do STJ de 06/07/2017, Relator: Nunes Ribeiro, Processo nº. 121/11.4TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf . [9]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 603. [10]Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 7598/12.9TBCSC-A.L1-6, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf , citado pelo Apelante. [11]Extrai-se da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº. 113/XII que “a audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas ações não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas ações que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados. No que respeita aos seus fins, a audiência prévia tem como objeto: (i) a tentativa de conciliação das partes; (ii) o exercício de contraditório, sob o primado da oralidade, relativamente às matérias a decidir no despacho saneador que as partes não tenham tido a oportunidade de discutir nos articulados; (iii) o debate oral, destinado a suprir eventuais insuficiências ou imprecisões na factualidade alegada e que hajam passado o crivo do despacho pré-saneador; (iv) a prolação de despacho saneador, apreciando exceções dilatórias e conhecendo imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; (v) a prolação, após debate, de despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova”. [12]Referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 527, que a “realização da audiência prévia não é obrigatória, mas também não é facultativa. É a regra. E, como sucede com qualquer regra, carece de ser interpretada, de modo a só ser seguida quando a actividade prescrita sirva os fins perseguidos pelo legislador”. [13]Idem, pág. 537, referem que “se a audiência prévia faz parte, por regra, do processo equitativo predisposto pelo legislador, a sua dispensa – também admitida por este, é certo – deve revestir-se das maiores cautelas, de modo a não gerar incoerências e desequilíbrios na estrutura do processo concreto”. [14]Relator: Aristides Rodrigues de Almeida, Processo nº. 136/16.6T8MAI-A.P1, in www.dgsi.pt . [15]Relatora: Cristina Coelho, Processo nº. 1386/13.2TBALQ.L1-7, in www.dgsi.pt . [16]A Acção Declarativa Comum à Luz do CPC de 2013, 3ª Edição, pág. 172. [17]Relatora: Judite Pires, Processo nº.128/14.0T8PVZ.P1,in www.dgsi.pt . [18]Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 231 e 232. [19]Relator: António Valente, Processo nº. 155421-14.5YIPRT.L1-8, in www.dgsi.pt . [20]Relatora: Teresa Soares, Processo nº. 1920/14.0YYLSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt . [21]Relatora: Cristina Neves, Processo nº. 3054/17.7T8LSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt . [22]Em idêntico sentido, cf., ainda, o douto aresto da RG de 10/07/2018 – Relator: António Sobrinho, Processo nº. 910/13.5TBVVD-L.G1, in www.dgsi.pt -, no qual se sumariou que “a audiência prévia é obrigatória, não podendo ser dispensada, quando a acção não haja de prosseguir e o tribunal tencione conhecer imediatamente do pedido, havendo a necessidade de se facultar às partes a discussão de facto e de direito. II– Tal omissão, configurando uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, nos termos do artº 195º, nº 1, do CPC, por influir no exame e decisão da causa”. [23]Não aceitando, inclusive, a possibilidade de dispensa da audiência prévia fazendo uso do mecanismo de gestão processual previsto nos artigos 547º e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil, cf., o douto Acórdão da RE de 10/05/2018, Relator: Mata Ribeiro, Processo nº. 2239/15.5T8ENT-A.E1, in www.dgsi.pt . [24]Consigna-se que vimos seguindo, no essencial, os arestos desta Relação e Secção, datados, respectivamente, de 18/01/2018 e 11/12/2018, subscritos pelo mesmo Relator, no âmbito das Apelações nº. 18852/16.0T8LSB.L1 e 103/16.0T8OER-A.L1. [25]Neste sentido, cf., o defendido no douto Acórdão desta Relação datado de 09/10/2014 – Relator: Jorge Leal, Processo nº. 2164/12.1TVLSB.L1-2, in www.dgsi.pt -, onde se refere que “assim, a não realização de audiência prévia, neste caso, quando muito só será possível no âmbito da gestão processual, a título de adequação formal (artigos 547.º e 6.º n.º 1 do CPC), se porventura o juiz entender que no processo em causa a matéria alvo da decisão foi objeto de suficiente debate nos articulados, tornando dispensável a realização da dita diligência, com ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa composição do litígio (artigos 547.º e 6.º n.º 1 do CPC). Tal opção carecerá, porém, de prévia auscultação das partes (cfr. art.º 6.º n.º 1 – “ouvidas as partes” – e 3.º n.º 3 do CPC; neste sentido, vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, volume I, 2014, 2.ª edição, Almedina, pág. 536)”. [26] Nas palavras do douto aresto da RP de 12/11/2015 – Relator: Filipe Carouço, Processo nº. 4507/13.1TBMTS-A.P1, in www.dgsi.pt -, “a dispensa de audiência prévia carece de preencher os requisitos previstos no art.º 593º, desde logo que a ação haja de prosseguir. Só neste caso o juiz pode dispensar a realização daquela audiência, contanto que se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do art.º 591º. O conhecimento da totalidade do mérito não é de considerar para efeitos do art.º 593º, pois não satisfaz o primeiro requisito da norma habilitadora da dispensa: “ações que hajam de prosseguir”. Em qualquer caso, juiz não pode dispensar a realização da audiência prévia quando, para satisfação dos respetivos fins, haja necessidade de realizar qualquer dos atos previstos nas al.s a), b), c) e g) do nº l do art.º 591º. Ela é de realização necessária, designadamente, “quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa, se a questão não tiver sido debatida nos articulados. Mesmo quando o tenha sido, a decisão de dispensa deve, todavia, ser precedida da consulta das partes (art.º 3º, nº 3), assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa”. A dispensa da audiência prévia só seria admissível num contexto que o tribunal sempre teria que descrever no despacho respetivo e só depois de ouvidas as partes (art.ºs 547º e 6º)”. Em idêntico sentido, o douto aresto da RE de 30/06/2016 – Relator: Mário Serrano, Processo nº. 309/15.9T8PTG-A.E1, in www.dgsi.pt -, ao referenciar que “houve a prolação de decisão total de mérito em sede de despacho saneador que foi precedida de uma declaração de dispensa de audiência prévia para esse fim, sem que fosse possível a não realização dessa audiência ou a sua dispensa, ao abrigo dos art.os 592º e 593º do NCPC, e sem que tenha sido invocada como fundamento dessa dispensa o disposto nos art.os 6º e 547º do NCPC – pelo que se impunha a realização dessa diligência, nos termos do artº 591º, nº 1, als. b) e d), do NCPC, desse modo dando também cumprimento ao princípio do contraditório, tal como consagrado no artº 3º, nº 3, do NCPC (que também consagra um princípio genérico de proibição de decisões-surpresa, que o legislador do nosso actual sistema processual concebe como uma outra vertente do princípio do contraditório). Essa indevida declaração de dispensa da audiência prévia ou a não-realização da devida audiência prévia (que se traduz, respectivamente, e consoante o ponto de vista adoptado, na prática de acto proibido por lei ou omissão de acto imposto por lei) consubstancia, pois, uma nulidade processual, com influência relevante no processo, ao abrigo do artº 195º, nº 1, do NCPC”. [27]A nulidade processual cometida está a coberto de decisão judicial “que se lhe seguiu, que a sancionou e confirmou, pelo que o meio processual próprio para a arguir não é a reclamação, podendo o vício em causa ser objecto de recurso e ser declarado por esta Relação” – assim, o referenciado douto aresto da RP de 24/09/2015, o qual cita jurisprudência e doutrina neste sentido (também invocada pelos Apelantes). |