Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | HABILITAÇÃO SUCESSÃO HERANÇA JACENTE IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE NULIDADE DA SENTENÇA SUPRIMENTO DA NULIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALEMNTE PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Falecido um autor, devem ser habilitados todos os seus sucessores (art.º 351/1 do CPC), excepto, logicamente, aquele que for réu nessa acção; pelo que, se houver mais do que um sucessor para além do réu, não se pode verificar a confusão que daria origem à extinção do processo por impossibilidade superveniente da lide. II – Em alternativa à habilitação de todos os sucessores, se o requerente da habilitação não soubesse quem eram todos eles ou não soubesse quem é que tinha aceite a herança, podia requerer a habilitação da herança jacente (art.º 355/4 do CPC), o que não foi o caso dos autos. III – Se, por erro, tiver sido habilitado como autor também o réu, tal também não implicará a impossibilidade da lide, mas a desconsideração como autor daquele que for réu. IV – Depois da habilitação, a acção continua a ter o mesmo objecto, mas sujeitos diferentes, pelo que, sendo a acção uma reivindicação, a condenação do réu a restituir o bem deve ser aos herdeiros colocados no lugar do autor falecido (já que, logica e naturalmente, ele não podia restituir o bem ao autor falecido). V – A consideração do óbito do autor não é a consideração de um facto que o juiz não podia conhecer, nem a consequência referida em IV corresponde à condenação em objecto diverso do pedido. VI – Já a consideração do óbito do primitivo autor para efeitos de declarar que o imóvel é actualmente da sua herança (ou melhor, dos seus herdeiros) corresponde a alterar o objecto inicial do processo, o que faz a sentença incorrer em nulidade, o que tem de ser suprido pelo tribunal de recurso. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados T e marido J intentaram uma acção comum contra a filha Ka e companheiro N, e neta V, pedindo que \a\ se declare serem os autores donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial e ser a posse exercida pelos réus, naquele referido imóvel, insubsistente, ilegal e de má-fé; e \b\ os réus fossem condenados a reconhecerem aos autores o referido direito de propriedade sobre o dito objecto e abstendo-se de praticar quaisquer actos que dificultem ou obstaculizem o exercício do direito dos autores, e a restituir-lhes o mesmo 1.º andar, com entrada pelo n.º […] de polícia, com todos os seus acessórios e pertences, completamente devoluto e livre de pessoas e coisas que lhes pertençam. Para tanto, os autores articularam os seguintes factos: 1\ São donos e legítimos possuidores, do prédio urbano, destinado exclusivamente a habitação, localizado no sítio da […], freguesia de […], Concelho do […], onde têm a sua residência habitual e respectivo domicílio, na morada da […], daquela freguesia e Concelho, ocupando todo o primeiro andar do dito prédio, já que o rés-do-chão, que tem o número de polícia […] e logradouro, acha-se arrendado a terceiros. 2\ A parte do prédio onde os autores habitam faz parte do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de […], sob o artigo […] e acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial do […], sob o número […]. 3\ O prédio acima referido, adveio à propriedade dos autores por óbito de M e marido A [ou melhor, a aquisição, por partilha, foi registada a 03/11/2003 (com rectificação em 2005), a favor do sujeito activo autora, casada no regime da comunhão de adquiridos com o autor – conforme certidão predial permanente junta com a PI, que prova a correcção que consta deste parênteses da responsabilidade deste TRL e que foi feita ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC]. 4\ Os autores por si e pelos seus ante possuidores sempre estiveram na posse do prédio em questão, por mais de 30, 40 e 50 anos, posse que se tem mantido, pública, pacífica, contínua e de boa-fé. 5\ E assim, tal posse e utilização traduziram-se na prática de actos materiais de manutenção e fruição dos seus frutos, tais como, rendas auferidas, melhoramentos efectuados, satisfação de encargos, detenção e ocupação, etc.; 6\ Sucede, todavia, que os autores, após morarem no objecto dos presentes autos, foram viver e trabalhar para o Reino Unido, onde estiveram alguns anos. 7\ Os réus, respectivamente, filha, companheiro desta e neta dos autores, bem assim outros 3 netos menores, F, S e K, regressaram mais cedo, de forma definitiva do Reino Unido e passaram a viver no 1.º andar da casa dos autores por mera complacência e tolerância destes. 8\ Há cerca de 10 anos, a autora veio de férias em visita à sua terra e em sua casa de residência, deparou-se com a subtracção de diversos objectos pessoais (alianças, cartão do banco e levantamento de diversas quantias), tendo os réus sido convidados a sair de casa, indo viver para os lados da freguesia de […], onde os pais do companheiro da filha, vivem habitualmente. 9\ Regressados ao Reino Unido e estando a residência vazia, os autores, tempos depois, mais uma vez, condescenderam e autorizaram os réus a voltar a habitar a residência habitual daqueles. 10\ Em 13/06/2022, os autores resolveram de vez, o que não foi alheio à situação do Brexit, ocorrido naquele país, regressarem à sua terra, o que fizeram e instalaram-se, com carácter definitivo e permanente naquela que sempre foi a sua residência habitual. 11\ O autor marido até fez obras e melhorou a zona do sótão, bem assim, outro quarto, a fim de poder continuar a acolher os netos e a filha. 12\ Só que, a breve trecho, começaram as quezílias por parte da filha, sobretudo do companheiro e até dos netos, com a predominância da ré, com os pais, que pacientemente foram gerindo com sofrimento e dor todas as atitudes e sevícias de que eram objecto constante por parte dos réus, quer na ocupação de espaços quer quanto à utilização da casa de banho e convívio familiar. 13\ Ao ponto de ter acontecido o inevitável, face às constantes diatribes e ameaças por parte dos requeridos, estes andaram à pancada com o autor, chegando-lhe, o réu, a apertar o pescoço, ficando ferido num braço, o que aconteceu numa terça-feira, na parte da tarde do dia 14/03/2023. 14\ O que provocou enorme alarido, extravasando a própria casa de morada, tendo a vizinhança chamado elementos da Polícia de Segurança Pública, face aos desmandos provocados pelos réus, e que tomaram conta da ocorrência, tendo o autor participado a agressão de que foi vítima. 15\ Estes foram, de imediato convidados a sair da casa, em definitivo, o que até ao presente não o fizeram. 16\ Até que, os autores apresentaram, formalmente, notificação judicial avulsa, no sentido de os réus abrirem mão do objecto que ocupam, cessando a mera tolerância e complacência de permitir a permanência dos réus, na casa dos autores. 17\ Tendo-lhe dado um prazo de 15 dias, para abandonarem a casa ocupada, prazo esse que já terminou, não tendo os réus dito o que quer que fosse sobre o pedido dos autores. 18\ A todas estas circunstâncias, acresce a existência de doença de origem cancerígena que surgiu à autora, o que pugna ainda mais, pelo tratamento e descanso absoluto, o que com a existência dos réus, deixa de ser possível, agravando a doença. 19\ Os réus chamaram a PSP, no dia 21/04[/2023], que entrou pela casa dentro, referindo que receberam um telefonema mencionando haver desordem em casa, tendo os agentes verificado nada existir de anormal, acontecendo tão só, que duas das irmãs do autor, estavam a dormir na sala de estar, tendo a ré, referido que um advogado tinha mencionado, sempre que existisse conflito que chamasse a polícia, o que, nada tinha acontecido, apesar de na PSP terem recebido um telefonema a solicitar a comparência. 20\ Ultimamente têm-se acentuado a agressividade por parte dos réus, tendo o autor, solicitado a presença de uma irmã, habitualmente, a viver em Lisboa, a fim de proteger os autores das ameaças dos réus. Os autores deram à acção o valor de 15.800€. Os réus foram citados a 05/05/2023. A 10/05/2023 apresentaram prova de terem requerido a nomeação de patrono. A 25/05/2023 a Ordem dos Advogados diz que nomeou patrono aos réus e o notificou dessa nomeação nesse dia. A 19/10/2023, os autores corrigiram, a convite do tribunal, o valor da acção, passando-o para o 38.740€. A 30/10/2023, a 1.ª ré, que nesse mesmo dia tinha dado a conhecer o substabelecimento a favor do seu actual mandatário ocorrido a 18/10/2023, veio dar conhecimento do óbito da autora no dia 18/09/2023 (conforme certidão de óbito cuja cópia juntou). A 15/11/2023 foi declarada a suspensão da instância (artigos 269/1a e 270/1, ambos do CPC). A 02/02/2024, o autor deduziu incidente de habilitação dos herdeiros da autora sua mulher: entre o mais alegou, e juntou escritura notarial para o provar, que a mulher tinha deixado como únicos herdeiros, por sucessão legítima, ele próprio, viúvo, e os dois filhos, R (com procuração a favor do requerente, com poderes para receber citações em seu nome) e Ka, e que tinha deixado testamento público, elaborado em 16/09/2013, nos termos do qual legou, por conta da quota disponível, o usufruto vitalício de todos os seus bens, direitos e acções, a ele, viúvo. Notificado o requerimento, não foi deduzida contestação, pelo que a 07/03/2024 foi proferida decisão que julgou habilitados o autor e os dois filhos identificados a prosseguirem os termos da presente causa na qualidade de herdeiros da autora (T). Esta decisão foi notificada através de carta elaborada a 07/03/2024, sem qualquer reacção de qualquer interveniente. A 12/05/2024 foi proferida a seguinte decisão: Verificando-se a não contestação dos réus, os quais se encontram regularmente citados para a presente acção, considero confessados os factos articulados pelos autores, nos termos do disposto no artigo 567/1 do CPC. Dê cumprimento ao disposto no art.º 567/2 do CPC [notificação para alegações - TRL]. A seguir, o autor apresentou as alegações, que terminou do seguinte modo: De harmonia com o disposto no dito art.º 567 do CPC a falta de contestação e, consequentemente, a não impugnação da matéria articulada tem como consequência a confissão dos factos alegados – todos os acima referidos – que têm, assim, de ser dados como assentes e provados e, em consequência, declarada a acção procedente e os réus obrigados a reconhecer a propriedade e posse legítima e exclusiva do autor do 1º andar do imóvel, em causa, e a despejarem o mesmo, entregando-o livre de pessoas e bens que lhes pertençam, com todas as demais legais consequências. A 1.ª ré (e apenas ela, já que o respectivo mandatário não tem poderes dos outros réus), a 03/06/2024, também apresentou alegações dizendo: O tribunal considerou confessados os factos articulados pelos autores, em face da não contestação dos réus, pelo que incumbe a estes alegar de direito e o tribunal deve julgar a lide “conforme for de direito”; pois bem, nestes autos foram deduzidos os seguintes pedidos: […]. Acontece que nos autos, em face do óbito da autora (mãe da ré), foi requerido que a ré fosse habilitada na qualidade de herdeira daquela, a par do autor e do irmão da ré. Por sentença de 07/93/2024, já transitada em julgado, a ré e os demais herdeiros foram habilitados para prosseguirem os termos da causa na qualidade de herdeiros da autora. Ora, neste quadro processual é patente que a lide não é mais apta a dar resposta ao litígio dos primitivos autores. Ocorre, pois, a inutilidade superveniente da lide: seja, porque a titularidade do direito de propriedade daquele bem é diversa da alegada na PI, seja porque ocorre uma patente contradição (superveniente) no estatuto processual da ré (de início na qualidade de ré e agora também autora). Deve, pois, a presente instância ser julgada extinta, por a inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art.º 277/-e do CPC. Se assim se não entender, certo é que em resultado do caso julgado proferido nos autos (com a habilitação dos herdeiros da primitiva autora) e nos mesmos obrigatório, é patente que, ao contrário do peticionado na PI pelos então autores, que estes não são “donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no art.º 1º da PI”. Pois que, pelo menos em parte, tal dito imóvel pertence à herança indivisa da então autora T da qual a ré é herdeira. Sendo que, desde 04/04/2024, pende neste mesmo juízo e sob o número 23/24.4T8FNC o correspondente inventário judicial. Ou seja, a causa de pedir invocada pelos primitivos autores, conducente à titularidade exclusiva do direito de propriedade sobre o imóvel, não ocorre nem se demonstrou nos presente autos judiciais. Com efeito, não só o bem imóvel em apreço pertence, desde a data do óbito da autora T à sua herança indivisa, e não aos dois primitivos autores, como, por outro lado, sobrevém nestes autos a qualidade de herdeira da ré, habilitada herdeira da primitiva autora, a qual confere à ré o seu direito de fruir/possuir/deter o mesmo bem imóvel ou sua parte que integra a herança indivisa da mãe. Aliás, as alegações do primitivo autor, entretanto apresentadas em juízo ignoram, por completo, tal facto ou, pelo menos, fazem por ignorar os efeitos da habilitação de herdeiros decidida nos autos. A não demonstração da titularidade exclusiva do direito de propriedade sobre o bem imóvel por parte dos primitivos autores impõe, conforme o direito, julgar improcedente a presente acção judicial e, bem assim, os pedidos na mesma formulados. Depois foi proferida sentença julgando a acção procedente e, em consequência, declarando a herança aberta por óbito da autora T e o autor J donos e legítimos possuidores do prédio urbano em causa e a posse exercida pelos réus no prédio insubsistente, ilegal e de má-fé e condenando estes a reconhecerem à herança aberta por óbito da autora T e ao autor J o referido direito de propriedade, a absterem-se de praticar quaisquer actos que dificultem ou obstaculizem o exercício de tal direito, e a restituir-lhes o mesmo 1.º andar com entrada pelo n.º […] de polícia, com todos os seus acessórios e pertences, completamente devoluto e livre de pessoas e coisas que lhes pertençam. A 1.ª ré vem recorrer do despacho de 12/05/2024 e da sentença, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões: a\ O despacho judicial [de 12/05/2024] foi proferido após a decisão da habilitação dos herdeiros da autora T e já após a suspensão da instância por força do seu óbito. b\ Do facto jurídico óbito/falecimento da parte decorre, ipso iure, a abertura da respectiva sucessão (art.º 2031 do CC). c\ A abertura da sucessão, enquanto efeito do óbito, não depende da vontade das partes, a qual é totalmente ineficaz - art.º 568-c) do CPC. d\ A matéria dos autos, como figurada na petição e resulta de tal óbito, respeita, numa sua parte essencial, à dita abertura da sua sucessão. e\ Tal resulta da sentença ao reconhecer o direito da herança indivisa e ao condenar os réus nesse reconhecimento. f\ O tribunal não podia considerar confessados os factos articulados pelos autores nos termos do disposto no art.º 568/-c do CPC e 2031 do CC. g\ Normas estas que foram violadas, incorrendo o tribunal a quo em erro de julgamento, pelo que o despacho apelado é ilegal, devendo ser revogado. h\ Nas alegações de direito, os réus invocaram duas questões: uma primeira (principal) atinente à inutilidade superveniente da lide e uma segunda (subsidiária) relativa ao mérito da lide. i\ O tribunal a quo não apreciou tais ditas questões, nem aduziu para tanto qualquer fundamentação de facto e/ou de direito. j\ Tais referidas questões deviam ter sido conhecidas e decididas pelo tribunal a quo, o que não ocorreu de todo. k\ A sentença apelada é nula, nos termos do disposto nos arts. 615/1-d do CPC. l\ A presente lide é uma acção de reivindicação. m\ Os pedidos formulados foram os de que os autores fossem declarados donos e legítimos possuidores do bem imóvel e os réus fossem condenados em tal reconhecimento e a restituir-lhes o bem. n\ A sentença não declarou aqueles mesmos autores donos e legítimos possuidores do imóvel. o\ Mas sim que o bem pertencia à herança indivisa por óbito da autora T e ao autor. p\ Como condenou os réus no reconhecimento de tal direito da herança indivisa e na restituição também a esta do bem; q\ O julgamento da causa foi feito à margem dos pedidos formulados, em sua violação e sem precedência dos correspondentes e necessários pedidos nesse sentido (cf. art.º 3/1 do CPC). r\ A petição inicial nunca foi objecto de qualquer alteração no decurso da instância processual. s\ À luz dos concretos termos da acção (causa de pedir e pedido) e do princípio do dispositivo (art.º 3/1 do CPC), os réus foram condenados em objectos diversos dos pedidos e sobre questões que o tribunal não podia tomar conhecimento. t\ A sentença é nula, nos termos do disposto no art.º 615/1, alínea (d), 2ª parte, e alínea (e) do CPC. u\ O tribunal a quo adoptou a sentença recorrida nos termos do disposto no art.º 567/3 do CPC, invocando, que a resolução da causa se revestia de “manifesta simplicidade”. v\ Para formular tal conclusão o tribunal não aduziu qualquer fundamentação de facto e/ou de direito, ao invés do que impõe o disposto nos artigos 567/3 e 607/4 do CPC. w\ A sentença apelada é nula, nos termos do disposto no art.º 615/1a do CPC. [sic] x\ O tribunal a quo infringiu o princípio da dualidade das partes; y\ A 1.ª ré assume nestes autos, em simultâneo, a dupla qualidade de primitiva posição processual de ré e após a habilitação de herdeiros, a posição processual de autora. z\ O que constitui uma impossibilidade lógica geradora de um contra-senso processual. aa\ E uma impossibilidade material no domínio do processo civil. bb\ Ante a confusão da qualidade da ré ocorre a impossibilidade e inutilidade superveniente da lide, que devia ter determinado a extinção da instância, nos termos do disposto no art.º 277/e do CPC; cc\ A sentença apelada infringiu o indicado princípio e tal norma jurídica, sendo ilegal, e devendo ser revogada. dd\ A resolução da presente lide não se revestia de “manifesta simplicidade”, como exige o disposto no art.º 567/3 do CPC. ee\ Pois que nos autos ocorre tudo quanto se aludiu supra e donde é possível aferir que nenhuma simplicidade existia. ff\ Ao invés, a resolução da causa, as diversas e múltiplas soluções plausíveis de direito e o elenco das questões a apreciar e a decidir pelo tribunal a quo demonstram que aquela era complexa. gg\ Ou, pelo menos, que a afirmada simplicidade não era manifesta como exige e impõe o disposto no art.º 567/3 do CPC. hh\ O tribunal a quo infringiu o art.º 567/3 do CPC, incorreu em erro de julgamento, devendo a sentença ser revogada por ilegal. ii\ A confissão ficta que resulta da revelia dos réus tem por objecto único e possível os “factos articulados” pelos autores na sua PI, máxime os dos seus artigos 1 a 6, nos termos do art.º 567/1, in fine, do CPC. jj\ Pois que só relativamente a estes a questão de facto fica “inteiramente arrumada”. kk\ A sentença apelada, não obstante o despacho de 12/05/2024, considerou confessados factos não articulados pelos autores como se constata pela fundamentação de direito. ll\ Concretamente, que titularidade do bem é também da herança indivisa da primitiva autora T. mm\ Tal factualidade não foi articulada pelos autores. nn\ O tribunal estava impedido de os considerar provados, à luz do disposto no art.º 567/1, in fine, do CPC, e decidir de mérito nesse pressuposto inexistente; oo\ O tribunal a quo infringiu o universo possível dos factos que poderia ter considerado confessados e provados nos autos; pp\ A habilitação de herdeiros tem um único efeito processual: o de fazer prosseguir com os habilitados “os termos da demanda” – cf. art.º 351/1 do CPC. qq\ E uma vez habilitados a demanda prossegue os seus termos tal qual antes figurada; rr\ Em respeito pelos princípios do dispositivo, necessidade do pedido, contradição, igualdade das partes e da boa fé processual (cf. artigos 3, 4 e 8 do CPC) da habilitação não decorre qualquer alteração na causa de pedir e/ou no pedido formulados; ss\ O tribunal extraiu da habilitação uma alteração parcial da causa de pedir e pedido, como do óbito extraiu factos e conclusões que desconsidera, por completo, a figuração da lide feita na petição inicial; tt\ O tribunal violou o art.º 567/1, in fine, e 351/1 do CPC e os princípios previstos nos arts. 3, 4 e 8 do CPC, incorrendo em sucessivos erros de julgamento, pelo que deve a sentença ser revogada. uu\ A sentença apelada incorre em contradição entre o dispositivo e os fundamentos de facto de que podia, de forma concordante, o tribunal se socorrer. vv\ A decisão de reconhecer o direito de propriedade à herança indivisa foi adoptada ao revés e em violação dos factos articulados e considerados confessados. ww\ Os quais que só podem ir no sentido de que o bem pertencia aos primitivos autores; xx\ Tal decisão está em oposição que os únicos factos que podia o tribunal considerar e atender, que eram estes últimos; yy\ Ocorre contradição entre os possíveis fundamentos de facto e os de direito, que deve, de forma concordante, assentar naqueles primeiros; zz\ A sentença é nula, nos termos do disposto no art.º 615/1-b do CPC [sic]. O autor contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso. * Questões que importa decidir: se o despacho de 12/05/2024 é ilegal porque não podia considerar provados os factos que considerou provados; se a sentença é nula por omissão de pronúncia; se a sentença é nula por ter conhecido de questões que não podia conhecer ou por ter condenado em objecto diverso do pedido; se a sentença é nula por ter sido emitida nos termos do art.º 567/3 do CPC sem o poder ser, ou se, pelo mesmo motivo, é ilegal; se a sentença é ilegal por ter infringido o princípio da dualidade das partes; se se verifica a impossibilidade e a inutilidade da lide [sic]; se a sentença não podia ter considerado determinados factos e se, por isso, ao fazê-lo, é ilegal; se há contradição entre a decisão e os factos que podiam ser considerados provados e se, por isso, a sentença é nula. * Os factos que importam para a decisão destas questões, são os articulados pelos autores na PI e enumerados pela sentença de 1 a 20, transcritos acima, e o óbito da autora, dado a conhecer pela ré. * A fundamentação de Direito da sentença é a seguinte, em síntese feita por este TRL: o imóvel está registado em nome do casal de autores iniciais, logo presume-se que é de ambos; a autora inicial faleceu, logo, no lugar dela, fica a respectiva herança indivisa; pelo que, procede o pedido de condenação dos réus no reconhecimento de tal direito. Tendo em consideração os factos provados de 6 a 20, a conduta dos réus viola o direito de propriedade acima reconhecido, não tendo os réus nenhuma justificação para o efeito. Pelo que, em face do artigo 1305 do CC, é forçoso concluir que incumbe aos réus a obrigação de: \i\ abster-se de praticar quaisquer actos que dificultem ou obstaculizem o exercício do direito da herança da autora T e do autor, e \ii\ restituir-lhes o mesmo; termos em que também procede este pedido. Apreciação: Antes de mais, a apreciação imposta pelos artigos 607/4 e 663/2 do CPC, levou à correcção oficiosa de um erro de facto notório com consequências a nível do Direito, erro em que os autores e a sentença incorreram e que não é sequer aflorado pela 1.ª ré (daqui para a frente tratada apenas por ré, por ser a única dos réus que é a recorrente). Erro que resulta de uma deficiente consideração de tudo o que consta da certidão predial junta aos autos (ou seja, a rectificação de 2005) e que levou agora, neste acórdão, à correcção do facto 3 porque aquela certidão é um documento autêntico e prova coisa diferente do que constava do facto. As consequências a nível do direito são, desde logo, a conclusão de que o imóvel não se presume legalmente (art.º 7 do Código do Registo Predial) ser dos autores, mas, sim, apenas da autora, ao contrário do que a sentença logo começa por afirmar. É isso que resulta da lei e da certidão predial pois que o imóvel só foi registado em nome da autora, casada. No registo não se diz que o imóvel foi registado em nome da autora e do marido, ou não se diz que os dois são os sujeitos activos. O que é reflexo do direito substantivo dos bens quando o casamento é celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos: art.º 1721 do CC: “Se o regime de bens adoptado pelos esposados, ou aplicado supletivamente, for o da comunhão de adquiridos, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes.”; art.º 1722/1 do CC: “São considerados próprios dos cônjuges: […] b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação; […].” Ora do registo consta que os autores eram casados no regime de comunhão de adquiridos e que o imóvel foi adquirido pela autora por partilha sendo ela casada com o autor. Em suma: o bem é apenas dela e não também do autor. As alegações de direito dos autores estão nesta parte erradas quer na petição inicial quer antes da sentença quer nas contra-alegações do recurso. Os autores não eram proprietários do imóvel (como dizem na PI), nem comproprietários (como sugerem nas alegações antes da sentença, não só por aquilo que antecede (quem era a proprietária era só a autora mulher), como porque, se o bem fosse comum, não se trataria de uma compropriedade, mas sim de uma propriedade colectiva (neste sentido, por exemplo, Guilherme de Oliveira, Manuel de Direito da Família, 2020, Almedina, pág. 224), ou contitularidade de mão comum (neste sentido, Jorge Pinheiro Duarte, Direito da Família Contemporâneo, 7.ª edição, 2020, Gestlegal, pág. 502), em que o imóvel seria apenas um dos bens de um património comum que pertencia aos dois (eles, os membros do casal, não teriam direito a cada um dos bens, mas apenas a contitularidade de um direito sobre o património que inclui aquele bem e eventualmente outros bens e dívidas). Por outro lado, o facto de a autora mulher ter morrido e ter feito testamento a favor do marido nos termos em que ele diz que foi feito, não implicaria que ele já fosse usufrutuário de todos os bens, incluindo o imóvel, pois que, até à partilha [que não há notícia de já ter ocorrido] do património comum (se o imóvel fosse comum, o que já se sabe não ser o caso), o imóvel continuaria a ser bem comum; e, sendo o imóvel bem próprio da falecida autora mulher, o imóvel, até à partilha [que, repete-se, não há notícia de já ter ocorrido] seria um imóvel da herança que pertencia a todos os herdeiros (“Pode […] haver dois ou mais herdeiros e nesta hipótese a universalidade é adquirida por todos. O património torna-se comum a todos eles. […A] um sucede uma pluralidade.” – Galvão Telles, Direito das sucessões, 4.ª edição, 1980, Coimbra Editora, pág. 154; antes da partilha o que há são “vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado)” – Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. VI, Coimbra Editora, 1998, págs. 195-196; antes da partilha o herdeiro tem um direito exclusivo sobre a totalidade da herança; é uma situação de contitularidade – Oliveira Ascensão, Sucessões, Coimbra Editora, pág. 502), não passaria a ser logo bem próprio de um qualquer herdeiro qualquer. Só feita a partilha é que cada um dos herdeiros é considerado, retroactivamente, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos: art.º 2119 do CC [note-se: que lhe forem atribuídos pela partilha, não no testamento]. Por fim, como se verá mais à frente e decorre desde logo do conteúdo da decisão de habilitação, quem foi habilitado no lugar da autora foram os seus herdeiros, não a herança jacente (ao contrário do que diz o autor nas contra-alegações do recurso, falando na herança jacente como a habilitada). O que antecede será tomado em conta oportunamente. * A autora faleceu no decurso da acção. O falecimento de uma autora, quando não torne impossível ou inútil a continuação da lide (art.º 269/3 do CPC) – como geralmente não torna nas acções que têm por objecto direitos patrimoniais como é o caso – implica a suspensão da instância (artigos 269/1a e 270/1 do CPC) com efeitos retroactivos à data do falecimento, até que sejam habilitados os sucessores da pessoa falecida (art.º 276/1a do CPC), para com eles se prosseguirem os termos da demanda (art.º 351 do CPC – esta habilitação serve pois para este fim), sucessores que se substituem à pessoa falecida, passando a ser autores (art.º 262/a do CPC). Há apenas uma modificação subjectiva da instância, permanecendo o seu objecto o mesmo que era inicialmente, pelo que os factos que estão em julgamento são os mesmos e são eles que vão ser dados como provados ou não. Os novos autores têm que aceitar a lide como ela se encontra e o que se vai discutir no processo é a pretensão do autor inicial, julgada à luz do momento em que foram alegados os factos que lhe servem de base. Neste sentido, a nota 2 (b) da nota prévia aos artigos 351 a 357 do CPC online, 2024/11, de Miguel Teixeira de Sousa, pág. 272: “A habilitação destina-se a permitir a substituição de uma parte falecida pelos seus sucessores, não a transferir, a título sucessório, o objecto do processo para os sucessores. Há apenas a substituição de uma parte falecida por uma outra parte, pelo que, em tudo o mais (nomeadamente, quanto ao objecto), a instância permanece a mesma (equivocados RL 17/6/2021 (1004/09); RL 21/6/2021 (709/19)). Os sucessores (num sentido amplo, que engloba os sucessíveis e os legatários [assim nota 4 (a) e (c) ao artigo 351 do CPC online, 2044/11, de MTS, pág. 275: “No presente contexto, a expressão “sucessores” utilizada no n.º 1 abrange não apenas aqueles que tenham aceitado a herança, mas também os sucessíveis que ainda a não tenham aceitado, nem repudiado. A contraposição entre o disposto no art.º 353.º e o estabelecido no art.º 354.º demonstra que a qualidade de sucessor pode ainda não estar determinada]) que têm de ser habilitados são todos os que o forem, excepto aqueles que, por serem réus, não podem ser habilitados como autores por impossibilidade lógica (uma pessoa não pode ser simultaneamente réu e autor; assim, um réu não pode / não deve ser habilitado no lugar de um autor). Neste sentido, o antigo acórdão do STJ de 02/06/1964, BMJ 138, pág. 298, citado por, e na síntese de, Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, vol. 1, pág. 694]: “falecida a autora de acção intentada contra 2 dos seus filhos, não podem ser habilitados para, em seu lugar, ocuparem a posição de autores, os seus filhos que nela figuram como réus, mas apenas os restantes. Baseou-se a decisão em que a habilitação incidental respeita tão só à transmissão da posição jurídica litigiosa, a qual não tem que coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido, a que respeita a acção autónoma de habilitação.” No mesmo sentido, os acórdãos do TRL: de 02/11/2010, proc. 90/08.8TBSCG-A.L1-1: “[…] Ocupando um requerido de incidente de habilitação o lugar de réu na acção principal, não pode ele, através da habilitação, passar a ocupar o lugar da falecida quando esta era a autora da referida acção principal.” e de 21/09/2017, proc. 2467/13.8TBCSC.L1-8: “Falecendo o autor da acção em que é ré a sua mãe, a habilitação desta para com ela prosseguir a causa não é possível, já que passaria a ser simultaneamente autora e ré na mesma acção. Mas nada impede a habilitação do pai, a título incidental, para substituir o falecido na posição activa do litígio.” Acórdão este que, por isso mesmo, julgou procedente a apelação, revogando o despacho recorrido na parte em que declarou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide. Logicamente que, se no momento em que a habilitação for requerida, já estiver determinado um único sucessor na relação substantiva em litígio (art.º 262/a do CPC), é só esse sucessor que deve ser habilitado. Mas não é esse o caso dos autos. Não estando ainda determinados os sucessores, ou não sabendo os requerentes da habilitação se todos os determinados já a aceitaram (art.º 2046 do CC), pode ser requerida a habilitação da herança jacente em vez dos sucessores (art.º 355/4 do CPC). Mas é uma opção dada pela lei, não uma obrigatoriedade. E não foi ela a opção seguida pelo autor requerente da habilitação. Nem por isso podia ser esse o sentido da sentença de habilitação, ao contrário do que o autor pretende. Neste sentido Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, vol. I, págs. 701-702: “Sendo atribuída à herança jacente (art.º 2046 do CC) personalidade judiciária (art.º 12-a), é também admitida a respectiva habilitação, como sucessora, até que ocorra a aceitação da herança por herdeiros determinados (art.º 2050 do CC).” Tem-se em conta que o requerente da habilitação não tem o ónus de alegar a provar a inexistência de quaisquer outros sucessores, mas apenas dos que lhe são conhecidos, nem tem de alegar a aceitação ou o não repúdio [ver nota 2 (a) ao art.º 354 do CPC online de MTS, págs. 279-280, com indicação de vária jurisprudência nesse sentido.] Se, por não terem sido observadas as regras que antecedem, tiverem sido habilitados todos os sucessores, incluindo réus, a solução que tem sido acolhida, não é a da impossibilidade da lide, mas sim a da irrelevância da posição do réu que seja simultaneamente autor. Só assim não acontece quando só há um sucessor do autor que é o réu, em que se defende a verificação da confusão. Neste sentido, por exemplo, o ac. do TRE de 02/03/2023 (594/17.1T8ALR.E1) com o seguinte sumário: “[…] A decisão que habilita a ré do lado activo, do ponto de vista substantivo fá-lo apenas como representante da herança indivisa por morte de seu pai. Logo, não há confusão (subjectiva) de direitos e obrigações na sua pessoa, porque na mesma pessoa não se reúnem as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, como previsto no artigo 868 do CC. […] Embora do ponto de vista processual a habilitação da ré a coloque numa aparente contradição de posições processuais, há que atender ao facto de haver na acção uma co-demandante cujo interesse na acção se mantém intocável. Não pode essa demandante ver-se privada de deduzir e defender os direitos que relativamente ao imóvel, lhe possam porventura assistir. Atendendo à sempre que possível prevalência do fundo sobre a forma que decorre da filosofia do CPC (cf. preâmbulo ao DL 329-A/95, de 12/12), importará questionar se, do ponto de vista substantivo, se gerou uma situação de impossibilidade superveniente da lide que deva conduzir à extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277/-e do CPC. Não há impossibilidade ou inutilidade da lide quando a acção continua a ter interesse para uma co-demandante, por ser ainda possível satisfazer-se à pretensão que esta quer fazer valer no processo. Daí que só ocorre inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, quando a extinção, por confusão, dos direitos e obrigações das partes atinja todos os litigantes.” E no texto do acórdão: “Daí que a jurisprudência venha a afirmar que só ocorre inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, quando a extinção, por confusão, dos direitos e obrigações das partes atinja todos os litigantes – nesse sentido o acórdão do STJ de 17/11/2021, proc. 391/17.4T8GMR.G1.S1.” No mesmo sentido, o ac. do TRG recorrido objecto daquele acórdão do STJ [o 391/17…] diz: “… embora irrelevante face à subsistência do interesse autónomo da autora, nem sequer se pode falar que o interesse do primitivo autor se extinguiu, pois o que se verificou foi a sucessão no respectivo interesse na estrita medida deste. Sejam 2 ou 20 os herdeiros, subiste a pertinência da questão da prestação de contas: em conformidade com o disposto no artigo 2093/1 do CC, o cabeça-de-casal está obrigado a prestar contas. Se na pendência da administração dos bens pelo cabeça-de-casal falecer um ou vários herdeiros, desde que a totalidade dos interesses administrados não se reúnam subjectivamente numa única pessoa, o cabeça-de-casal continua obrigado a prestar contas perante o herdeiro não administrador”.] No mesmo sentido, veja-se o comentário de Miguel Teixeira de Sousa àquele acórdão do TRE, publicado a 09/11/2023 no blog do IPPC, sob Jurisprudência 2023 (47): “Compreende-se a solução, embora a mesma implique que a herança indivisa que resulta da morte do co-autor passe a ser representada pela co-autora e pela ré. A circunstância de haver mais do que um representante nunca exclui que possam existir discordâncias entre os representantes quanto ao modo de prosseguir os interesses do representado. Isso é ainda mais provável quando um dos representantes é simultaneamente ré na acção. Assim, embora nada haja a objectar a que a acção continue depois do falecimento do co-autor, talvez se deva entender que a ré se encontra, natura rerum, impossibilitada de assumir quaisquer poderes de representação da herança indivisa agora co-demandante. O princípio da dualidade das partes e o que talvez possa ser designado como a proibição do "processo consigo mesmo" justificam esta solução.” Contra, defendendo implicitamente a impossibilidade superveniente da lide, veja-se o ac. do TRL de 21/06/2021, 709/19.5T8LSB-A.L1-6: I– A obrigação de prestar contas tem carácter patrimonial e por isso é susceptível de transmissão para os herdeiros do cabeça-de-casal. II– Sendo herdeiros da falecida cabeça-de-casal ré na acção de prestação de contas a própria autora e os dois requeridos no incidente de habilitação de sucessores da ré, não poderia a autora ser habilitada como sucessora por se verificar a figura jurídica da “confusão” e nem podem os requeridos ser habilitados desacompanhados da autora, pois são os três, em conjunto, os sucessores dessa obrigação de prestar conta. Mas veja-se o comentário crítico a este acórdão do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, publicado em 23/02/2022 no blog do IPPC, sob Jurisprudência 2021 (139): “[…] Salvo o devido respeito, a posição desses herdeiros não deve ser vista como a de herdeiros da obrigação que constitui objecto do processo, nomeadamente, da obrigação de prestar contas. Seria estranho que, com base numa posição que não se transmite - que é a de cabeça-de-casal -, alguém pudesse adquirir, por sucessão, uma obrigação que é própria de uma posição intransmissível. Como é que se pode justificar que quem não é cabeça-de-casal suceda numa obrigação que é inerente a essa qualidade? No entanto, apesar da não transmissibilidade da obrigação de prestação de contas pelo cabeça-de-casal, é claro que uma acção de prestação pode ser continuada pelos herdeiros daquela parte. Mas isso sucede, não porque os habilitados sejam herdeiros da obrigação dessa prestação, mas antes porque são herdeiros de quem tinha essa obrigação. Isto é: o título de herdeiro atribui a alguém legitimidade para se substituir à parte falecida (título legitimante), sem que esteja em causa a sucessão na obrigação que é apreciada na acção (título sucessório). A habilitação destina-se a permitir a substituição de uma parte falecida pelos seus herdeiros, não a transferir, a título sucessório, o objecto do processo para os herdeiros. Há apenas a substituição de uma parte falecida por uma outra parte. Em tudo o mais (nomeadamente, quanto ao objecto), a instância permanece a mesma. Em conclusão: a razão não está nem com quem entende que, porque a obrigação de prestação de contas é intransmissível, a acção de prestação tem de se extinguir com a morte do cabeça-de-casal, nem com quem defende que, para que a acção de prestação possa continuar contra os herdeiros do cabeça-de-casal, é necessário pressupor que estes são herdeiros da obrigação de prestação.” Pelo que, uma acção de reivindicação em que, no lugar de uma autora falecida, foram habilitados os seus herdeiros, sendo procedente, importará a condenação dos réus a restituírem o imóvel nos termos pedidos na PI, mas aos novos autores enquanto sucessores da primitiva autora, não também ao réu que foi também habilitado como tal. * De tudo o que antecede resulta que a ré tem razão parcialmente. A sentença recorrida tinha apenas que ver, à luz dos factos alegados e provados na PI, se os autores eram ou não proprietários do imóvel reivindicado, não podendo reconhecer um direito constituído depois disso, com base alegados pela ré para efeitos da modificação subjectiva da instância. E, por isso, também não podia condenar os réus a restituir o imóvel à herança da falecida autora e ao autor. Para além de que, não foi a herança que foi habilitada, mas os herdeiros da autora falecida. E a herança não partilhada não tem personalidade jurídica nem judiciária (a herança jacente tem personalidade judiciária, mas já se sabe que não foi ela a habilitada). E ainda porque o autor não é proprietário do bem (mas aqui já não se está perante uma nulidade da sentença, mas sim perante um erro de julgamento de direito causada por um erro de julgamento de factos). Pelo que a sentença é nula na parte em que julga que o prédio actualmente pertence à herança da autora e ao autor, o que se declara tendo em conta o disposto no art.º 615/1-d-e do CPC. Cabe agora apreciar, em substituição do tribunal recorrido (art.º 665/1 do CPC), se perante os factos alegados e provados (já com a correcção do facto 3), se justificava e em que medida a procedência dos pedidos deduzidos pelos autores. Quanto ao primeiro pedido, pode ser agora tomado em conta o que foi dito acima: o prédio não pertencia à autora e ao autor primitivos, mas sim apenas à autora primitiva, pelo que a procedência do pedido devia ser apenas parcial. Quanto ao segundo pedido já a situação é diferente: A sentença tem que ser congruente com a modificação subjectiva da lide e inexistência física da 1.ª autora. A acção prossegue com os novos autores no lugar da antiga autora; logo a condenação tinha de ser na restituição aos novos autores, não à antiga autora. A sentença não pode condenar na restituição do imóvel à autora inicial que já não existe. Daí que, num comentário crítico publicado no blog do IPPC de 12/02/2022 sob Jurisprudência 2021 (131) relativamente ao acórdão do TRL de 17/06/2021 (1004/09.3TBAGH.L3-6)] que, para além do mais, tinha dito que “se a acção não foi instaurada contra a ‘herança’ do primitivo réu, com a morte deste, essa ‘herança’ não é parte na acção e, por isso, nela não pode […] ser condenada”, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa tenha escrito, entre o mais: “[…] O art.º 351.º, n.º 1, CPC estabelece que a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa se destina a que, para com, eles possam prosseguir os termos da demanda. Em parte alguma se estabelece que a habilitação pressupõe ou determina uma qualquer sucessão dos habilitados em qualquer titularidade do direito patrimonial em discussão na acção. Veja-se também o disposto no art.º 353.º, n.º 1, CPC: o que conta é a "qualidade de herdeiro" da parte falecida, não a qualidade de herdeiro do objecto do processo. A finalidade do regime é bem clara: na impossibilidade de a acção continuar com ou contra uma parte por falecimento desta, promove-se a intervenção dos herdeiros; mas isto destina-se a permitir que se continue a discutir o que estava em discussão na causa, não a impor que o que estava em discussão passe a ser discutido na óptica dos herdeiros habilitados e, muito menos ainda, a proibir que algo continue a ser discutido. Para além da substituição da parte falecida, em tudo o mais a instância permanece inalterada. É isto que justifica que nada do que a parte, entretanto, falecida tenha praticado em processo se perde e que os herdeiros habilitados não possam voltar a praticar actos que a parte falecida tenha praticado. Há uma continuidade (para o futuro) da instância, agora com partes que substituem a parte falecida. É, aliás, por isso que não pode deixar de se concordar com a afirmação que consta do acórdão de que a "habilitação de herdeiros visa o prosseguimento da lide com os habilitados, e não a atribuição, àqueles, da titularidade da relação material controvertida em causa, ou seja, não determina o âmbito da responsabilidade dos herdeiros habilitados relativa ao objecto da acção". Só que, ao contrário do que se entende no acórdão, isto não constitui uma limitação à apreciação do tribunal (traduzida, nomeadamente, na impossibilidade da procedência de certos pedidos contra os herdeiros habilitados), mas antes um pressuposto da intervenção dos herdeiros como habilitados. É precisamente porque estes herdeiros não estão em juízo como titulares da relação material controvertida que é possível continuar a discutir em processo o que nele estava em discussão e que pode ser algo que nada tenha a ver com esses herdeiros, como, por exemplo, a conduta da parte falecida. Quer dizer: a qualidade de herdeiro da parte falecida é o título que atribui legitimidade a esse herdeiro para intervir na acção em substituição daquela parte falecida. Efectivamente, a sucessão ocorre apenas quanto à posição processual da parte falecida e, portanto, num âmbito exclusivamente processual. A sucessão não ocorre, num plano substantivo, quanto ao objecto do processo, nem, muito menos, quanto a partes ou parcelas deste objecto. É precisamente por isso que tudo o que podia ser discutido e decidido antes da intervenção do herdeiro continua a poder ser discutido e decidido após essa habilitação. […] […] não havia […] fundamento para julgar alguns pedidos improcedentes com a justificação de que, com a morte do primitivo réu, não se transmitiu aos seus herdeiros a responsabilidade civil pela imputada exploração ilícita e danosa do prédio. […] Generalizando para além do caso concreto, cabe, aliás, perguntar: se, após a aceitação da herança, os herdeiros habilitados não podem ser condenados quanto a certos pedidos formulados na acção relativos a direitos que não se extinguem com a morte da parte demandada, quem é que poderá vir a ser condenado e como é que o autor pode ver tutelado o seu interesse em juízo?” E a sentença tem que ter em conta que a ré não podia ser considerada, para tais efeitos, como herdeira da primitiva autora. Em suma, a sentença deve reconhecer que o direito de propriedade do imóvel pertencia à (primitiva) autora e deve condenar os réus a restituir o imóvel aos herdeiros da autora (autor marido e filho de ambos). * Vejam-se agora as outras razões da ré contra a decisão recorrida, analisadas tendo em conta os §§ agrupados acima, na parte que ainda não tenha sido apreciada: De a\ a g\: a “matéria da abertura da sucessão”, que a ré diz que o tribunal não podia dar como confessada por força do art.º 568-c do CPC, respeita só ao óbito da autora inicial. O óbito da autora está provado pelo assento apresentado pela própria ré, pelo que é evidente que o facto podia ser considerado provado. Entretanto, note-se que esta matéria não foi objecto do despacho 12/05/2024, pelo que a argumentação da ré é, para além do mais, incoerente. Por outro lado, os factos articulados pelos autores na PI estão provados por falta de contestação dos réus no prazo legal de 30 dias, pois que foram notificados da nomeação de patrono (fins de Maio de 2023) muito antes da suspensão do processo devido ao obtido da autora inicial (meados de Setembro de 2023) e pelos meios de prova autêntica implicitamente tidos em conta no despacho de 12/05/2024 (embora com deficiente leitura dos mesmos, seguindo a PI, como já se viu relativamente à certidão predial permanente), pelo que tal despacho não é ilegal. De h\ a k\ - de acordo com as alegações da ré que antecederam a sentença, a questão levantada nestas conclusões pode dividir-se em duas: (i) Percebe-se que o tribunal não tenho dito nada expressamente sobre a questão da inutilidade superveniente da lide, dada a evidente falta de razão da ré: se está pedido que a ré seja condenada a restituir um prédio e a ré continua confessadamente na posse da prédio, não se pode falar na inutilidade da lide. Mas, sendo uma questão prejudicial deduzida oportunamente pela ré (art.º 573/2 do CPC), o tribunal teria de a ter conhecido expressamente, pelo que, não o tendo feito incorreu na nulidade de omissão de pronúncia arguida pela ré no recurso, o que deve ser suprido por este TRL ao abrigo do art.º 665/1 do CPC, o que se faz dizendo, com base no que já se estabeleceu acima, com suporte doutrinário e jurisprudencial, que não se verifica qualquer inutilidade, ou melhor, impossibilidade superveniente da lide: o facto de a ré também ter passado a ser autora não quer dizer que a instância se tenha tornado impossível; (ii) ao contrário do que a ré entende, a sentença recorrida teve em consideração o reflexo do óbito da autora inicial na decisão de direito; o facto de não ter chegado à mesma conclusão da inutilidade a que chegou a ré não equivale a uma omissão de pronúncia: a ré pode discutir a solução a que a sentença chegou (alegando que ela incorre em erro de julgamento de direito), mas não se pode queixar de omissão de pronúncia; quanto à desconsideração do facto de a ré ter passado a ser autora, a ré está a voltar à questão que já foi tratada acima. De l\ a t\ - já se deu parcial razão à ré quanto a esta matéria. De u\ a w\ - Para se atacar uma sentença com base no facto de ela ter sido proferida nos termos do art.º 567/3 do CPC tem que se alegar que lhe falta alguma coisa que, no caso, se mostrava necessária. O que a ré não faz: a sentença tem fundamentação de facto e de direito perfeitamente suficiente para as circunstâncias. De x\ a cc\ - A questão da confusão de qualidades (autora/ré) já foi tratada acima. De dd\ z hh\ - De novo a questão da simplicidade da sentença, agora da perspectiva de erro de julgamento. Não basta à ré, no entanto, dizer que há erro de julgamento, tem de tentar demonstrar a existência de um. De ii\ a oo\ - É a questão já decidida a propósito de a\ a g\, em (ii) de h\ a k\ e de l\ a t. De pp\ a zz\ - São apenas variantes de tudo o que já tinha sido dito pela ré nas anteriores conclusões e já analisado. * Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, quanto à nulidade da sentença e, em substituição do tribunal recorrido, (i) reconhece-se ser a autora T dona e legítima possuidora do imóvel referido no facto provado sob 1 e ser a posse exercida sobre pelos réus ilícita e de má-fé; (ii) condena-se os réus a reconhecerem esse direito de propriedade, abstendo-se de praticar quaisquer actos que dificultem ou obstaculizem o exercício do mesmo; e (iii) a restituir aos herdeiros da autora (com excepção da 1.ª ré) o imóvel, com todos os seus acessórios e pertences e livre de pessoas e coisas que pertençam aos réus; os réus vão absolvidos do pedido do autor. Custas da acção e do recurso, na vertente de custas de parte (não há outras), pela 1.ª ré recorrente em 90% e pelo autor em 10%. Lisboa, 16/01/2025 Pedro Martins Susana Maria Mesquita Gonçalves João Paulo Raposo |