Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ARLINDO CRUA | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES LIBERDADE CONTRATUAL FORMAÇÃO DO NEGÓCIO BOA-FÉ INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO DEVER ACESSÓRIO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I - Estabelecendo-se no trato preparatório (pré)contratual uma relação de confiança entre as partes, análoga à contratual, a lei impõe aos contratantes o dever de se comportarem, durante a fase preliminar contratual, com recíproca lealdade e correcção, em plena observância das regas da boa fé (ética) ; II – tutela-se, desta forma, a confiança e a expectativa criada entre as partes na fase pré-contratual, pois, o mero acto de entrarem em negociações tem respaldo na mútua confiança criada na contraparte, de forma a merecer a tutela do direito ; III - no decurso de tal fase, normalmente lenta e de progressiva formação, desenrolam-se vários trâmites, que se traduzem, entre o mais, na formulação de propostas e contrapropostas, de eventual necessidade de consulta de técnicos e estudos da área específica, múltiplas reuniões, avanços e recuos – fase negociatória -, que culminam normalmente em proposta e aceitação definitivas – fase decisória -, pelo que não pode aludir-se a uma situação de epílogo contratual sem que as partes tenham acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo ; IV - por princípio, no âmbito das negociações preliminares de um contrato, as partes podem desistir livremente do mesmo, enquanto não for concluído, assim exercendo o princípio da liberdade contratual inscrito no artº. 405º, do Cód. Civil ; V - todavia, tais negociações com vista a obter um acordo negocial, determinam para os contratantes, por si só, a sujeição aos enunciados deveres, pelo que, caso a parte desistente do contrato infrinja, com tal atitude, a boa fé objectiva exigível, incorre na culpa in contrahendo ; VI - a responsabilidade do desistente faltoso fá-lo-á incorrer, em rega, em indemnizar a contraparte pelo interesse negativo ou de confiança – colocando-a na situação em que se encontraria se o negócio não se tivesse efectuado (ou se não tivessem ocorrido as suas fases preliminar ou formativa) -, podendo, de forma excepcional, a sua responsabilidade abranger o interesse positivo ou de cumprimento, nomeadamente nas situações de violação do dever de conclusão do negócio ; VII - admitindo-se, em ambas as situações, a indemnizibilidade quer dos danos emergentes, quer dos lucros cessantes, sendo que estes, no âmbito do interesse contratual negativo reportam-se, normalmente, à perda de oportunidades de negócio ; VIII – assim, na fase antecedente à outorga de um contrato e início da produção dos respectivos efeitos obrigacionais, as partes estão sujeitas a observar deveres acessórios ou laterais de conduta, impostos pelo dever geral de boa fé que as vincula ; IX - entre as obrigações pré-contratuais a que as partes contratantes estão vinculadas podemos enunciar a obrigação de informação, a obrigação de protecção e a obrigação de lealdade (no âmbito da qual são ainda distinguíveis os deveres de sigilo, de cuidado e de actuação consequente), definindo-se esta como a obrigação de respeitar a contraparte contratante, sem coação ou aproveitamento da sua debilidade, e da qual decorre o dever de não romper, de forma injustificada, inesperada e arbitrária, as negociações, especialmente quando estas atingiram um estádio avançado de maturidade e a contraparte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio ; X - com efeito, se no decurso das negociações uma das partes, com o comportamento adoptado, incute na demais confiança razoável de que o contrato em negociação será concluído e, posteriormente, sem justificado motivo, interrompe as negociações e nega-se à sua conclusão, fica onerada a reparar os danos causados à outra parte contratante por tal ruptura, pois, sendo livre a possibilidade de não concluir o contrato, não é a mesma arbitrária ; XI - tal confiança na conclusão do contrato incutida à outra parte deve fundar-se em dados concretos e inequívocos, tendo por base critérios de senso comum ou de prática corrente; XII - configurando-se, deste modo, como efectivos requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnização: - A criação daquela razoável confiança na conclusão do contrato em negociação ; - A natureza injustificada ou arbitrária da ruptura das negociações ou conversações ; - A ocorrência de um dano (prejuízos) no património da parte não desistente ; - A relação causal entre estes prejuízos e a confiança suscitada ; XIII - na presente forma de responsabilidade o ilícito traduz-se no efectivo não cumprimento culposo de uma obrigação pré-contratual, ao qual se tem que aditar, para o preenchimento do normativo legal responsabilizante, a culpa (eventualmente presumida), o dano e o nexo causal entre o acto (ou a omissão) e o dano ou prejuízos ; XIV - porém, para que a ruptura se configure como acto ilícito, é mister demonstrar-se que a parte que interrompeu a negociação agiu de forma reprovável e violadora da boa fé, ou seja, a ruptura só deve ser considerada acto ilícito se existiu má fé da parte que não quis consumar o contrato, agindo fora dos quadros da seriedade e honestidade, em desconsideração de um relacionamento sério e isento na contratação ; XV - na situação de responsabilidade pré-contratual pela injustificada ruptura das negociações, a temporal sujeição aos deveres pré-contratuais é de casuística determinação, dependendo, nomeadamente, da duração do período negocial, da fase atingida no desenvolvimento das negociações, na eventual existência de antecedente relacionamento contratual entre as partes, da tipologia contratual em equação e da eventual natureza profissional de um ou de ambos os contratantes ; XVI - discutindo-se, quanto à qualificação da natureza de tal responsabilidade pré-contratual, se estamos perante responsabilidade contratual ou, antes, perante responsabilidade extracontratual, admitindo ainda alguns autores, em alternativa, estarmos perante uma denominada terceira via da responsabilidade civil. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO 1 – A ……………. e B ………………., residentes na Rua ………………….., Lisboa, intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra: - C………………………, residente em …………………. ; e - M……………………………, residente em ……………….., pedindo a sua condenação solidária a pagar-lhes: - O montante de 27.000,00 € (vinte e sete mil euros), “a título de indemnização, por danos integrantes do interesse contratual positivo destes, por violação dos respectivos deveres pré-contratuais” ; ou, caso assim não se entenda, - O montante de 27.000,00 € (vinte e sete mil euros), “a título de indemnização, por danos integrantes do interesse contratual negativo destes, por violação dos respectivos deveres pré-contratuais”. Para tanto, alegaram, em síntese, o seguinte: - são os donos e legítimos possuidores da fração autónoma destinada a habitação e identificada com a letra “G”, correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito na Rua …………………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ……………….. da antiga Freguesia dos Anjos, atual Freguesia de São Vicente, e inscrito na matriz predial urbana com o n.º ……….. ; - tendo colocado, em Fevereiro de 2020, tal Fração à venda pelo valor de € 280.000,00 ; - no dia 3 de Maio de 2022, a Senhora D.ª M……….. F…………., que disse residir muito perto da fração, na Rua …………, contactou o Autor, por telefone e, posteriormente, por email, tendo em vista obter informações sobre a fração, a pedido da sobrinha, a aqui 1.ª Ré ; - tendo, nesse mesmo dia, por email, o Autor enviado à Senhora D. M...............F............. toda a informação sobre a Fração, conforme solicitado ; - respondendo a Senhora D. Mm………….. dizendo que ia encaminhar toda a informação recebida para a sobrinha, a aqui 1.ª Ré ; - no dia 4 de Maio, a Senhora D.ª M...............F............. informou o Autor que, após ter analisado a informação recebida, a 1.ª Ré tinha ficado muito interessada em comprar a Fração, para o que, uma vez que residia em França, pretendia vir a Lisboa exclusivamente para a visitar ; - tendo, ainda, solicitado que a referida visita fosse realizada logo no dia 7 de Maio de 2022, sábado, pelas 11 horas da manhã, pois a 1.ª Ré chegaria a Lisboa, vinda propositadamente de Paris, onde reside, entre as 8 e 9 horas da manhã, e pretendia regressar logo pelas 16 horas ; - no mesmo dia 04 de Maio, o Autor informou a Senhora D.ª M...............F............. que não estaria em Portugal nesse dia 7 de Maio, mas que a visita poderia ser realizada, pois a Senhora D.ª T…………….., um conhecimento comum, que trabalha na loja existente no prédio da fração, tinha a chave e poderia mostrar o apartamento ; - a 1.ª Ré, juntamente com a Senhora D.ª M...............F............. e com a referida Senhora D. T..............., visitou efetivamente a Fração no dia 7 de Maio, pelas 11 horas da manhã ; - no dia seguinte – 08 de Maio de 2022 -, por volta das 9 horas, o Autor recebeu uma chamada telefónica da 1.ª Ré, dando conta que tinha realizado a visita à Fração no dia anterior e que pretendia fazer uma proposta de compra da mesma, para si e para sua mãe, a 2.ª Ré, pelo valor de € 240.000,00, a pronto pagamento, e com celebração de escritura num prazo curto, sempre inferior a 30 dias ; - tendo-lhe o Autor respondido que o preço de venda era de € 280.000,00, mas que, sendo o negócio realizado sem intervenção de agência, e com pronto pagamento, estava disposto a reduzir o preço para € 270.000,00 ; - tendo a 1.ª Ré informado que precisava de falar com a sua mãe, aqui 2.ª Ré, e que voltaria a falar mais tarde ; - o Autor disse à 1.ª Ré que precisava de uma resposta durante esse mesmo dia de domingo ou o mais tardar na segunda-feira, logo de manhã, pois tinha uma proposta de uma pessoa interessada e precisava de lhe responder nesse período ; - cerca das 10 horas desse mesmo dia 8 de Maio de 2022, a 1.ª Ré telefonou de novo ao Autor e comunicou-lhe que ela e a mãe, as aqui Rés, aceitavam adquirir a fração pelo preço proposto de € 270.000,00 ; - tendo-lhe o Autor esclarecido que, assim sendo, ia recusar a outra proposta de compra que tinha, no valor de € 280.000,00, mas que não era a pronto pagamento, e que tinha intervenção da mediadora imobiliária, pelo que os Autores apenas receberiam € 270.000,00 ; - e que, assim sendo, necessitava de um sinal de 10% do valor de compra e venda, ou seja, de € 27.000,00 ; - o que a 1.ª Ré aceitou pagar, em nome de ambas as Rés ; - ainda no mesmo dia 8 de Maio de 2022, pelas 10h24, a 1.ª Ré enviou SMS ao Autor com o seguinte conteúdo: “Senhor A............... Como falado ao telefone, aqui estão os cartaos de cidadãos para fazer a promessa de venda do apartamento Rua ……………. pelo valor de 270 000 euros. -Adresso de residência: C…………. …………………… M……………………. …………………….”; - tendo-lhe ainda enviado, juntamente com tal comunicação transcrita, fotografias completas, frente e verso, da sua Carte Nationale d´Identité e do Cartão de Cidadão da 2.ª Ré, cuja receção o Autor confirmou ; - ainda no mesmo dia 8 de Maio, pelas 13h40, o Autor enviou o comprovativo do seu IBAN para a 1.ª Ré e comunicou que na segunda-feira, dia 9 de Maio, à noite, enviaria à 1.ª Ré a minuta do Contrato-Promessa de Compra e Venda, pelo que terminou solicitando à 1.ª Ré que lhe enviasse o respectivo email ; - a 1.ª Ré respondeu ao Autor pelas 17h11 de 8 de Maio de 2022, enviando o seguinte SMS: “Aqui está: c………………………. Fico a espera antes de fazer transfert para o seu banco. Falamos de 10% certo? O seja 27.000 euros? (o nosso banco está fechado na segunda feira, ferremos os transfert terça-feira logo de manhã. Comprimentos”; - confirmando o Autor, em resposta, que o sinal acordado era exatamente de 10% do preço de compra e venda, ou seja, € 27.000,00 ; - no dia seguinte, 09 de Maio de 2022, pelas 22h57, o Autor enviou um e-mail para o endereço eletrónico da 1.ª Ré, remetendo-lhe a minuta do Contrato-Promessa de Compra e Venda nos termos acordados e a documentação legal relativa ao apartamento (Caderneta Predial, Certidão do Registo Predial, Certificado Energético e Licença de Utilização da Câmara Municipal de Lisboa) ; - e, de seguida, pelas 22h58, o Autor enviou à 1.ª Ré um SMS com o seguinte teor: “Boa noite C……………….! Só agora lhe pude enviar o Contrato Promessa de Compra e Venda. Já enviei para o seu e-mail. Agradeço que acuse a receção. Disponha Cumprimentos A...............” ; - na terça-feira, dia 10 de Maio e 2022, pelas 10 horas, o Autor tentou entrar em contacto telefónico com a 1.ª Ré., que não atendeu ; - tendo recebido, pelas 10.07 horas desse dia, um SMS da 1ª Ré, com o seguinte teor: “Bom dia, Acuso receção do contrato. Estou em reunião desculpa de não ter atendido o telefone. Quando tiver o momento volto o telefonema. C…………..” ; - não tendo a 1ª Ré enviado qualquer e-mail nem outra comunicação escrita, pelas 22h12 desse mesmo dia 10 de Maio, o Autor enviou-lhe o seguinte SMS: “Boa noite! Até esta hora ainda não recebi do meu Banco a indicação de que tenha sido recebida, no meu IBAN que lhe enviei, a seu pedido, a quantia de 27.000,00€ proveniente da sua transferência bancária, que se comprometeu a fazer hoje, terça-feira, logo de manhã, como foi por nós contratado, referente ao sinal de 10% do Preço da Compra e Venda do Apartamento de 270.000,00€, como tudo foi nós contratado e é bem expresso nas suas mensagens infra transcritas. Enviei-lhe ontem, segunda-feira, o Contrato-Promessa de Compra e Venda, conforme acordado. Sendo assim, está em incumprimento com as consequências legais. Aguardo as suas notícias durante o dia de amanhã, quarta-feira. A............... PS: enviei-lhe e-mail”; - após o que os Autores não receberam das Rés qualquer outra comunicação ou explicação para a não formalização e conclusão da compra e venda, nem tiveram destas quaisquer notícias, apesar de várias tentativas telefónicas nesse sentido ; - posteriormente, por intermédio de mandatária, as Rés recusaram finalizar o negócio acordado, mais tendo rejeitado qualquer responsabilidade ou obrigação de indemnizar os Autores ; - O negócio só não se realizou pela recusa abrupta, injustificada e inusitada das Rés em formalizar o negócio acordado, conforme sumariado supra ; - perante a confirmação da intenção das Rés de adquirir a Fração, os Autores rejeitaram uma outra proposta de aquisição da Fração no valor de € 280.000,00, e com a qual, após pagamento da comissão da mediadora imobiliária, receberiam exatamente os mesmos € 270.000,00, embora não a pronto pagamento ; - aquando do envio das cartas de interpelação às Rés, os Autores tinham uma outra proposta de compra da Fração pelo valor de € 253.000,00, a pronto pagamento, pela qual os Autores receberiam, paga a comissão devida à agência imobiliária, o montante de € 243.000,00, e que os Autores, entretanto, não aceitaram ; - tais propostas recebidas pelos Autores deixam antever que, mesmo que venham a vender a Fração, apenas o conseguirão fazer pelo preço estimado de € 253.000,00, que é o valor da última proposta firme e a pronto de pagamento que, como se disse, os Autores recusaram (valor que poderá vir a ser supervenientemente alterado, o que a suceder, será deviamente trazido aos autos) ; - o que corresponde a uma diferença de € 27.000,00 entre o preço estimado de venda- com base na última Proposta firme e a pronto pagamento no valor de € 253.000,00 – e da qual receberiam € 243.000,00 – e o preço efetivamente acordado com as Rés, diferença essa que corresponde aos danos integrantes do dano contratual positivo dos Autores ; - por outro lado, não fosse a intervenção das Rés, os Autores teriam vendido a fração pelo preço de € 280.000,00, com o que teriam recebido € 270.000,00, embora não a pronto pagamento ; - o que, por sua vez, representa também uma diferença de € 27.000,00 para com o preço estimado de venda da Fração, deduzidas que sejam as comissões devidas à agência imobiliária, correspondendo tal valor aos danos integrantes do interesse contratual negativo dos Autores. Concluem pela procedência da acção, com consequente condenação das Rés nos termos peticionados. 2 – Devidamente citadas, vieram as Rés apresentar contestação, defendendo-se por excepção e impugnação, tendo, ainda, deduzido reconvenção, alegando, em súmula, o seguinte: - a 2ª Ré é parte ilegítima, pois não estabeleceu com os Autores qualquer relação jurídica controvertida que fundamente a presente acção ; - a 1ª Ré tomou conhecimento da existência da fração, pela sua tia, que reside nas proximidades da mesma e que lhe falou de que aquela estaria à venda, tomando ainda conhecimento, por esta, da composição e preço de venda do imóvel, publicitada por intermédio de agência ; - nunca conheceu os Autores pessoalmente ; - no seguimento da visita que efectuou, a 1ª Ré telefonou ao A. e fez uma proposta de compra da fração pelo preço de €240 000,00, não sendo verdade que tenha dito que o faria a pronto pagamento e muito menos num prazo de menos de 30 dias ; - desconhecendo, nesse momento, se a sua mãe estaria interessada em adquirir o imóvel em compropriedade ; - sendo que não tinha meios financeiros próprios para adquirir a dita fração sem empréstimo ; - nunca e em tempo algum, senão na comunicação escrita posterior efetuada por mandatário, o A. disse à 1ª Ré, única com quem falou, que tinha uma proposta de outra pessoa, que precisava lhe responder ; - ou que ia recusar a outra proposta que tinha no valor de €280 000,00 ; - no dia 9 de manhã, muito antes de enviar o contrato para a 1ª Ré assinar, o que só fez nesse dia 9 à noite, o Autor podia e devia ter aceite a outra proposta de mais €10 000,00, porque de facto e de direito o negócio com a 1ª Ré não estava concretizado ; - E, nesse mesmo dia 10 de Maio, quando enviou à 1ª Ré o email, cerca das 22h12, a dizer que aquela já estava em incumprimento, poderia e deveria, se o quisesse, aceitar a proposta dos €280.000,00 que estava em seu poder, conforme alega ; - E, se o não fez, o que não sabemos, foi por pura opção negocial sua, pois não queria pagar a comissão à agência mediadora ; - Todavia, desde o momento em que a agência lhe apresenta uma proposta de aquisição do referido imóvel, pelo preço pedido, a obrigação de pagar essa comissão nasceu nos termos da lei que regula a mediação ; - O A. não deu qualquer explicação à 1ª Ré para aceitar o valor de €270.000,00, sendo certo que a pressionou para lhe dar uma resposta quase imediata, não a deixando decidir livremente, pois bem percebeu a insegurança e desconhecimento daquela, mas sem ter alegado ter na sua posse qualquer outra proposta ; - O referido contrato promessa foi enviado no dia 9 de Maio, pelas 22:58h, e a 1ª Ré pensava que o mesmo estaria já assinado pelos AA, enquanto promitentes vendedores, essa foi a sua conceção de contrato, e não uma minuta ; - No dia seguinte, dia 10, o A. enviou para a 1ª Ré, cerca das 20:23h, um email a dizer à 1ª Ré que ela não havia transferido o dinheiro dos 10% e como tal estava em incumprimento, visto o contrato ter-lhe sido enviado no dia anterior, pasme-se às 22:58 h ; - Sendo evidente que perante este email até o mais incauto dos seres ficaria alerta para a situação a que estava a ser levado ; - Na verdade, e ao contrário do afirmado e que o Autor omite, porque não lhe interessa, a 1ª Ré não atendeu o telefonema das 10h e 23m, mas voltou a telefonar para o A, por volta das 14h 12m, que atendeu, telefonema esse que durou cerca de 5m ; - Através do qual pediu ao A. tempo para analisar os documentos com um advogado e que se deveria assinar o contrato promessa e “verificar”, entenda-se reconhecer as assinaturas antes de transferir o dinheiro, conforme a haviam aconselhado ; - Sendo que logo nesse momento o A. ameaçou a 1ª Ré com o facto de que já estava em incumprimento e que não dava mais tempo ; - Tendo a 1ª Ré, a partir desse momento, contactado um advogado que a aconselhou a não responder a mais nada ; - Tudo o que o A. enviou à 1ª Ré a partir desse momento mais não representou do que uma estratégia montada para arranjar pretexto para interpor esta ação ; - O Autor não estava a agir de boa fé com a 1ª Ré, nas negociações, sendo clara a sua intenção, já a da 1ª Ré revelava ignorância e desconhecimento que aquele tratou de aproveitar ; - O que é traduzível no transferir para um promitente vendedor €27 000,00, num curto espaço de tempo de cerca de 48 horas, com a minuta de um contrato que reconhecidamente disse nunca ter feito, com o envio de documentos referentes ao prédio, certidão predial e da conservatória desatualizados, com validade terminada em 2019, com obras de recuperação sem documentação a acompanhar comprovativa da legalização das mesmas, pois a licença de utilização data de 1960 ; - Sem querer dar mais tempo para análise por um advogado e assinatura do respetivo contrato e considerar que a 1ª Ré está imediatamente em incumprimento, passado 24 horas após o envio da minuta do contrato, que não passa disso mesmo, uma minuta, consubstancia má fé na negociação pré contratual por parte do A. ; - Tal contrato promessa nunca seria assinado sem a consulta dos documentos atualizados e sem alterações a nível do mesmo, para além de nem sequer estar ainda acordado o prazo para a celebração da escritura, ou se a 1ª R iria adquirir o imóvel com capitais próprios, com a ajuda da mãe ou com empréstimo bancário ; - Sendo que a data prevista para a celebração da escritura e a sua aceitação pela 1ª Ré seria um elemento fundamental para a celebração do negócio ; - Em face da resposta do 1º Autor, perdeu a total confiança no mesmo, pois sentiu-se enganada e sem capacidade para dizer mais nada, porque tudo o que dissesse seria usado contra si ; - O negócio não tinha sido concluído, o A é que pressionou a 1ª R. para o concluir, aproveitando-se das fragilidades daquela quanto ao conhecimento e entendimento da mesma de um contrato promessa de compra e venda que reconheceu não conhecer ; - Pois, pelo menos, a data de celebração da escritura não havia sido acordada e nem sequer se a 1ª R ou as RR iam pedir financiamento ; - O documento 12 consubstancia uma proposta de €235 000,00, efetuada no dia 9 de Maio de 2022, pelas 08:12m, o mesmo dia em que o A. enviou à 1ª Ré a minuta do contrato promessa, mas este por volta das 22:57m, o que nos leva a acreditar que não havia outra proposta antes desta, que o A. tivesse recusado, um dia antes ; - Pois não faria sentido a agência enviar-lhe outra proposta mais baixa, depois do A. ter recusado uma mais alta, um dia antes, conforme alega, ao afirmar à 1ª Ré, no dia 08 de Maio, que vai recusar proposta de €280 000,00 e no dia 9, pelas 8 da manhã recebe nova proposta da agência mais baixa que a anterior ; - Neste breve trato negocial das RR com o A., aquelas sentiram-se defraudadas nas suas expetativas e perderam a total confiança nos AA, o que originou gastos para as mesmas, com a contratação de advogados, deslocações a Portugal, e danos não patrimoniais por este imbróglio jurídico para o qual nunca pensaram vir a ser arrastadas e que nem compreendem ; - Computando tais danos em € 3000,00, o que requerem lhes seja arbitrado como consequência dos factos supra indicados e caso os mesmos se venham a provar. Concluem, no sentido de total improcedência da acção “e a 2ª Ré declarada parte ilegítima, ou caso assim não se entenda, e em qualquer caso a absolvição de ambas do pedido, procedendo o pedido reconvencional e a condenação dos AA no pagamento de uma indemnização no valor de €3000,00 às RR, apreciando-se ainda a conduta processual dos AA em termos de litigância de má-fé e arbitrando-se indemnização condigna”. 3 – Na sequência da contestação apresentada, vieram os Autores apresentar réplica, na qual: - respondem à excepção de ilegitimidade da 2ª Ré ; - pugnam pela inadmissibilidade da reconvenção ; - defendem a necessária improcedência da reconvenção ; - pronunciam-se sobre o peticionado pedido da sua condenação como litigantes de má fé ; - enunciam factos supervenientes, fundantes da redução do pedido, alegando, em resumo, que: - No passado dia 30 de Dezembro de 2022, os Autores venderam a fracção (a “Fracção”) em causa nos autos pelo valor de € 280.000,00 ; - Tal negócio de compra e venda foi realizado com a intervenção de uma mediadora imobiliária, a F………………….., S.A. ; - Tendo pago, pela mediação da referida empresa, uma comissão correspondente a 5% do valor de venda, acrescido de IVA a 23% ; - Ou seja, pagaram à referida mediadora imobiliária, o montante de € 14.000,00, o que, acrescido de IVA, perfaz o montante total de € 17.220,00 ; - Tendo recebido, pela venda realizada, o valor líquido de € 262.780,00 (duzentos e sessenta e dois mil setecentos e oitenta euros) ; - Pelo que a diferença entre o montante recebido pelos Autores pela venda da Fracção e o preço acordado com as Rés corresponde a € 7.220,00 (sete mil duzentos e vinte euros), diferença essa que corresponde aos danos integrantes do dano contratual positivo dos Autores ; - Por outro lado, não fosse a intervenção das Rés, os Autores teriam vendido a fração pelo preço de € 280.000,00, com o que teriam recebido € 270.000,00, embora não a pronto pagamento ; - O que, por sua vez, representa também uma diferença de € 7.220,00 (sete mil duzentos e vinte euros) para com o preço de venda da Fração, correspondendo tal valor aos danos integrantes do interesse contratual negativo dos Autores. Concluem, no sentido da modificação do pedido deduzido, devendo as Ré ser solidariamente condenadas; a) 2 (…) a pagar aos Autores o montante de € 7.220,00 (sete mil duzentos e vinte euros), a título de indemnização, por danos integrantes do interesse contratual positivo destes, por violação dos respetivos deveres pré-contratuais; ou, caso assim não se entenda, b) (…..) a pagar aos Autores o montante de € 7.220,00 (sete mil duzentos e vinte euros), a título de indemnização, por danos integrantes do interesse contratual negativo destes, por violação dos respetivos deveres pré-contratuais”. 4 – As Rés apresentaram tréplica, na qual pronunciaram-se sobre a: - alegada falta de causa de pedir do pedido reconvencional ; - factualidade superveniente, concluindo como na contestação. 5 – Em 14/08/2023, foram prolatadas nos autos as seguintes Decisões: I) Dispensa de realização de audiência prévia ; II) Consignação de saneador stricto sensu ; III) conhecimento da excepção dilatória de ilegitimidade processual da 2ª Ré, no sentido da sua procedência, julgando-se a mesma parte ilegítima para a presente acção, com sua consequente absolvição da instância ; IV) Fixação do valor da causa ; V) Conhecimento do objecto do litígio, consignando-se, na parte decisória do saneador sentença, o seguinte: “julgando-se a acção totalmente improcedente, absolve-se a Ré C……………………., dos pedidos (principal e subsidiário)”. 6 – Inconformados com o decidido, os Autores interpuseram recurso de apelação, por referência ao saneador-sentença prolatado. Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES (que ora se reproduzem integralmente, consignando-se inexistir conclusão XXIX): “I – O presente recurso vem interposto do Despacho Saneador-sentença que julgou a 2.ª Recorrida como parte ilegítima na presente lide, dela a absolvendo, e que julgou totalmente improcedente o pedido deduzido pelos Recorrentes, dele absolvendo a 1.ª Recorrida; II – No que à exceção de ilegitimidade concerne, considerou o Tribunal recorrido que a inexistência de contato direto entre os Recorrentes e a 2.ª Recorrida determinaria a sua ilegitimidade processual; III – Quanto à sentença proferida, o Tribunal a quo não elencou, de todo, os fundamentos de facto que a justificaram; IV – Não obstante, entendeu o Tribunal a quo que estavam reunidos elementos suficientes para a decisão imediata sobre o mérito da causa. Isto, porque o Tribunal recorrido entendeu que a circunstância de as negociações entre as partes apenas terem durado cerca de dois dias, e de ter sido levada a cabo por meio de emails e mensagens, não seria suficiente para gerar uma legítima expetativa suscetível de tutela legal; V – Dispõe o artigo 30.º do CPC que “O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer” (n.º 1) e que “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”; VI – Resulta dos artigos 18.º, 21.º e 23.º (entre outros) da petição inicial, que as Apeladas eram as potenciais compradoras do imóvel em causa nos autos, já que 1.ª Recorrida pretendia adquirir a fração em causa nos autos para si e para a sua mãe (a 2.ª Recorrida) e que o preço proposto pelos Recorrentes tinha sido aceite por ambas, sendo certo que tais artigos não foram impugnados pelas Recorrentes; VII – Tampouco as Apeladas impugnaram os artigos 27.º e 28.º da petição inicial, pelos quais se dá a conhecer que a 1.ª Ré enviou ao 1.ª Autor os cartões de identificação de ambas as Apeladas, tendo em vista “fazer a promessa de venda do apartamento”; VIII – Assim, resultou assente que a 1.ª Recorrente afirmou sempre estar a negociar em nome de ambas, tendo inclusivamente facultado os documentos de identificação da mãe, não tendo nunca sido suscitado ou provado o abuso de representação ou o seu conhecimento pelos Recorrentes; IX – Pelos motivos expostos, os Recorrentes propuseram a presente ação contra ambas as Recorridas, pedindo a sua condenação solidária, visto que a 2.ª Recorrida seria uma das compradoras, pelo que a procedência da ação sempre teria efeitos na sua esfera jurídica; XI – Pelo que a 2.ª Recorrida tem de, à luz do artigo 30.º do CPC, considerar-se parte legítima; XII – A decisão do Tribunal recorrido, que julgou a 2.ª Recorrida como parte ilegítima, absolvendo-a da instância, deve, por isso, ser revertida, por violação do artigo 30.º do CPC; XIII – A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, do CPC está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes; XIV – A alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC prevê também que a sentença é nula quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”; XV – No presente caso, temos que o Tribunal recorrido proferiu a sua decisão sem ter elencado, em absoluto, os factos julgados provados e não provados que sustentaram a sua decisão, o que determina a sua manifesta nulidade; XVI – Por outro lado, do confronto entre os factos alegados pelos Autores e a impugnação que deles foi feita pelas Rés, muitos factos resultaram controvertidos, desconhecendo-se, em concreto, qual a totalidade do acervo fáctico em que o Tribunal a quo baseou a sua decisão; XVII – E, a este respeito, a jurisprudência refere que “É usual a sentença indicar a matéria de facto provada e a fundamentação e, após proceder à indicação dos factos não provado, fazer indicação discriminada com base nos articulados; de todo o modo o que deve ser claro para os destinatários imediatos da decisão – as partes – é a apreensão consistente dos factos que foram julgados provados e não provados e se, nalguns casos, essa tarefa se afigura isenta de dificuldades compreensivas, noutras há-de o julgador fazer uma indicação inequívoca de modo a que a sentença, nessa parte, não deixe margem para dúvidas, que, como se disse, podem criar à parte que discorde do julgamento dificuldades no acesso ao direito de ver reapreciada a prova em sede de recurso para o Tribunal da Relação. Crucial é a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento”8, entendimento este que encontra basto suporte na boa doutrina9. XVII – Em suma, o saneador-sentença proferido nos presentes autos é nulo, por violação das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, devendo, por isso, ser revogado; XVIII – Ainda assim, sempre se diga que. apresentados os articulados, o Tribunal julgou estar na posse de todos os elementos que lhe permitiam conhecer do mérito da causa de imediato, o que manifestamente não era o caso; XIX – Entre a matéria impugnada pelas Recorridas e assim controvertida conta-se a matéria relacionada com o conhecimento sobre as negociações havidas entre as partes acerca do preço da compra e venda da fração, a circunstância de os Recorrentes terem informado as Recorridas de que tinham outra proposta e do tempo de que dispunham para tomar uma decisão, a aceitação, por parte da 1.ª Recorrida, também em nome da sua mãe, da obrigação de pagar o sinal de € 27.000,00 e toda a matéria relacionada com os danos incorridos pelos Recorrentes com a conduta das Recorridas; XX – A decisão a proferir em sede de despacho saneador depende, necessariamente, de estarem provados todos os factos relevantes a todas as soluções jurídicas plausíveis a aplicar ao caso concreto10, o que não é, de todo, o caso dos presentes autos. XXI – Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido considerou apenas a solução defendida pelas Recorridas, desconsiderando a aqui trazida pelos Recorrentes; XXII – Ora, estando em causa compreender se as Recorridas, com a sua conduta, criaram nos Autores a convicção, razoável e fundada, de que o negócio em cujos termos já haviam acordado iria ser formalizado, importa, naturalmente, saber o que é que efetivamente foi dito de uma e outra parte; XXIII – Não se compreende, nem se aceita, por isso, que o Tribunal tivesse entendido estar na posse de todos os elementos necessários para a boa decisão da causa. Tal apenas seria verdade se só tivesse considerado como possível uma das soluções jurídicas apresentadas pelas partes, o que, aliás, o arrazoado que expendeu na sua sentença demonstra não ser verdade; XXIV – Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou os artigos 590.º, n.º 2, alínea c), e 595.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC, devendo, em consequência, ser a sentença proferida revogada, com a consequente baixa do processo à primeira instância, prosseguindo os seus ulteriores termos até final; XXV – Em todo o caso, sempre se diga que nunca o acervo fático que, nesta fase do processo, se encontra assente, permitiria ao Tribunal recorrido julgar improcedente a presente ação; XXVI – O artigo 227.º do Código Civil preceitua, no seu n.º 1, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte”; XXVII – No presente caso, depois de aceitar o preço proposto pelos Recorrentes para a aquisição da fração, a 1.ª Recorrida indicou que faria o pagamento do sinal acordado e remeteu ao Recorrente os documentos de identificação de ambas as Recorridas para elaboração do contrato promessa a celebrar (cfr. artigos 23.º, 27.º e 28.º da petição inicial, não impugnados – não tendo o Tribunal recorrido elencado os factos em que assentou a sua decisão, remetemos diretamente para os articulados); XXVIII – Não pode assim deixar de se considerar foi criada uma legítima expetativa de conclusão do negócio, acordados que estavam os respetivos termos, a ponto de as partes terem passado ao que era a mera operacionalização do negócio, com a elaboração da minuta do contrato promessa e entrega de sinal; …; XXX – O douto Ac. STJ, de 28.04.200911, a que fizemos referência na petição inicial, assume que, em casos de rutura ilícita de negociações, a indemnização poderá ser determinada pelo interesse contratual positivo da parte não faltosa, quando as negociações tiverem atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio; XXXI – Tal é o caso dos autos: as partes haviam chegado a um acordo sobre os termos do negócio, faltando apenas a sua formalização; XXXII – O acima descrito justifica a criação, nos Recorrentes, de uma legítima expetativa de conclusão do negócio, sendo irrelevante o tempo e o modo de realização das negociações: o instituto da culpa in contrahendo é muito antigo, tendo, ao longo da sua história, sido certamente aplicado aos negócios mais complexos e demorados, assim como às mais singelas transações, assinadas de cruz ou firmadas com um mero aperto de mão, sem que de tais comportamentos deixasse de se extrair a existência de um vínculo de confiança entre as partes; XXXIII – Só por ser ainda controvertida a matéria dos danos sofridos pelos Recorrentes se não pede a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que julgasse procedente a presente ação; XXXIV – Mal andou o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu, já que, com a sua decisão, violou o artigo 227.º do Código Civil (e os demais normativos acima referidos), devendo, por isso, ser a dita sentença revogada, descendo os autos à primeira instância para que prossigam os seus ulteriores termos até final”. Concluem, no sentido de procedência do recurso e, consequentemente: a) “Deve a decisão do Tribunal recorrido, que julgou a 2.ª Recorrida como parte ilegítima, absolvendo-a da instância, ser revertida; b) Deve o Despacho Saneador-sentença proferidos nos presentes autos ser revogado, por estar ferido de nulidade, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC; caso assim se não entenda, sem conceder, c) Deve o Despacho Saneador-sentença proferido ser revogado, com a consequente baixa do processo à primeira instância, prosseguindo os seus ulteriores termos até final, por violação dos artigos 590.º, n.º 2, alínea c), e 595.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC; caso assim não se entenda, sem conceder, d) Deve o Despacho Saneador-sentença proferido nos autos ser revogado, por violação do artigo 227.º do Código Civil descendo os autos à primeira instância para que prossigam os seus ulteriores termos até final”. 7 – As Apeladas/Recorridas apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões: “1ª- Bem andou a decisão sob recurso ao considerar parte ilegítima a 2ª Ré., que tal como defendido na contestação, não teve qualquer intervenção na sucessão de atos que ocorreram durante os dois dias que antecederam o rompimento de negociações para aquisição do imóvel dos autos; 2ª- Sendo que alegadamente a 1ª Ré, ora Recorrida, assumiu um compromisso em nome da 2ª Ré, não apresentando qualquer prova da qualidade de representante, nem os Apelantes a exigindo. 3ª- Em bom rigor, nem sequer ainda havia qualquer compromisso por parte da 2ª Ré de adquirir aquele imóvel. 4ª- Quando muito, a ora Recorrida atuou sem poderes para o efeito, não tendo os Apelantes agido com os necessários deveres de cuidado como lhes competia. 5ª- Também no despacho saneador a lei não impõe a fixação da matéria de facto provada; 6ª- Sendo certo que a Decisão sob recurso expõe de forma clara e fundamentada as razões de direito e de facto pelas quais não deve proceder o pedido inicial. 7ª- Por um lado vem afirmar que tem todos os elementos necessários para decidir. 8ª- Por outro as partes exerceram sempre o contraditório, tendo havido tréplica. 9ª- E ainda procedeu ao enquadramento da situação, tal como configurada pelos AA, ora Apelantes, no instituto da culpa in contrahendo, prevista no artigo 227º do CC; 10ª- Procedendo a uma identificação dos pressupostos necessários para que esta se verifique. 11ª- De entre a variada Jurisprudência citada, demonstrou que em todos os casos e todas as correntes aceitam como central o binómio boa fé/expetativas criadas, perspetivado à luz do homem médio. 12ª- Prosseguiu a sua análise para decisão, com a versão dos factos invocados pelos ora Apelantes e considerou que negociações que duraram dois dias, através de mails e sms, sem que nunca as partes se tivessem encontrado ou assinado o que quer que fosse e mesmo que os AA esperassem receber um sinal, antes do contrato assinado, o certo é que nem o contrato ainda estava estabilizado, 13ª- Pelo que não haviam pressupostos para a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato; 14ª- Afastando também por isso qualquer causalidade adequada entre os alegados danos e o rompimento das negociações; 15ª- Enquadrando a situação narrada pelos AA não no instituto da responsabilidade pré-contratual, nem de qualquer outra, mas antes no âmbito da liberdade e autonomias contratual. 16ª-A matéria controvertida em nada colidia com a decisão proferida, e os factos invocados pela Ré apenas reforçariam os argumentos da decisão sob recurso. 17ª-Quanto ao disposto no artigo 227/1 do CC, como melhor refere o Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2018, proferido no processo 3407/15.5T8BRG.G1.S2, cujo sumário transcrevemos no corpo das alegações, “(…)III - A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa-fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má-fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.(…)”. 18ª- Não estão violados na decisão sob recurso qualquer preceito legal, nomeadamente os invocados pelos Recorrentes, devendo a mesma manter-se na integra”. Concluem no sentido de improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida. 8 – O recurso foi admitido por despacho datado de 04/12/2023, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Previamente, fez-se consignar inexistir causa de nulidade da sentença prolatada. 9 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ** II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões: a) DA ILEGITIMIDADE PROCESSUAL da 2ª Ré – da incompreensibilidade da decisão apelada e da sua necessária reversão - Conclusões II) e IV) a XII) e Conclusões contra-alegacionais 1ª a 4ª ; b) DA NULIDADE DO SANEADOR-SENTENÇA, por violação das alíneas b) e c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil - Conclusões III) e XIII) a XVII) e Conclusões contra-alegacionais 5ª e 6ª ; c) DA VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 590º, nº. 2, alín. c) e 595º, nº. 1, alín. b), ambos do Cód. de Processo Civil – da necessária revogação do saneador-sentença e consequente baixa do processo à 1ª instância, para saneamento e instrução da causa, prosseguindo os seus ulteriores termos até final - Conclusões IV) e XVIII) a XXIV) e Conclusões contra-alegacionais 7ª a 10ª ; d) da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, em contrariedade com o estatuído no artº. 227º, do Cód. Civil, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA - Conclusões XXV) a XXXIV) e Conclusões contra-alegacionais 11ª a 17ª. O presente recurso incide sob duas diferenciadas decisões. Por um lado, sob o despacho que, conhecendo acerca da excepção dilatória de ilegitimidade da 2ª Ré (M…………………), invocada em sede de contestação, julgou-a procedente e, consequentemente, decidiu ser a mesma parte ilegítima para a presente acção, absolvendo-a da instância. Por outro, sob o saneador-sentença que, julgando reunidos os necessários pressupostos ao conhecimento do mérito da acção, entendeu julgar totalmente improcedentes os pedidos accionais deduzidos (principal e subsidiário), absolvendo a demais Ré (1ª Ré C………………….) das pretensões nos mesmos formuladas. Pelo que, numa necessária abordagem de precedência lógica, conhecer-se-á, em primeiro lugar, acerca da vertente recursória incidente sob o referenciado despacho e, posteriormente, acerca dos enunciados fundamentos recursórios incidentes sobre o prolatado saneador-sentença. ** III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A factualidade a considerar é a que resulta do iter processual supra exposto. ** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I) Da ILEGITIMIDADE PROCESSUAL DA 2ª Ré (M……………….) Na contestação apresentada, invocaram as Rés a ilegitimidade processual da Ré M…………………, aduzindo que alegadamente a demais Ré (1ª) C…………. assumiu um compromisso em nome daquela, sendo que esta nunca contactou os Autores, não os conhece e nem com eles comunicou por escrito ou telefone, por mensagem ou qualquer outro meio. Acrescentam não ter a 1ª Ré apresentado qualquer prova, nomeadamente documental, que provasse a qualidade de representante da 2ª Ré, pelo que esta é parte ilegítima nesta acção, em virtude de não ter estabelecido com os Autores qualquer relação jurídica que subjaza à presente acção. Na réplica apresentada, invocaram os Autores terem alegado factualidade donde decorre serem ambas as Rés interessadas na aquisição do imóvel em causa, configurando que a relação jurídica controvertida tem como seu polo passivo as duas Rés. Aditam, ainda, decorrer da factualidade não impugnada (exemplificativamente, dos artigos 27º e 28º da petição inicial) que as Rés são, efectivamente, os sujeitos passivos da relação jurídica controvertida, pelo que deve improceder a aduzida excepção de ilegitimidade. Na decisão sob apelo, após equacionar o estatuído no artº. 30º, do Cód. de Processo Civil, consigna-se ser “consensual entre as partes que a 2ª R. nunca contactou com os AA. nem nunca interveio em qualquer documento entregue, durante o lapso cronológico delimitado na PI”. Assim, acrescenta-se, nunca aquela Ré se vinculou perante os Autores, pelo que nada lhe poderia ser exigível, “sem prejuízo de eventual direito de regresso que viesse a assistir à co-Ré, que a implicou nas mensagens trocadas com os Autores”. Pelo que, nada lhe podendo ser exigível pelos Autores, nesta lide, a eventual procedência da acção não contende com a esfera jurídica daquela, donde decorre a sua ilegitimidade para a presente acção. Na presente sede recursória, referenciam os Recorrentes Autores que, entre outros, nos artigos 18º, 21º e 23º da sua petição inicial, alegaram factualidade da qual decorre serem ambas as Apeladas interessadas na aquisição do imóvel referenciado nos autos, nomeadamente “que a 1ª Ré pretendia adquirir a fração em causa nos autos para si e para a sua mãe e que o preço proposto pelos Recorrentes tinha sido aceite por ambas”. Acrescentam, ainda, não terem as Rés impugnado aqueles artigos da petição inicial, donde decorre terem confessado que “a 1ª Ré agiu em nome de ambas, com vista à celebração do negócio por ambas”. O que sucedeu, igualmente, com a não impugnação dos artigos 27º e 28º da mesma petição inicial, dos quais resulta ter a 1ª Ré enviado ao 1º Autor os cartões de identificação de ambas as Apeladas, com a finalidade de elaborar a promessa de venda do apartamento. Assim, aduzem, os Recorrentes negociaram com ambas as Recorridas, constituindo estas “o polo passivo da relação jurídica material controvertida em causa nos presentes autos”, donde resulta ser totalmente irrelevante o facto dos Recorrentes não terem tido contacto directo com a 2ª Recorrida, pois a 1ª Recorrida sempre afirmou estar a negociar em nome de ambas. Ademais, nunca a 2ª Recorrida veio aos autos declarar que a 1ª Recorrida tenha agido sem poderes para a representar, ou alegou qualquer factualidade donde se pudesse extrair tal conclusão. Desta forma, concluem, não vêm qual o fundamento quer o Tribunal Recorrido utilizou para considerar a 2ª Ré como parte ilegítima, estando em apreciação a sua legitimidade processual, nem vêm como pôde o mesmo Tribunal considerar que a procedência da acção não teria qualquer efeito sobre a esfera jurídica daquela, atenta a consensualidade entre as partes de que a mesma seria uma das compradoras, pelo que a violação dos deveres pré-contratuais, em equação, sempre lhe seria também imputada. Donde, por violação do disposto no artº. 30º, do Cód. de Processo Civil, deve ser revertida a decisão que considerou a 2ª Recorrida como parte processualmente ilegítima. Na resposta alegacional apresentada, as Apeladas defendem a bondade da decisão recorrida, mencionando que, ao contrário do que referem os Recorrentes, nos artigos 6º e 7º da contestação que apresentaram impugnaram os factos constantes dos artigos 18º, 21º e 23º do articulado inicial, invocando factos que os contrariam expressamente. Acrescentam que foi sempre a 1ª Ré quem fez alusão à 2ª Ré, que esta nunca interveio, fosse de que forma fosse, na alegada negociação, pelo que os Autores “não poderiam considerar que a 1ª Ré estivesse validamente a representar a mãe, pelo menos enquanto esta não se comprometesse com o negócio, por uma qualquer forma escrita ou mesmo telefónica”. Analisemos. Prevendo acerca do conceito de legitimidade, estatui o artº. 30º, do Cód. de Processo Civil, que: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” (sublinhado nosso). A legitimidade configura-se como um pressuposto processual relativo às partes, sendo a ilegitimidade legalmente rotulada como excepção dilatória, de conhecimento oficioso, impedindo o conhecimento do mérito da causa e determinando a absolvição da instância – cf-. artigos 278º, nº. 1, alín. d), 576º, nºs. 1 e 2, 577º, alín. e) e 578º, todos do Cód. de Processo Civil. Citando Alberto dos Reis, referencia Rui Pinto [2] consistir a legitimidade processual numa “certa posição de um sujeito – a parte processual – face a um certo objecto – o objecto processual – exigida pelo direito”, ou seja, “uma certa posição exigida às partes em relação ao concreto objecto processual”. Exige-se, assim, à parte uma posição que lhe atribua “a faculdade de dispor em processo da situação jurídica material que constitui o seu objecto”, prevendo-se, deste modo, uma prévia “averiguação de quem pode dispor da situação material, mas por via processual”. O presente pressuposto processual permite, assim, uma função regulatória ou ordenatória, de forma a garantir que os sujeitos processuais são “aqueles que podem ser beneficiados com a decisão de procedência ou de improcedência da causa” [3], assim se pressupondo “que os efeitos decorrentes da disponibilidade da situação em litígio se possam referir e repercutir na respectiva esfera jurídica”. A regra a observar deve ser, deste modo, a que determina “que não pode ter legitimidade para propor acção ou ser nela demandado quem materialmente não pode dispor da situação que será objeto dos efeitos da decisão final”, o que traduz a legitimidade processual directa. Assim, e conforme o nº. 1 do transcrito normativo, terá legitimidade processual activa “o titular do interesse direto em demandar”, e legitimidade processual passiva o titular do interesse directo em contradizer, o qual “deve ser jurídico, ainda que não actual”. Acrescenta o mesmo Autor que o referenciado normativo prevê “dois critérios concretizadores pelos quais se pode apurar o interesse direto de modo relativamente flexível: o critério da utilidade e o critério da titularidade da relação material”. Relativamente ao primeiro critério prático – critério da utilidade ou prejuízo -, enunciado no nº. 2 daquele artigo, a aferição da utilidade é efectuada “em face da petição e segundo um juízo de prognose: supondo-se que o pedido seja procedente”. Assim, “se em face da petição se percebe que a esfera jurídica da parte é indiferente à procedência, pois não ganha nem perde na procedência, então não tem legitimidade, sendo terceira”. Assim, e relativamente ao autor (parte activa), o interesse traduz-se na vantagem jurídica que lhe trará a procedência da acção, devendo esta vantagem ser “objetiva e não apenas segundo o ponto de vista de quem a requer”, bem como directa, e não apenas reflexa. No que se reporta ao segundo critério prático – critério formal da titularidade -, enunciado no nº. 3, da sua aplicabilidade resulta que “a titularidade da alegada relação material surge como modo de descobrir o interesse directo na acção, sendo uma forma «implícita» de aferição de legitimidade”. Donde se configura “uma coincidência entre a afirmação de titularidade (e inerente legitimação material) sobre a situação individualizada e a legitimidade processual, pelo que a legitimidade directa terá de ser apurada pela análise da relação material ou situação jurídica invocada em juízo”. Conforme referencia Paulo Pimenta [4], o autor é parte legítima “sempre que a procedência da acção (previsivelmente) lhe venha a conferir (para si e não para outrem) uma vantagem ou utilidade, e o réu é parte legítima sempre que se vislumbre que tal procedência lhe venha a causar (a si e não a outrem, também) uma desvantagem”, consistindo a legitimidade “numa posição concreta da parte perante uma causa. Por isso, a legitimidade não é uma qualidade pessoal, antes uma qualidade posicional da parte face à acção, ao litígio que aí se discute”. Desta forma, nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [5], o autor é parte legítima se, “atenta a relação jurídica que invoca, surgir nela como sujeito suscetível de beneficiar diretamente do efeito jurídico pretendido ; já o réu terá legitimidade passiva se for diretamente prejudicado com a procedência da ação”. Donde, a “exigência de um «interesse» emergente de pronúncia judicial, reconduz-nos a um interesse direto e indica que é irrelevante para o efeito um mero interesse indireto, reflexo ou mediato, ou ainda mais um interesse diletante ou de ordem moral ou académica”. Ou seja, conforme expressamente referenciam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [6], “à legitimidade não satisfaz a existência de qualquer interesse, ainda que jurídico (não apenas moral, científico ou afectivo), na procedência ou improcedência da acção. Exige-se que as partes tenham um interesse directo, seja em demandar, seja em contradizer ; não basta um interesse indirecto, reflexo ou derivado”. Como pressuposto ou condição de necessário preenchimento para que seja proferida decisão de mérito, exprime a legitimidade “a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o”. A sua aferição, em regra, é efectuada “pela titularidade dos interesses em jogo (no processo)”, ou seja, na legal previsão dos nºs. 2 e 3 do normativo em equação, “pelo interesse direto (e não indireto ou derivado) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, e pelo interesse direto em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu)” [7]. Por fim, nas palavras do Professor Alberto dos Reis [8], exige-se que o interesse seja directo, não bastando “um interesse indirecto ou reflexo ; não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular”, ou seja, “que as partes sejam sujeitos duma relação jurídica conexa com a relação litigiosa ; é necessário que sejam os sujeitos da própria relação litigiosa”. O interesse em equação deve ser jurídico, no sentido de dever “apoiar-se numa razão de ordem jurídica, e não numa razão de ordem moral, sentimental ou científica”, não tendo, todavia, que ser actual, pois pode reportar-se “não à data da propositura da acção, mas a data futura, que pode até ser posterior ao julgamento da causa” – cf., o vigente artº. 611º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil. Para além das situações de legitimidade directa, existem, igualmente, situações de legitimidade indirecta ou extraordinária, com inscrição no 1º segmento do nº. 3, do mesmo artº. 30º do Cód. de Processo Civil, nomeadamente quando se referencia “na falta de indicação da lei em contrário”. Referencia Lopes do Rego [9] que a atribuição da legitimidade indirecta “nunca depende das meras afirmações do autor, expressas na petição inicial (….)”, mas “da efectiva demonstração do interesse ou da titularidade da relação legitimante que justifica a atribuição de legitimidade indirecta”. Assim, no que se reporta à legitimidade indirecta, “a efectiva titularidade da relação legitimante é «conditio sine qua non» da legitimação de quem se apresta a exercer direitos alheios”. Acrescenta, citando Manuel de Andrade, que “nesta última acção (acção pauliana) é requisito da legitimidade a prova do direito de crédito invocado pelo Autor. Dum modo geral, quando a lei admite os sujeitos duma relação jurídica conexa com outra a influir nesta, mediante acção constitutiva (v. g. na revogação ou redução de doações inoficiosas) ou a provocar a sua apreciação judicial (v.g., nas acções de nulidade absoluta de negócios jurídicos), a legitimação do Autor depende da prova daquela relação”. Pelo que, não é o facto do autor se “arrogar um interesse em obter providência judicial que se repercuta directamente na esfera jurídica alheia que, só por si, o torna parte legítima na causa”. E, fazendo a destrinça com a legitimidade normal, aduz que enquanto nesta “o problema da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se entrelaça estreitamente com a apreciação do mérito da causa, os pressupostos em quer se baseia (….) a legitimação indirecta aparecem claramente destacados do objecto do processo ; e funcionando logicamente como «questões prévias» relativamente à admissibilidade da discussão entre as partes acerca da relação material controvertida, dessa forma condicionando a possibilidade de prolação de decisão sobre o mérito da causa”. Assim, nos casos de legitimidade indirecta, o interesse em que se baseia a legitimidade depende “de circunstâncias diversas da concreta titularidade da relação litigiosa, podendo perfeitamente, nestes casos, a prova de tal interesse ou qualidade juridicamente relevante constituir um efectivo requisito da legitimidade”. Nestas situações processuais, está em causa, “não propriamente apurar da titularidade ou pertinência da relação material controvertida (questão que consideramos indissociável da apreciação do mérito), mas (…) decidir acerca da existência de um interesse que justifique a dedução de um pedido que versa sobre relação jurídica alheia”. No mesmo sentido, referenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [10] existirem casos em que “é a própria lei que identifica o detentor da legitimidade ativa ou passiva, prevalecendo tal indicação sobre a eventual alegação do autor em sentido inverso, como ocorre designadamente (….) nos casos de legitimidade extraordinária ou indirecta que é atribuída ao cabeça de casal ou ao administrador do condomínio urbano. Apesar de não serem titulares (….) diretos do interesse em discussão, prevalece o que emerge dos preceitos legais que sustentam a sua intervenção”. Assim, a referenciada regra decorrente da legitimidade directa – aferida pelo interesse directo em demandar, decorrente da vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, ou do interesse directo em contradizer, decorrente do prejuízo que advenha da procedência da acção intentada – “só deixa de se aplicar nos casos excecionais de atribuição do direito de ação ou do direito de defesa a titulares dum interesse indirecto (….) e nos de tutela de interesses coletivos e difusos” [11]. Efectivamente, conforme exaram Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [12], de acordo com o critério legal de legitimidade, que apenas funciona em termos subsidiários, existem “numerosos casos em que a lei atribui legitimidade para a acção a quem não é titular ou só em parte é titular da relação material em litígio”, o que configura situações também designadas de legitimidade extraordinária. E, exemplificam, “assim sucede nomeadamente com o cabeça-de-casal, o testamenteiro, o administrador da massa falida ou insolvente, a quem é reconhecida legitimidade para intervir em acções respeitantes a relações (substantivas) a que eles são estranhos, das quais não são sujeitos. E o mesmo fenómeno ocorre, embora por outras razões, com o transmitente por acto entre vivos da coisa ou direito litigioso, que continua a ter legitimidade para a causa (art. 271º, 1), enquanto adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo”. Por fim, ajuizando acerca da exposta legitimidade processual indirecta, referencia Rui Pinto [13], em termos de intróito, que “a legitimidade é um poder para dispôr em processo da situação jurídica nele feita valer, ainda que não necessariamente um poder para dispôr materialmente da situação jurídica”. Tal situação, acrescenta, “abre campo à inclusão dos referidos casos excecionais ressalvados no nº. 3 (“Na falta de indicação da lei em contrário….”) em que o sujeito que pode dispor da situação em processo não é o mesmo que o poderia fazer materialmente, ou seja, não é o titular da situação individualizada”. Assim, acrescenta, “não titulares da situação jurídica alegada na pretensão podem ter legitimidade processual atuando em substituição do legitimado material – situações de legitimidade dita indirecta. Nestas o sujeito com legitimidade processual não é o sujeito com legitimidade material (substituído), mas o seu substituto”. Exposto o enquadramento jurídico, analisemos o caso concreto. No articulado inicial, e para além do mais, alegaram os Autores o seguinte: - Que no dia 8 de Maio de 2022, por volta das 09.00 horas, “recebeu uma chamada telefónica da 1ª Ré, dando conta que tinha realizado a visita à fração no dia anterior e que pretendia fazer uma proposta de compra da mesma, para si e para sua mãe, a 2ª Ré, pelo valor de € 240.000,00 (…)” – cf., artº. 18º ; - Que, perante a resposta do Autor no sentido de estar disponível em reduzir o preço para € 270.000,00, “a 1ª Ré informou então que precisava de falar com a sua mãe, aqui 2ª Ré, e que voltaria a falar mais tarde” – cf., artº. 21º ; - Que pelas 10.00 horas do mesmo dia 8 de Maio de 2022, “a 1ª Ré telefonou de novo ao Autor e comunicou-lhe que ela e a mãe, as aqui Rés, aceitavam adquirir a fração pelo preço proposto de € 270.000,00” – cf., artº. 23º ; - Que a “1ª Ré, em nome de ambas as Rés, aceitou pagar o sinal de € 27.000,00” – cf., artº. 26º ; - Que ainda no mesmo dia 8 de Maio de 2022, pelas 10.24 horas, a 1ª Ré enviou SMS ao Autor com os cartões de cidadão de ambas as Rés, indicando, ainda, as respectivas residências, “para fazer a promessa de venda do apartamento (…)” – cf., artº. 27º ; - Que juntamente com tal comunicação escrita, “a 1ª Ré enviou fotografias completas, frente e verso, da sua Carte Nationale d’Identité e do Cartão de Cidadão da 2ª Ré (….)” – cf., artº. 28º ; - Que após um SMS enviado pela 1ª Ré em 10/05/2022, pelas 10.00 horas, e resposta do Autor pelas 22.12 horas do mesmo dia, “os Autores não receberam das Rés qualquer outra comunicação ou explicação para a não formalização e conclusão e da compra e venda, nem tiveram destas quaisquer notícias, apesar de várias tentativas telefónicas nesse sentido” – cf., artº. 37º ; - Que por cartas datadas de 23 de Maio de 2022, “os Autores, por intermédio do seu mandatário, interpelaram as Rés para a celebração do negócio acordado ou, na negativa, para responderem pelos danos causados pela violação dos respectivos deveres pré-contratuais”, tendo tais cartas de interpelação “sido recebidas pela 1ª e 2ª Ré, respectivamente, a 7 e 8 de Junho de 2022” – cf., artºs. 38º e 39º ; - Que “por intermédio de mandatária, as Rés recusaram finalizar o negócio acordado (…)” – cf., artº. 40º ; - Que “a 1ª Ré, em nome de ambas as Rés, manifestou ao Autor a sua aceitação do preço de venda e o valor do sinal” – cf., artº. 59º ; - Que, tendo os Autores enviado minuta do contrato promessa de compra e venda, “as Rés nunca apresentaram qualquer objeção ou sugestão de alteração” – cf., artº. 62º. No âmbito da contestação apresentada, e no que a tal matéria se reporta, para além da invocação da ilegitimidade da 2ª Ré, em virtude de não ter estabelecido com os Autores qualquer relação jurídica controvertida que fundamente a presente acção, aduziram, ainda, as Rés o seguinte: - que quando a 1ª Ré fez a proposta de compra da fracção ao Autor, pelo preço de 240.000,00 €, não sabia ainda se a sua mãe (2ª Ré) estaria interessada em adquirir o imóvel em compropriedade – cf., artº. 20º ; - que, contrariamente ao aduzido no artº. 26º da petição inicial, nunca a 1ª Ré aceitou pagar o sinal em nome de ambas as Rés – cf., artº. 56º ; - que o contrato promessa não seria assinado sem a intervenção de um advogado, não estando ainda sequer acordado “se a 1ª R. iria adquirir o imóvel com capitais próprios, com a ajuda da mãe ou com empréstimo bancário” – cf., artº. 58º ; - que a data de celebração da escritura não havia sido acordada, “e nem sequer se a 1ª R ou as RR iam pedir financiamento” – cf., artº. 71º ; - que na decorrência do “breve trato negocial das RR com o A., aquelas sentiram-se defraudadas nas suas expetativas e perderam a total confiança nos AA. (…)”, o que lhes causou gastos e danos, que computaram em 3.000,00 € e cujo ressarcimento reivindicam reconvencionalmente – cf., artºs. 89º a 91º. Ora, atento exposto quadro factual, em articulação com o conceito de legitimidade processual inscrito no citado artº. 30º, do Cód. de Processo Civil, parece resultar, de forma evidente, que a 2ª Ré, de acordo com a figuração dada pelos Autores em sede de articulado inicial, tem efectivo interesse directo em contradizer ou contestar a pretensão acional por estes deduzida. Efectivamente, de acordo com o alegado, enformador da causa de pedir deduzida e sustentáculo do pedido acional formulado, também a 2ª Ré tem efectivo interesse em contraditar o enunciado, pois, a sua putativa prova (e independentemente da maior ou menor dificuldade ou probabilidade na produção desta) poderá determinar a sua co-responsabilidade na satisfação do peticionado. Concretizando, na configuração apresentada pelos Autores demandantes, provando-se, para além do mais, que a 1ª Ré pretendeu apresentar a proposta de compra da fracção para si e para a sua mãe, que alegou precisar de falar com esta relativamente à contraproposta apresentada pelo Autor, que a aceitação do preço proposto foi efectuada pela 1ª Ré também em nome da mãe, bem como a aceitação de pagar o sinal de 10%, que a 1ª Ré enviou não só a sua documentação pessoal, mas também a da 2ª Ré sua mãe, para a elaboração do contrato-promessa de compra e venda, parece resultar, pelo menos em termos potenciais, a devida responsabilização da 2ª Ré pelo ressarcimento reivindicado, o que determina o seu interesse directo em contestar, atento o potencial prejuízo adveniente da procedência do peticionado. Ademais, conforme resulta da consignação supra efectuada, parte dessa aduzida factualidade não mereceu qualquer impugnação por parte das Rés, as quais, inclusive, afirmam-se ambas como lesadas pelo comportamento negocial dos Autores, na decorrência do que deduziram, inclusive, pedido reconvencional. E, por outro lado, também é certo que as Rés não invocaram qualquer eventual abuso de representação por parte da 1ª Ré filha relativamente à 2ª Ré mãe, nem factualidade donde fosse inferível uma qualquer distonia entre ambas. Assim, e contrariamente ao consignado na decisão recorrida, nesta sede de aferição da legitimidade processual da 2ª Ré, não é determinante o facto desta nunca ter contactado directamente com os Autores, nem ter intervindo na documentação que lhes foi entregue pela 1ª Ré, não se podendo daí concluir, necessariamente, pela sua não vinculação perante os Autores, no sentido de nada lhe poder ser exigível. O que determina, nesta vertente, procedência da apelação apresentada, determinante da revogação do despacho apelado, o qual se substitui por decisão que considera a Ré M…………….. (2ª Ré) parte legítima para a presente acção. II) Da NULIDADE DO SANEADOR-SENTENÇA, por violação das alíneas b) e c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil Referenciam, ainda, os Recorrentes não ter a sentença proferida elencado, de todo, os fundamentos de facto que a justificaram, o que determina a verificação da nulidade inscrita na alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, estando esta relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Por outro lado, aduzem que do confronto entre os factos alegados pelos Autores e a impugnação que dos mesmos foi feita pelas Rés, resulta controvertida muita da factualidade, mas desconhece-se, em concreto, “qual a totalidade do acervo fáctico em que o Tribunal a quo baseou a sua decisão”. O que, entendem, configura igualmente a nulidade inscrita na alínea c), do mesmo normativo, prevista para as situações em que “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Na resposta contra-alegacional apresentada, referenciam as Apeladas que a decisão sob apelo expõe, de forma clara e fundamentada, as razões de direito e de facto pelas quais não deve proceder o pedido inicial. Apreciando: Prescrevem as enunciadas alíneas b) e c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, ser “nula a sentença quando: b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [14] [15]. Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [16]. A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada. A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [17]. As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”. Relativamente ao vício de fundamentação em equação – alínea b), do citado nº. 1 do artº. 615º do Cód. de Processo Civil -, a apreciar no campo do error in procedendo, concretiza-se na omissão da especificação dos fundamentos de direito ou na omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão. Todavia, “só a absoluta falta de fundamentação da sentença gera a nulidade. O vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade” [18] [19] [20]. Donde decorre que “a falta de motivação da decisão de facto (art. 607º, nº. 4), considerada isoladamente, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação, desde que esta contenha a discriminação dos factos que o juiz considera provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (art. 607º, nº. 3). Este vício pode ser eliminado, sanando-se a sentença irregular, em caso de recurso (art. 662º, nºs. 2, al. d), e 3, al. d)), por haver nisso utilidade processual, pois permite uma impugnação pelo vencido e uma reapreciação da decisão pelo tribunal ad quem mais esclarecidas. A absoluta falta de motivação da decisão de facto pode contribuir, no limite, para tornar a decisão final (art. 607º, nº. 3) ininteligível, gerando, por esta via, a nulidade da sentença (nº. 1, al. c). Sendo a sentença anulada com este fundamento, valerá a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (art. 665º, nº. 1)” [21]. A necessidade/dever de fundamentação de qualquer decisão judicial encontra-se plasmada no artº. 154º do Cód. de Processo Civil, o qual prescreve que: “1 – as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 – A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”. Possui inclusive tal dever legal consagração constitucional, conforme decorre do previsto no artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa, ao prescrever que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. O dever de fundamentação tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma. Nas palavras do douto aresto desta Relação, datado de 07/11/2013 [22], “é, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico- jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação. Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça” O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito” [citando Pessoa Vaz, Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p.211.]. E, acrescenta, “conforme decorre do n.º2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma “fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma” [citando José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, p.302-303]. Tal, não se verifica, claramente, no caso em apreço. Não se trata de uma fundamentação parca ou deficiente. Trata-se de ausência de fundamentação. Consequentemente, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º 668.º n.º b) (actual art.º 615.º n.º 1 b)) do CPC”. Relativamente à segunda causa de nulidade – equacionada na transcrita alínea c) -, referencia Ferreira de Almeida [23] tratar-se na mesma de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”. Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidade “quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”. Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente. A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”. Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão” [24]. Na apreciação dos vícios em equação não podemos olvidar a especial particularidade da decisão recorrida, no que respeita à fundamentação do decretado juízo de improcedência. De forma a sustentar o exposto, vejamos, em súmula, o teor do decidido: - pretende-se aferir se o acervo factual articulado pelos Autores é enquadrável na figura ou instituto da culpa in contrahendo, ou seja, na responsabilidade pré-contratual prevista no artº. 227º, do Cód. Civil ; - os pressupostos de facto desta responsabilidade (obrigação de reparação) reconduzem-se, no essencial, aos seguintes: a) A criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato ; b) O carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações ; c) A produção de um dano no património de uma das partes ; - in casu, de acordo com a versão dos Autores, estão em causa negociações que duraram apenas 2 dias, desenvolvidas somente através de e-mails e SMS, sem que nunca as partes se tivessem encontrado ou assinado o que quer que seja ; - efectivamente, os termos do contrato-promessa não se tinham sequer estabilizado, e nada havia ainda sido assinado, quedando-se pelo envio de proposta negocial à Ré ; - havia o apontamento que o contrato seria a outorgar com 2 pessoas, sem que os Autores tivessem estabelecido qualquer comunicação com a segunda pessoa, sendo que a expectativa gerada durou apenas um dia ; - tal expectativa, à luz de um homem médio diligente, não poderia ser consistente antes de uma qualquer discussão sobre os termos do contrato após envio da proposta ; - os Autores não deveriam ter rejeitado a proposta que alegadamente tinham, sem que antes se mostrasse minimamente consistente a nova proposta e negociação, tendo assim omitido o dever de diligência (o que não pode ser assacado à Ré) ; - assim, o lapso de escassos dias, desprovida de qualquer discussão sobre os termos de uma proposta escrita, sem que as partes se tenham encontrado, estando em causa um imóvel que a Ré vira na véspera de se arrepender, não pode gerar uma expectativa suficientemente consistente que conduza a afastar outras propostas ; - não concorre, assim, o pressuposto da criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato, sendo ainda de afastar a relação de causalidade adequada entre o invocado dano e o rompimento das negociações ; - pelo que a situação não é enquadrável no instituto da responsabilidade pré-contratual, nem em qualquer outro, de harmonia com os princípios da liberdade e da autonomia contratual. Conforme decorre do exposto, o saneador sentença sob sindicância partiu do teor da factualidade alegada pelos Autores demandantes, equacionando-a como putativamente provada. E, neste contexto, entendeu que, mesmo a provar-se na sua totalidade, a mesma não resultava como suficiente ou bastante para o preenchimento dos pressupostos factuais conducentes à imputada responsabilidade civil pré-contratual. Ou seja, no momento temporal decisório não estava em causa ou equação a prova ou não prova de determinada factualidade, mas antes a mera ponderação da alegada pelos Autores, aferindo-a em confronto com os pressupostos factuais enformadores da imputada responsabilidade civil. Desta forma, a normalmente exigível elencagem da factualidade provada e não provada (com a respectiva fundamentação probatória) configurar-se-ia com uma certa natureza tautológica, pois mais não se traduziria do que num mero decalcar de parte da factualidade alegada em sede de articulado inicial. O que, independentemente do mérito da solução formal encontrada, parece ainda ser de admitir, na particularidade da decisão em equação. Efectivamente, analisando o teor da decisão recorrida, é perfeitamente entendível e perceptível quais os fundamentos factuais equacionados, bem como o enquadramento jurídico sob aqueles incidente, independentemente do mérito jurídico do decidido. Por outro lado, no que concerne ao segundo fundamento de nulidade, analisada a decisão apelada, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma seja contraditória entre os fundamentos e a decisão, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de a inquinar. Efectivamente, ponderada a fundamentação apresentada, não é legítimo concluir que a mesma contradiga ou esteja em distonia com a decisão proferida, isto é, que da mera e imediata análise da fundamentação aduzida fosse expectável ou legítimo concluir por diferenciada decisão. Inexiste, efectivamente, qualquer erro lógico-discursivo, no sentido de que a decisão proferida não encontre qualquer lastro ou conforto no juízo seguido na fundamentação exarada, ou seja, que a decisão, no iter de interpretação da fundamentação exarada, e mediante uma análise de lógica dedução, tivesse surgido de forma surpreendente ou inesperada. Por outro lado, também não se pode afirmar que a decisão recorrida seja ambígua, de forma a torná-la ininteligível ou incompreensível. Efectivamente, não é possível afirmar, de forma pertinente, que da fundamentação da mesma resulte, ainda que parcialmente, diferenciadas interpretações, com multiplicidade de sentidos, susceptível de a inquinar nos termos descritos. Ou seja, que da interpretação feita constar seja possível extrair uma multiplicidade de sentidos, afastando-a de um sentido unívoco, susceptível de afectar a decisão ao ponto de a inquinar de ininteligibilidade ou incompreensibilidade. Ou seja, e independentemente do acerto decisório, não é possível concluir pela verificação da aludida nulidade, isto é, que ocorra qualquer oposição entre os fundamentos consignados e a decisão prolatada, ou que de alguma forma esta resulte ininteligível, seja por obscuridade ou ambiguidade, de forma a maculá-la com o apontado vício. Donde, conclui-se pelo não reconhecimento dos vícios em equação, o que determina, nesta vertente, improcedência das enunciadas conclusões recursórias. III) Da VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 590º, nº. 2, alín. c) e 595º, nº. 1, alín. b), ambos do Cód. de Processo Civil e da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, em contrariedade com o estatuído no artº. 227º, do Cód. Civil Referenciam os Recorrentes que o Tribunal a quo entendeu, de forma errónea, que estavam reunidos elementos suficientes para a decisão imediata sobre o mérito da causa, ao ter entendido que a circunstância das negociações entre as partes apenas ter durado cerca de dois dias, e de ter sido concretizada por meio de e-mails e mensagens, não seria suficiente para gerar uma legítima expectativa de tutela legal. Acrescentam que entre a matéria impugnada pelas Rés, que lhe concede a natureza de controvertida, “conta-se a matéria relacionada com o conhecimento sobre as negociações havidas entre as partes acerca do preço da compra e venda da fração, a circunstância de os Recorrentes terem informado as Recorridas de que tinham outra proposta e do tempo de que dispunham para tomar uma decisão, a aceitação, por parte da 1.ª Recorrida, também em nome da sua mãe, da obrigação de pagar o sinal de € 27.000,00 e toda a matéria relacionada com os danos incorridos pelos Recorrentes com a conduta das Recorridas”. Aduzem que a decisão a proferir em sede de saneamento “depende, necessariamente, de estarem provados todos os factos relevantes a todas as soluções jurídicas plausíveis a aplicar ao caso concreto, o que não é, de todo, o caso dos presentes autos”, pois, ao decidir nos termos expostos, o Tribunal recorrido “considerou apenas a solução defendida pelas Recorridas, desconsiderando a aqui trazida pelos Recorrentes”. Pelo que, concretizam, “estando em causa compreender se as Recorridas, com a sua conduta, criaram nos Autores a convicção, razoável e fundada, de que o negócio em cujos termos já haviam acordado iria ser formalizado, importa, naturalmente, saber o que é que efetivamente foi dito de uma e outra parte”, pelo que não se compreende, nem se aceita, “que o Tribunal tivesse entendido estar na posse de todos os elementos necessários para a boa decisão da causa”. Donde, concluem, na decisão sob sindicância o “Tribunal recorrido violou os artigos 590.º, n.º 2, alínea c), e 595.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC, devendo, em consequência, ser a sentença proferida revogada, com a consequente baixa do processo à primeira instância, prosseguindo os seus ulteriores termos até final”. Por outro lado, no que concerne ao enquadramento jurídico efectuado, alegam os Apelantes que o acervo fáctico que se pode dar como assente nesta fase processual nunca permitiria ao Tribunal recorrido concluir pela improcedência da presente acção. Especificam que “depois de aceitar o preço proposto pelos Recorrentes para a aquisição da fração, a 1.ª Recorrida indicou que faria o pagamento do sinal acordado e remeteu ao Recorrente os documentos de identificação de ambas as Recorridas para elaboração do contrato promessa a celebrar”, pelo que não se pode “deixar de se considerar foi criada uma legítima expetativa de conclusão do negócio, acordados que estavam os respetivos termos, a ponto de as partes terem passado ao que era a mera operacionalização do negócio, com a elaboração da minuta do contrato promessa e entrega de sinal”. Assim, aduzem, “as partes haviam chegado a um acordo sobre os termos do negócio, faltando apenas a sua formalização”, pelo que criou-se nos Apelantes “uma legítima expetativa de conclusão do negócio, sendo irrelevante o tempo e o modo de realização das negociações”, pois “o instituto da culpa in contrahendo é muito antigo, tendo, ao longo da sua história, sido certamente aplicado aos negócios mais complexos e demorados, assim como às mais singelas transações, assinadas de cruz ou firmadas com um mero aperto de mão, sem que de tais comportamentos deixasse de se extrair a existência de um vínculo de confiança entre as partes”. Pelo que, concluem, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo “violou o artigo 227.º do Código Civil (e os demais normativos acima referidos), devendo, por isso, ser a dita sentença revogada, descendo os autos à primeira instância para que prossigam os seus ulteriores termos até final”. Nas contra-alegações apresentadas, para além de defenderem a tempestividade da decisão, em virtude do enquadramento da situação ter sido concretizado pela forma como os Autores configuraram a situação, as Recorridas defenderam a bondade do decidido, enunciando a inexistência de pressupostos para a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato, bem como corroborando o afastamento de qualquer causalidade adequada entre os alegados danos e o rompimento das negociações. Acrescentam, assim, que a matéria factual controvertida “em nada colidia com a decisão proferida, e os factos invocados pela Ré apenas reforçariam os argumentos da decisão sob recurso”. Pelo que, concluem no sentido da permanência integral do decidido. Apreciando: Os Apelantes entendem, por um lado, que a decisão recorrida não podia ser proferida em sede de saneamento dos autos, em virtude destes não estarem na situação estatuída na alínea b), do nº. 1, do artº. 595º, do Cód. de Processo Civil, ou seja, o estado dos autos não permitia, sem necessidade de ulteriores provas, a apreciação dos pedidos deduzidos, de forma a lograr-se imediato conhecimento do mérito da causa. Por outro lado, entendem que o conhecimento efectuado do mérito da causa é juridicamente erróneo, não se justificando o decretado juízo de improcedência da acção. Ora, estando as duas questões interligadas, conhecer-se-á das mesmas em conjunto, apreciando-se acerca do instituto jurídico em equação e seus pressupostos ou requisitos, bem como aferindo se o quadro factual equacionado justificava conhecimento do petitório em sede saneador, sem necessidade de ulterior produção probatória. Refira-se, porém, desde já, no que se reporta à temporalidade do conhecimento do mérito da acção, e tal como já consignámos, que o saneador sentença sob recurso partiu do teor da factualidade alegada pelos Autores demandantes, equacionando-a como putativamente provada. E, nesse contexto da sua putativa ou eventual total prova, entendeu que a mesma não resultava como suficiente ou bastante para o preenchimento dos pressupostos factuais conducentes à imputada responsabilidade civil pré-contratual. Ou seja, considerou a decisão sob recurso que, mesmo que os Autores (ora Apelantes) lograssem efectuar total prova sob a factualidade alegada (impugnada, para além da assente por falta de contestação) nunca a mesma se revelaria bastante para o preenchimento dos pressupostos factuais enformadores da imputada responsabilidade civil. Com a precisão de que, por acréscimo, no que concerne aos danos reclamados, inexistir qualquer relação de causalidade adequada entre estes e o rompimento das negociações. Vejamos, então, se tal se justificava, o que implica análise do instituto da culpa in contrahendo, isto é, da responsabilidade civil pré-contratual, estatuída no artº. 227º, do Cód. Civil. Sob a epígrafe culpa na formação dos contratos, estatui o nº. 1, do artº. 227º, do Cód. Civil, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Referencia Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos – Notas ao Código Civil, Vol. I, Lisboa, 1987, pág. 296 e 297 – que a jurisprudência alemã “tem feito derivar, da circunstância do começo dos actos preparatórios de um contrato, uma relação de confiança análoga à contratual e que obriga os interessados a observarem a diligência exigível no tráfico, impondo-lhes certos deveres de comunicação, de explicação e de conservação”, acrescentando que a expressão boa fé normativamente utilizada, “não se refere a uma condição subjectiva da consciência das partes, mas sim a uma modalidade objectiva do seu comportamento, o que quer dizer que a lei impõe às partes o dever se de comportarem, durante os preliminares do contrato, com recíproca lealdade”. Relativamente à questão de saber se a parte que rompe as negociações preliminares de um contrato é responsável perante a parte contrária, aduz que, em princípio, a resposta é negativa, pois “as partes podem livremente desistir do contrato enquanto ele não for concluído”. Todavia, acrescenta ser, todavia, “necessário ponderar que, pelo simples facto de iniciar e desenvolver negociações tendentes a um acordo negocial, estabelece-se entre as esferas jurídicas das partes um contacto mais forte e específico do que se verifica entre quaisquer outras pessoas, sendo a essa luz especial que deve apreciar-se o procedimento, leal e correcto (de boa fé), a que alude o nº. 1 do preceito em análise” (sublinhado nosso), assim existindo situações em que o comportamento da parte ao desistir do contrato, em virtude de lesar a boa fé exigível, determina incorrer o desistente na culpa in contrahendo. Acrescentam Pires de Lima e Antunes Varela – Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 216 – que a “responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á, em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, por modo a colocar esta na situação em que ela se encontraria, se o negócio se não tivesse efectuado”, ressalvando, todavia, e de forma excepcional, poder a sua responsabilidade tender “para a cobertura do interesse positivo (ou de cumprimento)”, no caso em que “a conduta culposa da parte consistir na violação do dever de conclusão do negócio” (sublinhado nosso). Aduzem, ainda, que a imposição às partes da observância do princípio da boa fé, legalmente estatuído, traduz-se na atribuição à expressão boa fé de “um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica, muito simples e fácil de definir (cfr. arts. 119º, nº. 3, 243º, nº. 2, 291º, nº. 3)”. Ainda no campo doutrinário, defende Ana Prata – Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, Almedina, Coordenação de Ana Prata, pág. 280 a 282 – impor-se “durante as negociações e no momento da formação do contrato, a submissão das partes ao princípio da boa fé objetiva”. Entre as obrigações pré-contratuais, cuja “existência e dimensão dependem das circunstâncias, em especial da posição relativa das partes”, enuncia como mais comuns as seguintes: - a “obrigação de informação que tem por objeto todo o conteúdo contratual e sua explicação, de modo a ser compreensível pela contraparte (…), as regras de direito aplicáveis, sempre que tal se justifique, as características dos bens e serviços, sua utilização e seus riscos, que o contrato tenha por objeto, a existência de negociações paralelas em alguns casos (…) ou as circunstâncias susceptíveis de obstar à conclusão do contrato” ; - a “obrigação de sigilo relativa a todos os factos conhecidos no quadro da relação pré-contratual e por causa dela” ; - a “obrigação de lealdade, da qual decorre a necessidade de respeitar a contraparte, não usando coação, nem se aproveitando da debilidade dela, e na qual repousa a exigência de não romper arbitrária e inesperadamente as negociações, em particular quando estas atingiram um estádio avançado” (sublinhado nosso). Acrescenta que, para além do ilícito, traduzido no não cumprimento de uma obrigação pré-contratual, exige o legal normativo “culpa, danos e nexo de causalidade entre o ato (ou omissão ilícita e culposa) e os prejuízos”, sendo que os danos indemnizáveis, na maioria da doutrina e jurisprudência, reconduzem-se aos “negativos ou os correspondentes ao interesse contratual negativo”, enunciando as posições distintas e aduzindo que qualquer delas “admite que são indemnizáveis os danos emergentes e os lucros cessantes”. Relativamente ao regime da responsabilidade em equação – delitual, obrigacional ou um tertium genus -, considera ser de aplicar o regime da responsabilidade obrigacional, “quer por razões dogmáticas – da boa fé pré-contratual emergem verdadeiras obrigações em sentido técnico-jurídico – quer por razões teleológicas – o instituto tem uma função protetora da parte mais fraca no contrato, presente na enorme maioria dos casos em que o contrato tem lugar nas sociedades em que vivemos, sendo o regime mais adequado a proporcionar essa proteção o da responsabilidade obrigacional”. Vejamos, ainda, como o presente instituto tem sido aplicado em termos jurisprudenciais, nomeadamente no que concerne aos seus pressupostos e requisitos (bem como as referências doutrinárias exaradas), apreciando, cronologicamente, a douta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (todos os arestos em www.dgsi.pt): - no Acórdão datado de 18/12/2012 – Relator: António Joaquim Piçarra, Processo nº. 1610/07.0TMSNT.L1.S1 -, citando-se vária doutrina aí identificada, mencionou-se que “muitos contratos formam-se rapidamente «pelo mero encontro de uma oferta e de uma aceitação», ou seja, quase instantaneamente pelas «coincidentes manifestações de vontade das partes que as emitem sem intervalo apreciável e, até, sem diálogo ou com diálogo reduzido ao mínimo». Contudo, decorre da experiência quotidiana que nem sempre a realização dos contratos obedece a este modelo ou esquema tão simples e imediato, sendo até frequente que a sua formação se processe de forma lenta e progressiva em que a sua génese começa pelos primeiros contactos das partes, tendo como objectivo a realização de um negócio, e se prolonga, por vezes com negociações complexas e duradouras, até ao momento da sua efectiva celebração”. Acrescenta-se que em tal processo, de formação lenta e progressiva, “cabem «vários e sucessivos trâmites, tais como entrevistas e outras formas de diálogo, estudos individuais ou em conjunto, experiências, consultas de técnicos….incitamentos recíprocos a propostas contratuais e, por último, a oferta e a aceitação definitivas». A tal respeito, diz-nos Inocêncio Galvão Telles que «as partes aproximam-se, sondam-se, realizam conversações múltiplas, fazem ou encomendam estudos, chegam a entendimentos sobre aspectos determinados……celebrando por fim o contrato em vista», que, saliente-se, em caso algum fica concluído sem que as partes tenham acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo (art.º 232º do Cód. Civil)”. Desta forma, “enquanto as partes se mantêm em negociações com vista à concretização do contrato, estabelecem entre si um relacionamento muito particular em que avulta a revelação das suas necessidades e conveniências, das suas apetências negociais e dos objectivos que as movem. A esse propósito, assinala Pedro Pais de Vasconcelos que as partes em negociações «incorrem em despesas, assumem riscos, colocam-se muitas vezes em posições de fragilidade e expõem-se a perigos», estabelecendo entre si «relações de confiança» que podem ser mais ou menos intensas. Nesse iter negotii caracterizado por envolver duas fases distintas, a negociatória «constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato, desde os primeiros contactos estabelecidos entre as partes até à conclusão do acordo por fusão da proposta e da aceitação, se as negociações não tiverem sido abandonadas, e a decisória, constituída pela conclusão do acordo, resultante da emissão de duas declarações vinculativas, simultâneas ou sucessivas, a proposta e a aceitação». Em ambas as fases, ou seja, durante todo o percurso do caminho contratual devem, pois, as partes proceder segundo as regras da boa fé, conforme prescreve o art.º 227º do Cód. Civil, de tal modo que, se alguma delas assim não agir, responderá pelos danos que culposamente causar à outra”. Decorre, assim, que a razão de ser deste preceito “está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé (fides servare), na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato. Escreve, a este propósito, João Baptista Machado que «quem participa numa interacção negocial em que os parceiros se expõem a riscos ao porem em jogo interesses económicos e planos de vida, adopta uma conduta (ou assume um papel) particularmente responsabilizante, acompanhada da consciência da responsabilidade pela expectativa formada no plano da comunicação interpessoal e pelo risco de dano a que essa expectativa pode induzir. Por isso mesmo, para viabilizar o tráfico negocial, exige-se esse tipo de responsabilização por essa conduta comunicativa e pelas expectativas por esta geradas». Essa ordem normativa de protecção da confiança, concebida e assente «basicamente em critérios de razoabilidade e de boa fé, faz moldura funcional à actividade e à relação negocial», envolvendo «desde logo em tecido normativo a conduta comunicativa das partes na fase de formação do negócio»”. Relativamente a este ponto, “José de Oliveira Ascensão ensina, bem assertivamente, que «a fase que precede a formação de um contrato não é um vazio jurídico. Mesmo fora do que representa propriamente o processo formativo do contrato – que desemboca no acordo – há já disciplina jurídica. E isto ainda quando as partes não tenham celebrado nenhum contrato preliminar nem estejam doutro modo sujeitas a um dever de contratar». Na verdade, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa fé objectiva e ética, traduzida «no dever de actuação honesta, leal e transparente, como pessoas de bem – honestae agere – e procurar evitar causar danos ao seu parceiro negocial – alterum non laedere». É que a liberdade de negociação de que gozam as partes não implica, de forma alguma, que a fase negociatória ou do pré-contrato seja abandonada ou entregue «à malícia dos negociadores», muito embora não seja possível, como refere Mariana Fontes da Costa - Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção, 2011, pág. 56 -, «fixar em abstracto o momento temporal» em que nascem esses deveres pré-contratuais, «essa aferição tem necessariamente de ser casuística, tendo por base um método indiciário, que no caso da responsabilidade por ruptura injustificada de negociações assenta, nomeadamente, na duração do período negocial, no grau de desenvolvimento das negociações, na existência de relações contratuais anteriores entre as partes, na natureza profissional de um ou ambos os contraentes, no tipo de contrato em causa»”. Acresce, ainda, que tal dever geral de boa fé na formação dos contratos “desdobra-se, por seu turno, em vários deveres de actuação, tais como o dever de informação, o dever de segredo, os deveres de protecção e conservação, entre eles se destacando o dever de clareza, o dever de lealdade e probidade, que impõem a qualquer das partes que não ocultem uma à outra as suas respectivas intenções negociais nem os elementos no seu entender susceptíveis de conduzirem à decisão de contratar ou não, esclarecendo a contraparte do que efectivamente pretendem no tocante à celebração do contrato e não faltando aos compromissos que no decurso das negociações vão assumindo, de forma tácita ou expressa. A ilicitude nessa fase resultará, assim, da violação das regras da boa fé subjacentes aos deveres de protecção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de actuações susceptíveis de causar danos à outra parte) aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a ruptura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio). Com efeito, a relação (jurídica) pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade, probidade, correcção e boa fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que negoceiam será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a aludida ruptura, que é livre, mas não pode ser arbitrária - Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, pág. 7. Por fim, enuncia como pressupostos da obrigação de reparação os seguintes: “- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato; - o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações; - a produção de um dano no património de uma das partes; e - a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada” (sublinhado nosso) ; - no aresto de 11/07/2013 – Relator: Gregório Silva Jesus, Processo nº. 5523/05.2TVLSB.L1.S1 – referenciou-se que “o facto de as partes estabelecerem contactos com vista a determinado negócio, obriga-as a comportarem-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética. A ilicitude nessa fase resultará, pois, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de protecção, aos deveres de informação, e aos deveres de lealdade”. Assim, aquele que inicia e prossegue negociações, “criando na outra parte expectativas de negócio, mas formando no decurso dessas negociações o propósito de as romper ou de não fechar o contrato, de forma arbitrária e culposa, defraudando a confiança que a outra parte tenha formado na celebração deste, deve indemnizar os prejuízos que causa”. No que concerne à indemnização, apelando ao teor do artº. 562º, do Cód. Civil, referencia importar ter em atenção a distinção, “aceite na generalidade dos sistemas jurídicos, entre interesse contratual negativo e interesse contratual positivo. O “interesse” a que se referem estes qualitativos é a situação hipotética em que estaria o lesado sem o evento lesivo, o evento que obriga à reparação. Assim, o prejuízo para o credor correspondente ao interesse contratual positivo é “aquele que resultaria para o credor do cumprimento curial do contrato”. Trata-se do “interesse no cumprimento”, a que corresponde o dano que surgiu por causa do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso, destinando-se a indemnização por este dano positivo a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido cumprido. A este interesse positivo contrapõe-se o “interesse contratual negativo” ou “interesse na confiança”, a que corresponde o dano sofrido por o lesado ter confiado na validade da declaração, ou no poder de representação, ou o dano sofrido com a celebração do contrato. A indemnização pelo dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se, por não haver confiado, não houvesse iniciado as negociações com vista à conclusão do contrato, ou se o contrato não tivesse sido celebrado, “sendo-lhe ressarcidas, por um lado, as despesas tornadas inúteis, causadas por tal confiança ou celebração, bem como os lucros que perdeu por, devido à confiança na declaração ou no poder de representação, ou devido à celebração do contrato, ter “desviado” os seus recursos e a sua actividade de outras aplicações, designadamente, concluindo outros negócios”. A jurisprudência, maioritariamente, considera, como regra, que o dano indemnizável é apenas o do interesse contratual negativo, ou dano de confiança (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Tribunal de 21/12/05, Proc. nº 05B2354, de 4/05/06, Proc. nº 06A222, e de 31/03/11, Proc. nº 3682/05.3TVSLB.L1.S1, no ITIJ), mas o entendimento de que em casos concretos, nomeadamente se a culpa in contrahendo estiver na violação do dever de conclusão de um contrato, a indemnização deve contemplar também o interesse contratual positivo tem merecido o aplauso de alguma doutrina e jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, (cfr. os Acs. de 28/04/09, Proc. nº 09A0457, bem como a doutrina e demais jurisprudência nele mencionadas, e de 16/12/10, Proc. nº 1212/06.9TBCHV.P1.S1, no ITIJ)” (sublinhado nosso) ; - sumariou-se no Acórdão datado de 06/12/2018 – Relator: Ilídio Sacarrão Martins, Processo nº. 3407/15.5T8BRG-G1.S2 - que “a boa-fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir e tem, no caso do art. 227.º do CC, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir. II - O n.º 1 do artigo 227° do CC refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa-fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisóría) do contrato. III - A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa-fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má-fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda. IV - Só existe responsabilidade pré-contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa. V - Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente. VI - Os danos ressarcíveis por culpa in contrahendo demonstram que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo (dano de confiança), em vez de conexionar-se com o interesse positivo (dano de cumprimento)” (sublinhado nosso). Acrescenta-se, em citação do douto aresto do mesmo Tribunal de 31/02/2011, que a razão de ser do artº. 227º, do Cód. Civil, “está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé. Esta obrigação de actuação de boa-fé tanto nos preliminares como na formação do contrato, inculca, sem margem para dúvidas, que a responsabilidade pré-contratual abrange a fase negociatória que decorre desde o início dos contactos e das negociações até à obtenção de acordo sobre todas as condições e termos tidos como relevantes (incluindo, portanto, a aceitação da proposta contratual) e a fase da perfeição e execução do acordo conseguido que inclui a formalização (se não bastar o mero consenso das partes) e cumprimento do contrato. Isto porque o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato. Com efeito, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética. A ilicitude nessa fase resultará, pois, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de protecção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de actuações susceptíveis de causar danos à outra parte) aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a ruptura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio). Na verdade, a relação – que podemos designar como jurídica – pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade e boa-fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que se negoceia será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a dita ruptura. Os pressupostos de facto desta obrigação de reparação (responsabilidade) são, portanto: - a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato; - o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações; - a produção de um dano no património de uma das partes; - a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada” (sublinhado nosso) ; - no aresto de 07/11/2019 – Relatora: Maria da Graça Trigo, Processo nº. 153/13.8TCGMR.P1.S1 -, consignou-se ser do conhecimento comum que o “instituto da culpa in contrahendo reveste-se de bem maior complexidade dogmática. A genialidade de Ihering (cfr. “Culpa in contrahendo oder Shadenersatz bei nichtigen oder nicht zur Perfektion gelangten Vertragen”, Jahrbucher fur Dogmatik des heutigen romischen und deutschen Privatrechts, Vol. IV, 1861, págs. 1 e segs., texto traduzido para português com o título ‘Culpa in contrahendo’ ou indemnização em contratos nulos ou não chegados à perfeição, Almedina, Coimbra, 2008) resulta da “descoberta” de que, na fase que antecede a celebração de um contrato e o momento da produção dos inerentes efeitos obrigacionais, se encontram as partes adstritas a respeitar deveres acessórios (ou laterais) de conduta impostos pela boa fé”. Acrescenta-se, citando-se obra da Ilustre Relatora, que “II. A atenção prestada à fase anterior à celebração do contrato permitiu identificar deveres acessórios de conduta a respeitar, bem como tipos de situações a incluir na responsabilidade pré-contratual. Entre as múltiplas enumerações de deveres propostos pela doutrina e pela jurisprudência, estrangeiras e nacionais, saliente-se aquela que distingue entre deveres de segurança, deveres de lealdade e deveres de informação. Quanto às tipologias de responsabilidade, identificam-se essencialmente três: a responsabilidade pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz que, por esse motivo, causa danos a uma das partes; a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes; e ainda a modalidade, entre nós algo tardiamente reconhecida, da responsabilidade por rutura das negociações (…)” (Maria da Graça Trigo, anotação ao artigo 227º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 512). E ainda: “IV. Para a orientação maioritária, a boa fé concretiza-se em deveres pré-contratuais, revelando-se vantajoso, tanto no plano dogmático, como no plano operacional, discriminá-los em função das três tipologias de responsabilidade enunciadas em II. Na responsabilidade pela rutura de negociações, o lesado confiou justificadamente na prossecução das mesmas e o responsável violou deveres pré-contratuais de lealdade sendo obrigado a indemnizar. Não falta quem alargue este tipo de responsabilidade ao ponto de, em certas hipóteses, defender que o dever de lealdade obriga à celebração do contrato. O princípio da liberdade contratual conheceria os seus limites quando a boa fé exigisse a formalização de consensos negociais já existentes (ver Acs. STJ 11.01.2007 e 28.04.2009).” (ibidem, pág. 513)”. Adrede, referencia-se, ainda, que “estando em causa, na responsabilidade pré-contratual, o desrespeito por deveres acessórios e não por deveres de prestação (principais ou secundários), a natureza da mesma não é inteiramente líquida”. Donde, continuando a citação da mesma obra, acrescenta-se o seguinte: “VII. Suscita-se a questão da natureza da responsabilidade pré-contratual. Tradicionalmente, a doutrina qualifica-a como responsabilidade obrigacional ou como responsabilidade delitual. Autores há que a consideram exemplo de uma terceira via de responsabilidade, orientação que permite aplicar o regime de uma ou outra daquelas categorias de responsabilidade civil, em função do problema em causa. Convocar-se-ia o regime da presunção de culpa do art. 799º, nº 1, assim como, quanto à responsabilidade por actos de auxiliares, o disposto no art. 800º, nº 1. Diversamente, para além da sujeição ao regime de prescrição do art. 498º, por expressa remissão do nº 2 do preceito, tornam-se ainda aplicáveis a possibilidade de redução da indemnização em caso de mera culpa, prevista no art. 494º, e o regime de solidariedade do art. 497º.” (ibidem, págs. 507-508). Aplicando os dados dogmáticos recolhidos ao caso dos autos, trata-se afinal de apreciar o eventual desrespeito por deveres pré-contratuais de lealdade. Sendo que, a existir, tal desrespeito gera responsabilidade pré-contratual, podendo discutir-se a sua qualificação como responsabilidade contratual ou como responsabilidade extracontratual; e admitindo-se, em alternativa, a configuração como uma situação da denominada “terceira via” da responsabilidade civil”. Por fim, no que se reporta ao âmbito da ressarcibilidade fundada em tal modalidade de responsabilidade pré-contratual, aduz-se, ainda em citação da obra da Exma. Relatora, que “VIII. Uma das questões mais controvertidas acerca do regime jurídico da responsabilidade pré-contratual consiste na determinação da forma de cálculo da obrigação de indemnização, designadamente no que se reporta à opção entre o ressarcimento do interesse contratual negativo do lesado ou do seu interesse contratual positivo. A posição maioritária da doutrina e da jurisprudência tem sido no sentido da defesa da indemnização pelo interesse contratual negativo, abrangendo, não apenas danos emergentes, tais como, por exemplo, despesas tidas com as negociações, como também lucros cessantes, tais como a perda de oportunidades de negócio. Posição diversa é a dos que analisam os diferentes tipos e subtipos de responsabilidade pré-contratual e, em função dos deveres violados, concluem pela ressarcibilidade do interesse contratual positivo, ao menos na modalidade de contratos válidos e eficazes (cfr. o Ac. STJ 23.03.2012) ou na modalidade da rutura de negociações para quem defenda que esta se estende mesmo a casos em que existe uma obrigação de contratar” (cit. pág. 514). Quer isto dizer que, na presente acção, a A. poderia ter alegado e provado que a ruptura injustificada das negociações lhe causara lucros cessantes por perda de oportunidade de realização de (outros) negócios, exigindo uma indemnização que a colocasse na situação em que estaria se tais negociações não tivessem tido lugar (o denominado interesse contratual negativo ou dano de confiança)” (sublinhado nosso). Todavia, tendo antes a Autora invocado “a perda dos lucros que teria auferido com a celebração e cumprimento do contrato de fornecimento, exigindo uma indemnização que a colocasse na situação em que estaria se tal cumprimento tivesse ocorrido. Ora, tal pedido indemnizatório não é compatível com o fundamento da acção, a ruptura injustificada das negociações contratuais; a não ser que (e mesmo assim apenas para alguns - ver, por todos, Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 1321 e segs., especialmente págs. 1342 a 1349) tivesse sido invocado – e não o foi – a existência, no caso dos autos, de um verdadeiro dever de contratar, e respectiva violação pelas RR”. Pelo que, conclui-se, “numa acção como a presente, fundada em responsabilidade por violação de deveres pré-contratuais, não pode senão concluir-se pela inviabilidade da ressarcibilidade dos lucros cessantes peticionados, aqueles lucros que a A. teria obtido se o contrato tivesse sido cumprido pela contraparte e que correspondem afinal, em princípio, a uma acção de responsabilidade contratual” ; - no aresto de 09/02/2021 – Relator: Fernando Samões, Processo nº. 720/19.6T8VFR.P1.S1 -, após análise do instituto da responsabilidade pré-contratual, defendeu-se que “a ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa-fé. Isto porque a liberdade de decidir pela não conclusão do contrato constitui a regra geral, salvo casos de vinculação legal ou obrigacional, que aqui não ocorrem. Para que a ruptura possa ser considerada um acto ilícito, exige-se a demonstração de que a parte que interrompeu a negociação e se desinteressou do contrato o fez “de modo reprovável e com violação da boa fé”. A ruptura só poderá ser qualificada como ilícita “se for feita com má fé, com violação de deveres de honestidade e de seriedade, com desconsideração dos padrões de relacionamento sério na contratação” – citando-se Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª edição, 2019, Almedina, pág. 496. Donde, acrescenta-se poder afirmar-se que “as partes em negociação mantêm sempre a liberdade de não celebrar o contrato: a liberdade contratual negativa. Se todavia a sua atuação, ao romperem as negociações, for contrária à boa fé e culposa, terá a parte que se desinteressou da conclusão do contrato de indemnizar a outra pelo interesse contratual negativo, dano emergente do desaproveitamento das despesas inutilizadas pela frustração das negociações”. E, conclui-se, sumariando, que “a responsabilidade pela ruptura de negociações é uma modalidade da responsabilidade por culpa in contrahendo, fundada na violação do dever de lealdade e pressupõe a demonstração de todos os pressupostos tradicionais da responsabilidade civil – facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. II. A ilicitude corresponde ao desrespeito pelas regras da “boa fé”, entendida em sentido objectivo como norma de conduta, tendo como eixo de aferição a tutela da confiança, o que implica a verificação dos seguintes requisitos: um facto indutor de confiança por parte de um dos contraentes, a efectiva criação de confiança no outro contraente, o investimento de confiança por parte de quem confia e a imputação da frustração da confiança a quem a induziu. III. A referida objectividade afere-se em função do que seria razoável esperar de um sujeito sensato e prudente colocado na posição de quem confiou, mas tendo também em conta todas as circunstâncias reais e relevantes, comuns a ambas as partes” ; - o Acórdão de 08/06/2021 – Relator: Pedro de Lima Gonçalves, Processo nº. 1541/11.0TVLSB.L3.S1 -, após analisar a responsabilidade pré-contratual, na modalidade da responsabilidade pela ruptura das negociações, e salvaguardar que qualquer pré-negociação deve pautar-se pelo comportamento das partes que obedeça aos deveres de informação, segurança e lealdade, aduz, citando Galvão Telles - Manual dos Contratos em Geral, 2002, página 205, citado no Acórdão do STJ, de 10-09-2019 (Revista n.º 462/15.1T8VFR.P1.S2) -, que “inexiste uma obrigação de contratar, pois durante as negociações de um contrato a até à fase de contratualização, qualquer das partes pode, livremente, colocar termo às negociações”. Acrescenta que no “Acórdão do STJ, de 06-12-2018, (Revista n.º 3407/15.5T8BRG.G1.S2), escreveu-se o seguinte, para o que ora releva, “A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa-fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má-fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda. Diferente é a situação quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa. (sublinhado original). Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente. Também Menezes Cordeiro, depois de salientar que nas negociações se têm, para com a outra parte, deveres de protecção, de informação e de lealdade e de distinguir nesta última categoria os devedores de sigilo, de cuidado e de actuação consequente, atribui a este último o seguinte conteúdo: “ ... não se deve, de modo injustificado e arbitrário, interromper uma negociação em curso, salvo, como é natural, a hipótese de a contraparte, por forma expressa ou por comportamento concludente, ter sido avisada da natureza precária dos preliminares a decorrer.”. Por fim, no que respeita à amplitude e natureza da responsabilidade, referencia que “encontrando-nos no âmbito de uma responsabilidade contratual e não tendo as Rés logrado provar que o dano sofrido pela Autora, adveio da sua provada conduta, em virtude da presunção estabelecida no artigo 799.º do Código Civil, mostram-se verificados os pressupostos deste tipo de responsabilidade. Relativamente à fórmula de cálculo da obrigação de indemnização é maioritária a jurisprudência deste STJ que apenas está contemplado o interesse contratual negativo, isto é, os danos emergentes, tais como, por exemplo, despesas tidas com as negociações, bem como a perda de oportunidades de negócio. Na verdade, a indemnização pelo dano negativo permite repor o lesado na situação em que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato” (sublinhado nosso) ; - referenciemos, finalmente, o Acórdão de 18/06/2024 – Relator: Manuel Aguiar Pereira, Processo nº. 381/21.2T8PVZ.P1-S1 -, no qual se consigna que as regras de boa fé a que o artº. 227º, do Cód. Civil manda atender “não impõem, porém, a qualquer das partes em negociação a obrigação de concluir o contrato já que, apesar das negociações em curso, as partes mantém a possibilidade de contratar ou não contratar, como melhor lhes aprouver – essa é uma das facetas do princípio da liberdade contratual a que alude o artigo 405.º n.º 1 do Código Civil”. Acrescenta-se que a “tutela da confiança gerada em qualquer das partes pelo facto de se encontrarem em negociações com vista á conclusão de um contrato significa apenas, tal como se extrai do artigo 227.º do Código Civil, que essa circunstância as obriga a assumir nesse processo negocial uma conduta pautada pela boa fé”, pelo que a violação das regras desta, nas negociações preliminares à celebração de um contrato, assume especial relevância no que se reporta “à inobservância dos conexos deveres de prestar as informações verdadeiras e essenciais à decisão de contratar e de lealdade, prevenindo tomadas de posição contrárias a anteriores posições que foram, objectiva e adequadamente, geradoras de confiança da parte contrária na celebração do negócio ou dos seus termos, só sendo ilícita “se for feita com má-fé, com violação dos deveres de honestidade e seriedade, com desconsideração dos padrões de relacionamento sério na contratação””- citando Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª edição, 2019, Almedina, pág. 496. Assim, em conclusão, sumariou-se que a “observância das regras da boa fé no decurso das negociações tendo em vista a celebração de um contrato, a que alude o artigo 227.º n.º 1 do Código Civil, impõe que, nos preliminares como na formação do contrato, as partes pautem a respectiva conduta de forma a não criar na parte contrária a confiança na celebração do contrato que não tenham intenção de celebrar; II) Tendo sido criada na contraparte essa confiança na celebração do contrato, a ruptura ou o abandono das negociações e a recusa de celebração do contrato só é ilícita se for injustificada e com desrespeito pelos parâmetros éticos a que a parte está vinculada, nomeadamente com violação dos deveres de honestidade e seriedade ou desconsideração dos padrões aceites de um relacionamento sério na contratação; III) Provando-se que uma das partes apresentou um plano de gestão da sua actividade de distribuição comercial de produtos da outra, o qual foi objecto de revisão a solicitação desta última, mas relativamente aos quais não foi dada qualquer aprovação, e que cerca de quatro meses decorridos esta comunicou à primeira não ser sua intenção celebrar com ela o contrato visado, não se mostra preenchida a sua responsabilidade civil com base no artigo 227.º n.º 1 do Código Civil pelos prejuízos que para a primeira possam ter resultado da quebra das negociações comerciais com vista a celebrar o contrato de distribuição; IV) Nessas circunstâncias, não se tendo demonstrado qualquer conduta violadora das regras da boa-fé por parte de quem se recusou a celebrar o contrato, o seu comportamento no âmbito das negociações em curso não é objectivamente adequado a criar na contraparte a confiança na celebração do contrato que ela tem interesse em concluir, não havendo lugar à peticionada indemnização” (sublinhado nosso). Cotejado o entendimento doutrinário e jurisprudencial, enunciemos os princípios ou directrizes a observar na aplicabilidade do presente instituto da responsabilidade in contrahendo: - estabelecendo-se no trato preparatório (pré)contratual uma relação de confiança entre as partes, análoga à contratual, a lei impõe aos contratantes o dever de se comportarem, durante a fase preliminar contratual, com recíproca lealdade e correcção, em plena observância das regas da boa fé (ética) ; - assim se tutelando a confiança e a expectativa criada entre as partes na fase pré-contratual, pois, o mero acto de entrarem em negociações tem respaldo na mútua confiança criada na contraparte, de forma a merecer a tutela do direito ; - no decurso de tal fase, normalmente lenta e de progressiva formação, desenrolam-se vários trâmites, que se traduzem, entre o mais, na formulação de propostas e contrapropostas, de eventual necessidade de consulta de técnicos e estudos da área específica, múltiplas reuniões, avanços e recuos – fase negociatória -, que culminam normalmente em proposta e aceitação definitivas – fase decisória -, pelo que não pode aludir-se a uma situação de epílogo contratual sem que as partes tenham acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo ; - por princípio, no âmbito das negociações preliminares de um contrato, as partes podem desistir livremente do mesmo, enquanto não for concluído, assim exercendo o princípio da liberdade contratual inscrito no artº. 405º, do Cód. Civil ; - todavia, tais negociações com vista a obter um acordo negocial, determinam para os contratantes, por si só, a sujeição aos enunciados deveres, pelo que, caso a parte desistente do contrato infrinja, com tal atitude, a boa fé objectiva exigível, incorre na culpa in contrahendo ; - a responsabilidade do desistente faltoso fá-lo-á incorrer, em rega, em indemnizar a contraparte pelo interesse negativo ou de confiança – colocando-a na situação em que se encontraria se o negócio não se tivesse efectuado (ou se não tivessem ocorrido as suas fases preliminar ou formativa) -, podendo, de forma excepcional, a sua responsabilidade abranger o interesse positivo ou de cumprimento, nomeadamente nas situações de violação do dever de conclusão do negócio ; - admitindo-se, em ambas as situações, a indemnizibilidade quer dos danos emergentes, quer dos lucros cessantes, sendo que estes, no âmbito do interesse contratual negativo reportam-se, normalmente, à perda de oportunidades de negócio ; - na fase antecedente à outorga de um contrato e início da produção dos respectivos efeitos obrigacionais, as partes estão sujeitas a observar deveres acessórios ou laterais de conduta, impostos pelo dever geral de boa fé que as vincula ; - entre as obrigações pré-contratuais a que as partes contratantes estão vinculadas podemos enunciar a obrigação de informação, a obrigação de protecção e a obrigação de lealdade (no âmbito da qual são ainda distinguíveis os deveres de sigilo, de cuidado e de actuação consequente), definindo-se esta como a obrigação de respeitar a contraparte contratante, sem coação ou aproveitamento da sua debilidade, e da qual decorre o dever de não romper, de forma injustificada, inesperada e arbitrária, as negociações, especialmente quando estas atingiram um estádio avançado de maturidade e a contraparte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio ; - com efeito, se no decurso das negociações uma das partes, com o comportamento adoptado, incute na demais confiança razoável de que o contrato em negociação será concluído e, posteriormente, sem justificado motivo, interrompe as negociações e nega-se à sua conclusão, fica onerada a reparar os danos causados à outra parte contratante por tal ruptura, pois, sendo livre a possibilidade de não concluir o contrato, não é a mesma arbitrária ; - tal confiança na conclusão do contrato incutida à outra parte deve fundar-se em dados concretos e inequívocos, tendo por base critérios de senso comum ou de prática corrente ; - configurando-se, deste modo, como efectivos requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnização: - A criação daquela razoável confiança na conclusão do contrato em negociação ; - A natureza injustificada ou arbitrária da ruptura das negociações ou conversações ; - A ocorrência de um dano (prejuízos) no património da parte não desistente ; - A relação causal entre estes prejuízos e a confiança suscitada ; - assim, na presente forma de responsabilidade o ilícito traduz-se no efectivo não cumprimento culposo de uma obrigação pré-contratual, ao qual se tem que aditar, para o preenchimento do normativo legal responsabilizante, a culpa (eventualmente presumida), o dano e o nexo causal entre o acto (ou a omissão) e o dano ou prejuízos ; - porém, para que a ruptura se configure como acto ilícito, é mister demonstrar-se que a parte que interrompeu a negociação agiu de forma reprovável e violadora da boa fé, ou seja, a ruptura só deve ser considerada acto ilícito se existiu má fé da parte que não quis consumar o contrato, agindo fora dos quadros da seriedade e honestidade, em desconsideração de um relacionamento sério e isento na contratação ; - na situação de responsabilidade pré-contratual pela injustificada ruptura das negociações, a temporal sujeição aos deveres pré-contratuais é de casuística determinação, dependendo, nomeadamente, da duração do período negocial, da fase atingida no desenvolvimento das negociações, na eventual existência de antecedente relacionamento contratual entre as partes, da tipologia contratual em equação e da eventual natureza profissional de um ou de ambos os contratantes ; - discutindo-se, quanto à qualificação da natureza de tal responsabilidade pré-contratual, se estamos perante responsabilidade contratual ou, antes, perante responsabilidade extracontratual, admitindo ainda alguns autores, em alternativa, estarmos perante uma denominada terceira via da responsabilidade civil. Fixadas as directrizes, é tempo de voltarmos à apreciação da questão nuclear já enunciada. Conforme referenciado, o saneador sentença sob apelo partiu do teor da factualidade alegada pelos Autores demandantes, equacionando-a como putativamente provada. E, assim a considerando, entendeu-a como não suficiente ou bastante para o preenchimento dos pressupostos factuais conducentes à imputada responsabilidade civil pré-contratual. De forma mais precisa, considerou a decisão recorrida que, mesmo que os Autores (ora Apelantes) lograssem efectuar plena prova da factualidade alegada (impugnada, para além da assente por falta de contestação) nunca esta se revelaria bastante para o preenchimento dos pressupostos factuais enformadores da imputada responsabilidade civil. E, adrede, no que aos danos reclamados concerne, entendeu, ainda, que sempre inexistiria qualquer relação de adequada causalidade entre estes e o rompimento das negociações. Assim, urge, num primeiro momento, apreciar tal factualidade, articulando-a com os enunciados pressupostos, de forma a aferir-se acerca da (im)pertinência do decidido. A factualidade consideranda traduz-se no seguinte: a) Os Autores colocaram o imóvel (fracção autónoma destinada à habitação) à venda em Fevereiro de 2020, pelo valor de 280.000,00 € - artº. 10º da p.i. ; b) Mais de dois anos depois, em 03/05/2022, o Autor foi contactado por terceira pessoa (M...............F.............), por telefone e posteriormente por e-mail, a pedido da 1ª Ré (sua sobrinha), com vista a obter informações sobre tal fracção - artº. 11º da p.i. ; c) Nesse mesmo dia, por e-mail, o Autor respondeu a tal pessoa, enviando-lhe informação sobre tal fracção - artº. 12º da p.i. ; d) Respondendo esta que iria encaminhar toda a informação para a sua sobrinha (1ª Ré) - artº. 13º da p.i. ; e) No dia 04/05/2022, a identificada tia da 1ª Ré informou o Autor que a sobrinha (1ª Ré) tinha ficado muito interessada em comprar a fracção, e que, residindo em França, pretendia vir a Lisboa, exclusivamente, para a visitar - artº. 14º da p.i. ; f) Solicitando que a visita fosse realizada logo no dia 07/05/2022, chegando na manhã desse dia e pretendendo regressar a França na tarde do mesmo dia - artº. 15º da p.i. ; g) No mesmo dia 04/05/2022, o Autor informou a identificada tia da 1ª Ré que, apesar de não estar em Portugal nesse dia 07/05/2022, a visita poderia ser realizada, pois uma outra pessoa (T...............), trabalhadora numa loja existente no prédio da fracção, possuía a chave e podia mostrar o apartamento - artº. 16º da p.i. ; h) Tal visita à fracção por parte da 1ª Ré ocorreu no dia 07/05/2022, pelas 11.00 horas - artº. 17º da p.i. ; i) No dia 08/05/2022, pelas 09.00 horas, a 1ª Ré telefonou ao Autor, mencionando que tinha efectuado a visita à fracção no dia antecedente e que pretendia efectuar uma proposta de compra da mesma, para si e para a sua mãe (ora 2ª Ré), pelo valor de 240.000,00 € ; j) Que o preço seria liquidado a pronto pagamento e que a escritura seria efectuada num prazo curto, sempre inferior a 30 dias - artº. 18º da p.i. ; k) O Autor respondeu-lhe que estava disposto a reduzir o preço de 280.000,00 € para 270.000,00 €, em virtude do negócio realizar-se sem intervenção de agência de mediação, e a pronto pagamento - artº. 19º da p.i. ; l) Tendo a 1ª Ré respondido que precisava de falar com a 2ª Ré, sua mãe, e que voltaria a falar mais tarde - artº. 21º da p.i. ; m) Tendo-lhe o Autor ainda referido que precisava de uma resposta ainda nesse mesmo dia de domingo, ou o mais tardar logo na manhã de segunda-feira ; n) Em virtude de ter uma proposta de uma pessoa interessada, a quem precisava de responder nesse período - artº. 22º da p.i. ; o) Ainda no mesmo dia 08/05/2022, pelas 10.00 horas, a 1ª Ré voltou a telefonar ao Autor, comunicando-lhe que ela e a mãe (2ª Ré), aceitavam adquirir a fracção pelo proposto preço de 270.000,00 € - artº. 23º da p.i. ; p) Tendo-a o Autor esclarecido que, assim sendo, iria recusar a outra proposta de compra que tinha, no valor de 280.000,00 €, mas que não era a pronto pagamento e tinha a intervenção da mediadora imobiliária, pelo que os Autores apenas receberiam 270.000,00 € - artº. 24º da p.i. ; q) Bem como que necessitava de um sinal de 10% do valor da compra e venda, ou seja, no montante de 27.000,00 € - artº. 25º da p.i. ; r) Tendo a 1ª Ré, em nome de ambas as Rés, aceite pagar aquele sinal - artº. 26º da p.i. ; s) Ainda no mesmo dia 08/05/2022, pelas 10.24 horas, a 1ª Ré enviou um SMS ao Autor com cópias dos cartões de cidadão das Rés, indicação das respectivas residências e fotografias completas (frente e verso) da sua Carte Nationale d’Identité e Cartão de Cidadão da 2ª Ré, de forma a ser elaborado o contrato promessa de compra e venda do apartamento - artºs. 27º e 28º da p.i. ; t) Igualmente no mesmo dia 08/05/2022, pelas 13.40 horas, o Autor enviou à 1ª Ré comprovativo do seu IBAN, comunicando-lhe que na segunda-feira, dia 09/05/2022, à noite, enviar-lhe-ia minuta do contrato-promessa de compra e venda, solicitando, ainda, à 1ª Ré o envio do e-mail - artº. 29º da p.i. ; u) Ainda no dia 08/05/2022, pelas 17.11 horas, a 1ª Ré enviou SMS ao Autor fornecendo-lhe o seu e-mail, referenciando ficar à espera antes de fazer transferência do valor do sinal, indagando se este era de 10% no valor de 27.000,00 €, e que o banco donde proviria tal transferência encontrar-se-ia fechado na segunda-feira, pelo que a transferência seria efectuada na “terça-feira logo de manhã” - artº. 30º da p.i. ; v) Tendo o Autor respondido que o valor do sinal acordado era exactamente de 10% do preço da compra e venda, ou seja, 27.000,00 € - artº. 31º da p.i. ; w) No dia 09/05/2022, pelas 22.57 horas – segunda-feira -, o Autor enviou à 1ª Ré um e-mail, remetendo-lhe a minuta do contrato-promessa de compra e venda nos termos acordados, bem como a documentação legal relativa ao apartamento (caderneta predial, certidão do registo predial, certificado energético e licença de utilização) - artº. 32º da p.i. ; x) Enviando-lhe logo de seguida, pelas 22.58 horas, um SMS, indicando que havia remetido o e-mail e pedindo que acusasse a recepção - artº. 33º da p.i. ; y) No dia imediato – 10/05/2022, pelas 10.00 horas -, o Autor tentou entrar em contacto com a 1ª Ré - artº. 34º da p.i. ; z) Tendo recebido da mesma, logo pelas 10.07 horas, um SMS, no qual acusava a recepção do contrato, pedia desculpa por não ter atendido em virtude de se encontrar em reunião e prometia retornar o telefonema - artº. 35º da p.i. ; aa) Nesse dia 10/05/2022, a 1ª Ré não enviou ao Autor qualquer e-mail ou comunicação escrita ; bb) Tendo o Autor, nesse mesmo dia 10/05/2022, pelas 22.12 horas, enviado SMS à 1ª Ré, no qual referenciava que, contrariamente ao acordado, ainda não tinha recebido por transferência bancária o valor relativo ao sinal, apesar da 1ª Ré se ter comprometido a fazê-lo logo na manhã desse dia, que lhe havia enviado no dia anterior – segunda-feira – o contrato-promessa de compra e venda, e que, “sendo assim, está em incumprimento com as consequências legais”, acrescentando aguardar “as suas notícias durante o dia de amanhã, quarta-feira” - artº. 36º da p.i. ; cc) Posteriormente, os Autores não receberam das Rés qualquer outra comunicação ou explicação para a não formalização e conclusão da compra e venda, nem das mesmas tiveram quaisquer notícias, apesar de várias tentativas telefónicas nesse sentido - artº. 37º da p.i. ; dd) Tendo posteriormente, por intermédio de mandatária, recusado finalizar o negócio acordado, após terem recebido cartas de interpelação, em 07 e 08 de Junho de 2022, remetidas pelos Autores em 23/05/2022, no sentido da outorga do negócio acordado ou, na negativa, “para responderem pelos danos causados pela violação dos respectivos deveres pré-contratuais” - artºs. 38º a 40º da p.i. ; ee) Perante a confirmação da intenção das Rés em adquirir a fracção, os Autores rejeitaram uma outra proposta de aquisição no valor de 280.000,00 €, com a qual, após pagamento da comissão devida à mediadora imobiliária, receberiam o valor de 270.000,00 € - artº. 43º da p.i. ; ff) As Rés nunca apresentaram qualquer objecção ou sugestão de alteração à minuta do contrato-promessa enviada pelo Autor - artº. 62º da p.i.. Na contestação apresentada, as Rés aceitaram, no essencial, a factualidade aduzida nas alíneas b), c), h), i) (com excepção que, à data, tal proposta de aquisição também fosse para a 2ª Ré, sua mãe), k) (apenas na parte em que o Autor aceitou reduzir o preço para o valor de 270.000,00 €), l), m), o), q), r) (com excepção que tal tenha sido em nome de ambas as Rés), s), t), u), v), w), x), y), z), aa), bb), cc) (excepto na parte em que tenham existido várias tentativas telefónicas dos Autores nesse sentido), dd) (com excepção da parte em que já existisse um negócio acordado, carente de finalização) e ff) (com a ressalva que tal apenas não foi feito em virtude do Autor não ter aceite esperar mais tempo para que a 1ª Ré analisasse o contrato com um advogado e os documentos enviados relativos à fracção). Impugnando, com eventual e particular relevância para a questão em litígio, a seguinte factualidade: - Que a proposta para a compra da fracção, efectuada pela 1ª Ré em 08/05/2022, pelas 09.00 horas, também fosse para a 2ª Ré, sua mãe ; - Que o preço seria liquidado a pronto pagamento e que a escritura seria efectuada num prazo curto, sempre inferior a 30 dias ; - Que no mesmo dia 08/05/2022, pelas 09.00 horas, o Autor tenha referenciado que tinha uma proposta de uma pessoa interessada, a quem precisava de responder nesse período, assim justificando que precisava duma resposta nesse mesmo dia, ou o mais tardar na manhã do dia seguinte, relativamente à contraproposta de 270.000,00 € que havia efectuado ; - Que após a aceitação da proposta pelo preço de 270.000,00 €, o Autor tenha afirmado à 1ª Ré, esclarecendo-a, de que assim sendo, iria recusar a outra proposta de compra que tinha, no valor de 280.000,00 €, mas que não era a pronto pagamento e tinha a intervenção da mediadora imobiliária, pelo que os Autores apenas receberiam 270.000,00 € ; - Que perante a confirmação da intenção das Rés em adquirir a fracção, os Autores tenham rejeitado uma outra proposta de aquisição no valor de 280.000,00 €, com a qual, após pagamento da comissão devida à mediadora imobiliária, receberiam o valor de 270.000,00 €. Ainda em sede de contestação, na defesa por impugnação motivada apresentada, as Rés alegaram, com eventual relevância para a apreciação da questão em controvérsia, o seguinte: - Que a 1ª Ré não tinha meios financeiros próprios para adquirir a fracção sem empréstimo – cf., artº. 21º ; - Que a 1ª Ré vive há muitos anos em França, tem dificuldade com a interpretação da língua portuguesa e total inexperiência com a aquisição de imóveis, do que desde logo informou o Autor, dizendo-lhe que não conhecia a lei portuguesa, não sabia quais os documentos necessários para a compra de um apartamento, que nunca tinha assinado um contrato e que nem sabia como era – cf., artº. 22º e 23º ; - Que o Autor pressionou a 1ª Ré no sentido de lhe dar uma resposta quase imediata, não a deixando decidir livremente, pois percebeu a sua insegurança e desconhecimento – cf., artº. 38º ; - Que no dia 10/05/2022, apesar de não ter atendido o telefonema das 10.23 horas, a 1ª Ré telefonou ao Autor por volta das 14.12 horas, tendo tal telefonema durado cerca de 5 minutos, durante os quais pediu ao Autor tempo para analisar os documentos com um advogado “e que se deveria assinar o contrato promessa e «verificar», entenda-se reconhecer as assinaturas antes de transferir o dinheiro, conforme a haviam aconselhado” – cf., artºs. 43º e 44 ; - Que logo nesse momento o Autor ameaçou a 1ª Ré “com o facto de que já estava em incumprimento e que não dava mais tempo” – cf., artº. 45º ; - Que a 1ª Ré, a partir desse momento, contactou um advogado que a aconselhou a não responder a mais nada – cf., artº. 46º ; - Que os documentos enviados pelo Autor à 1ª Ré, referentes à fracção, nomeadamente a certidão predial e da conservatória encontravam-se desactualizadas, “com validade terminada em 2019, com obras de recuperação sem documentação a acompanhar, comprovativa da legalização das mesmas, pois a licença de utilização data de 1960” – cf., artºs. 54º e 57º ; - Que o Autor não recebeu outra proposta para a aquisição da fracção que não a exposta no doc. nº. 12, junto com a p.i., no valor de 235.000,00 €, apresentada no dia 09/05/2022, nomeadamente uma no valor de 280.000,00 €, alegadamente recusada pelo Autor um dia antes – cf., artºs. 76º, 78º e 80º ; - Que a 1ª Ré não apresentou qualquer “sugestão ao contrato, porque o A. não aceitou esperar mais tempo para que ela analisasse o contrato com um advogado e os documentos, ou sequer que lhe dissesse quando teria disponibilidade para celebrar a escritura (…)” – cf., artº. 87º. Exposta a presente panóplia factual, revelam-se os factos aduzidos pelos Autores como suficientes e bastantes, quer os já assentes, quer os objecto de impugnação, ao êxito da sua pretensão acional ? Ou, contrariamente, mesmo logrando toda aquela factualidade efectiva prova, nunca poderá ser suficiente e bastante ao preenchimento dos pressupostos ou requisitos do instituto da responsabilidade pré-contratual ou, eventualmente, noutro instituto determinante de civil responsabilidade ? Ou, ainda, concluindo-se por aquele juízo de suficiência, impõe-se a prossecução dos autos, com a consequente produção de actividade probatória, de forma a apreciar-se a factualidade objecto de impugnação ? Conforme já anotámos, a decisão sob sindicância delimitou a questão sob controvérsia na necessidade de aferir se o acervo factual articulado pelos Autores seria enquadrável na figura ou instituto da culpa in contrahendo, ou seja, na responsabilidade pré-contratual prevista no artº. 227º, do Cód. Civil. Seguidamente, após enunciar os pressupostos ou requisitos daquela responsabilidade – a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato ; o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações ; e a produção de um dano no património de uma das partes -, entendeu que, desde logo na versão dos Autores, estão em causa negociações que duraram apenas 2 dias, desenvolvidas somente através de e-mails e SMS, sem que nunca as partes se tivessem encontrado ou assinado o que quer que fosse. Considerou, assim, que os termos do contrato-promessa não se tinham sequer estabilizado, e nada havia ainda sido assinado, tudo se quedando pelo envio de proposta negocial à 1ª Ré, existindo, ainda, o apontamento de que o contrato seria a outorgar com 2 pessoas, sem que os Autores tivessem estabelecido qualquer comunicação com a segunda pessoa, sendo que a expectativa gerada nos Autores durou apenas um dia, a qual, à luz de um homem médio diligente, não poderia ser consistente antes de uma qualquer discussão sobre os termos do contrato após envio da proposta. Por outro lado, defendeu que os Autores não deveriam ter rejeitado a proposta que alegadamente tinham (sendo controvertida a existência desta), sem que antes se mostrasse minimamente consistente a nova proposta e negociação, tendo assim omitido o dever de diligência (o que não pode ser assacado à 1ª Ré). Pelo que, a decorrência de um lapso temporal de escassos dias, desprovida de qualquer discussão sobre os termos de uma proposta escrita, sem que as partes se tenham encontrado, estando em causa um imóvel que a 1ª Ré vira na véspera de se arrepender, não poderia gerar uma expectativa suficientemente consistente que conduzisse a afastar outras eventuais propostas. Donde, concluiu-se, pela impossibilidade, com aquela factualidade afirmada pelos demandantes, de preenchimento do pressuposto da criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato, sendo ainda de afastar a relação de causalidade adequada entre o invocado dano e o rompimento das negociações. Pelo que, entendeu-se não ser enquadrável tal situação no instituto da responsabilidade pré-contratual, nem em qualquer outro, de harmonia com os princípios da liberdade e da autonomia contratual, conducente a juízo de total improcedência da acção. Resulta, assim, que a decisão apelada, dos enunciados quatro requisitos ou pressupostos necessários ao preenchimento da responsabilidade pré-contratual, entendeu que a factualidade aduzida pelos Autores demandantes, ainda que lograsse plena prova, não seria susceptível de lograr a verificação de, pelo menos, dois deles. Nomeadamente, que as Rés, com a sua conduta, tivessem criado nos Autores uma razoável confiança na conclusão do contrato de compra e venda da fracção em equação e, por outro lado, que existisse uma relação causal entre o afirmado dano ou prejuízos e o rompimento das negociações, naquele quadro de confiança não reconhecível. Tal decisão, por outro lado, não se pronunciou acerca dos demais pressupostos ou requisitos equacionáveis, ou seja, sob a natureza injustificada ou arbitrária da ruptura das negociações ou conversações e sob a ocorrência de efectivos prejuízos no património dos Autores (parte não desistente). Ora, entendendo-se o teor do decidido, bem como a argumentação utilizada, entende-se, todavia, que a mesma não deverá prevalecer, tendo-se em consideração, também, a fase processual em que tal decisão foi prolatada. Com efeito, da ponderação global daquela factualidade, quer na parte impugnada, quer na parte não merecedora de impugnação, não logramos concluir, com necessária certeza e evidência, que a conduta das Rés (de ambas as Rés, tendo-se em consideração a relegitimação supra determinada) não tivesse sido susceptível de incutir e criar nos Autores vendedores a alegada razoável confiança na conclusão do contrato de compra e venda em negociação. É certo que o período temporal negocial foi curto, tudo se passando, basicamente, entre o dia 08 e o dia 10/05/2022, bem como que as partes não se encontraram pessoalmente, limitando-se os aludidos contactos a trocas de e-mails, SMS’s e telefonemas, e ainda que nada foi assinado pelos potenciais contratantes. É, igualmente, certo que o período de duração da alegada expectativa de conclusão do contrato foi curta, decorrendo, alegadamente, entre o início do dia 08/05/2022 e o final do dia 10/05/2022. Todavia, não se pode olvidar ou menorizar o facto das partes contratantes terem acordado celeremente no preço a pagar (o que foi concretizado logo no dia imediato ao da 1ª Ré ter visitado o imóvel, e num período temporal muito curto, de aproximadamente uma hora), na existência e definição de um montante a entregar a título de sinal, bem como, nos termos aduzidos, acerca da temporalidade da entrega deste, ficando fundamentalmente em falta a definição da data da efectiva outorga do contrato prometido, ainda que os Autores tenham alegado (o que mereceu impugnação) que a 1ª Ré referiu pretender tal outorga “num prazo curto, sempre inferior a 30 dias” – cf., parte final do artº. 18º da p.i.. Assim, concluir que tal quadro factual não revelava a mínima consistência na criação de expectativa por parte dos Autores, afigura-se-nos, para além de ousado e prematuro, injustificado, sem que se discuta, e eventualmente prove, a totalidade dos contornos negociais avançados pelas partes, não se entendendo que o curto balizamento temporal de duração das expectativas (e consequente confiança) dos Autores na conclusão da compra e venda tenha um carácter tão determinante no não reconhecimento daquele requisito ou pressuposto. Efectivamente, mais relevante que tal balizamento temporal revela-se a natureza e estádio das negociações ocorridas, bem como o teor e importância do clausulado já acordado que, in casu, abrangeu, manifestamente, os nucleares elementos contratuais. O que determina, desde logo, que a decisão recorrida não possa prevalecer, antes se justificando o prosseguimento dos ulteriores termos processuais para, após realização da fase de instrução, com consequente fixação da matéria factual provada e não provada, se possa apreciar acerca do eventual preenchimento da totalidade dos requisitos ou pressupostos enformadores da equacionada responsabilidade pré-contratual. Ora, neste desiderato configurar-se-á igualmente de particular importância a aferição da alegada natureza injustificada ou arbitrária da ruptura das negociações ou conversações por parte das Rés, putativas adquirentes do imóvel, atenta a contraditoriedade factual, sustentada pelas partes, em que tal terá ocorrido, para além dos demais requisitos sob controvérsia (a própria existência de prejuízos no património dos Autores e relação causal entre estes e a confiança suscitada nos Autores no positivo epílogo contratual). À latere, sempre se dirá que, determinando-se ulteriormente o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, caberá ao Tribunal Recorrido, para além do mais, apreciar acerca da admissibilidade do pedido reconvencional deduzido pelas Reconvintes Rés, pois, segundo nos foi possível aferir, nada foi referenciado acerca do mesmo. Por todo o exposto, no que concerne ao presente segmento, procede a pretensão recursória, determinando-se a revogação do saneador-sentença apelado, e consequente prosseguimento dos ulteriores termos processuais, com a prolação, além do mais, de despacho identificativo do objecto do litígio e enunciador dos temas da prova, nos termos dos artigos 593º, nº. 2 e 596º, ambos do Cód. de Processo Civil, bem como dos demais termos legalmente fixados. * Relativamente à tributação, decaindo as Rés Apeladas, atento o decretado provimento recursório, são as mesmas responsáveis pelo pagamento das custas devidas, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil. *** IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos Autores/Apelantes A............... e B …………………, em que figuram como Rés/Apeladas C……………….. e M………………….. e, consequentemente, decide-se: a) Revogar o despacho apelado, que julgou a 2ª Ré parte ilegítima, absolvendo-a da instância, o qual se substitui por decisão que considera a Ré M…………………….. (2ª Ré) parte legítima para a presente acção ; b) Revogar o saneador-sentença recorrido, determinando-se o consequente prosseguimento dos ulteriores termos processuais, com a prolação, além do mais, de despacho identificativo do objecto do litígio e enunciador dos temas da prova, nos termos dos artigos 593º, nº. 2 e 596º, ambos do Cód. de Processo Civil, bem como dos demais termos legalmente fixados ; c) Custas da presente apelação a cargo das Rés/Apeladas – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil. * Lisboa, 12 de Setembro de 2024 Arlindo Crua António Moreira Vaz Gomes _______________________________________________________ [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 111. [3] Assim, Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lisboa, Lex, 1995, pág. 47. [4] Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 74 e 75. [5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 59. [6] Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 135. [7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª Edição, Almedina, pág. 92. [8] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 84 e 85. [9] Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, 2004, Almedina, pág. 56 a 60. [10] Ob. cit., pág. 59. [11] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 92. [12] Ob. cit., pág. 139 e 140. [13] Ob. cit., pág. 116. [14] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599. [15] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina., pág. 368. [16] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102. [17] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601. [18] Idem, pág. 603, citando doutrina de Alberto dos Reis, bem como o sustentado no douto aresto da RP de 28/10/2013, Processo nº. 3429/09.5TBGDM-A, no sentido de que “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº. 1 do citado art. 615º do Novo Código Processo Civil. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. [19] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 370, especifica traduzir-se o presente vício na “falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os nºs. 3 e 4 do artº 607º impõem ao julgador. Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada ; [esta última pode afectar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, não gerando, contudo nulidade]”, citando Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 140. [20] Neste sentido, cf, entre outros, o douto aresto do STJ de 06/07/2017, Relator: Nunes Ribeiro, Processo nº. 121/11.4TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf . [21] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 603. [22] Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 7598/12.9TBCSC-A.L1-6, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf , citado pelo Apelante. [23] Ob. cit., pág. 370 e 371. [24] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 604 e 605. |