Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
108/23.4SMLSB.L1-5
Relator: PEDRO JOSÉ ESTEVES DE BRITO
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
CONCURSO EFECTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I. A distinção entre o tráfico de menor gravidade (art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01) e o tráfico de estupefacientes (art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01) ocorre a nível da ilicitude do facto, nada relevando, para esse efeito, fatores referentes ao juízo sobre a culpa, ao desvalor da atitude interna do agente ou à sua personalidade;
II. Cessando a atividade de tráfico de estupefacientes por força da detenção e submissão do agente a interrogatório perante autoridade judiciária, por força daquela, apurando-se que a conduta posterior de igual natureza praticada pelo mesmo agente após a sua libertação obedece a um processo deliberativo autónomo em relação ao que presidiu à atuação anterior, não sendo uma mera descarga da resolução inicial, assumindo o comportamento global levado a cabo pelo recorrente uma pluralidade de sentidos sociais autónomos de ilicitude típica, verifica-se, deste modo, um concurso efetivo de dois crimes de tráfico de estupefacientes (cfr. art.º 30.º, n.º 1, do C.P.).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
I.1. Da decisão recorrida:
No âmbito do processo comum coletivo n.º 108/23.4SMLSB, que corre termos no Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 05-11-2024 foi proferido e depositado acórdão pelo qual o arguido AA foi condenado pela prática, como reincidente (cfr. arts 75.º e 76.º, do Código Penal – C.P.), em autoria material e em concurso real e efetivo de:
- 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos arts. 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 2.º, als. m) e ax), 3.º, n.º 2, al. e), 4.º e 86.º, n.º 1, al. d), do Regime jurídico das armas e suas munições (R.J.A.M.), na pena de 1 ano de prisão; e
- 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 anos de prisão;
na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
I.2. Do recurso:
Inconformado com a decisão, o arguido AA dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto do Acórdão condenatório proferido contra o Recorrente, em que este foi condenado em cúmulo na pena de prisão de sete anos e meio, nos termos do disposto nos art.ºs 21.º e 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referencia à tabela I-B.
b) No entanto, da prova carreada para os autos e da audiência de julgamento, considera-se manifestamente excessiva a pena aplicada ao Recorrente, atendendo a que apenas foi visualizado por uma única testemunha uma suposta transação, foi prontamente desmentido pela testemunha seguinte.
c) Além de que também ficou bem demonstrado que o Recorrente é um consumidor assumido, num quadro de necessidade e miséria.
d) Motivo pelo qual é de considerar que o douto Tribunal a quo andou mal quando condenou o Recorrente numa pena de prisão tão elevada,
e) Deve, por isso, ser a douta decisão recorrida considerada violadora do preceituado nos art.º 21.º e 25.º, ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com a última redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 55/2023, de 08/09).
f) Devendo o Acórdão proferido ser revogado e substituído por outro que, a condenar, seja a condenação do Recorrente na prática de um crime de menor gravidade, em pena não superior a 5 (cinco) anos, por tráfico de produto estupefaciente, previsto e punido pela alínea a) do art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, suspensa na sua execução e sujeita ao regime de prova, nos termos do disposto no art.º 50.º do Código Penal.
O referido recurso foi admitido por despacho de 11-12-2024.
I.3. Da resposta:
Ao dito recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, concluindo da seguinte forma:
1. O Recorrente interpõe o presente recurso, por não se conformar com o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, datado de 5 de Novembro de 2024, no qual, foi o mesmo condenado pela prática, como reincidente, em autoria material, e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, para além de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, alíneas m) e ax), 3.º, n.º 2, alínea e), 4.º e 86.º, n.º 1, alínea d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 1 (um) ano de prisão, e ainda de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I.B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares, foi o Recorrente condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.
3. Segundo o mesmo, o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” deverá ser revogado e substituído por outro que dê lugar à sua absolvição ou, caso assim não seja, à sua condenação numa pena de prisão não superior a 5 anos e suspensa na sua execução.
4. Em primeiro lugar, defende o Recorrente que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo sofre de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do plasmado no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
5. No entanto, cremos que, neste ponto, não assiste razão ao Recorrente.
6. Com efeito, tendo presente o teor do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, não se vislumbra, com o devido respeito, que o Tribunal a quo tenha tomado conhecimento de questões de que não poderia ter tomado conhecimento.
7. Por outro lado, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resultou como provado, de forma inequívoca, que o Recorrente se dedicava, para além do mais, à atividade de tráfico de produtos estupefacientes.
8. Não surgiu qualquer dúvida relativamente à prática dos factos imputados ao Recorrente.
9. Nessa medida, a subsunção jurídica dos factos em apreço, por parte do Tribunal a quo, não merece qualquer reparo.
10. Termos em que, o Recurso interposto pelo Recorrente deverá improceder nesta parte, porquanto não existe qualquer violação do consagrado no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
11. Por outro lado, o Recorrente considera que a medida concreta da pena que lhe foi aplicada é desproporcional e desadequada.
12. Considera que, a pena a aplicar não deverá ser superior a 5 (cinco) anos de prisão e suspensa na sua execução.
13. Segundo o mesmo, a pena de prisão que lhe foi aplicada, deveria ter sido, no máximo, nunca superior a 5 (cinco) anos e suspensa na sua execução.
14. Nesta parte, cremos que não assiste, igualmente, razão ao Recorrente.
15. Quanto à ponderação da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º, do Código Penal), cremos que, não assiste razão ao Recorrente quanto aos fundamentos invocados para impugnar a pena aplicada, uma vez que o Tribunal “a quo” respeitou os critérios da pena, previstos nos artigos 70.º e 71.º, do Código Penal.
16. O Tribunal “a quo”, na determinação da medida concreta da pena, teve em conta a culpa do agente (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal), as exigências de prevenção (geral e especial), as finalidades da punição (cf. artigo 70.º e 71.º, do Código Penal) e os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
17. A pena aplicada dá resposta cabal aos fins da punição, à culpa do recorrente e respeita os princípios da prevenção geral e especial ressozializadora, [as expectativas da comunidade sobre a reafirmação da validade das normas violadas e evitando a prática de novos crimes e a ressocialização do agente].
18. A pena substitutiva pugnada pelo recorrente transmitiria à sociedade a errada ideia de um excesso de benevolência e de que o crime compensa, em face da natureza dos factos, que são graves, mas que com tal pena seriam tratados como se os mesmos tivessem natureza bagatelar.
19. Fica, pois, à partida, arredada a possibilidade de suspender a pena na sua execução, face ao plasmado no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
20. Acresce que, atendendo à intensidade do dolo com que o arguido atuou – dolo direto – e ao elevado grau de ilicitude manifestado, desde logo, pela forma como são executados os factos, à gravidade destes, aos valores sociais protegidos pela norma e aos antecedentes criminais do mesmo, o Tribunal “a quo”- e bem – decidiu não haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão no caso dos presentes autos.
21. É nosso entendimento que não se verificam, nos presentes autos, os pressupostos de que a lei penal faz depender a sua aplicação, nomeadamente, a existência de um juízo de prognose favorável, atendendo à personalidade do arguido e às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.
22. Em síntese, não existe qualquer motivo atendível para alterar, como pretende o recorrente, a pena aplicada, uma vez que, o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do recorrente e à medida da sua culpa.
23. Deste modo, o Acórdão recorrido não viola e/ou mal interpreta os artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, devendo o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
24. Razão pela qual, em suma, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo.
Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
I.4. Do parecer:
Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer através do qual pugnou pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância.
I.5. Da tramitação subsequente:
Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (C.P.P.), foi apresentada resposta ao dito parecer, pelo recorrente, que, em síntese, renovou todas as considerações já tecidas na sua peça recursiva.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
II.1. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso:
Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 241; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S12) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-2995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, págs. 8211 e segs.3).
Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidas, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar.
II.2. Das questões a decidir:
II.2.A. Da correção de um lapso:
Na fundamentação da determinação da medida da pena única exarada no acórdão recorrido consta o seguinte parágrafo:
Fixadas as penas parcelares a imputar ao arguido BB, impõe-se proceder ao seu cúmulo jurídico com observação do disposto no artigo 77.º, do Código Penal, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar ao arguido se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade deste.” (negrito nosso)
Ora, o arguido nestes autos é AA e não BB.
Trata-se, pois, de um mero lapso de escrita em que incorreu o tribunal recorrido, a que não será alheio o uso de meios informáticos, sendo o mesmo evidenciado pelo próprio texto do acórdão recorrido, que não tem nem teve qualquer influência ou repercussão no sentido decisório do acórdão recorrido, referente a AA, e que é suscetível de correção oficiosa por esta instância de recurso, nos termos do art.º 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do C.P.P.
Pelo exposto e ao abrigo do citado preceito legal, onde na fundamentação da determinação da medida da pena única exarada no acórdão recorrido consta:
Fixadas as penas parcelares a imputar ao arguido BB, impõe-se proceder ao seu cúmulo jurídico com observação do disposto no artigo 77.º, do Código Penal, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar ao arguido se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade deste.
deve passar a ler-se:
Fixadas as penas parcelares a imputar ao arguido AA, impõe-se proceder ao seu cúmulo jurídico com observação do disposto no artigo 77.º, do Código Penal, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar ao arguido se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade deste.
II.2.B. Do objeto do recurso:
Não obstante o recorrente, na motivação, se ter referido à nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.), ao erro de julgamento e à violação do princípio do in dubio pro reo, o certo é que não levou tais matérias às conclusões, pelo que, tendo em conta o carácter delimitador do objeto do recurso reconhecido às conclusões, na senda da doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, ter-se-á que entender que restringiu tacitamente o objeto do recurso (cfr. SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, in Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, 2020, pág. 112 e nota 3 da pág. 113; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S14; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-10-2023, processo n.º 309/22.2GDLLE.S15).
Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, no que se refere ao erro de julgamento, sempre o recurso interposto teria que ser rejeitado (cfr. arts. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.).
Na verdade, na motivação do recurso que interpôs o recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. Para além disso, apesar de na motivação do recurso que interpôs o recorrente fazer referência a algumas testemunhas inquiridas na audiência de julgamento, sem que o que refere, por si só, imponha decisão diversa da recorrida, o certo é nem sequer indica as concretas passagens dos respetivos depoimentos que considera relevantes, não as transcreve nem indica o início e termo das mesmas em relação à respetiva gravação áudio (cfr. art.º 412.º, n.ºs 3, als. a) e b), 4 e 6, do C.P.P.; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 3/2012, de 08-03-2012, para fixação de jurisprudência6). Ora, assim sendo, o não cumprimento do ónus que sobre si impendia sempre obstaria a que este tribunal de recurso pudesse reapreciar a matéria de facto (cfr. arts. 412.º, n.º 3 e 4, e 431.º, al. b), do C.P.P.). Na verdade, tratando-se de uma deficiência da própria motivação e, assim, de um vício que é insanável, nem sequer se justificaria qualquer convite de aperfeiçoamento do recurso interposto que, na prática, equivaleria à concessão ilegítima de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-06-2008, processo n.º 08P18847; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-2006, processo n.º 05P44098; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/2002, de 18-06-20029; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10-03-200410).
Assim sendo, são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem:
A. Do enquadramento jurídico-penal no que ao tráfico de estupefaciente diz respeito (cfr. II.4.A.);
B. Da medida da pena parcelar, na eventualidade da procedência do recurso na parte referente à qualificação jurídica dos factos, e da medida da pena única (cfr. II.4.B.); e
C. Da suspensão da execução da pena única de prisão (cfr. II.4.C.).
II.3. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto do recurso:
Ora, com relevo para o definido objeto do recurso, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte:
II.3.A. Da matéria de facto considerada no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 439873914 de 05-11-2024):
É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1.ª instância:
A. Matéria de facto provada.
O tribunal, discutida a causa, deu como provados os seguintes factos:
Do acusatório.
1. NUIPC (Número uniforme de identificação de processo crime) 108/23.4SMLSB
1. Desde Junho de 2023, que o arguido decidiu proceder à aquisição para posterior venda a terceiros de cocaína, no Bairro ..., em ....
2. Assim, no dia ... de ... de 2023, pelas 19h15, o arguido encontrava-se junto ao Lote … da Rua ..., em ..., a proceder à venda de cocaína a terceiros, consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias.
3. Nessas circunstâncias, o arguido encontrava-se junto a CC, consumidor de cocaína, que lhe entregou uma nota de € 5,00 (cinco euros), preparando-se para lhe entregar uma embalagem de cocaína, quando foram abordados por Agentes da Polícia de Segurança Pública.
4. Nessa altura, o arguido tinha consigo:
- 4 (quatro) embalagens de Cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,443 gramas;
- 2 (duas) embalagens de Cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,318 gramas;
- A quantia monetária de e 10,00 (dez euros); e
- Uma faca de abertura automática.
5. Por estes factos, o arguido foi detido.
6. Seguidamente, apesar de ter sido interrogado perante Magistrado do Ministério Público, devolvido à liberdade o arguido renovou o propósito, que concretizou, de se dedicar à venda de cocaína a terceiros.
II. NUIPC (Número uniforme de identificação de processo crime) 112/23.2SMLSB
7. Assim e novamente, no dia ... de ... de 2023, pelas 12h15, o arguido encontrava-se junto ao Lote ... da Rua ..., nesta cidade, a proceder à venda de cocaína, a terceiros, em troca de quantias monetárias.
8. Nessa altura, DD, consumidora de cocaína, pretendendo obter este produto para seu consumo, entrou no lote …, dirigiu-se junto do vão de escadas ali existente e solicitou ao arguido uma embalagem de cocaína, tendo uma nota de € 10,00 (dez euros) na mão para lhe entregar.
9. Nesse instante, ao aperceber-se da presença de Agentes da Polícia de Segurança Pública no local e da iminente abordagem, o arguido arremessou para o solo:
- 15 (quinze) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 1,408 gramas.
10. Imediatamente, estas embalagens foram recolhidas e apreendidas pelos Agentes da Polícia de Segurança Pública.
11. Nessa altura, o arguido tinha, ainda, consigo a quantia monetária de € 30,00 (trinta euros).
12. A quantia monetária apreendida ao arguido constituía provento dessas vendas.
13. O arguido conhecia as características e natureza estupefaciente dos produtos que detinha, destinando-os à cedência a terceiros, mediante contrapartidas monetárias.
14. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei.
15. O arguido detinha a faca de abertura automática que lhe foi apreendida, sem qualquer justificação para tal, conhecia as características deste objecto, sabendo que configurava uma arma proibida e que a detenção e uso da mesma não lhe era permitida, sendo tal conduta punida por lei.
16. No âmbito do processo n.º 7/19.4SULSB, do Juiz 5 — Juízo Central Criminal de Lisboa, por acórdão proferido em 05-12-2019, transitado em julgado a 17-04-2020, o arguido foi, entre o mais, condenado pela prática, em ...-...-2019, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal:
- Na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
- Na pena acessória de proibição de estabelecer quaisquer contactos, e por quaisquer meios, com a vítima, com afastamento da residência e local de trabalho desta, pelo período de 5 (cinco) anos, devendo o respectivo cumprimento ser fiscalizado com recurso a meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos no art.º 152º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
17. Com conexão ao processo apurado em 16., no âmbito do processo de liberdade condicional n.º 353/19.7TXLSB-B, do Juiz 1 — Juízo de Execução das Penas de Lisboa — por decisão de 28-06-2022, foi concedida liberdade condicional ao arguido, pelo tempo de prisão que lhe faltaria cumprir até 22-12-2023.
18. No entanto tal condenação, a solene advertência aí feita e o cumprimento de pena de prisão efectiva não foram suficientes para obstar a que o arguido cometesse novos ilícitos penais dolosos.
19. O arguido revela uma especial apetência para o crime, não se inserindo socialmente, voltando a delinquir pouco tempo depois de ter sido condenado, estando desenquadrado das regras de vivência em sociedade.
*
Da situação pessoal e condição sócio-económica do arguido.
20. AA pertence a uma fratria de seis filhos, tendo tido um processo de socialização no agregado familiar dos avós maternos que, a partir dos 3 anos de idade assumiram o seu processo educativo, na sequência da separação conjugal aos progenitores em razão do alcoolismo do progenitor e da mãe ter encetado nova relação marital.
21. Da dinâmica familiar destaca estes avós como seus familiares de referência no seu processo educativo, não guardando memórias do progenitor e demonstra uma certa ambivalência quanto à sua vinculação com a progenitora.
22. A situação económica era precária fruto do trabalho dos avós, o avô, operário fabril, e a avó empregada num armazém de fruta, mas não refere privações ao nível das necessidades básicas.
23. Face às lacunas existentes ao nível da aquisição e desenvolvimento de competências escolares, a sua experiência profissional caracterizou-se pelo trabalho indiferenciado em diversas áreas, vindo a especializar-se na área da mecânica auto.
24. Foi na adolescência, por volta dos quinze anos de idade, que iniciou os consumos de álcool e drogas junto de pares com condutas aditivas, o que viria a influenciar o seu primeiro contato com o sistema judicial.
25. Aos 23 anos encetou uma relação afectiva, tendo a companheira sido vítima de violência doméstica por parte do arguido de que deu origem a um processo e à respetiva condenação, relação do qual resultaram dois descendentes, presentemente com 19 e 12 anos, tendo a relação terminado em 2018.
26. À data dos factos que deram origem ao presente processo, AA vivia em casa de um amigo na morada constante dos autos, encontrando-se este a trabalhar no estrangeiro, delegando nele a função de tomar conta da habitação e do arrendado de dois quartos, sendo-lhe, em compensação, dada dormida, tendo um quarto para si, geria as rendas e efectuava pequenas obras de manutenção da mesma.
27. Paralelemente ia fazendo biscates na área da construção civil.
28. O arguido assume que se encontrava numa fase de consumos excessivos de cocaína, após nova recaída, apesar de frequentar de forma irregular o ..., apresentando desvalorização na adesão a um acompanhamento terapêutico.
29. Cumpriu pena de prisão efectiva de 2006 a 2009 no Estabelecimento Prisional de ... e de 2018 a 2022 no Estabelecimento Prisional de ..., cujo termo desta última ocorreu a 22 de Dezembro de 2023. Durante o período de acompanhamento da liberdade condicional levada a cabo pela Equipa Lisboa Penal 1, o arguido aderiu à intervenção destes serviços, onde compareceu com regularidade, colaborando na reflexão acerca das temáticas propostas.
30. AA encontra-se preso no estabelecimento prisional junto às instalações da polícia judiciária, no âmbito do processo n.º 1070/24.1PLLSB em situação de prisão preventiva, pela alegada prática do crime de roubo.
31. Apresenta dificuldades de descentração e de pensamento reflexivo sobre o seu modo de vida e das consequências denotando apatia e uma atitude conformista.
Dos antecedentes criminais registados.
32. Para além da condenação criminal apurada em 16., o arguido tem os seguintes antecedentes criminais registados:
i) Por acórdão proferido a 28-09-2006, transitado em julgado a 05-03-2007, no âmbito do processo n.º 376/06.6POLSB, da 2' Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em …-2006, de um crime de tráfico de estupefacientes, foi condenado na pena de 3 anos' de prisão efectiva;
ii) Por sentença proferida a 23-07-2012, transitada em julgado a 20.39.2012, no âmbito do processo n.º 880/12.7PHLRS, do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, pela prática, em …-2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi condenado na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de C 5, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses e 15 dias; por despacho proferido nesses autos a 01-04-2014 foi determinada a substituição da pena de multa por 70 horas de trabalho a favor da comunidade; por despacho proferido em 31-03-2017 foi declarada extinta pelo cumprimento a pena principal e por despacho proferido em 16-11-2013 foi declarada extinta pelo cumprimento a pena acessória;
iii) Por sentença proferida a 26-02-2013, transitada em julgado a 0E-04-2013, no âmbito do processo n.º 14/12.8SHLSB, do 4.º Juízo Criminal de Lisboa, 2' Secção, pela prática, em …-2012, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, foi condenado na pena 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova; por despacho proferido nesses autos a 16-05-2016, foi tal pena declarada extinta;
iv) Por sentença proferida a 20-06-2013, transitada em julgado a 05-09-2013, no âmbito do processo n.º 637/13.8S6LSB, do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, 1' Secção, pela prática, em …-2012, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de E 5; por despacho proferido nesses autos a 06-03-2014 foi determinada a substituição da pena de muita por 90 horas de trabalho a favor da comunidade; por despacho proferido em 25-11-2016 foi a referida pena declarada extinta, pelo cumprimento;
v) Por sentença proferida a 19-05-2017, transitada em julgado na esma data, no âmbito do processo n.º 178/13.3PALRS, do Juízo de Pequena Criminalidade de Loures, Juiz 1, pela prática, em …-2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, foi condenado na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de E 5, substituída por 110 horas de trabalho a favor da comunidade, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses e 15 dias.
vi) Por sentença proferida a 07-04-2015, transitada em julgado a 07-05-2015, no âmbito do processo n.º 231/15.9PLLSB, do Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 5, pela prática, em …-2015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de E 5, substituída por 79 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses;
vii) Por sentença proferida a 06-09-2018, transitada em julgado a 08-10-2018, no âmbito do processo n.º 1470/13.2POLSB, do Juiz 2 — Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira, , pela prática, em …-2013, de um crime de furto simples, foi condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de E 6, perfazendo o total de E 1.200,00, posteriormente convertida em 133 dias de prisão subsidiária, que mereceu despacho de extinção em 13-02-2022.
B. Matéria de facto não provada.
Da discussão da causa, e com relevância para a boa decisão da mesma, não logrou provar-se qualquer outra factualidade.
II.3.B. Dos motivos de facto, indicação e exame crítico das provas exarados no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 439873914 de 05-11-2024):
É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância:
C. Convicção do tribunal e exame crítico das provas.
Por força do estatuído no artigo 127.º, do Código de Processo Penal «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
Nesta sede, rege o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outra banda, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal. Como defende Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, p. 111 "a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão".
Em tal ancoragem axiomática:
C.I. Matéria de facto provada de 1. a 15.: o Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada na audiência de julgamento, a qual resultou do juízo de entrecruzamento e cotejo valorativo de quatro elementos de prova fundamentais, a saber:
i) As declarações prestadas pelo arguido (e, daí, sem necessidade de operar o disposto nos artigos 141.º, n.º 4, alínea b), e 357.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, face ao prestado em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido ocorrido a 16 de Junho de 2023);
ii) Os depoimentos prestados pelas testemunhas EE, Agente da Polícia da Segurança Pública há 7 anos, exercendo funções, há dois meses, na 7.ª Esquadra de Investigação Criminal de ..., tendo exercido funções, à data dos factos, na 5.ª Esquadra de Investigação Criminal de Lisboa, com conhecimento do arguido apenas do exercício das suas funções; CC, mecânico, com conhecimento do arguido de vista do bairro ... onde ambos se cruzavam; GG, Agente Principal da Polícia da Segurança Pública, actualmente, desde ..., desempenha funções na Esquadra de Fiscalização de ..., à data dos factos desempenhava funções na 5a Esquadra de Investigação Criminal de …, com conhecimento do arguido apenas do exercício das suas funções e dos factos em crise nos autos; e HH, Agente da Polícia da Segurança Pública, desempenha funções há seis anos na 5ª Esquadra de Investigação Criminal de ..., com conhecimento do arguido apenas do exercício das suas funções, o qual se estende a precedentes intervenções;
iii) Do acervo de prova documental e pericial constante dos autos; tudo conforme o juízo crítico tecido ao lume das elementares regras da lógica, racionalidade e experiência comum, nos termos que se passam a expor.
Em tal ancoragem, perante as duas tipologias de crime imputadas (tráfico de estupefacientes (tipos de menor gravidade e base) as declarações do arguido assim surgiram igualmente bifurcadas:
- No concernente à imputação de detenção de arma proibida, assunção plena da posse da faca de abertura automática, justificando-a para efeitos da sua segurança pessoal, uma vez que levava a efeito a labor de entrega de pizzas ao domicílio, nas zonas da ..., … e ..., alegadamente como de problemáticas de segurança pública, estão de todo o modo sapiente da proibição e punibilidade penal da conduta;
- No que tange com as imputações de tráfico de estupefacientes (tipos de menor gravidade e base):
i) Com reporte à factualidade constante dos pontos 1 a 5 da acusação: alvitrou que o produto estupefaciente em apreço era apenas para seu consumo, uma vez que é consumidor de haxixe e cocaína, há cerca de dez anos. Nesse sentido, comprava cocaína uma a duas vezes por semana, despendendo para tal entre € 40,00 (quarenta euros) a € 60,00 (sessenta euros), sendo 10 a 15 pacotes, cada um ao custo de € 5,00 (cinco euros). Produto estupefaciente que guardava em casa, consumindo cerca de duas gramas por dia e não adquiria para dar a outras pessoas.
Na situação em apreço, estava a comprar a um rapaz, sendo que o cidadão CC também era consumidor e estava ali para comprar, não tendo recebido do mesmo, qualquer quantia.
Admite que tinha apenas quatro embalagens de cocaína, sendo que as restantes duas eram do CC, as quais os agentes policiais presentes retiraram ao sobredito CC imputando-as na globalidade à sua pessoa.
A quantia monetária de € 10,00 (dez euros) era sua e visava a aquisição de alimentação.
ii) No respeitante à factualidade alegada sob os pontos 6 a 14 da acusação: identificou a cidadã DD como sendo sua namorada, àquele tempo, há quatro meses e também consumidora de produto estupefaciente, razão pela qual foi juntamente com esta procurar adquirir o mesmo, perspectivando gastar € 30,00 (trinta euros) / € 40,00 (quarenta euros), sendo a DD quem se encarregaria de comprar para os dois, na monta de quinze embalagens para dividir pelos dois.
Com a presença policial, DD atirou produto estupefaciente para cima de si e disse que lhe tinha comprado a si, admitindo, contudo, que os € 30,00 (trinta euros) eram seus.
Aduzindo esclarecimento acerca da vivência com DD, alegou ter esta vivido consigo, cerca de seis meses e na sua própria casa.
Perante tal, permitindo colher-se ao arguido uma linha de evidente desresponsabilização com respeito à traficância, antes assumindo a mera presença nos sequenciais pedaços de vida com vista à aquisição de estupefaciente para consumo, e confrontado com as incoerências e pouca razoabilidade que pontualmente lhe foram detectadas e assinaladas no seu discurso (v.g. capacitação económica e conexa lógica para a aquisição concentrada de estupefaciente, controlo dos consumos perante a quantidade de estupefaciente que alegadamente guardava no domicílio, atribuição a agentes policiais e à própria companheira da imputação da posse das quantidades globais, momentos em que não escamoteou sorrisos ostensivos), o cotejo da prova documental e pericial pré-constituída com a demais prova testemunhal produzida em audiência, sob a matriz da e elementaridade da lógica, razão e experiência comum, acabaram por abalar tal deriva.
Com ponto primeiro, o vigor adquirido ao contexto das sequenciais aquisições noticiosas da existência da prática criminosa imputada, a sua configuração espácio-temporal, a tipologia, apreensão, examinação e avaliação do produto estupefaciente e da arma objectos visados, arreigam-se, respectivamente, no teor dos autos de notícia de fls.2-5 e 57-60, com conexão aos respectivos autos de apreensão de fls. 9-10 e 64-65; auto de interrogatório de arguido perante Magistrado do Ministério Público constante de fls. 28 a 32 (este apenas nos estritos limites de captação do facto provado em 6.), testes rápidos de fls. 12 e 66 com conexão com os exames laboratoriais de fls.152, 176, 230; fotografias de fls.68 (que permitem alcançar visualmente as escadas de ligação do 2.º andar para o 3.º andar, local onde o arguido AA foi localizado por agentes policiais, bem como o produto estupefaciente caído no chão); exame pericial à arma apreendida de fls.135-136 (de onde se extraiu a sua categorização legal enquanto faca de abertura automática — classe A).
Posto tal, as razões de ciência das testemunhas inquiridas vieram corroborar a tese do acusatório em capital prejuízo da versão entendida verbalizar pelo arguido.
Deste modo:
i) EE, Agente da Polícia da Segurança Pública com intervenção na situação referente aos factos 1 a 6 do acusatório, inclusive tendo efectuado a detenção, revelou que, àquele tempo, tinham informação do funcionamento de conhecida banca de venda de estupefacientes e que o arguido estava lá a vender cocaína. Donde, foi com o colega II ao local, em viatura descaracterizada, entraram no lote..., subiram escadas e visualizaram o arguido à sua frente a entregar um pacote a um comprador, tratando-se do cidadão CC (policialmente conhecido por ser consumidor) razão pela qual procederam à sua detenção. De tudo, fizeram constar nos autos de notícia e de apreensão, avançando ainda ampla compatibilidade com o aí vertido que o arguido tinha mais ou menos sete pacotes de produto estupefaciente, nota na mão e estupefaciente na mão, € 5,00 em moedas e uma nota de € 10,00, faca de ponta e mola, tendo admitido imediatamente a actuação de venda, acabando em tudo a confirmar o teor do auto de notícia de fls. 2 a 5 e de apreensão de fls. 9 a 10 dos autos.
ii) CC, assumindo ser toxicodependente, tal como o arguido também, encontrando-se ocasionalmente na zona onde foram detectados, esclareceu que estavam a conversar à porta da entrada do prédio, quando a polícia chegou. Tinha € 5,00 que chegou a entregar ao arguido, tendo em vista este adquirir produto estupefaciente para os dois, assim confirmando que o arguido tinha tal quantia, a que acresciam € 10,00. Avançando não ser usual ir comprar produto estupefaciente naquele local, admitiu que, quando a polícia chegou, viu-o efectivamente a dar o dinheiro ao arguido. Quanto à droga não chegou sequer a vê-la, não tendo o arguido chegado a entregá-la, desconhecendo se estava no chão e se o arguido já a tinha consigo.
iii) GG e HH, ambos Agentes da Policia da Segurança Pública, com conhecimento do arguido, revelaram depoimentos coincidentes e complementares, deste modo descrevendo a intervenção conjunta e atinente à factualidade apurada de 7 a 13, com a detecção e apreensão de duas gramas de cocaína ao arguido, contextualizando com o conhecimento que a banca de droga estava a funcionar, razão pela qual procederam à patrulha ao lote …, viram dentro do prédio o arguido perto do vão de escadas e a cidadã DD de frente para o mesmo (que concretamente HH observara a dirigir-se precedentemente para o interior do lote …) que se prestava a comprar estupefaciente (ainda que sem observação da entrega de dinheiro), momento em que se identificaram como polícia e, no qual e de imediato, o arguido atirou as embalagens para o chão, no vão de escadas. Complementarmente, esclareceram que DD era consumidora. Mais esclareceram acerca da apreensão do estupefaciente e do dinheiro a que procederam. Por consulta dos elementos documentais de que se fazia acompanhar que consubstanciavam cópias dos autos de notícia e de apreensão de folhas 57 a 60, e 64 a 65, respectivamente, por si elaborados e subscritos, o primeiro dos depoentes confirmou integralmente o respectivo conteúdo por referência ao NPP e ao NUIPC. Quanto à reacção do arguido, sinalizaram que não ofereceu qualquer resistência. No mais, a cidadã DD foi revistada por colega de ambos de nome JJ, sendo-lhe detectada uma quarta de cocaína.
Aqui chegados, dúvidas ínfimas se elevam que o arguido actuou efectivamente conforme imputado e acabado por estabilizar como provado, personificando duas situações de manifesta traficância (a primeira inclusive com detenção de arma proibida), com a mediação de cinco dias de premeio, em que pese embora detido e interrogado perante Magistrado do Ministério Público renovou propósito de venda de cocaína a terceiros.
Fê-lo em local consabidamente propício à traficância - Lote … da Rua ..., em Lisboa, mal explicando, face à sua situação pessoal e, sobretudo, económica, a capacitação económica e conexa lógica para a aquisição concentrada de estupefaciente, controlo dos consumos perante a quantidade de estupefaciente que alegadamente guardava no domicílio.
A par e logo quanto à primeira situação apurada, a tese de o arguido rejeitar que tivesse a totalidade do estupefaciente (apenas quatro das seis embalagens), soçobra manifestamente quando permite a demanda: se o cidadão CC também era consumidor, ali se tinha dirigido para comprar, por que razão estaria em pleno acto de aquisição com a entrega de € 5,00 ao arguido, quando já tinha duas embalagens? Ou por outra, se o mesmo cidadão já tinha as mesmas duas embalagens para que é que se deslocara ao local?
Constrangendo a racionalidade e à lógica às respostas evidentes a ambas as questões no sentido de que a tese do arguido, salvo o devido respeito, não merece qualquer credibilidade, categórico decorre que igualmente a atribuição aos agentes policiais presentes do alegado retirar das duas embalagens ao sobredito CC imputando-as na globalidade à pessoa do arguido igual falta de crédito merece.
Com efeito, renove-se, o arguido assim foi avançando na concepção da sua tese esboçando sorrisos ostensivos de quem nem se continha perante a irrazoabilidade do que verbalizava, sendo de notar que não só a atribuição a agentes policiais, como à própria alegada companheira da imputação da posse das quantidades globais, não verifica ínfimo respaldo probatório. Com efeito, se aos primeiros a sua honestidade e integridade depoimentais se revelaram impolutas e ademais conjugadamente concordantes com toda a autuação constante (maxime, autos de. notícia e apreensão), já a ausência da captação da razão de ciência à segunda (pese embora as diligências a requerimento e oficiosamente levadas a efeito) em nada acarreta quanto à manifesta inverosimilhança do declarado pelo arguido.
Ainda sob o plano do juízo acerca da credibilidade do entendido verbalizar pelo arguido, sempre se diga que também a assunção da detenção da faca de abertura por referência causal ao trabalho de entregador de pizzas ao domicílio em alegados bairros problemáticos da cintura urbana de Lisboa não se evidenciou verosímil neste segundo segmento justificativo, antes permitindo a criticidade da prova produzida apontar para uma forma de o arguido salvaguardar a sua segurança num meio objectivamente problemático como o do tráfico de estupefacientes no ... em Lisboa.
Derradeiramente, os concretos factos provados de 13. a 15. elevaram-se em conexão estreita com a factualidade precedentemente provada de 1. a 12., consubstanciando incisos que erigem a cognoscibilidade interior e volição da acção desencadeada em contra-normatividade consabida, decorrendo da elementaridade das regras da experiência comum face à actuação global apurada ao arguido nos dois pedaços de vida em apreço.
Na verdade, cumpre ter presente que os elementos subjectivos são apurados em função dos factos objectivos que indiciam a atitude psicológica do agente para com o facto.
Com efeito, as intenções, as vontades, os conhecimentos, as representações mentais, porque do foro psíquico do sujeito, não são realidades palpáveis, sensitivamente perceptíveis, hipostasiáveis. Desse modo, a inerente percepção, nomeadamente para efeitos judiciais, só pode ser alcançada por via da ponderação dos comportamentos exteriorizados que, de um modo mais ou menos conclusivo, demonstrem esses estados psicológicos (nas palavras de Germano Marques da Silva, e na linha de pensamento de Cavaleiro de Ferreira, "a maior parte das vezes os actos interiores não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores.", Curso de Processo Penal, II, 1999, p. 101).
Pretender o contrário, conduziria a apenas ser possível demonstrar a atitude psicológica do agente para com o facto no caso de confissão. Tal perspectiva afigura-se manifestamente improcedente.
Assim, quanto aos aspectos de ordem subjetiva, socorreu-se o Tribunal dos elementos objectivos disponíveis, chamando ainda à colação a doutrina do Acórdão da Relação do Porto de 23-02-83: quanto à intencionalidade, pertencendo o dolo "à vida interior de cada um", sendo "portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, como maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência". - cfr. in BMJ n.º 324/620.
+
C.II. Factos provados de 16. a 19: derivaram da análise ao teor certificado que consubstancia a certidão extraída do NUIPC 7/19.4SULSB de fls. 181-218 em conjugação valorativa com a factualidade provada de 1. a 15, a qual permite alcançar que à data dos factos ora em apreço não haviam decorrido mais de cinco anos sobre a prática do crime que determinou a condenação do arguido na penas principal de prisão apurada em 16., muito menos descontado o período que o mesmo esteve privado da liberdade, bem assim que os novos factos ora em juízo evidenciam que tal anterior condenação não foi dissuasor, sendo, portanto, lícita a conclusão de que o arguido revela insensibilidade e sentimentos de indiferença e desprezo pela advertência que a condenação imposta deveria representar.
*
C.III. Factos provados de 20. a 31.: acervo de incisos respeitantes à situação pessoal e condição social e económica do arguido valeu o exame do relatório social oriundo da DGRSP e instruído nos autos a fls. 313-315 e a cujo teor o arguido concedeu a sua total aquiescência.
*
C.IV. Quanto à demais existência de antecedentes criminais registados do arguido conforme vertido em 32.: relevou o seu certificado de registo criminal actualizado e junto a fls. 291-301 dos autos.
*
Nota final para consignar que toda a matéria repetitiva e conclusiva constante do acusatório mereceu necessária expurgação.
II.3.C. Do enquadramento jurídico-penal, no que se refere ao tráfico de estupefacientes, exarado no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 439873914 de 05-11-2024):
É a seguinte a fundamentação da qualificação jurídico-penal dos factos provados no acórdão recorrido no que se refere ao tráfico de estupefacientes:
E. Aspecto jurídico valorativo da prova e subsunção incriminadora.
No caso em apreço, vem imputado ao arguido AA a prática, em reincidência (art.º 75.º e 76.º, n.º 1 do Código Penal), em autoria material e em concurso real e efectivo na prática de:
i) Um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p e p. nos arts. 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal;
ii) Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 2.º, als. m) e ax), 3.º, n.º 2, al. e), 4.º e 86.º, n.º 1, al. d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril; e
iii) Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal.
E.I. Dos crimes de tráfico de estupefacientes.
Nos termos do convocado artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, “[q]uem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.0, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
O artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 contém, pois, a descrição fundamental — o tipo essencial — relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo.
De seu mote, sob a epígrafe "tráfico de menor gravidade", prescreve o artigo 25.º, ainda do mesmo diploma, que: "Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;
b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV."
O tipo matricial ou tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes é o do art.º 21.º, n.º 1 do DL 15/93 — tipo esse que, pela amplitude da respectiva moldura penal — 4 a 12 anos de prisão - e pela multifacetada descrição típica, abrange os casos mais variados de tráfico de estupefacientes, considerados dentro de uma gravidade mínima, mas já suficientemente acentuada para caber no âmbito do padrão de ilicitude requerido pelo tipo, cujo limite inferior da pena aplicável é indiciador dessa gravidade, e de uma gravidade máxima, correspondente a um grau de ilicitude muito elevada — tão elevada que justifique a pena de 12 anos de prisão. Esse tipo fundamental corresponde, pois, genericamente, a casos que são já de média e de grande gravidade.
Os casos excepcionalmente graves estão previstos no art.º 24.º, pela indicação taxativa das várias circunstâncias agravantes, de natureza heterogénea e, por isso, insubsumíveis a uma teoria unificadora, que se estendem pelas diversas alíneas do art.º 24.º, enquanto que os casos de considerável diminuição da ilicitude estão previstos no art.º 25.º, aqui por enumeração exemplificativa de algumas circunstâncias que, fazendo baixar a ilicitude para um limiar inferior ao requerido pelo tipo-base, não justificam (desde logo por violação do princípio da proporcionalidade derivado do art.º 18.º da Constituição) a grave penalidade prevista na moldura penal estabelecida para o tráfico normal, considerando como tal o previsto pelo legislador e que, como vimos, engloba o médio e grande tráfico.
Frequentemente designado como um tipo privilegiado de tráfico, :tão o será em termos próprios, se atendermos ao que FIGUEIREDDO DIAS assinala a propósito da teoria das circunstâncias (Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 199), afirmando que «estas situações [circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes] distinguem-se das consideradas de qualificação ou privilegiamento, porque, enquanto nestas a modificação da moldura penal se opera por efeito de alterações ao nível do tipo ou dos elementos típicos — seja, como é geralmente, do tipo-de-ilícito, seja, menos frequentemente, do tipo-de-culpa - , na situação de que agora tratamos ela verifica-se por força de circunstâncias modificativas. Circunstâncias são, nesta acepção, pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo directamente respeito nem ao tipo-de-ilícito (objectivo ou subjectivo), nem ao tipo-de-culpa, nem mesmo à punibilidade em sentido próprio, todavia contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam por isso directamente para a doutrina da determinação da pena».
O Decreto-Lei 15/93, de 22.01, tem como escopo, como resulta do seu preâmbulo, evitar a degradação e a destruição dos seres humanos, provocados pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos1: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; ademais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos.
Pode qualificar-se, pois, o tráfico de estupefacientes como um crime de perigo: o legislador não exige, para a respectiva consumação, a efetiva lesão dos bens jurídicos tutelados.
E trata-se, outrossim, de um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal — embora todos eles possam ser recondutíveis a um mais geral: a saúde pública.
Finalmente, o crime é de perigo abstrato, porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras das circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos.
A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se maniste a intensidade (a potencialidade) do perigo para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstrata das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afetação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21.º e 22.º do Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25.º) e para os traficantes-consumidores (artigo 26.º) — Cfr. v.g., Lourenço Martins, Droga e Direito. ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão do STJ, de 1 de Março de 2001, na Coletânea de Jurisprudência, ano IX, tomo I, pág. 234.
Como se foi introduzindo, os art.ºs 25.º e 26.º estabelecem os tipos privilegiados de tráfico.
Quanto ao art.º 25.º, refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das planas, substâncias ou preparados); e, assim, tal como não basta para se configurar este tipo privilegiado de crime a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente, para que não exista, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável.
Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina (v. g, o acórdão do Supremo acima citado, com extensa indicação de referências jurisprudenciais) de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21.º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
"A tipificação do art.º 25.º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valeres postos em perigo com a sua pratica e frequência desta), encontra a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art.º 21.º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art.º 25.º" — Ac. do STJ de 20.03.02, CJASTJ, T. I, p. 239 e ss.
A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico. Mas estas são noções que, antes de se constituírem em categorias normativas, surgem como categorias empíricas susceptíveis de apreensão directa da realidade das coisas. A justeza da intervenção, para a adequada prossecução também de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21.º, 22.º e 24.º) e os pequenos e médios (artigo 25.º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26.º).
Já o crime do art.º 26.º, que se refere ao do traficante consumidor, exige que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no art.º 21.º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal. E, em consonância com a lei, o STJ, em unanimidade de jurisprudência, não considera preenchido este tipo legal quando se prove que o agente com o dinheiro obtido com a venda da droga visava essencialmente, mas não exclusivamente, financiar o seu próprio consumo.
Para consumação da infração, com exceção da exclusão existente na parte final do citado art.º 21.º, não releva o destino efetivo ou a intenção lucrativa, antes relevando a quantidade total do produto estupefaciente, ainda, por exemplo que a comercialização se consubstancie em maiores ou menores proporções.
O elemento subjetivo é a vontade livremente dirigida a qualquer das referidas ações, sabendo o agente que procede sem autorização de que de direito ou em discordância com determinação legal ou regulamentar.
Revertendo à situação dos autos, face ao espólio factual pacificado como provado, afigura-se estarmos perante duas situações com similitudes relevantes mas que, no campo da intensidade da ilicitude, se apartam capitalmente.
Com efeito, em ambas as situações verificamos que o arguido se ocupou da conhecida "traficância de rua", em zona da cidade de Lisboa consabidamente relacionada com tal actividade - ... — sempre por referenciação ao mesmo tipo de estupefaciente —cocaína — perspectivando duas transações iminentes (consumidores/compradores CC e DD) e com isso obtendo lucro monetário.
Contudo e distintamente, se os factos provados de 1. a 4. anotam uma primeira situação, consubstanciada numa transacção de uma embalagem de cocaína, por € 5,00, e numa detenção de 4 (quatro) embalagens de Cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,443 gramas, 2 (duas) embalagens de Cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,318 gramas e a quantia monetária de € 10,00 (dez euros), vem a ocorre de premeio com a segunda situação — factos provados de 5 a 12 — uma detenção, um interrogatório perante Magistrado do Ministério Público, uma sequencial libertação e uma imediata renovação do propósito de traficância com efectiva actuação meros cinco dias após.
Acresce que atentando nos contornes desta segunda situação, o arguido não só se propunha a uma nova transacção de cocaína, desta feita por € 10,00 (dez euros), como lhe vem a ser detectada quantidade manifestamente maior do mesmo produto estupefaciente: 15 (quinze) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 1,408 gramas.
Perante tal quadro, no decalque da normatividade supra convocada, como ponto primeiro, importa assinalar que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse "consideravelmente diminuída". Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser "exclusiva". Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra.
Mas, como importa não transformar o crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º numa raridade jurisprudencial, seguiremos uma tentativa de exemplificarão teórica da situação factual que configura o tipo de crime de tráfico de menor gravidade, cujo objectivo final é o de guiar a jurisprudência para alguma objectividade de critérios e para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas — seguindo de perto, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2011, proferido no processo n.º 127/09.3PEFUN.S1 - 5º SECÇÃO — Juiz Conselheiro Relator SANTOS CARVALHO — disponível em www.dgsi.pt.
Assim, mencionando a lei na previsão do art.º 25.º que a ilicitude do facto se deve mostrar "consideravelmente diminuída", não nos parece que o pequeno vendedor de rua, que faz dessa actividade "um modo de vida" deva beneficiar de uma considerável diminuição de ilicitude. Haverá, na nossa perspectiva, que impor algum limite temporal máximo para a prática dessa pequena actividade.
Note-se, também, que provavelmente não poderá ser considerado como «vendedor de rua», mas como «pequeno armazenista», aquele que, apesar de só ter sido observado pela polícia em pequenas vendas aos consumidores ou até não o sendo, detém em local próprio uma quantidade de droga que excede largamente a necessidade de satisfazer os seus «clientes» num período de tempo razoavelmente curto, tal como o retalhista no comércio cujo stock é limitado às exigências dos clientes nos tempos mais próximos.
Acresce importar referir, também, que um problema importante que se deve equacionar é o da "qualidade" da droga, isto é, da percentagem do princípio activo que contém o produto estupefaciente apreendido. Com efeito, quanto mais puro for o produto, isto é, quanto mais princípio activo contiver, maior é a quantidade de doses individuais de consumo que pode proporcionar. Há que ter em conta, para esse efeito, a Portaria 94/96 de 26 de Março, que estabeleceu, com base nos "dados epidemiológicos referentes ao uso habitual", o limite quantitativo máximo, do princípio activo de cada produto, para cada dose média individual diária.
A diminuição de ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção.
Mas, a avaliação de uma actividade, seja ela qual for, obriga a uma definição prévia de critérios (ou de exemplos-padrão) e, portanto, dir-se-á que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas:
a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contado pessoal, telefónico, internet);
b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;
c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como "abastecedor", a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;
d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.
e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;
f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados. essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;
g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restritas
h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.
Ora, no caso em apreço, sopesando o tempo da actividade de traficância (e, neste, não sendo despiciendo considerar os antecedentes criminais registados apurados ao arguido que, entre o mais, verifica duas condenações pelo tipo base e pelo tipo de menor gravidade - i) Por acórdão proferido a 28-09-2006, transitado em julgado a 05-03-2007, no âmbito do processo n.º 376/06.6POLSB, da 2' Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 21-03-2006, de um crime de tráfico de estupefacientes, foi condenado na pena de 3 anos de prisão efectiva:
ii) Por sentença proferida a 26-02-2013, transitada em julgado a 08-04-2013, no âmbito do processo n.º 14/12.8SHLSB, do 4.º Juízo Criminal de Lisboa, 2ª Secção, pela prática, em 22-02-2012, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, foi condenado na pena 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova; por despacho proferido nesses autos a 16-05-2016, foi tal pena declarada extinta), a forma rudimentar de organização da actividade, personificando o arguido o típico "vendedor de rua", facto se eleva que, atentando no cotejo de similitudes e distinção tal qual supra notadas, podemos, com segurança, concluir que se a primeira situação — ... de ... de 2023 — factos 1 a 4 — concebe integração nos índices de ilicitude consideravelmente diminuída, já não assim manifestamente sucede com a segunda situação — ... de ... de 2023 — actos 5 a 12 — em que a imagem global do facto escapa categoricamente à ilicitude consideravelmente diminuída, pois que, após uma detenção, um interrogatório perante Magistrado do Ministério Público, uma sequencial libertação, a imediata renovação do propósito de traficância traduz-se na efectiva actuação meros cinco dias após em que o arguido não só se propõe a uma nova transacção de cocaína, mas desta feita por € 10,00 (dez euros), sendo-lhe detectada quantidade superior ao dobro da anterior situação - 15 (quinze) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 1,408 grama, a par da quantia de € 30,00 (trinta euros), por certo fruto de outras transacções.
Termos em que se anotam duas distintas resoluções, submergindo assim também distintamente no preenchimento do tipo de ilícito objectivo e subjectivo, sempre em actuação com dolo directo, tal como este vem definido no artigo 14.0, n.º 1, do Código Penal (com reunião dos sub-elementos intelectual e volitivo do dolo), ao lume dos artigos 25.º e 21.0, do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro e Tabela I-B anexa ao mesmo diploma, sempre em autoria material (artigo 26.º, primeiro segmento, do Código Penal), inexistindo segmentação susceptível de se traduzir numa causa de justificação ou exclusão da ilicitude e, de similar modo, em momento algum foi posta em causa a imputabilidade do arguido.
Deste modo, conclui-se que, encontrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo, o arguido AA incorreu na prática — como infra se verá em reincidência (art.º 75.º e 76.º, n.º 1 do Código Penal) - em autoria material e em concurso real e efectivo, de:
i) Um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos arts. 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal - factos provados de 1. a 4., 13. e 14.; e
ii) Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal - factos provados de 5. a 14.
1 Vd. Ac do STJ de 18.09.de 1997, no processo 446/97”
II.3.D. Da fundamentação jurídica exarada no acórdão recorrido no que concerne às penas aplicadas (cfr. ref.ª 439873914 de 05-11-2024):
Por fim, é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida no que respeita às penas aplicadas:
Das consequências jurídico-penais da conduta do arguido.
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, impõe-se determinar a medida concreta das penas a aplicar ao mesmo relativamente às imputações concretizadas, sob a matriz do instituto da reincidência.
Com efeito, sob a precisa epígrafe "reincidência", dispõe o artigo 75.º, do Código Penal:
"1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
3 - As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa.
4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência."
Concretizando os seus efeitos, consagra o artigo 76.º, do Código Penal:
"1 - Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.
2 - As disposições respeitantes à pena relativamente indeterminada, quando aplicáveis, prevalecem sobre as regras da punição da reincidência. "
No caso espécie, os factos apurados foram praticados pelo arguido nos dias ... e ... de 2023.
Contudo, apura-se que, sem prejuízo dos demais antecedentes criminais constantes, no âmbito do processo n.º 7/19.4SULSB, do Juiz 5 — Juízo Central Criminal de Lisboa, por acórdão proferido em 05-12-2019, transitado em julgado a 17-04-2020, o arguido foi, entre o mais, condenado pela prática, em ...-...-2019, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal:
- Na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
- Na pena acessória de proibição de estabelecer quaisquer contactos, e por quaisquer meios, com a vítima, com afastamento da residência e local de trabalho desta, pelo período de 5 (cinco) anos, devendo o respectivo cumprimento ser fiscalizado com recurso a meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos no art.º 152º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
Com conexão a tal processo, no âmbito do processo de liberdade condicional n.º 353/19.7TXLSB-B, do Juiz 1 — Juízo de Execução das Penas de Lisboa—por decisão de 28-06­2022, foi concedida liberdade condicional ao arguido, pelo tempo de prisão que lhe faltaria cumprir até 22-12-2023.
No entanto tal condenação, a solene advertência aí feita e o cumprimento de pena de prisão efectiva não foram suficientes para obstar a que o arguido cometesse novos ilícitos penais dolosos.
O arguido revela uma especial apetência para o crime, não se inserindo socialmente, voltando a delinquir pouco tempo depois de ter sido condenado, estando desenquadrado das regras de vivência em sociedade.
De facto, à semelhança de ocasiões anteriores, o arguido voltou à prática de novos crimes, revelando uma total falta de controlo nas suas acções, total desrespeito pelos bens jurídicos subjacentes e pelas normas legais e sociais.
Acresce capitalmente que entre os factos (praticados em ...-...-2019) que determinaram a última condenação do arguido e aqueles (praticados em ... e ...-...-2023) pelos quais vai agora acusado não mediaram cinco anos, muito menos descontado o período em que o mesmo estive privado da liberdade.
Nesse sentido, esta nova incursão criminosa evidencia que as anteriores condenações não foram dissuasoras, revelando, pois, o arguido insensibilidade e sentimentos de indiferença e desprezo pela advertência que as condenações impostas deveriam representar.
Como assim, na redefinição das molduras abstractas, com referência aos artigos 75.º e 76.º, todos do Código Penal, ressaltam latentes as seguintes e correspondentes molduras gerais abstractas, pela prática, em autoria material e em concurso real e efectivo, de:
i) Um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos artsº. 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal - pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão a 5 (cinco) anos de prisão.
ii) Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 2.º, als. m) e ax), 3.º, n.º 2, al. e), 4.º e 86.º, n.º 1, al. d), todos da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril — pena de 13 (treze) dias a 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa ou pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias de prisão a 4 (quatro) anos de prisão.
iii) Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artº. 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal - pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão a 12 (doze) anos de prisão.
*
Natureza das penas.
Ao contrário da natureza exclusiva da pena privativa de liberdade a aplicar à tipificação de tráfico de estupefacientes (seja pelo tipo base, seja pelo tipo de menor gravidade), com respeito à imputação de detenção de arma proibida é aplicável, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade.
Dispõe o artigo 70.º, do Código Penal que, "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
O conteúdo deste artigo sintetiza o princípio basilar que deve presidir à aplicação de penas criminais na nossa ordem jurídica.
Conforme refere FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português. as consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pp. 74, 75 e 113), face ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, existe um princípio de preferência pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas. Resulta deste princípio que as medidas de segurança detentivas só têm lugar quando as não detentivas se revelem inadequadas ou insuficientes à prevenção. Optando-se pela pena privativa da liberdade esta tem necessariamente de se dirigir para a socialização do delinquente.
FERNANDA PALMA (Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, p. 35) afirma, por seu turno, que "[...]a decisão sobre a pena pressupõe uma relação não linear entre a pena e a prevenção do crime, em que na avaliação do efeito de desmotivação se pondera também a igualdade e a responsabilidade da sociedade na crimogénese.:...] A medida da igualdade e da justiça no que respeita à censura do comportamento criminoso só pode radicar no conhecimento da pessoa e na sua compreensão[...]", isto é, a censura penal tem de atender ao agente concreto do crime e às suas circunstâncias envolventes.
Decorre do critério geral acabado de enunciar que a pena escolhida há-de realizar "de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", tal como são definidas no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. São, pois, puras razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que dominam a operação de escolha da pena (assim também, ROBALO CORDEIRO, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, Vol. II, p. 48).
In casu, tendo por base as finalidades das penas (artigo 40º, n.º 1 do Código Penal), de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade, relevando as prementes necessidades de prevenção geral e especial, as condições pessoais do arguido, sopesando a existência de antecedência criminal, tudo em confronto com a tipologia e gravidade da concreta acção e, daí, censurabilidade, entende o Tribunal ser imperativo optar por pena privativa da liberdade com respeito à imputação de detenção de arma proibida, porquanto se entende que a pena de multa não é de todo idónea a assegurar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição subjacente.
*
Da dosimetria concreta das penas a aplicar.
Para avaliar da medida da pena no caso concreto, ANABELA MIRANDA RODRIGUES (A determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pp. 658 e ss.) entende que há que indagar factores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.
Na concretização da pena, a efectuar em função da culpa do agente, ter-se-á em conta o disposto no artigo 71.º, do Código Penal, sabendo-se que segundo o vertido no artigo 40.º, do mesmo diploma, a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum, essa pena ultrapassar a medida da culpa.
Cumpre, portanto, fixar a medida concreta da pena, tomando-se nesta senda necessariamente a culpa do agente — limite inultrapassável da pena — e as exigências de prevenção de novos crimes através da estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma violada - artigos 47.º, n.º 1 e 71.º, do Código Penal.
Daqui resulta que culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena2.
Por sua vez, determina o n.º 2 do artigo 71.º, do Código Penal, "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, ...".
Em decorrência, como factores atinentes aos factos praticados, considerados na sua globalidade, e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau da ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.
Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.
No que concerne aos factores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.
Assim, no que diz respeito aos crimes praticados pelo arguido são factores de graduação da pena:
O grau de ilicitude e o modo de execução do facto que, nos limites do concretamente apurado, aponta linearmente para o facto de estarmos perante um estádio de menor gravidade a moderado de tal índice gradativo consubstanciado em acção integrada em compasso de prossecução de tráfico de estupefacientes, respectivamente de menor gravidade e tipo base, visando lucro ilícito — tudo a par da detenção de faca de abertura automática (daí, convocando a categorização em arma de classe A), em plena ambiência de bairro urbano conotado com a a actividade de tráfico, ilustrando o arguido como um "vendedor de rua" que, não obstante as anteriores condenações e, no interlúdio dos episódios em crise nos autos, a detenção escassos dias em precedência persiste na sua actuação de traficância.
A gravidade das consequências da conduta que se apura moderada, considerando a acção empreendida, visando um impacto manifesto nos bens jurídicos protegidos —sendo na saúde pública (face à quantidade e qualidade do procuto estupefaciente em causa — cocaína (cloridrato), e, bem assim, em confronto dos valores da ordem, segurança, e tranquilidade públicas (por via da acção atinente à detenção de arma proibida).
A culpa do arguido consubstanciada num grau de dolo directo que, como tal e face ao contexto apurado, ponderamos concretizar-se num abstracto ponto de elevada intensidade.
Os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins ou motivos que o determinaram consubstanciados na motivação do arguido para a traficância, incluso não enjeitando a detenção de arma proibida, tudo em busca de assegurar vantagem patrimonial ilícita à custa da ostensiva chaga social que é a dependência de produtos estupefacientes.
As condições pessoais, sociais e a situação económica do arguido que vão valoradas em conformidade e nos limites do apurado, permitindo conceber um percurso vivencial manifestamente atribulado e desestruturado.
A conduta anterior e posterior ao facto que, com cerne ao pedaço de vida relevante, se circunscreve a uma assunção escassa dos factos em audiência — circunscrita à detenção da arma proibida e cuja justificação, ainda assim, não colheu - a qual, abona em tal precisa medida favor do arguido, mas que, no demais, não verifica laivo de assimilação da censurabilidade da respectiva conduta, antes eleva prementes dificuldades de descentração e de pensamento reflexivo sobre o seu modo de vida e das consequências do mesmo, não sendo despiciendo a sua recente condição de preso preventivo no estabelecimento prisional junto às instalações da polícia judiciária, no âmbito do processo n.º 1070/24.1PLLSB, pela alegada prática do crime de roubo.
A existência de antecedentes criminais registados que revelam urna vertigem para a, prática de distintos tipos incriminadores (v.g. condução sem habilitação legal, condução de veículo em estado de embriaguez, tráfico de estupefacientes, tráfico de menor gravidade, furto simples, violência doméstica), numa tendência para práticas anti-normativas ao longo dos anos, elevando, desse proporcional modo, as exigências de prevenção especial.
Por fim, as exigências de prevenção geral que se afiguram prementes porquanto, para além da perigosidade da detenção da tipologia da arma proibida detectada, a qual a masi das vezes está na origem de actuações despropositadas que colocam em crise a integridade física e a vida de terceiros, no que concerne particularmente ao tráfico de estupefacientes, como bem se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1996, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, IV, Tomo 2, páginas 211 e seguintes, "o tráfico de estupefacientes é um dos mais graves flagelos do mundo actual, pelos efeitos contagiantes e alastramento devastador de vidas e mentes humanas, com os consequentes conflitos sociais". Sendo, pois, inequívoco reclamar este crime (de tráfico de droga) a maximização dos arsenais da repressão e prevenção. Na verdade, há que sublinhar, acompanhando mais uma vez Pedro Vaz Patto (ob. cit., p. 494), que «a jurisprudência tem acentuado que as exigências de prevenção geral, positiva e negativa, decorrentes da nocividade social do tráfico de estupefacientes, da dimensão da ameaça que representa e da censura comunitária que suscita, reclamam, de um modo geral, uma punição severa». Com efeito, são evidentes as elevadíssimas necessidades de prevenção geral associadas aos crimes de tráfico de estupefacientes, que representam aquilo a que poderemos designar por verdadeira chaga social, atenta não só a sua recorrência, mas sobretudo as nefastas consequências que, ao nível dos diversos bens jurídicos que visa proteger, lhe estão inequivocamente associadas. Sem prejuízo de tal evidência, impõe-se ainda assim atentar na advertência também colhida na lição de Pedro Vaz Patto (ob. cit., p. 497), de que o princípio da dignidade da pessoa humana «obsta a que, de acordo com a clássica visão kantiana, esta possa ser instrumentalizada em função do interesse geral e do combate à criminalidade. Admitir que, em nome das exigências pragmáticas do combate à criminalidade em geral, ou do combate ao tráfico de estupefacientes em particular, em nome de exigências de prevenção geral positiva e negativa, se condena numa pena desproporcionada em relação à culpa concreta do agente é admitir essa instrumentalização».
Tudo devidamente aquilatado, tendo em conta os limites abstractos acima enunciados, as circunstâncias descritas, bem assim, considerando as necessidades de prevenção geral e especial, em equilibrada ponderação, afigura-se-nos ajustada às exigências de prevenção e à medida da culpa do arguido AA pela prática, como reincidente (artigos 75.º e 76.º, do Código Penal), em autoria material e em concurso real e efectivo, de:
i) Um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos arts. 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal: a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
ii) Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 2.º, als. m) e ax), 3.º, n.º2, al.e), 4º e 86.º, n.º 1, al. d), todos da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º12/2011, de 27 de Abril: a pena de 1 (um) ano de prisão
iii) Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal: a pena de 6 (seis) anos de prisão.
Da punição pelo concurso de crimes e respectivas penas.
Fixadas as penas parcelares a imputar ao arguido AA, impõe-se proceder ao seu cúmulo jurídico com observação do disposto no artigo 77.º, do Código Penal, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar ao arguido se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade deste.
No dizer de FIGUEIREDO DIAS3, "[...] tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique[...]", devendo na avaliação unitária da personalidade do agente relevar "[...]sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta [...]".Por outro lado, dentro deste contexto, será óbvio dizer que igualmente assume "[...] grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[...]".
Destarte, tendo em devida conta as considerações supra expendidas, operando o cúmulo jurídico nos termos do disposto no artigo 77.º, do Código Penal, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, de que ressalta a personificação e reiteração da actividade de traficância de cocaína, em ambiência de bairro urbano conotado com a mesma, incluso e na primeira das situações munido de arma branca (faca de abertura automática), verificando que nem uma detenção e presença a autoridade judiciária o inibiu de reiterar actuação (mormente traficância), em tudo evidenciando uma imagem global do facto manifestamente negativa, mais sopesando todo o atribulado e desestruturado percurso vivencial, a sensibilidade negativa da antecedência criminal e a presente condição de prisão preventiva à ordem de distinto processo (por alegada prática de distinto tipo de crime — v.g. roubo), temos que, compreendendo a moldura legal do concurso entre um mínimo e um máximo de, respectivamente, 6 (seis) anos e 9 (nove) anos e 6 (seis) meses, impõe-se adequado e proporcional condenar o arguido AA na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão — artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal.
2 DIAS, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — Parte Geral — II -- As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 214.
3 Direito Penal Português — Parte geral II — As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, pp. 291 e 292.
II.4. Da apreciação das questões objeto do recurso:
Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas pelo recorrente:
II.4.A. Do enquadramento jurídico-penal no que se refere ao tráfico de estupefaciente:
Entende o recorrente que os factos provados, no que se refere à atividade de tráfico de estupefacientes, consubstanciam apenas a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, atenta a quantidade e qualidade do produto, bem como a modalidade de venda e os meios empregues (cfr. I.2.).
Assim, em primeiro lugar, cumpre apreciar se o conjunto de atos de detenção e venda de cocaína praticados em ...-...-2023 são suscetíveis de integrar um crime de tráfico de estupefacientes autónomo, independente e diferenciado do anterior levado a cabo em 10-06-2023.
Da matéria de facto provada (cfr. II.3.A.), e que se mantém inalterada (cfr. II.2.B.), resulta que, por duas ocasiões distintas, no mesmo local, o recorrente se encontrava a proceder à venda de cocaína a terceiros, em troca de quantias monetárias, detendo cocaína e dinheiro, aquela com vista a ser vendida e este proveniente das vendas já até então efetuadas.
No entanto, apesar de distarem apenas 5 dias entre as duas ocasiões, o certo é que, na primeira ocasião, por força da conduta que então levava a cabo, o recorrente foi detido e interrogado perante Magistrado do Ministério Público, após o que foi restituído à liberdade, tendo renovado o propósito de se dedicar à venda de cocaína a terceiros, que concretizou na segunda situação (cfr. factos provados 5 e 6 – II.3.A.).
Assim, não obstante a similitude e homogeneidade das duas atuações, bem como a sua proximidade temporal, resulta da matéria de facto provada que o arguido renovou o desígnio criminoso, tendo, pois, agido determinado por diferentes resoluções, obedecendo a atuação posterior a um processo deliberativo autónomo em relação ao que presidiu à atuação anterior, não sendo uma mera descarga da resolução inicial (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-01-2021, processo n.º 144/18.2.GBSCD.C111; acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-01-2011, processo n.º 13/09.7JELSB.E112).
De resto, o comportamento global levado a cabo pelo recorrente assume uma pluralidade de sentidos sociais autónomos de ilicitude típica (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal – Parte Geral, Coimbra Editora, 2.ª edição, reimpressão, Coimbra, 2012, págs. 977 e segs.).
Deste modo, o recorrente praticou, em concurso efetivo, dois crimes de tráfico de estupefacientes (cfr. art.º 30.º, n.º 1, do C.P.).
Tendo o tribunal recorrido subsumido a conduta levada a cabo pelo recorrente em 10-06-2023 ao crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, em segundo lugar cumpre apreciar se a conduta levada a cabo pelo recorrente em ...-...-2023 integra o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, como foi entendido pelo tribunal recorrido, ou antes o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, como parece decorrer das conclusões do recurso interposto pelo recorrente, sendo que uma alteração da qualificação jurídica sempre poderia ser levada a cabo oficiosamente por esta instância de recurso (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/95, de 07-06-1995, para fixação de jurisprudência13; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-04-2008, processo n.º 07P419714; acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 15-02-2007, processo n.º 07P01515; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2001, processo n.º 00P274516).
O tribunal recorrido fundamentou tal enquadramento jurídico-penal no facto de, enquanto que na primeira situação estava em curso uma transação de uma embalagem de cocaína, por € 5, detendo o recorrente 6 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 0, 761 gramas e a quantia monetária de € 10, na segunda situação não só se propunha a uma nova transação de cocaína, desta feita por € 10, ou seja, o dobro da primeira, como detinha 15 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 1,408 gramas e, assim, “quantidade manifestamente maior”, mas também na circunstância de, entre as duas, ter ocorrido uma detenção, um interrogatório perante Magistrado do Ministério Público, uma sequencial libertação e uma imediata renovação do propósito de traficar cocaína que se materializou passados apenas uns meros cinco dias (cfr. II.3.C.).
Segundo o art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01 cometerá o crime de tráfico e outras atividades ilícitas quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.º 40.º, plantas, substâncias ou preparações, compreendidas nas tabelas I a III.
No entanto, segundo o art.º 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, será cometido o crime de tráfico de menor gravidade se no caso do art.º 21.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
Assim, o crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art.º 21.º, do citado Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01. Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando alguns fatores aferidores de menorização da ilicitude do facto a título meramente exemplificativo.
Deste modo, conforme resulta da lei, para esse efeito, não se poderá atender a circunstâncias referentes à culpa, ao desvalor da atitude interna do agente ou à sua personalidade (cfr. acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 21-12-2022, processo n.º 77/20.2PEVIS.C1.S117; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-04-2022, processo n.º 6/20.3GALLE.S118; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-04-2021, processo n.º 1/19.5PBPTM.S119; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-01-2020, processo n.º 23/17.0PEBJA.S120).
Por outro lado, apesar de se tratar de cocaína e, assim, de estupefaciente que integra a categoria das chamadas “drogas duras”, pelos efeitos mais nocivos que lhe estão associados, estando em causa a venda de tal estupefaciente e, assim, uma das condutas típicas mais graves, o certo é que em ambas as ocasiões a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída.
Na verdade, resulta da matéria de facto provada (cfr. II.3.A.) que em ambas as ocasiões a conduta levada a cabo pelo recorrente baseava-se no contato pessoal direto dos consumidores finais com o próprio recorrente, que o procuravam naquele local, situado na rua, para adquirirem aquele estupefaciente. Da matéria de facto provada resulta também que o recorrente exercia tal atividade numa restrita área geográfica, e não recorria a intermediários, a indivíduos contratados ou a outros meios mais sofisticados ou dissimulados quer de locomoção quer para angariar clientes ou para efetivar as vendas de cocaína. Por outro lado, as quantidades que o recorrente transacionava de cada vez são adequadas ao consumo individual dos consumidores que o procuravam, sendo as quantidades por si detidas necessariamente compatíveis com a venda do referido estupefaciente num período de tempo muito curto. Acresce que da matéria de facto provada não resulta que o mesmo detivesse em local próprio uma quantidade de cocaína que excedesse a necessária para satisfazer a carência por tal estupefaciente das pessoas que a ele recorriam para o adquirir. Por outro lado, da matéria de facto apurada resulta ainda que eram diminutas quer as quantias cobradas quer as já até então obtidas, mostrando-se os proventos alcançados como adequados para serem utilizados na satisfação de algumas necessidades básicas do recorrente e no próprio consumo de estupefaciente.
Deste modo, apesar de na segunda situação ser maior a quantidade de cocaína detida e mais elevado o preço cobrado em contrapartida da transação em curso, ainda assim a ilicitude do facto fica consideravelmente aquém da pressuposta no tipo de crime de tráfico de estupefacientes matricial p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01.
Tudo ponderado, afigura-se que o recorrente incorreu, como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efetivo, na prática de 2 crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, ps. e ps. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, do C.P. e 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal, assim se alterando a qualificação jurídica, que representa um minus em relação à defendida em 1.ª instância.
Procede, pois, em parte, o recurso interposto.
II.4.B. Da medida da pena:
Face à alteração da qualificação jurídica dos factos (cfr. II.4.A.), cumpre determinar a pena a aplicar ao recorrente relativamente aos factos ocorridos em ...-...-2023.
O crime de tráfico de menor gravidade é punido com uma pena de prisão de 1 a 5 anos (cfr. art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01).
Tendo em conta tal limite mínimo, não tendo sido colocada em causa a punição do recorrente como reincidente (cfr. II.3.D.), dos factos apurados (cfr. factos provados 16 a 19 – II.3.A.) e do que a seguir se exporá resulta a verificação dos pressupostos formais, resultando também da factualidade apurada o pressuposto material de tal circunstância agravante geral (cfr. art.º 75.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.), pese embora se trate de reincidência genérica, heterogénea ou polítropa.
Assim, pelo crime de tráfico de menor gravidade cometido em ...-...-2023 incorre o recorrente numa pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 5 anos (cfr. arts. 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01 e 76.º, n.º 1, do C.P.).
A determinação da medida da pena tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo a função desempenhada por cada um destes critérios definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico (cfr. art.º 71.º, n.º 1, do C.P. e ANTUNES, Maria João, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pág. 41 e segs.).
Deste modo, a prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar (cfr. art.º 40.º, n.º 1, do C.P.).
Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (cfr. art.º 40.º, n.º 2, do C.P.).
Ora, dentro desses limites cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente.
Assim, na determinação da medida da pena, o tribunal encontra-se vinculado à observância de três proposições político-criminais:
• O direito penal é um direito de proteção de bens jurídicos;
• A culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento; e
• A socialização é a finalidade da aplicação da pena (cfr. RODRIGUES, Anabela Miranda, in “Medida da pena de prisão – desafios na era da inteligência artificial”, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 4021, Ano 149.º, março-abril de 2020, pág. 260).
Assim, importa ter em conta, dentro dos limites abstratos definidos pela lei, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o recorrente, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para exigências preventivas.
São acentuadamente elevadas as exigências de prevenção geral no que se refere ao crime de tráfico de estupefacientes face à urgente necessidade de desmotivar a sua prática tendo em conta o alarme social e o repúdio que suscita na nossa sociedade e os efeitos nefastos que nesta provoca, constituindo um dos fatores de maior perturbação social, quer pelos riscos para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica dos destinatários de tal atividade, quer pelas ruturas familiares e fraturas na coesão social que provoca, com a proliferação de uma vasta criminalidade associada ao consumo de estupefacientes.
Assim, o crime em causa gera na comunidade um forte sentimento demandando uma solene punição dos seus agentes a fim de ser recuperada a confiança na vigência e validade da norma violada.
A conduta do arguido, embora se tenha traduzido numa das mais graves das supostas pelo tipo de crime em causa e referente a estupefaciente que integra as denominadas “drogas duras” e, assim, mais nocivo, limitou-se a um dia, não sendo elevada a ilicitude do facto, caracterizando-se pela sua simplicidade o modo de execução.
Contudo, o recorrente agiu com a modalidade mais intensa de dolo, que se mostra direto, pelo que, sendo a forma mais gravosa de dolo, representa maior desvalor. Acresce que o cometimento dos factos cinco dias após a sua detenção e submissão a interrogatório perante autoridade judiciária por força de factos semelhantes é reveladora de uma desvaliosa personalidade, mas também de firme resolução criminosa sendo, pois, elevada a culpa com que agiu.
Por outro lado, milita ainda contra si a intenção lucrativa com que atuou.
O percurso de vida do recorrente foi caracterizado por alguma destruturação e problemas aditivos, desvalorizando o mesmo a necessidade de acompanhamento terapêutico, apresentando dificuldades de descentração e de pensamento reflexivo sobre o seu modo de vida e das consequências dos seus atos, denotando apatia e uma atitude conformista, o que milita contra si.
À data dos factos mantinha enquadramento habitacional precário, exercendo alguns biscates na área da …, sendo que atualmente se encontra privado de liberdade, em prisão preventiva, à ordem de distinto processo, o que eleva a as exigências de socialização.
Não era primário à data dos factos, tendo já cometido crimes de tráfico de estupefacientes e crimes rodoviários, alguns dos quais ligados a um dos problemas aditivos de que também padece, bem como outros crimes de distinta natureza, o que também eleva as exigências de socialização.
Tudo ponderado, afigura-se adequada a pena de 2 anos e 10 meses de prisão.
Ora, mantendo-se incólumes as demais penas parcelares aplicadas ao recorrente, importa reformular o cúmulo jurídico efetuado.
A pena única terá, considerando para o efeito as penas aplicadas parcelarmente, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (cfr. art.º 77.º, n.º 1 e n.º 2 do C. P.).
Assim, no presente caso, para o recorrente a pena única de prisão terá como limite mínimo 2 anos e 10 meses, cifrando-se em 6 anos e 4 meses o seu limite máximo.
Estabelecida a moldura penal do concurso em causa deve determinar-se a pena conjunta do concurso, dentro dos limites daquela. Tal pena será encontrada em função das exigências de culpa e de prevenção, tendo o legislador fornecido, para além dos critérios gerais estabelecidos no art.º 71.º do C. P., um critério especial: “Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (cfr. art.º 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do C.P.).
Importa, pois, detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre os factos concorrentes, tendo em vista a totalidade da atuação do respetivo arguido como unidade de sentido, que possibilitará uma avaliação global e a “culpa pelos factos em relação” (cfr. MONTEIRO, Cristina Líbano, in “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, págs. 162 e segs.). Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 286).
Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, ou eventualmente mesmo a uma carreira criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sendo que só no primeiro caso será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. No entanto, não pode ser esquecida a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do respetivo agente.
A concreta circunstância que deva servir para determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena não deve ser de novo valorada para quantificação da culpa e da prevenção relevantes para a medida da pena, nisso se traduzindo o princípio da proibição de dupla valoração (cfr. art.º 71.º, n.º 2, do C.P. e DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 237).
Contudo, apesar de os princípios da culpa e da prevenção se refletirem na imagem global do facto para determinação da moldura penal aplicável, nada impede que tais princípios entrem de novo em conta, sem qualquer restrição, na operação de determinação da medida concreta da pena única em caso de concurso de crimes. Na verdade, neste contexto, o princípio da proibição de dupla valoração não pode dizer-se violado (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 238).
Como é evidente, na referida operação apenas podem ser atendidos os factos dados como provados e o que deles se pode deduzir.
O recorrente, já adulto, cometeu 3 crimes, 2 deles da mesma natureza, em apenas 5 dias. Apesar de não ser elevada a ilicitude dos factos, sendo simples o modo de execução, todos os crimes foram cometidos de forma dolosa, sendo os da mesma natureza cometidos de forma homogénea, revelando os factos cometidos uma culpa elevada.
No passado, o recorrente já havia cometido crimes da mesma natureza a esses dois crimes semelhantes agora aqui também em causa, para além de outros de distinta natureza, tendo sido aplicadas as mais diversas penas, entre as quais prisão efetiva, o que não afastou o recorrente da prática de ilícitos, percurso criminoso apenas interrompido pela sua nova reclusão.
Padece de problemas de adição, que desvaloriza, sendo que até ser detido não era estável a sua inserção familiar, social e profissional.
Assim, da imagem global dos crimes aqui em causa afigura-se que o conjunto dos factos em apreço evidencia já uma personalidade reveladora de uma maior facilidade para delinquir, pelo que será de atribuir à pluralidade de crimes cometidos um efeito mais agravante dentro da respetiva moldura penal conjunta.
Tudo ponderado, julga-se adequada a pena única de 4 anos de prisão.
II.4.C. Da suspensão da execução da pena única de prisão:
Cumpre agora analisar a já elencada questão suscitada pelo recorrente, ou seja, a opção pela efetividade da pena de prisão em detrimento de uma pena de substituição, sendo que aquele pugna pela suspensão da execução da pena única em que vem condenado.
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do C.P.).
Uma vez que, no caso, está preenchido o pressuposto formal de que a suspensão da execução de uma pena de prisão está dependente, tendo em conta a medida concreta da pena única fixada, cumpre averiguar se igualmente se verifica o pressuposto material de que fica dependente a aplicação de tal pena de substituição.
Na verdade, é necessário que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias do caso, se conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente de um crime, ou seja, que se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, acompanhadas ou não da imposição de deveres (cfr. art.º 51.º do C.P.), regras de conduta (cfr. art.º 52.º do C.P.) e/ou regime de prova (cfr. art.º 53.º do C.P.), bastarão para o afastar da prática futura de crimes.
Contudo, a pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-11-1996, in Coletânea de Jurisprudência, Tomo V, pág. 47; SANTOS, Cláudia Cruz, in O Direito Processual Penal Português em Mudança – Ruturas e Continuidades, Livraria Almedina, 2020, pág. 21).
Ora, o recorrente cometeu os 3 crimes aqui em causa após ter cometido vários outros crimes, dois dos quais da mesma natureza, tendo-lhe sido aplicadas as mais diversas penas, incluindo penas principais não detentivas, penas de substituição não detentivas e penas de prisão, o que não o afastou da prática de ilícitos.
Nestas condições, afigura-se que a tutela dos bens jurídicos em causa, a estabilização das expectativas da comunidade na validade e vigência da norma violada e as exigências de socialização que o caso denota não se bastam com a ameaça da pena de prisão e, assim, com a aplicação de uma pena de substituição não detentiva, sendo que o próprio recorrente já deu mostras de tal ser insuficiente para o afastar da prática de crimes.
Assim, julga-se adequado não suspender a execução da referida pena única de prisão.
II.5. Das custas:
Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso (cfr. art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo o arguido condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo (cfr. art.º 513.º, n.º 2, do C.P.P.), devendo a condenação em taxa de justiça ser sempre individual e o respetivo quantitativo ser fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) (cfr. art.º 513.º, n.º 3, do C.P.P.).
Na área do processo penal, tendo em conta o seu primacial interesse público, que escapa à vontade privada, bem como o estatuto do arguido enquanto sujeito processual e as garantias de defesa que lhe são reconhecidas, nomeadamente o direito ao recurso (cfr. art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da república Portuguesa – C.R.P.), o legislador entendeu que o arguido só poderia ser responsabilizado pelo pagamento das custas, em sede de recurso, caso decaísse totalmente e, sendo esse o caso, sendo apenas sancionado com uma única taxa de justiça.
Ora, assim sendo, como não houve decaimento total, não há lugar a condenação em custas.
III. Decisão:
Para além da correção do aludido lapso na fundamentação da determinação da pena única exarada do acórdão recorrido (cfr. II.2.A.), julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência:
- Altera-se a qualificação jurídica dos factos referentes ao dia ...-...-2023 e condena-se o arguido AA, por tais factos, como autor imediato, sob a forma consumada e como reincidente, de 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 75.º, 76.º, do C.P., 21.º, n.º 1, 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B anexa àquele diploma, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
- Tendo em conta as demais penas parcelares aplicadas em 1.ª instância, reformula-se o cúmulo jurídico e condena-se o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, mantendo, no mais, o acórdão recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 11-03-2025
Pedro José Esteves de Brito
João Grilo Amaral
Ester Pacheco dos Santos
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1. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf
2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument
3. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf
4. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument
5. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8970d70d6923abef80258a55002dea71?OpenDocument
6. https://files.diariodarepublica.pt/1s/2012/04/07700/0206802099.pdf
7. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a64f4961e6c64dd880257460002d2ac5?OpenDocument
8. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0ae30252aba119ee8025710f00448a14?OpenDocument
9. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020259.html
10. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040140.html
11. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ade5215a6539680b8025866d003eaf79?OpenDocument
12. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/a94786432c05158380257de10056f4e6?OpenDocument
13. https://files.dre.pt/1s/1995/07/154a00/42984300.pdf
14. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4c59c5f3654cd65b802574390050eba9?OpenDocument
15. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ad5d340657230671802572830053c502?OpenDocument
16. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/A163F85074E6D8F8802571240065D969
17. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c5e368f9bb601dee8025892000412661?OpenDocument
18. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0beb15e9f103795f8025881e002ef59e?OpenDocument
19. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b996c9ced4c4d6de802586b40042f82b?OpenDocument
20. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c058fcde857bde52802586260047358d?OpenDocument