Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA JOSÉ MOURO | ||
Descritores: | INCUMPRIMENTO DO PODER PATERNAL MAIORIDADE LEGITIMIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/29/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | SUMÁRIO (da relatora).
I – Apesar de o filho comum ter entretanto atingido a maioridade, tem legitimidade activa para o incidente de incumprimento referente a prestações de alimentos vencidas durante a sua menoridade, o progenitor com aquele convivente - se o requerido não cumpriu o dever de contribuir para o sustento do filho será de presumir que foi a requerente quem custeou, na totalidade, as respectivas despesas, cabendo-lhe receber as quantias em dívida. II – Nas mesmas circunstâncias existe interesse em agir por parte da requerente. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
* I - Em 21-9-2010 AP deduziu contra PP incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, ao abrigo do disposto no art. 189 da OTM, com respeito ao já maior FP. Alegou, em resumo, que o requerido não procedeu ao pagamento de valores atinentes às pensões de alimentos do então menor FP, no valor inicial de 45.000$00 mensais com as respectivas actualizações, pensões referentes ao período entre 24-2-2002 e Junho de 2007 e que deviam ter sido entregues à requerente, no valor global de 17.938,38 €, a que acrescem juros de mora, tudo somando € 22.228,15. Em requerimento por si apresentado o requerido suscitou, designadamente, a ilegitimidade da requerente, determinante da absolvição da instância, visto FP haver atingido a maioridade em Novembro de 2007. Em resposta a requerente afirmou que: «tendo em consideração que nesta acção se pretende provar o incumprimento pelo ora requerido de valores atinentes a pensões de alimentos devidas a FP durante a sua menoridade, os quais deviam ter sido entregues à ora requerente, deve-se concluir pela legitimidade desta (requerente) na presente». Teve lugar conferência de pais em que não houve acordo. Foi proferido despacho que decidiu nos seguintes termos: «1. Julga-se procedente, por provada, a excepção dilatória de ilegitimidade da requerente, e verificada a excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir, absolvendo-se o requerido desta instância cível, nos termos conjugados dos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. e), 578.º, ambos do Código de Processo Civil, ex vi art. 161.º e 181.º, n.º 4, ambos da Organização Tutelar de Menores»... Apelou a requerente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1º O presente recurso limita-se à apreciação do Exmo. Senhor Juiz a quo no sentido de “(…) é manifesto que a requerente, por um lado, carece de legitimidade activa, por outro lado, não detém interesse em agir (na qualidade de progenitora do filho maior FP) (…)”, 2º é esse o seu objecto. 3º Bem andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter decidido, que os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à sua maioridade 4º Bem andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter decidido, que a requerente ora recorrente e o requerido, no exercício de um poder-dever tinham de prover ao sustento, saúde, segurança e educação do FP, durante a sua menoridade. 5º Bem andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter considerado, que competia aos requerente ora recorrente e requerido, no interesse do então menor FP, prover ao seu sustento, de lhe prestar alimentos. 6º Foi fixado valor mensal atinente a pensão de alimentos a pagar pelo requerido a FP. 7º Bem andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter considerado, que tendo sido fixada ao requerido, um valor de pensão de alimentos, este tinha durante a menoridade de FP de a satisfazer tempestivamente, pagando-a. 8º Bem andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter considerado, que a requerente ora recorrente tinha legitimidade para se apresentar em juízo durante a menoridade de FP, com o pedido de requerer a fixação de alimentos para o seu sustento ou a sua cobrança coerciva. 9º Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter considerado, que carecia à requerente ora recorrente legitimidade para ter proposto os autos de 1ª instância, em representação de FP, a essa data já maior. 10º Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter decidido que a requerente ora recorrente não tinha qualquer tipo de legitimidade, nem tem interesse em agir, pelo menos nos moldes que constam nos autos de 1ª instância. 11º A requerente ora recorrente nos autos de 1ª instância, pretendeu provar o incumprimento pelo requerido da sua obrigação de pagamento de valores atinentes a pensão de alimentos devidas a FP durante a menoridade deste, (sublinhado nosso), 12º valores esses que deviam ter sido entregues à requerente ora recorrente pelo requerido, para os alimentos daquele (FP). 13º A requerente ora recorrente tinha legitimidade para a instauração dos autos de 1ª instância. 14º A requerente ora recorrente tinha interesse em agir. 15º Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter decidido que a requerente ora recorrente não tinha legitimidade para a instauração dos autos de 1ª instância. 16º A requerente ora recorrente durante a menoridade de FP, teve, pelo menos nos períodos de tempo alegados nos autos de 1ª instância, de prover sozinha ao sustento, assistência deste. 17º A requerente ora recorrente, nos autos de 1ª instância alegou factos e peticionou aí valores referentes a períodos de tempo em que ela alimentou sozinha FP. 18º A requerente ora recorrente tem nos autos de 1ª instância todo um interesse directo em demandar o requerido, 19º assim como ela tem utilidade na procedência dessa acção. 20º A requerente ora recorrente, nos autos de 1ª instância, limitou-se a alegar factos relativos ao incumprimento do requerido da sua obrigação de pagamento de pensão de alimentos, durante a menoridade de FP. 21º É essa a causa de pedir dos autos de 1ª instância. 22º O pedido dos autos de 1ª instância, se limitou ao valor apurado dos incumprimentos do requerido da sua referida obrigação. 23º A requerente ora recorrente tem legitimidade processual activa e interesse em agir em representação de FP, para a instauração contra o requerido de acção de incumprimento, os autos de 1ª instância. 24º O requerido não efectuou o pagamento da pensão de alimentos devida a FP, durante e só a sua menoridade. 25º FP, não podia estar por si em juízo nos autos de 1ª instância, tendo em conta a causa de pedir e pedido aí formulados. 26º A requerente ora recorrente, durante a menoridade de FP, providenciou sozinha ao sustento deste, 27º tem ela legitimidade activa, interesse em agir e utilidade na procedência dos autos de 1ª instância, subrogando-se 28º O Exmo. Senhor Juiz a quo ao ter decidido conforme o fez, mal andou. 29º O Exmo. Senhor Juiz a quo violou as normas jurídicas previstas nos n.ºs 1, 2, art.º 28º CPC, 30º n.ºs 1, 2, art.º 15º CPC, 31º n.º 1, art.º 16º CPC, 32º nºs 1, art.º 592º C.C.. 33º Assim mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter considerado que “(…) é manifesto que a requerente, por um lado, carece de legitimidade activa, por outro lado, não detém interesse em agir para (na qualidade de progenitora do filho maior FP), pedir a condenação do requerido a pagar ao filho uma determinada quantia monetária, o que implicará, a final, a sua consequente absolvição da presente instância(…)”,. 34º Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter julgado procedente, por provada a excepção dilatória de ilegitimidade da requerente ora recorrente, absolvendo o requerido da instância cível de 1ª instância. 35º Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter julgado procedente, por provada a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir da requerente ora recorrente, absolvendo o requerido da instância cível de 1ª instância. Não foram apresentadas contra alegações. * II - Sendo as conclusões da alegação de recurso que delimitam o seu objecto, face às conclusões apresentadas pela apelante no seu reporte à decisão recorrida verificamos que a questão que se nos coloca é a de se o progenitor com quem o então menor residiu tem legitimidade para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a sua menoridade quando ele já é maior, bem como a de se existe interesse em agir por parte do mesmo. * III - O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos: - FP nasceu em 14-11-1989 (cf. fls. 9 dos Autos Principais). - Correu termos entre os ora requerente e requerido, processo de divórcio por mútuo consentimento a que coube o n.º 690/96, no âmbito do qual foi junto acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais atinente ao mesmo, tendo a respectiva decisão transitado em julgado em 22-09-1997 (cf. Acta a fls. 15 e 16 dos Autos Principais). - Em 19-02-2007, a ora requerente instaurou, por apenso, incidente de incumprimento contra o aqui requerido (Apenso A), no qual foi exarada decisão, ao abrigo do disposto no art. 189.º, al. b), da Organização Tutelar de Menores, determinando “os descontos das prestações alimentares vincendas no vencimento do requerido PJ, notificando-se para o efeito a entidade patronal deste (…) que as deverá depositar em conta bancária da requerente mãe, sem encargos para esta, até ao dia 8 de cada mês, e no montante de € 301,30, e isto até ao próximo mês de Novembro de 2007 (inclusive), data em que o F, por completar 18 anos, atingirá a maioridade”, a qual transitou em julgado (cf. fls. 24 e 25, do Apenso A). - A presente acção foi instaurada em 21-09-2010 (cf. fls. 1). * IV – A questão referente à legitimidade do progenitor com quem o menor residiu, para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a sua menoridade, quando ele já é maior, é uma questão não isenta de controvérsia. Diziam-nos Helena Gomes de Melo, João Raposo, Luís Carvalho, Manuel Bargado, Ana Leal e Felicidade Oliveira ([1]) que a legitimidade para reclamar as prestações vencidas na pendência da menoridade dos descendentes recai sobre o progenitor com quem o menor reside (ou progenitor guardião), mesmo após a maioridade do filho, pois as prestações vencidas na sua menoridade não se convertem em crédito próprio deste. Assim, só o progenitor que não recebeu as prestações alimentares poderá executar o progenitor obrigado a alimentos para receber essas prestações ou prosseguir a lide já iniciada na menoridade e na qual não conseguiu obter pagamento até à maioridade do filho». Referindo Remédio Marques ([2]), sobre as quantias a cujo pagamento o progenitor devedor de alimentos se obriga em atenção à pessoa do menor, as quais devem ser entregues ao outro progenitor para que este as utilize no custeamento das despesas referentes ao sustento e manutenção daquele, que a pessoa do titular delas coincide com a do beneficiário – o menor – agindo este progenitor «em substituição processual parcial representativa do menor». Dizendo mais adiante: «Admite-se que, embora as prestações caibam iure próprio ao filho (in casu, maior de 18 anos) o progenitor convivente que tenha custeado total ou parcialmente as despesas de sustento e de manutenção que ao outro obrigavam, possa sub-rogar-se nos direitos (de crédito) do filho». Já Maria Clara Sottomayor ([3]) refere que a solução mais justa e pragmática é aquela que permite que o progenitor que exerceu as responsabilidades parentais tenha legitimidade para, após a maioridade do filho, exigir as prestações vencidas e não pagas durante a menoridade em incidente de incumprimento, sem o que resulta prejudicado o progenitor que se sacrificou financeiramente pelos filhos, suprindo durante a menoridade destes a omissão do outro progenitor. Na jurisprudência será de assinalar, desde logo, o acórdão do STJ de 25-03-2010 ([4]) no qual foi entendido que: «O progenitor a quem foi confiada a guarda do filho não perde a legitimidade para continuar a exigir do outro, designadamente no incidente de incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade do filho, após a maioridade deste». Ali se escrevendo: «É ao progenitor com guarda que cabe a legitimidade para, em substituição processual do menor, pedir os alimentos, a sua alteração ou exigir o cumprimento coercivo da obrigação. Consequentemente, se o progenitor condenado a entregar ao outro prestações alimentares a título de alimentos devidos ao filho menor não cumpre, este fica onerado e passa a custear despesas que obrigavam aquele, despesas que só ele pode exigir do devedor, seja no exercício de um direito próprio, seja, quando assim se entenda, por via sub-rogatória (art. 592º-1 C. Civ.). Já a Relação de Lisboa, no seu acórdão de 5-12-2002 ([6]) considerara que o «progenitor convivente, que teve o filho à sua guarda até este atingir a maioridade e que cumpriu o seu dever de assistência, tem legitimidade para exigir o cumprimento das prestações fixadas em decisão judicial vencidas e não pagas durante a menoridade, uma vez atingida a maioridade do filho, no seu exercício de sub-rogação legal previsto no art. 592, nº 1, do Código Civil». Em idêntico sentido o acórdão desta Relação de 4-03-2010 ([7]), no qual se concluíra: «O progenitor que assegurou o sustento e educação do filho menor até à maioridade deste, sem que o progenitor não convivente tivesse pago as prestações em dívida, possui legitimidade para exigir o cumprimento das prestações já fixadas em decisão judicial vencidas e não pagas durante a menoridade daquele». Em sentido próximo, no acórdão desta Relação de 2-10-2014 ([8]) ponderou-se: «-A legitimidade da mãe do menor para suscitar o incidente de incumprimento da prestação de alimentos, fixada no âmbito do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais pactuado entre os seus pais, durante a sua menoridade, decorre do nº 1 do artigo 181º da OTM. - A legitimidade para a cobrança desse crédito é-lhe conferida por sub-rogação legal, de acordo com o estabelecido no artigo 592º nº 1, do Código Civil, quer no caso de o filho ser ainda menor, quer mesmo no caso de o filho ter entretanto atingido a maioridade. - Embora as prestações caibam iure próprio ao filho, o progenitor convivente, que tenha custeado, total ou parcialmente, as despesas de sustento e a manutenção que ao outro obrigavam, possa subrogar-se nos direitos (de crédito) do filho. - As prestações vencidas durante a menoridade não se convertem em crédito próprio do filho após a maioridade deste, mantendo a mãe, que exerceu o poder paternal, legitimidade, em nome próprio ou em representação do filho, para as exigir do devedor». Já no acórdão da Relação do Porto de 15-1-2013 ([9]) foi salientada uma perspectiva aparentemente mais abrangente, dizendo-se ser de atribuir legitimidade: «- ao filho que entretanto atingiu a maioridade, por iure próprio; - ao progenitor a quem o menor se encontrou confiado, caso tenha assegurado o sustento do menor para além da quota-parte que lhe incumbia, por sub-rogação». O que foi reafirmado nos acórdãos daquela Relação de 10-07-2013 ([10]) e de 16-01-2014 ([11]). Escreveu-se neste último: «…parece nada haver que impeça o filho, que atingiu com a maioridade a plena capacidade judiciária, de actuar o seu direito, independentemente de este se reportar a crédito que nasceu na sua esfera jurídica enquanto menor. O que turva um pouco esta linear visão do problema é o facto de, em regra, o progenitor não faltoso colmatar a omissão do progenitor relapso, assumindo os encargos com o filho que ele não custeou. E é nessa linha que lhe poderá ser também conferida legitimidade para a cobrança desse crédito, por sub-rogação legal, no caso de o filho ter entretanto atingido a maioridade, de acordo com o estabelecido no artigo 592º, nº 1, daquele código (…) O que importa não olvidar é que o filho sempre foi o verdadeiro titular do direito. Pelo que, adquirindo ele com a maioridade a plena capacidade judiciária, nada obsta a que exija o seu cumprimento, pese embora o crédito lhe tenha advindo enquanto menor». No contexto assinalado e atentos os argumentos transcritos, afigura-se-nos não ser de negar, no caso concreto, legitimidade à requerente para deduzir o presente incidente. O devedor, aqui requerido, estava obrigado consoante acordo homologado por sentença transitada em julgado, a pagar as prestações mensais fixadas e destinadas ao sustento e educação do filho comum com ela convivente; sendo o filho, então, menor, o pagamento era feito à requerente. Ora, se o requerido não cumpriu o dever de contribuir para o sustento do filho – então menor - será de presumir que foi a requerente quem custeou, na totalidade, as respectivas despesas, cabendo-lhe receber as quantias em dívida, a tal não obstando ter ocorrido, entretanto, a maioridade do filho. Assim sendo, a requerente tem legitimidade processual – interesse directo em demandar o requerido. No que concerne ao interesse processual (ou interesse em agir) consiste ele na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção – o autor terá interesse processual quando exista necessidade de intervenção por parte do tribunal ([12]). Tratar-se-á, aqui, de obviar a acções inúteis, sendo que as consequências da falta daquele interesse variam consoante o tipo de acção e as circunstâncias. Ora, face ao que supra expusemos, parece-nos evidente existir interesse em agir por parte da requerente. Deste modo, será de revogar a decisão recorrida – devendo o tribunal de 1ª instância conhecer oportunamente das outras questões que se colocam nos autos e que não integram o objecto do recurso (excedendo, pois, a questão da legitimidade e a com ela correlacionada do interesse em agir). * V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação revogando a decisão apelada, prosseguindo o processo nos termos apontados. Sem custas. * Lisboa, 29 de Janeiro de 2015 Maria José Mouro Teresa Albuquerque Sousa Pinto
|