Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
396/10.6TBSPS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: DIREITO DE REMIÇÃO
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
MOMENTO ATÉ AO QUAL PODE SER EXERCIDO O DIREITO
DEPÓSITO DO PREÇO
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 7.º; 824.º; 825.º, 3; 827.º; 842.º E 843.º, 1, B) E
2, DO CPC
Sumário:
No caso de venda de um imóvel através de negociação particular, o requerente do direito de remição pode efectuar o depósito do preço devido até ao momento da assinatura da escritura de compra e venda do respectivo imóvel
Decisão Texto Integral:
Relator: Falcão de Magalhães
1. ° Adjunto: Des. Pires Robalo
2. ° Adjunto: Des. Cristina Neves
Apelação n.° 396/10.6TBSPS-B.C1
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:
I - A) - 1) - Nos autos de acção executiva, para pagamento de quantia certa, em que é Exequente a Banco 1..., Crl. e habilitada/executada, AA, em que está penhorado o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ...1 da freguesia ... e descrito na CRP ... sob o n° ...49 dessa freguesia, tendo a Executada manifestado, junto da Exma. Agente de Execução (AE) a sua oposição a que prédio fosse vendido pelo preço oferecido de € 47.800,00, veio a AE, solicitar à Exma. Sra Juiz do Juízo de Execução de Viseu, autorização para proceder à venda por tal preço, de valor inferior ao definido no artigo 816.°, n.° 2 do CPC;
2) - A Mma. Juiz da Execução, na sequência de tal solicitação proferiu despacho, onde entre o mais, consignou:
«[...] Sabemos que nas situações da venda por negociação particular, bem como da venda efectuada segundo as outras modalidades, os bens penhorados só podem ser vendidos por preço igual ou superior ao valor base fixado na decisão sobre a venda, tal como resulta do artigo 821.°, n.° 3 do CPC.
A lei admite, no entanto, que esse valor não seja respeitado no caso de acordo unânime entre executado, exequente e credores reclamantes e, fora das situações do artigo 832°, alíneas a) e b) do Código Processo Civil, como a lei nada diz, é possível a aplicação do disposto no artigo 821°, n.° 3 do Código Processo Civil.
Havendo acordo de todos os interessados é possível a venda por preço inferior ao valor base, inclusive sem intervenção do juiz; inexistindo esse acordo unânime só é possível vender o bem por preço inferior mediante autorização judicial.
Nesta última hipótese, cabe ao juiz baixar o valor base, ponderando o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades de venda do bem e o interesse manifestado pelo mercado.
Pois bem, o processo executivo não pode ser eternizado desde que sejam garantidos os interesses de todas as partes.
A acção executiva foi intentada em 2010.
A decisão de venda é de 2016 e, tendo-se fixado o valor base do imóvel em €64.800,00, o mesmo não mereceu qualquer reparo por parte da executada, oponente.
A venda do imóvel por propostas em carta fechada foi realizada em 19.04.2017 e frustrou-se por ausência de propostas.
Desde então o imóvel foi posto em venda por negociação particular sendo que a melhor proposta de aquisição é a que se aprecia, de € 47.800,00.
Neste conspecto, ao contrário do que defende a executada, tendo em conta que o valor patrimonial tributário do imóvel foi determinado em 2020 em apenas €17.643,00 e que durante quatro anos não surgiram propostas, sérias, de valor superior, estamos convencidos que o valor da proposta ora apresentada corresponde, efectivamente, ao valor de mercado deste prédio.
Nestas circunstâncias, o preço oferecido, apesar de inferior a 85% do valor base fixado para o imóvel, não é desadequado, considerando, por um lado, o respectivo valor matricial e, por outro lado, a natural depreciação que o imóvel sofre em consequência do decurso do tempo, bem visível nas fotografias juntas aos autos.
Acresce que a execução corre termos há 11 anos e corre o risco de se eternizar.
Destarte, decide-se autorizar a venda do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ...1 da freguesia ... e descrito na CRP ... sob o n° ...49 da freguesia ..., pelo preço oferecido de € 47.800,00.
Notifique e comunique. [...]»; (o sublinhado é nosso).
3) — Na sequência desse despacho e decidida a venda ao referido proponente, pelo mencionado preço, a AE notificou, com data de 07­09-2022, o Exmo. Mandatário da Executada AA, nos seguintes termos:
«[...] Fica V.a Ex.a notificado na qualidade de IM da exequente de que se encontra agendada para o próximo dia 27 de Setembro de 2022, pelas 09:30 horas no Cartório Notarial ..., sito na ..., ..., a outorga da Escritura de Compra e Venda do prédio urbano destinado à habitação, sito no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo urbano ...1 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...49 da freguesia ..., em que intervém na qualidade de comprador, BB [•]».
4) - Mediante requerimento de .../.../2022, acompanhado de certidão comprovativa do seu casamento com a Executada AA, veio o marido desta, CC, dizer pretender remir o bem objecto da venda.
5) - A Exequente opôs-se a esse requerimento, porquanto, disse, segundo julgava saber, o comprador já havia depositado o preço e o requerente da remição não tinha depositado o preço, com o acréscimo de 5%, nos termos do art° 843°, n° 2, do (novo) CPC (doravante, NCPC);
6) - Em 22/9/2022, a Mma. Juiz proferiu despacho com o seguinte teor:
«[...] Exercício do direito de remição:
Nas vendas por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artigo 843 n° 1 al. b) do Código de Processo Civil e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, de acordo com o estabelecido no n° 2 deste artigo (devendo ter-se ainda em atenção que se o proponente já efectuou o depósito do preço, a esse valor acrescerá 5% de indemnização ao proponente).
Destarte, encontrando-se a escritura pública agendada para o próximo dia 27.09, incumbirá à Exm.(a) Sr.(a) Agente de Execução, até a esse momento, apreciar se estão ou não reunidas condições para que o marido da executada prefira na venda, tal como já manifestou os autos, sem que, porém, deles conste qualquer depósito...
Notifique e comunique à Exm.(a) Sr.(a) Agente de Execução. [...]». (o sublinhado é nosso);
7) - Em 23/9/2022, a AE, indeferiu o requerimento de remição apresentado, nos seguintes termos:
«[...] No seguimento do requerimento apresentado pelo cônjuge de AA, CC para o exercício do direito de remição , nos termos e para os efeitos do disposto no art°. 842° do Código de Processo Civil, resulta dos autos o seguinte:
- que o proponente/comprador já efetuou o depósito do preço;
- que o remidor fez prova da legitimidade para o efeito;
- que não consta dos autos que o remidor tenha efetuado o deposito do preço, conforme o artigo 843 n° 1 al. b) do CPC que dispõe que o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, de acordo com o estabelecido no n° 2 deste artigo, e bem assim do valor correspondente a 5% de indemnização ao proponente, a que se refere o n°. 2 do referido artigo 843° do CPC.
Assim sendo face ao supra exposto e atento o disposto no art° 843° do CPC , n°. 1 al. b) e n°. 2 , decide-se pelo indeferimento do pedido de remição.
A presente decisão vai ser notificada às partes. [...]». (o sublinhado é nosso).
8) - Em 23/9/2022, a AE emitiu certidão, onde, entre o mais, consta, para efeitos de realização da aprazada escritura de compra e venda:
«[...] CERTIFICA para todos os legais efeitos que o bem a vender é o Prédio urbano destinado à habitação, sito no Lugar ..., freguesia ..., com o valor patrimonial de 17.362,05 euros, inscrito na matriz sob o artigo ...1 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...49 da freguesia ....
Adjudicado por meio de negociação particular e pelo valor de 47.80,00 euros (quarenta e sete mil e oitocentos euros), ao proponente BB, solteiro, maior, portador do cartão de cidadão n.° ..., contribuinte fiscal n.° ..., residente na Rua ..., ... ...
Mais declara que, nos termos do art° 824°, n.° 2 do Código do Processo Civil que o aqui comprador procedeu ao depósito do preço no montante de 47.800,00€ (quarenta e sete mil e oitocentos euros), em 11 de Maio de 2022, da seguinte forma: 47.000,00€ proveniente da conta n.° ...79 do Banco 2... e 800,00€ proveniente da conta n.° ...11 do Banco 3... SA segundo informação por si prestada, para a conta executado n.° ...15 existente no Banco 4..., através da entidade 20237 e referencia ...31 montante de 47.000,00€ (quarenta e sete mil euros) e entidade 20237 e referencia ...13 montante de 800,00€ (oitocentos euros)
A presente certidão, vai por mim ser assinada e autenticada e destina-se à celebração da Escritura de Compra e Venda. [...]»;
9) - Da decisão da AE, que indeferiu a remição, reclamou para a Juiz de Execução, em 24/9/2022, a Executada AA, alegando, em síntese:
-Que, quer ela, quer o requerente da remição, seu marido, desconheciam que já existia alguém que tinha pago “...qualquer sinal..
- Que, existindo legitimidade de quem pretende remir, não se entende porque não é dada essa possibilidade de pagar o preço, embora não se entenda que haja obrigação de pagar, os referidos 5% por cento, pois que “o licitante a existir não será prejudicado'. Concluiu no sentido de ser julgada procedente a reclamação e ser reconhecido o direito à remição, para tal devendo ser concedido prazo ao requerente da remição para este depositar os valores, sem, porém, estar obrigado a pagar os 5%.
10) - A Exma. Sra Agente de Execução, em 26/9/2022, anunciou que iria desmarcar a agendada escritura de compra e venda.
*
B) - 1) - A Mma. Juiz, por despacho de 16/1/2023, indeferiu a reclamação, despacho esse do qual se transcrevem os seguintes extractos:
«[.] Aceitando-se que a Executada tenha legitimidade para reclamar da decisão que não admitiu o interveniente a exercer o direito de remição, por falta de depósito do preço, verificamos, no entanto, que a decisão tomada pela Exma. Sra. Agente de Execução observa o regime legal a que está sujeito o exercício desse direito.
Note-se que, por despacho proferido em 22.09.2022, tomando posição quanto ao exercício do direito de remição, decidiu-se que tal direito poderia ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artigo 843 n° 1 al. b) do Código de Processo Civil e que o preço deveria ser integralmente depositado no momento da remição, de acordo com o estabelecido no n° 2 deste artigo (devendo ter-se ainda em atenção que se o proponente já efectuou o depósito do preço, a esse valor acrescerá 5% de indemnização ao proponente).
Em 23.09.2022 a Exma. Sra. Agente de Execução consignou que o proponente/comprador já tinha efectuado o depósito do preço; que o remidor fez prova da legitimidade para o exercício do direito de remição, todavia, como não tinha depositado o preço no momento da remição, decidia pelo indeferimento do pedido de remição.
Estatui o artigo 843.° do CPC que: 1 — O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.° 3 do artigo 825.°;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
2 - Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.°, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 825.°, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.° 2 do artigo 824.°, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.°.
Dúvidas não restam, pois, que o remidor que exerça o seu direito depois do acto de abertura e aceitação de propostas em carta fechada terá de depositar integralmente o preço com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente que já tiver feito a totalidade do depósito referido no n.° 2 do artigo 824.° era ónus do remidor, no momento em que declarou pretender remir, depositar integralmente o preço da proposta apresentada, acrescida de 5% desse valor, tal como decidiu a Exma. Sra. Agente de Execução.
Destarte, julga-se improcedente a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão tomada pela Exma. Sra. Agente de Execução que indeferiu o exercício do direito de remição.
Custas do incidente pela Executada, fixando-se a taxa de justiça
C) - 1) - A Executada, inconformada com o indeferimento da sua reclamação, decidido no despacho de 16/1/2023, interpôs recurso desse despacho para esta Relação — recurso esse que foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo - tendo, a findar a respectiva alegação,
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oferecido as “conclusões” que se transcrevem “ipsis verbis”:
«O presente recurso visa a impugnação da Douta Sentença proferido no processo supra referenciado na parte em que indefere a possibilidade de remição ao aqui recorrente por considerar.
Não ter sido manifestado nos autos o aludido exercício Em virtude de o preço não ter sido integralmente depositado no momento do exercício do direito de remição
Por considerar intempestivo o exercício desse direito depois de ter sido emitido o titulo de transmissão
O direito de remição tem a sua rácio na proteção do património familiar, possibilitando em caso de venda de de bens penhorados, que os mesmos possam ser preferidos pelos familiares mais próximos do executado evitando assim que que saiam do domínio da família O marido da executada deveria ter esse direito que lhe fi cortado Ora, após lhe ter sido manifestado interesse no exercício do direito de remição do marido
Da executada executado, a Senhora Agente de Execução deveria ter solicitado uma melhor e atempada concretização do exercício desse direito, ou o Tribunal, após ter tido conhecimento dessa pretensão, deveria ter fixado prazo para o aperfeiçoamento do requerimento, nos termos constantes do número 4 do art.° 590° do Código de Processo Civil, dado decerto não se tratar de pedido manifestamente improcedente como excetua a referida norma.
Com esta decisão cujo sentido, no entender do requerente, deverá seja revertido por esse Venerando Tribunal a quem se recorre, ficou o apelante impossibilitado de exercer o seu direito à remição do prédio que faz parte do património familiar e constitui casa de morada de família da mulher e deste .
Se assim for entendido como se espera, deverá a nova decisão determinar a possibilidade do apelante exercer o seu direito, procedendo ao depósito da verba pelo qual a casa foi adjudicada, acrescido de quantia relativa à indemnização devida. [...]»
*
II - As questões:
Em face do disposto nos art.°s 635°, n°s 3 e 4, 639°, n° 1, ambos do novo Código de Processo Civil (doravante, NCPC), aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.° 608°, n.° 2, “ex vi” do art.° 663°, n° 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.° 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.° 07B35862).
Assim, a questão que cumpre decidir no presente recurso é a de saber se o indeferimento decidido pela Sr. AE e confirmado pela Mma. Juiz na decisão da reclamação, foi correcto, face aos respectivos fundamentos e ao alcance que lhe foi atribuído, até porque, desses fundamentos resulta, para o marido da Executada, irremediavelmente afastada a possibilidade de remir.
*
III - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I “supra”.
*
B) — Desde já se adianta, que, salvo o devido respeito, ao requerimento de remição do marido da Executada não se ajustava a fundamentação que alicerçou a decisão da Exma. Agente de Execução, bem como aquela, da Mma. Juiz, que, decidindo a reclamação, a confirmou, com idêntica fundamentação.
Como se pode constatar do que foi referido “supra”, a Mma. Juiz evidenciou que se estava no âmbito da venda por negociação particular (v.g., no despacho em que autorizou a venda pelo valor de €47.800,00), e que, “...encontrando-se a escritura pública agendada para o próximo dia 27.09, incumbirá à Exm.(a) Sr.(a) Agente de Execução, até a esse momento, apreciar se estão ou não reunidas condições para que o marido da executada prefira na venda o marido da Executada pretendeu exercer.”.
Sucede que, mais, tarde, veio a confirmar o indeferimento da requerida remição com base no preceito que regula tal exercício no âmbito da venda por propostas em carta fechada! Não pode ser.
É certo que, quer a Mma. Juiz (v.g., no despacho de 22/9/2022), quer a Sra Agente de Execução, utilizam, por vezes, o termo proponente, mas para se referirem - como nós o fazemos -, àquele que fez a proposta de compra (que veio a ser aceite), no âmbito da venda por negociação particular.
Estando-se no âmbito da venda por negociação particular, os preceitos que regulam o exercício do direito de remição não são o n° 1, a) e o n° 2, do Art° 843° do NCPC, mas antes o n° 1 b), desse artigo. Explicitemos.
De acordo com o disposto no artigo 842.°, do NCPC: “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo
preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”.

Por seu turno os n°s 1 e 2 do art° 843.°, do NCPC, estabelecem:
“1 - O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.° 3 do artigo 825.°;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
2 - Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.°, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 825.°, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.° 2 do artigo 824.°, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.°.”.
Como amiúde afirmaram, quer a Exma. Sr. Agente de Execução, quer a Mma. Juiz, no processo em causa (cfr. I “supra”), a venda, embora se tenha iniciado na modalidade de propostas em carta fechada, veio, por vicissitudes que estão sumariamente referidas em I “supra”, a prosseguir como venda por negociação particular, e foi já no âmbito desta última citada modalidade de venda que ocorreu a proposta de compra do imóvel em causa, pelo valor de €47.800,00, para o que estava marcada a respectiva escritura para o dia 27/9/2022, sendo que antes dessa data (que depois a Sra AE, até anunciou ir desmarcar), o marido da Executada, por requerimento de 13/9/2022, veio referir pretender exercer o direito de remição.
Ora, nessa situação — não obstante o proponente já haver depositado, em 11 de Maio de 2022, o preço que oferecera - o requerente da remição, não depositando o preço na ocasião em que fez tal requerimento, embora não o pudesse ver deferido, pois que tal depósito como elemento constitutivo do direito de remição, era condição de validade do exercício do direito desse direito, nada impediria que o requerente, posteriormente e até à ocasião da assinatura da escritura pública de compra e venda do imóvel penhorado, ou até à entrega do mesmo, viesse a renovar, com êxito, o pedido de remição, procedendo, concomitantemente, ao depósito do preço (foi, aliás, em parte, nesse sentido que a Mma. Juiz, já com a remição requerida e sem qualquer depósito efectuado, “instruiu” a AE no despacho de 22/9/2022)3.
Sumariou-se no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 17/12/2014 (Apelação n° 306/05.2TBPCV-F.C1)4: «[...] 2. Quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do art0 843 n° 1 al. b) do C.P.C. e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.
3. Estando ainda o remidor dentro do prazo estabelecido na lei para o exercício do seu direito, não pode ter-se o mesmo por precludido antes de decorrido tal prazo, ainda que em momento anterior o remidor tenha pretendido exercer o seu direito, sem observância dos requisitos necessários à
Atente-se, também, no sumário no Acórdão da Relação de Évora, de 26/01/2017 (Apelação n° 671/07.7TBSTC-C.E1)5:«[...] I - Quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do art. 843o, n1, al. b), do CPC e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.
II — Contudo, se ainda não foi entregue o bem nem assinado o título que documenta a venda, não pode ter-se por precludido o exercício do direito de remição, se o remidor no momento em que manifestou intenção de exercer aquele direito não depositou logo o preço e só o veio a fazer alguns dias depois [...]».
E escreveu-se no texto deste citado aresto:
«[...] Quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do art. 843°, n 1, al. b), do
CPC.
Apresentada a proposta pela D..., foi proferido despacho, em 30.05.2016, ordenando a notificação daquela sociedade para, no prazo de 15 dias, proceder ao depósito integral do preço e comprovar o cumprimento das obrigações fiscais.
A recorrente declarou exercer o direito de remição no dia 03.06.2016, mas não depositou logo o preço, só o vindo a fazer em 09.06.2016, entendendo a Mm.a Juíza a quo que o depósito do preço tinha de ser efetuado no momento da referida declaração.
Não está aqui em causa, como entendeu a recorrente, a indemnização de 5% prevista no n 2 do art. 843° do CPC, mas sim o depósito integral do valor remido, como aliás esclareceu aMm.a Juíza no despacho de 28.09.2016 que «[...] Quanto à indemnização de 5% prevista no art. 843o n 2 do CPC, ela está prevista apenas para as situações de venda por proposta em carta fechada.
Não se esqueça que, nesta modalidade, o proponente só tem de juntar à proposta um cheque visado/garantia bancária no montante de 5% do valor anunciado e, só no caso de a sua proposta ter sido a aceite, é que tem de depositar a parte do preço em falta no prazo de 15 dias (art. 824° n° 1 e 2 do CPC).
Por outro lado, só depois de depositado o preço total e satisfeitas as obrigações fiscais é que os bens serão adjudicados ao proponente, emitindo-se o Ululo de transmissão (art. 827° n 1 do CPC.
Prevenindo essa décalage no tempo - proposta/aceitação/notificação para depositar o restante do preço em 15 dias/título transmissão -, e dado que o direito de remição pode ser exercido até à emissão do título de transmissão, entendeu o legislador penalizar o remidor que se apresenta a exercer o direito apenas no último momento. [•]»,
De harmonia com princípio da cooperação, estabelecido no art° 7° do NCPC, “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.” (n° 1 do artigo).
Este princípio tem ínsito que as respostas a dar pelo Tribunal a requerimentos das partes não sejam de molde a, entre o mais, dar por arredados os direitos que as partes pretendam exercer, se, por exemplo, embora que não correctamente exercidos em determinada ocasião, ainda assim não se possam ter como precludidos e, consequentemente, haja a possibilidade de, posteriormente, virem a ser atendidos, caso sejam cumpridos, atempadamente, determinados
Apelações em processo comum e especial (2013) deveres, ou ónus, da parte, que se apresentem como condição “sine qua non” para que esse atendimento se concretize.
Isso será assim em todos os casos onde tal circunstancialismo se verifique, mas, porque o direito serve a justiça, torna-se mais necessário que isso assim se cumpra em situações em que, por exemplo, esteja em causa a protecção à família, através da preservação do património familiar.
E, como se salienta no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.° 219/20, de 17 de abril de 20207:
«[...] A lei processual civil atribui ao cônjuge e aos parentes em linha reta do executado um direito especial de preferência, denominado direito de remição, que tem por finalidade a proteção do património familiar, evitando, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado (cf. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva — Depois da Reforma — 5.a edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 332).
Com raízes profundas no nosso sistema jurídico, o direito de remição consiste, assim, em «se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução» (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2° reimpressão, Coimbra, 1982, p. 476).
Trata-se, pois, de um direito potestativo de formação processual, cujos efeitos coincidem com os do direito de preferência: através do exercício do direito de remição, o remidor faz seu o bem penhorado pelo preço que tiver sido oferecido pelo adjudicatário ou proponente comprador, assegurando, por essa via, a permanência do bem penhorado no património familiar do executado sem prejuízo para os credores deste. [...]».
Ora, volvendo ao caso “sub judice”, afigura-se que o correcto seria proferir decisão, em que, indeferindo-se o requerimento de 13/9/2022, estribasse esse indeferimento apenas na omissão — de que resultava a invalidade de tal requerimento - do depósito do preço, sem o apelo impróprio à abertura e aceitação de propostas em carta fechada e ao disposto no n° 2 do art° 843° do NCPC, e esclarecendo ficar salvaguardada a possibilidade de o requerente, posteriormente, até ao momento da assinatura da escritura de compra e venda do imóvel, ou ao da entrega do mesmo ao comprador, vir a exercer, com êxito, o direito de remição em causa, caso renovasse esse pedido e, concomitantemente, fizesse o depósito do preço.
Assim, embora com fundamentação diversa daquela que escorou a decisão recorrida e a decisão da Sra Agente de Execução de 23/9/2022, o requerimento de remição do marido da Executada, CC, apresentado em 13/9/2022, tinha de ser indeferido, sem prejuízo de o mesmo requerente poder renovar nos autos tal pedido, para exercício desse direito de remição, que não ficou precludido, desde que o faça acompanhado do comprovativo do depósito do preço devido (sem o referido acréscimo de 5%), até ao momento da assinatura da escritura de compra e venda do imóvel, ou ao da entrega do mesmo ao comprador.
***
IV - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em, embora com fundamentação diversa daquela que alicerçou a decisão recorrida, confirmar o indeferimento do requerimento de 13/9/2022, formulado por CC, para exercer o direito de remição relativamente à compra por BB, do imóvel penhorado, sem prejuízo de tal requerente, até ao momento da assinatura da escritura de compra e venda do imóvel, ou ao da entrega do mesmo ao comprador, poder vir a renovar o pedido de remição, comprovando, concomitantemente, ter efectuado o depósito do preço.
Improcede, nos termos expostos, a Apelação.
*
Custas pela Apelante (art°s 527°, n°s 1 e 2, 607°, n° 6, 663°, n° 2, todos do NCPC).

27/6/20238

(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Cristina Neves)


1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 Consultáveis na Internet, em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação.
3 Quando, nessas circunstâncias refere: encontrando-se a escritura pública
agendada para o próximo dia 27.09, incumbirá à Exm.(a) Sr.(a) Agente de Execução, até a esse momento, apreciar se estão ou não reunidas condições para que o marido da executada prefira na venda.”. (o sublinhado é nosso).
4 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase, tal como os demais acórdãos da Relação de Coimbra, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados.
5 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase, tal como os demais acórdãos da Relação de Évora, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados.
6 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase, tal como os demais acórdãos da Relação de Guimarães, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados
7Cfr. em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200219.html.
8 Processado e revisto pelo Relator.