Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 02151/18.6BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/10/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | ROSÁRIO PAIS |
| Descritores: | OPOSIÇÃO; FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO; INEXIGIBILIDADE; SOCIEDADE INSOLVENTE; |
| Sumário: | I – Após a declaração de insolvência e o encerramento do correspondente processo, pode prosseguir contra a insolvente uma execução fiscal por crédito vencido anteriormente, ainda que apenas relativamente a bens adquiridos posteriormente à declaração de insolvência e sem prejuízo das obrigações contraídas pela Fazenda Pública no âmbito do processo de insolvência e da prescrição.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. [SCom01...], Lda, devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 31/12/2018 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada parcialmente improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal nº ...81 e apensos, instaurada por falta de pagamento de coimas e custos administrativos do ano de 2012 e IRC do exercício de 2008, no valor total de €2.254,93. 1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões: «1º A nulidade de citação pode ser apreciada em sede de oposição a execução tributária (artº 267 CPT; alínea i) artº 204 e nº 2 do artº 208 do CPPT; art º 103 da LOT). 2º A nulidade do título executivo é suscetível de consubstanciar válida e legal oposição, pois que se verifica a falsidade do título suscetível de influenciar os termos da execução, assim como inexiste liquidação v. g., validamente notificada. 3º A inexigibilidade da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (al. h/ do n1 1 do art1 286 do C. P. T.; alínea i/ do nº 1 do artº 204 do C. P. P. T.); o mesmo se diga da falsidade do título (artº 286 nº 1 al. c/ do C. P. T.; artº 204 nº 1 alínea c/ do C. P. P. T.); e, finalmente, da liquidação validamente notificada no prazo de caducidade (artº 286 nº 1 al. h/ do C. P. T.; artº 204 nº 1 al. e/ do C. P. P. T. ). 4º A ilegalidade concreta da dívida exequenda é fundamento de oposição sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação - cfr alínea h/ e i/ daquele preceito. 5º Assim, a falta ou nulidade de citação por preterição de formalidades legais e conteúdo insuficiente, a inexistência, por necessidade de renovação não realizada, dos actos de determinação de matéria coletável e liquidação, a insuficiência e falsidade do título executado, a extemporaneidade da execução, por antecipação indevida, e seus efeitos perversos em termos de diminuição das garantias da oponente, e a inexistência da dívida, podem constituir, não só de per si, fundamento de oposição (cfr al. h/ do artº 204do C. P. P. T.) mas também porque a sua verificação demonstra aqueles vícios. 6º Salvo o devido respeito, o erro da douta sentença recorrida terá sido - precisamente - o considerar que a recorrente pretenderia, apenas, invocar tais vícios e nulidades (de per si) como fundamentos da deduzida oposição, quando o fez também com carácter instrumental àqueles (fundamentos). 7º Da conjugação do nº 1 do artigo 88.º do CIRE com o disposto no n.º 1 do artigo 180º do CPPT resulta que a suspensão do processo executivo em curso é um efeito automático da declaração de insolvência. 8º Ao contrário do referido no artº 88 do CIRE, o n.º 1 do artigo 180.º do CPPT prevê a possibilidade de instauração de novos processos de execução fiscal após a declaração de insolvência do devedor, limitando -se a determinar a sua posterior suspensão. 9º A posição de que pode a AT iniciar novas execuções fiscais após a declaração de insolvência do devedor, para que possa posteriormente reverter tal processo contra os eventuais responsáveis subsidiários, devendo, no entanto, suspendê-las de imediato após a sua instauração constitui um contrassenso processual e um verdadeiro “manual” de atos inúteis. 10º Pelo contrário, extinguindo-se o processo executivo, em virtude dos efeitos falimentares, existindo responsáveis subsidiários, terá a A. T. que instaurar procedimentos autónomos quanto aos mesmos: nada mais simples (nova demanda executiva contra o responsável subsidiário). 11º Decisão sujeita aos princípios e normas que disciplinam a atividade administrativa tributária, designadamente aos que se referem ao princípio da participação, a assegurar mediante a notificação para o exercício do direito de audiência prévia (cfr. art. 60.º da LGT, art. 45.º do CPPT e art. 121.º do CPA). 12º Mas, se suspensa a execução (nº 3 do seu artigo 88º do CIRE), a instância extingue-se quanto à executada insolvente, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto. 13º Porém, não foi isso que sucedeu nos presentes autos: a A. T. pretende que a execução tributária prossiga contra uma sociedade inexistente, porque dissolvida por insolvência. 14º Note-se que, na oposição se requereu (com caráter subsidiário, para a hipótese de se entender não existirem vícios a determinar a anulação do processo executivo) a absolvição da instância da sociedade insolvente – cfr., sua alínea c/ -; nada mais! – o que se espera venha a ser, nessa hipótese, superiormente decidido. 15º A douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto nos citados preceitos e diplomas legais, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue no sentido antes defendido, assim se fazendo J u s t i ç a .». 1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações. 1.4. A EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso, com base na seguinte argumentação jurídica: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)». 1.5. Foi suscitada a questão da irrecorribilidade da sentença, em virtude de o valor da oposição ser inferior ao da alçada dos Tribunais Tributário de 1ª instância. * Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que a nulidade da citação e do título executivo, bem como a ilegalidade da liquidação, não constituem fundamentos de oposição e que a declaração de insolvência não obsta ao prosseguimento da execução a que a Recorrente se opõe. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO 3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: 1) O Serviço de Finanças ... instaurou o processo de execução fiscal n.º ...79 por dívidas de coimas do ano de 2012, no montante de €561,00 – cfr. fls. 79 a 81 do processo físico. 2) O Serviço de Finanças ... instaurou o processo de execução fiscal n.º ...70 por dívidas de coimas do ano de 2012, no montante de €281,50 – cfr. verso de fls. 82 e fls. 83 do processo físico. 3) O Serviço de Finanças ... instaurou o processo de execução fiscal n.º ...58 por dívidas IRC do ano de 2008, no montante de €1.412,43 – cfr. fls. 84 do processo físico. 4) No âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto sob o n.º 5.../1...T8VNG foi declarada em 8.08.2017 a insolvência da sociedade [SCom01...], Lda. – cfr. fls. 25 e 26 do processo físico. ** Factos não provados Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados e não relevantes para a decisão dos presentes autos. ** Motivação da decisão de facto O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.». 3.2. DE DIREITO 3.2.1. Da recorribilidade da sentença A presente oposição vem deduzida contra as execuções fiscais nº ...79, ...70 e ...58, cujas dívidas exequendas perfazem o valor atribuído à ação na sentença, de €2.254,93. De acordo com o disposto no artigo 105º da LGT, na redação que lhe foi dada pela Lei de OE de 2015 (Lei 82-B/2014 de 31.12) a alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância. Por sua vez, dispunha o artigo 280º, nº 4 do CPPT, na redação da mesma Lei, que «Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância.» (que é de €5.000,00, segundo o artigo 44º, nº 1, da Lei 62/2013 de 26/08). Porém, o legislador fixou no artigo 225º da Lei nº 82-B/2014, de 31/12, em vigor desde 1-1-2015, um regime transitório estabelecendo que “As alterações introduzidas pela presente lei às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas e constituição de advogados apenas produzem efeitos relativamente aos processos que se iniciem após a sua entrada em vigor.” No caso em apreço estamos perante uma oposição que não tem autonomia, em matéria de admissibilidade de recurso, face às regras legais aplicáveis ao processo de execução fiscal. Assim, a admissibilidade de recurso das decisões sobre incidentes, oposição, pressupostos da responsabilidade subsidiária, verificação e graduação definitiva de créditos, anulação da venda e recursos dos demais atos praticados pelo órgão da execução fiscal, seguirá as regras aplicáveis ao processo de execução a que respeita a oposição (Cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18.01.2017, Proc. 1295/16, de 18/01/2017, Proc. 01295/16 e de 28/02/2018, Proc. 079/18, todos disponíveis em www.dgsi.pt). No caso, as execuções fiscais foram instauradas em 2012 e 2013, como se infere dos respetivos números, pelo que esta oposição está abrangida pelo referido regime transitório, não lhe sendo aplicáveis as alterações introduzidas pela lei nº 82-B/2014, de 31/12 às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas. O recurso é, assim, admissível. 3.2.2. Dos erros de julgamento da sentença O Recorrente sustenta que, não obstante o ter feito em requerimento autónomo, é admissível e constitui fundamento de oposição a nulidade da citação, bem como a nulidade (ou falsidade) do título executivo (resultante das irregularidades que aponta ao ato de citação). Inovatoriamente, refere nas alegações de recurso que não existe liquidação validamente notificada, o que configura a inexigibilidade da dívida exequenda e fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível na alínea i), do nº 1, do artigo 204º do CPPT. Em primeiro lugar, cabe dizer que, no nosso ordenamento jurídico, é sobre o recorrente que impende o ónus de alegar e concluir (cfr. artigo 635º do CPC), não podendo suscitar questões novas, não enunciadas na petição inicial apresentada em 1ª instância, sendo que o recurso jurisdicional visa a apreciação da legalidade da sentença com fundamento na imputação de nulidades ou de erros de julgamento sobre a matéria de facto e /ou de direito e não a apreciação em 1º grau de jurisdição de questão nova que não tenha sido submetida ao veredicto do Tribunal de 1ª instância. Os recursos jurisdicionais têm, portanto, por objeto a apreciação de decisões da mesma natureza proferidas por Tribunais de grau hierárquico inferior, visando a respetiva anulação ou revogação, por vícios de forma ou de fundo. Daí que, nos recursos jurisdicionais não é possível fazer a apreciação de quaisquer questões que sejam novas, isto é, que não tenham sido colocadas à apreciação do Tribunal “a quo”, salvo quando o seu conhecimento seja imposto por lei e seja possível delas conhecer. Assim, tratando-se a inexigibilidade (no que agora interessa) da dívida exequenda respeitante a IRC do ano de 2008, (por falta de notificação da atinente liquidação antes da citação para a execução fiscal), de uma questão nova, não nos é possível dela conhecer, por também não ser do conhecimento oficioso do Tribunal. Acresce que a falsidade do título executivo também não foi suscitada na p.i., nem a mesma poderia resultar da falta de notificação da liquidação, pois, como vendo sendo uniformemente entendido, tal falsidade não respeita a qualquer vício da, in casu, liquidação que lhe serve de base, nem das vicissitudes atinentes à respetiva notificação ou à subsequente citação da devedora. A falsidade do título executivo a que se refere a al. c), do nº 1, do artigo 204º do CPPT, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é a falsidade material do próprio título e a sua eventual desconformidade com o original. Como se refere no acórdão do STA, de 26/4/2012, no proc. nº 01058/11, (Cfr., igualmente, o acórdão de 2/5/2012, no proc. nº 01094/11), “... esta falsidade consiste, na desconformidade do conteúdo do título face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Ou seja, a falsidade do título executivo a que se refere o citado normativo legal, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é tão só a falsidade material do próprio título, a sua eventual desconformidade com o original, e não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na atestada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo. Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação. «A falsidade do título executivo, que se refere nesta alínea c) como fundamento de oposição à execução, é, segundo o entendimento que vem sendo feito pela jurisprudência do STA, apenas a que resulta da desconformidade entre o título executivo e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena, por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371º, nº 1, e 372º, nºs. 1 e 2, do Código Civil). Estará, assim, fora do conceito de falsidade a eventual divergência entre o teor do título e factos que não são objecto da percepção da entidade emitente. A divergência entre o conteúdo do título e os referidos instrumentos que são a sua base fáctica, para além dos casos em que a entidade emitente não relata fielmente os factos de que se apercebe, poderá resultar também da falta de genuinidade do título (falsidade material), designadamente por o título não ter sido emitido por quem nele é indicado como emitente, ou por ter ocorrido alteração do conteúdo de um título originariamente genuíno, por aditamento, supressão ou substituição do seu teor levada a cabo por quem não é o seu emitente (Jorge Sousa, in CPPT anotado, Vol. II, págs. 357 e 358). Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Secção do STA de 15/1/03, in rec. nº 1.696/02; de 4/6/03, in rec. nº 596/03 e de 22/11/06, in rec. nº 825/05).» (acs. deste STA, de 16/11/2011, rec. nº 0662/11 e de 21/3/2012, rec. nº 01119/11, supra mencionados)” (fim de citação). Já no que respeita à nulidade da citação, constitui entendimento uniforme da jurisprudência, a que integralmente aderimos, o de que não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 204º do CPPT, não sendo subsumível, designadamente, na previsão da alínea i) do nº 1 daquele artigo e, como nulidade, deverá ser invocada perante o órgão da execução fiscal [cf. nºs 1 e 2 do artigo 191º do Código de Processo Civil (CPC), que corresponde ao artigo 198º na anterior versão do Código], com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (artigo 276º do CPPT). Neste sentido, vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 28 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 803/04 publicado no Apêndice ao Diário da República de 5 de Dezembro de 2007 (http://dre.pt/pdfgratisac/2007/32410.pdf), págs. 36 a 44, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29187a21aba2ec588025729d00551d75?OpenDocument; - de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 923/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 3 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32410.pdf), págs. 58 a 62, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6603a143389bd257802576dd00504304?OpenDocument. Ainda na mesma linha de entendimento, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 13 ao art. 165.º, págs. 144/145. Por seu turno, como o próprio Recorrente refere, a ilegalidade da liquidação pode ser fundamento de oposição quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação. No caso, não sofre qualquer dúvida que a lei assegura meio judicial de reação contra os atos de liquidação, que é o processo de impugnação judicial, previsto nos artigos 97º, nº 1, alínea a), e 99º e seguintes do CPPT. Por assim ser, nunca a ilegalidade da liquidação exequenda proveniente de IRC do ano de 2008 poderia ser apreciada em processo de oposição. Acresce dizer que, conforme vem sendo entendido, a inexigibilidade da dívida respeita a factos externos ao ato exequendo que, temporária ou definitivamente, obstam à sua cobrança. Será, a título exemplificativo, o caso da falta ou nulidade da notificação do ato a executar ou da ocorrência de factos que determinam a suspensão da execução. Ora, a Recorrente não invoca qualquer factualidade subsumível à inexigibilidade da dívida, ressalvada a falta de notificação da liquidação exequenda que, como já referido, por apenas ter sido invocada em sede de recurso, não pode já ser apreciada. Finalmente, cabe dizer que os fundamentos de oposição estão taxativamente previstos no artigo 204º do CPPT e que na alínea h), do seu nº 1, cabem apenas as situações em que a própria lei não assegure meio judicial de reação contra o ato exequendo. ** O Recorrente aponta, ainda, erro de julgamento à sentença por considerar, em síntese, que a declaração de insolvência determina a suspensão da execução, por força do artigo 88º do CIRE, bem como a extinção da instância quanto à insolvente. Vejamos, antes do mais, o que sobre esta questão ponderou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo: «Como decorre do n.º 1 do artigo 88.º do CIRE “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes”. No entanto, e como decidiu o TCA Norte no Acórdão de 15.05.2014, rec.00567/13.3BEPNF “o princípio da indisponibilidade do crédito tributário contende com a sustação da execução fiscal. É o que decorre do artigo 85.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, onde é estabelecida regra de que a execução fiscal não se suspende, que a sua suspensão tem caráter excecional e só pode derivar de lei que especialmente se lhe refira. Ou seja, a suspensão da execução fiscal só é permitida nos casos em que a lei a preveja, referindo-se concretamente à execução fiscal (neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», I volume, Áreas Editora 2011, pág. 696). Esta diferenciação de regimes de suspensão da execução comum e da execução fiscal é vista também como um afloramento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, como defendeu o Tribunal Constitucional no acórdão de 2006/05/23 (n.º 345/2006): A não aplicabilidade à execução fiscal de normas que consintam ou prescrevam a sustação das execuções em geral explica-se «pelo interesse público ínsito na cobrança de créditos através do processo de execução fiscal, que recomenda que não se coloque na disponibilidade das partes, independentemente de qualquer intervenção judicial, a possibilidade de suspensão do processo, que tem como corolário um prejuízo para aqueles interesses». O que significa que a indisponibilidade do crédito tributário não impede apenas concessões quanto ao montante da dívida, mas também o diferimento do seu pagamento ou da sua cobrança. O que significa, também, que o preceituado no artigo 88.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não abrange na sua regulamentação a execução fiscal, visto que, embora se refira genericamente a «ações executivas» ou até a «qualquer ação executiva», nunca se refere especialmente à execução fiscal. Por outro lado, também não é verdade que a lei não refira que, quando não seja aplicável o plano de insolvência para determinado credor, o processo de execução fiscal prossegue os seus trâmites normais. Embora não fosse necessário que a lei o prescrevesse especialmente – atenta a regra consagrada no artigo 85.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – a verdade é que o legislador não deixou de o especificar na parte final do n.º 6 do artigo 180.º do mesmo Código, aqui aplicável: «…que seguirão os termos normais até à extinção da execução».” Retornando aos autos e como resulta do probatório, ponto 3), o Serviço de Finanças ... instaurou o processo de execução fiscal n.º ...58 por dívidas IRC do ano de 2008. Assim, no seguimento do entendimento prosseguido pelo TCA Norte, e não sendo de suspender o processo de execução fiscal com a declaração de insolvência, improcede o alegado.». Quanto a esta questão, acompanhamos o entendimento vertido no Acórdão do STA de 31/10/2012, proferido no processo nº 0374/12, disponível em www.dgsi, e vamos seguir de perto a fundamentação nele vertida. Atentemos ao disposto no artigo 180º do CPPT que, de acordo com a sua epígrafe, regula o «[e]feito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal». Note-se que, embora o preceito se refira à falência ou recuperação de empresa, «[o] mesmo regime deverá aplicar-se à declaração de insolvência, por força do redireccionamento das remissões imposto pelo art. 11.º do DL n.º 53/2004» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 7 ao art. 180.º, pág. 323.), diploma que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). Diz o artigo 180º do CPPT: «1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração. 2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial. 3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos. 4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência. 5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição. 6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção». Por sua vez, o artigo 88º, do CIRE estatui: «1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes. 2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados, e nas quais hajam sido penhorados bens compreendidos na massa insolvente, é apenas extraído e remetido para apensação traslado do processado relativo ao insolvente. 3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto. 4 - Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios eletrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afetadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior.». Das referidas disposições legais resulta que, declarada a insolvência, devem ser sustadas as execuções fiscais pendentes contra o insolvente e remetidas para apensação ao processo de insolvência, em ordem ao pagamento dos créditos exequendos pelo produto da venda dos bens da massa insolvente, ao lado dos demais credores, como resulta da natureza do processo como execução universal (cfr. artigo 1º do CIRE: «[o] processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores».)). Verifica-se, também, uma contradição entre os referidos preceitos legais: enquanto o artigo 88º, nº 1, do CIRE, não admite a instauração ou prosseguimento de execuções contra o insolvente após a declaração de insolvência, o artigo 180º do CPPT, quer no seu nº 1, quer no seu nº 6, admite-as (Também a admite no nº 5, mas aí a situação é diferente, pois o processo de falência já estará findo. A possibilidade prevista no nº 5 – de continuação das execuções fiscais já instauradas contra o falido ou responsáveis subsidiários ou de instauração de novas execuções fiscais – tem aí como pressuposto a ulterior aquisição de bens pelo falido ou pelos responsáveis subsidiários.). Tratando-se de disposições literalmente contraditórias, há que procurar harmonizá-las, tendo nomeadamente em conta a unidade do sistema jurídico, elemento primacial da interpretação jurídica (cfr. artigo 9º, nº 1, do Código Civil: «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». (CC)). JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume III, anotação 7 ao artigo 180º, pág. 324.) indica-nos a melhor interpretação: «Os novos processos relativos a dívidas vencidas antes da prolação do despacho de prosseguimento da acção de recuperação de empresa ou de declaração de falência ou insolvência deverão ser também avocados pelo tribunal competente e enviados pelos tribunais fiscais. O mesmo não sucede, porém, com os processos de execução relativos a créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que, nos termos do n.º 6 deste art. 180.º, do CPPT, seguirão os termos normais até à extinção da execução. No entanto, quanto a estes processos, apesar de aqui se referir o seu seguimento nos termos normais, deverá entender-se este seguimento em consonância com as normas do CPEREF e do CIRE, sob pena de se abrir a porta à possibilidade de se inutilizar todo o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores que se visa com estes processos especiais, o que seria uma solução manifestamente desacertada, atentos os fins de interesse público e social estão subjacentes àqueles», pelo que: «[…] a interpretação razoável daquele nº 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9º, nº 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência ou insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência». Assim, estando em causa a cobrança de créditos vencidos antes da insolvência, deverá a execução fiscal ser imediatamente sustada e avocada pelo tribunal judicial para apensação àquele processo, logo que ela seja declarada. Na situação sub judice, está em causa a possibilidade de prossecução de uma execução fiscal para cobrança de dívidas vencidas antes de declarada a insolvência. Esta possibilidade não pode ser liminarmente afastada, como resulta inequivocamente das citadas disposições legais, maxime dos nºs 4 e 5 do artigo 180º do CPPT: cessado o processo de insolvência, os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de oito dias ao respetivo órgão da execução fiscal ou ao tribunal tributário, devolução que tem como finalidade a possibilidade de, em caso de o insolvente adquirir bens, prosseguirem os processos para cobrança do que esteja em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contratuais por esta assumidas no âmbito do processo de recuperação e sem prejuízo também da prescrição da dívida exequenda. Regressando ao caso sub judice, sabemos que a execução fiscal ainda pendente (para cobrança de IRC do ano de 2008) foi instaurada (em 2013) antes da declaração de insolvência e da própria instauração do processo de insolvência (em 2017); no entanto, não está apurado nos autos se este processo já se encontra findo, único caso em que será admissível o prosseguimento da execução fiscal. Ocorre, por isso, um défice instrutório que importa sanar e, nos termos do artigo 662º do CPC, importa a anulação da sentença e a baixa dos autos à 1ª instância para aquisição de mais prova, designadamente quanto à data do encerramento do processo de insolvência, com a consequente ampliação da matéria de facto, como provada ou não provada, e prolação de nova sentença, em conformidade. * Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I – Após a declaração de insolvência e o encerramento do correspondente processo, pode prosseguir contra a insolvente uma execução fiscal por crédito vencido anteriormente, ainda que apenas relativamente a bens adquiridos posteriormente à declaração de insolvência e sem prejuízo das obrigações contraídas pela Fazenda Pública no âmbito do processo de insolvência e da prescrição. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, para os efeitos supra referidos. Custas a cargo da Recorrida, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, as quais não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou. Porto, 10 de abril de 2025 Maria do Rosário Pais – Relatora Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 1ª Adjunta Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta |