Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00279/11.2BEAVR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 03/03/2022 |
| Tribunal: | TAF de Aveiro |
| Relator: | Rosário Pais |
| Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM AS ALEGAÇÕES; SEGURANÇA SOCIAL; CONTRIBUIÇÕES; ATO INIMPUGNÁVEL: LANÇAMENTO EM CONTA CORRENTE; LIQUIDAÇÃO |
| Sumário: | I - Deve ser admitida a junção de documentos com as alegações que, embora as partes tenham confiado que seriam juntos com o P.A., efetivamente não o foram. II - Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação. III - Mas nem sempre assim é, pois cassos há, como o previsto no artigo 33º do Decreto-lei nº 8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa, resultando da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes. IV - Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efetuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção, constituem um verdadeiro ato administrativo declarativo de liquidação de um tributo. V - Assim, estando em causa na situação dos autos uma liquidação oficiosa notificada ao contribuinte aquando da notificação do relatório final do processo de averiguações, a matéria em causa terá de ser enquadrada no âmbito do artigo 102º nº 1 al. a) do CPPT, o qual dispõe que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte (30 dias, cfr. artigos 84º e 85º nº2 do CPPT).* * Sumário elaborado pela relatora |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. AA(...), Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 27.02.2012, pela qual foi julgada procedente a alegada exceção de inimpugnabilidade do ato objeto dos autos (a liquidação, pelo Instituto de Segurança Social, IP, de contribuições para a Segurança Social dos períodos compreendidos entre Janeiro de 1999 e Dezembro de 2008, no valor global de €103 057, 28, a que acrescem juros compensatórios) e, em consequência, foi absolvida a Fazenda Pública da instância. 1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A) Há violação da lei na medida em que a recorrente não foi notificada para pagar voluntariamente as contribuições apuradas nas Declarações de remunerações (DR´s) elaboradas oficiosamente para os períodos de Janeiro de 1999 a Dezembro de 2008. B) Notificação que sendo obrigatória determina o início da produção de efeitos do acto administrativo. C) Contudo, e não obstante a falta de notificação da liquidação o Centro regional de Segurança Social de Aveiro, lançou em conta corrente as referidas contribuições liquidadas oficiosamente no montante de € 103.057,28. D) Constituindo, assim, uma dívida da recorrente. E) O lançamento em conta corrente impôs-lhe deveres, na medida em que deu causa a uma dívida exigível e afectou-a nos seus interesses directo, pessoal e legítimo. F) O acto de lançamento em conta corrente não integra a categoria de actos de trâmite mas constitui um acto administrativo. G) Acto administrativo que nos termos da lei carece de ser notificado para produzir efeitos. H) Contudo, pese embora não ter sido notificado, dele resultaram deveres e encargos para a recorrente. L) Ora, estabelece o n.º 1 do art.º 132.º do CPA que «os actos administrativos que constituam deveres ou encargos para os particulares» começam a produzir efeitos da partir da sua notificação aos destinatários … ou do começo da execução do acto..» J) E, estabelece o n.º 3 daquela norma que para efeitos do n.º 1 só se considerar começo de execução o início de produção de quaisquer efeitos que atinjam os destinatários. K) O lançamento, pelo Centro Regional de Segurança Social, na conta corrente da recorrente, de uma dívida de valor igual a soma das contribuições que resultaram das declarações de remunerações (DR´s) elaboradas oficiosamente, traduz a produção de efeitos imediatos e estes atingem a recorrente. M) O lançamento em conta corrente das contribuições apuradas nas declarações de Remunerações (DR´s) elaboradas oficiosamente originando para a recorrente uma dívida afectou-a nos seus interesses e criou-lhe encargos. N) A falta de notificação não impede a impugnação se a execução do acto for desencadeada sem que a notificação tenha tido lugar (art.º 59.º n.º 2 do CPTA). O) No mesmo sentido, dispõe a alínea f) do n.º 1 do artº 102.º do CPPT ao determinar que o conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores marca o início da contagem do prazo para a impugnação judicial. P) A recorrente tece conhecimento do lançamento em conta corrente e requereu ao abrigo do art.º 37.º do CPPT a passagem de certidão de todo o conteúdo do processo administrativo, do qual não faz parte a notificação da liquidação com a consequente fixação do prazo para pagamento voluntário. Q) Certidão que foi entregue a recorrente em 5.01.2011. R) O Centro Regional de Segurança Social não efectuou a notificação nem fixou prazo para o pagamento voluntário da dívida. S) E, não obstante, deu início a execução do acto, procedendo ao lançamento em conta corrente, criando uma dívida para a recorrente, susceptível de ser exigível por via de execução fiscal. T) Lançamento em conta corrente que, como consta da resposta ao pedido formulado em 30 de Novembro de 2011 de que se juntam cópias – doc 1 e 2 – teve lugar na sequencia do relatório dos Serviços de Inspecção de 7 de Outubro de 2010. U) Da conjugação do exposto resulta que o “lançamento em conta corrente” configura um acto administrativo de liquidação, impugnável nos termos referidos e no prazo referidos na alínea f) do n.º 1 so art.º 102.º do CPPT e n.º 2 do art.º 59.º do CPTA. V) A decisão que julgou intempestiva a manter-se traduz uma intolerável violação do direito constitucional da tutela jurisdicional efectiva. W) A petição de impugnação não padece do vício de intempestividade que lhe foi imputado. X) A decisão que julgou improcedente a impugnação assentou em factos errados devendo ser revogada e substituída por outra que aprecie e julgue o mérito da causa. Em face do exposto deverá revogar-se a decisão recorrida e proferida decisão que aprecie o mérito da causa, como é de JUSTIÇA.». 1.3. O Recorrido Instituto da Segurança Social, I.P., não apresentou contra-alegações. 1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer considerando que não pode proceder o vício apontado à sentença recorrida de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, no que respeita à tempestividade da impugnação, em virtude de tal questão nem ter sido apreciada em 1.ª instância. Por outro lado, entende que a sentença sob recurso não merece censura no que respeita à questão da inimpugnabilidade do ato impugnado, consubstanciado a fls. 64 e sgs dos autos. ** Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.** 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento de direito por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva e de erro de julgamento de facto, no que respeita à existência de ato de lançamento das contribuições em conta corrente, e consequente erro de julgamento de direito quanto à impugnabilidade do ato. Previamente, cumprirá emitir pronúncia sobre a admissibilidade dos documentos apresentados com as alegações de recurso. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO 3.1.1. A decisão recorrida não selecionou matéria de facto, provada ou não provada, apenas fez constar que: «O acto que vem impugnado nos autos é aquele que é mencionado, desde logo a fls. 64 e seguintes dos autos, onde consta a notificação feita à Impugnante, pela qual lhe é dado conhecimento de que “foram elaboradas oficiosamente as Declarações de Remunerações em falta”, e cujo segmento final tem o seguinte teor: “tendo os respectivos mapas de apuramento sido remetidos ao Centro Distrital de Aveiro, para efeitos de lançamento”. Esta elaboração de Declarações de Remunerações ao abrigo da alínea e) do n.º2 do art. 10 da Portaria 638/2007 de 30 de Maio, referentes aos períodos ali e discriminados e que se compreendem entre Janeiro de 1999 e Dezembro de 2008, corresponde a omissões nas contribuições devidas, no valor de €103 057, 28.». Porém, com interesse para a decisão do presente recurso, julgamos provados os seguintes factos, que resultam da prova documental constante dos autos e do P.A. apenso: 1) O Instituto da Segurança Social, I.P. instaurou contra a Recorrente o Processo de Averiguações nº 200701171634, no âmbito do qual, em 07/10/2010, foi elaborado o Relatório Final, «considerando-se em falta as declarações de remunerações relativas a diferenças salariais explicitadas nos mapas de apuramento anexos, doc. 181 a doc.234, relativas ao período averiguado, de 1999 a 2008, (…), no valor contributivo global de 103.057,28€.» - cfr. relatório de fls. 12 a 18 do P.A. 2) Por Despacho de 07/10/2010, o Diretor de Serviço de Fiscalização do Centro concordou com as conclusões propostas no Relatório aludido no ponto antecedente, ordenando a remessa para efeito de lançamento das contribuições apuradas bem como a notificação da EE – cfr. Despacho constante de fls.11-A do P.A. 3) A coberto do ofício 191807, datado de 12.11.2010, a Recorrente foi notificada de que «após ter sido efectuada a correcção dos erros detectados no mapa de apuramento anterior, conforme se deu nota no ofício Nº.169, de /10/2010, e se descreve no relatório final anexo, foram elaboradas oficiosamente as Declarações de Remunerações em falta, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artº 10 da Portaria 638/2007, de 30 de Maio, na redacção da Portaria n.º 1460-A/2009 de 31 de Dezembro, referentes a Janeiro de 2009 a Dezembro de 2008, a que correspondem omissões nas contribuições devidas, no valor de 103.057,28€, tendo os respectivos mapas de apuramento sido remetidos ao Centro Distrital de Aveiro, para efeitos de lançamento.» - cfr. fls. 11 do P.A. 4) O ofício referido no ponto antecede foi remetido à Recorrente a coberto de correio registado, com aviso de receção, tendo este sido assinado em 15/11/2010 – cfr. aviso de receção de fls. 11 do P.A. * Com interesse para a presente decisão, não existem outros factos que importe julgar provados ou não provados.3.2. DE DIREITO Conforme já referido, previamente, cumpre emitir pronúncia sobre a admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso. Nos termos do disposto no artigo 423º, nºs 1 a 3, do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do artigo 2º do CPPT, os documentos que se destinam a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com os articulados em que se aleguem os respetivos factos [cfr., para a impugnação judicial, o artigo 108.º, n.º 3, do CPPT («Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes».)] ou, não o sendo, até 20 dias antes da audiência final, ficando neste caso a parte apresentante sujeita a multa pela apresentação tardia, a menos que prove que não pôde fazer a apresentação no momento oportuno; após essa data, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Segundo dispõe o artigo 651.º (anterior artigo 693.º-B), n.º 1, do CPC, no caso de recurso, as partes também podem juntar documentos às alegações, não só nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º (anterior artigo 524º, nºs, 1 e 2), como também no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Ou seja, são três os fundamentos excecionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o artigo 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância - neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 15 ao art. 279.º, págs. 341 a 344. No caso dos autos, a apresentação dos documentos apenas pode encontrar justificação ao abrigo desta última hipótese, i.e., da sua junção poder considerar-se exigida pelo teor da sentença. É certo que a possibilidade resultante desta última hipótese só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2.ª edição, págs. 533 e 534.). Assim, a junção de documentos às alegações de recurso só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» (ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.). A nosso ver, só com a sentença a Impugnante se pôde aperceber da necessidade de apresentação do documento em causa. Vejamos: A presente impugnação judicial vem deduzida contra a liquidação, pelo ISS, IP, de contribuições para a Segurança Social entre janeiro de 1999 e dezembro de 2008. A entidade impugnada entendeu que o ato impugnado era “a decisão proferida a 7-11-2010”, que “determinou a elaboração oficiosa de Declarações de Remunerações no valor de €103.057,28”, constante de fls. 11-A do P.A., entendendo, no entanto, que o ato final de liquidação seria o de lançamento daquelas Declarações. Por seu turno, o Tribunal a quo, considerou que o ato objeto dos autos era o “ato mencionado a fls. 64”, (que não menciona ato algum, apenas dando conta de que «foram elaboradas oficiosamente as Declarações de Remunerações em falta») e, sem mais, concluiu, face ao teor do artigo 54º do CPPT, que «sendo o acto impugnado um acto preparatório do acto de liquidação que, de per se, não desencadeia qualquer alteração na esfera jurídica da Impugnante, não poderá ser admissível a sua impugnação, o que se retira da norma transcrita.» Sucede que, nos documentos agora apresentados pela Recorrente, o Instituto da Segurança Social, I.P., esclarece que «(…) as Declarações de Remunerações respeitantes ao período de Janeiro de 1999 a Dezembro de 2008, foram lançadas nos dias de 24 e 25 de Setembro de 2010, tendo sido anuladas de acordo com o Despacho do Exmo. Senhor Diretor do Serviço de Fiscalização do Centro, em de de 2010. // Após a entrega de novo relatório do Serviço de Fiscalização datado de de de 2010, voltaram a ser lançadas as referidas declarações de remunerações» - o sublinhado é da nossa autoria. Porém, analisado todo o P.A., não se encontra no mesmo, que consta de certidão emitida já em 28/11/2011, indício de qualquer dos referidos atos de lançamento. Tendo em conta que, segundo a jurisprudência que dimana do acórdão do STA de 03.06.2020, rec. 02383/07.2BELSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cde1cce84749a4a28025858c005045ec?OpenDocument&ExpandSection=1, deve ser admitida a junção de documentos com as alegações que, embora as partes tenham confiado que seriam juntos com o P.A., efetivamente não o foram, não restam dúvidas em como os documentos em questão devem ser admitidos. Em suma, mesmo que fosse de considerar que os autos não continham já um ato passível de ser qualificado como de “liquidação das contribuições”, a verdade é que, segundo os documentos juntos com as alegações, a Recorrida admite que foram praticados os ditos atos de lançamento, de que o P.A. não dá a devida notícia. Assim, é de admitir os documentos juntos com as alegações. ** Entrando, agora, na apreciação do mérito do presente recurso, começamos com uma breve incursão na natureza das contribuições para a Segurança Social, acompanhando a jurisprudência deste TCAN (cfr. ac. de 06-06-2019, rec. 00470/10.9BEBRG, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/ea29b396a8bf735e80258440003b2ed4?OpenDocument) e tendo presente o exposto no acórdão do STA (Pleno) de 26-02-2014, rec. nº 01481/13, www.dgsi.pt, onde se aponta que “(…)Em primeiro lugar cumpre referir, como bem se nota no acórdão fundamento, que doutrinária e jurisprudencialmente, as contribuições para a Segurança Social são consideradas como impostos, ou pelo menos como equiparadas a impostos (Neste sentido, e sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social vide , Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pags. 662 e segs., Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social - Natureza de Regime e de Técnicas e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº 12, ed. Almedina, J.J.Teixeira Ribeiro, anotações ao Acórdão de 24 de Janeiro de 1996, revista de Legislação e Jurisprudência, 1 de Junho de 1996, Ano 129º, nº 3863, e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, ed. Rei dos Livros, pág. 322.).Como refere Casalta Nabais (ob. citada, pág. 663) trata-se de uma acepção que vem sendo admitida um pouco por toda a parte e que, no nosso regime jurídico, tem manifestações importantes traduzidas no seguinte: «1) na integração das contribuições para a segurança social no nível de fiscalidade ou carga fiscal, nomeadamente para efeitos da sua comparação internacional;2) na equiparação das contribuições para a segurança social aos impostos, ao menos para efeitos jurídico-constitucionais, que o mesmo é dizer em sede da constituição fiscal; 3) na aplicação às contribuições para a segurança social das normas do procedimento e processo tributários e do regime das infracções tributárias (v. o art. 1.º do CPPT e os arts. 1.º, n.º 1, al. d) e 106.º e 107.º do RGIT)”.Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado as contribuições para a Segurança Social como impostos, desde a Constituição de 1976, e como tal sujeitas ao princípio da legalidade tributária (cfr., entre outros, os Acórdãos n ºs 183/96 e 621/99, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 23/05/1996 e 23/02/2000). E no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta secção, de que destacamos, para além dos arestos citados no acórdão fundamento, os Acórdãos de 16.06.1999, recurso 23889 e de 23.05.2007, recurso 63/07, ambos in www.dgsi.pt. Temos pois por seguro que, em termos doutrinais e jurisprudenciais, as contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos (pese embora com algumas peculiaridades). Por outro lado, e como já ficou dito, o caso em apreço tem características específicas porque não está em causa uma situação de autoliquidação, mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social. Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação. Verifica-se, nestes casos, como refere Casalta Nabais, (Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, 2010, pág. 664) reportando-se à liquidação e cobrança da Taxa Social Única, «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais». Nestas situações, que têm assim um carácter de autoliquidação, a jurisprudência desta secção vem entendendo que não será aplicável o regime previsto no artº 45º da Lei Geral Tributária, o que se justifica porque «o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo, porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução] fiscal» - cf., neste sentido, os já citados acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14.06.2012, recurso 443/12, de 23 de Setembro de 2009, recurso n.º 436/09, e de - de 30 de Maio de 2012, recurso n.º 104/12, todos in www.dgsi.pt. Mas nem sempre será assim. Casos há, como o dos presentes autos, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Administração, em suprimento das obrigações dos contribuintes. Com efeito o artº 33º do decreto-lei nº 8-B/2002, sob a epígrafe «suprimento oficioso das obrigações dos contribuintes» dispõe o seguinte: «1 - Nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respectiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efectuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações. 2 - A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção.» …” Ora, no caso vertente, tal como na situação a que alude o aresto transcrito, estão impugnadas liquidações oficiosas efetuadas pela Segurança Social, na sequência de um processo de averiguações de que foi alvo a Recorrente, em que se apurou que não foram objeto de incidência de contribuições para a Segurança Social alguns montantes abonados a trabalhadores seus. Trata-se, portanto, como ali se refere, de uma liquidação oficiosa por iniciativa do Instituto da Segurança Social, efetuada em suprimento das obrigações dos contribuintes, e que constitui, por isso, um verdadeiro ato administrativo declarativo de liquidação de um tributo, praticado por autoridade pública. Sendo certo que enquanto que nas situações de autoliquidação se verifica, por via de regra uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto, já na liquidação estamos perante uma verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto, cujos efeitos se reportam ao momento da verificação do facto tributário, por via de uma retrodatação de efeitos (mas não retroatividade de efeitos -cf., neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pág. 325). Ora, atento o regime previsto no referido artigo 33º do Decreto-lei 8-B/2002, dúvidas não subsistem que esta inscrição e a declaração de remunerações, bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efetuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação. Com efeito, e como se apontou no segmento do aresto supra transcrito, o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efetuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, razão pela qual assumem a natureza de uma verdadeira liquidação, pelo que terá de ser enquadrada no âmbito do artigo 102º, nº 1, al. a) do CPPT, o qual dispõe que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte”, não estando em causa qualquer das outras situações previstas no aludido preceito. No caso vertente, conforme resulta da matéria assente, a Recorrente foi objeto de uma ação de fiscalização, que culminou com a elaboração do Relatório Final, bem como com a prolação do despacho que o sancionou e ordenou o lançamento das contribuições apuradas. Tendo presente que o ato de liquidação é o ato tributário que determina o quantum da obrigação tributária, atento o teor do Relatório Final, bem como do despacho que o sancionou, dúvidas não subsistem em como a quantificação da obrigação contributiva resulta do ato final da ação inspetiva, porquanto, foi naquele ato que se determinou que a Impugnante é devedora à Segurança Social do montante de € 103.057,28. Concluímos, assim, que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento de facto e de direito que lhe vem apontado, devendo ser revogada, na medida em que o ato impugnado de liquidação das contribuições é o datado de 7/10/2010, referido no ponto 2) dos factos provados, o qual é, efetivamente, impugnável, devendo os autos baixar à 1.ª instância para seguirem os seus demais termos, se a tanto nada obstar. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para os que os autos aí sigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar. Custas a cargo da Recorrida, que sai vencida neste recurso, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou. Porto, 3 de março de 2022 Maria do Rosário Pais - Relatora José Coelho - 1.º Adjunto Irene Isabel das Neves - 2.ª Adjunta |