Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02383/07.2BELSB
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Sumário:I - As partes apenas podem juntar documentos às alegações de recurso nas situações excepcionais em que façam prova de que não lhes foi possível promover essa junção ao processo em momento anterior ou quando essa junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância – é só neste limitadíssimo caso que o princípio da justiça se pode sobrepor ao princípio processual de oferecimento imediato de documentos;
II- Para além dos casos em que os documentos a juntar só tenham sido obtidos mais tarde, apesar dos esforços envidados pela parte para promover a sua junção atempada, a junção de documentos só pode ser admitida com as alegações se se mostrar que a mesma foi “imposta” por um facto superveniente ou por que a decisão de facto em 1.ª instância assentou em pressupostos com os quais a parte, por mais diligente que tenha sido na instrução do processo com todos os meios de prova, não teve como antever.
Nº Convencional:JSTA000P26028
Nº do Documento:SA22020060302383/07
Data de Entrada:11/13/2019
Recorrente:A... S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – Relatório

1 – B……….., S.A., anteriormente denominada A……….., S.A., com os sinais dos autos, vem ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25 de Outubro de 2018, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual havia, por seu turno, julgado improcedente a impugnação judicial apresentada contra o acto de liquidação adicional de a impugnação intentada pelo recorrente visando liquidações adicionais de I.V.A. e respectivos juros compensatórios, relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2003 e no montante total de € 614.054,65, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:

“A. presente recurso de revista vem interposto do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul, que julgou improcedente o recurso apresentado pela Impugnante, ora Recorrente, da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que a ora Recorrente intentou contra o acto de liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 2003, no montante de €1.349.358,97;
B. Como questão prévia refira-se que a ora Recorrente apresentou, junto do Tribunal a quo, no passado dia 12/11/2018, um pedido de reforma do acórdão quanto a custas, requerendo a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
C. para dar cumprimento ao disposto no artigo 616.º, n. º 3 do CPC, aplicável por força da remissão constante do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, vem introduzir tal requerimento nas alegações.
D. O Tribunal a quo não se pronunciou quanto à verificação ou não dos pressupostos legais referentes à dispensa total ou parcial do remanescente da taxa de justiça, previsto no n.º 7 do 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
E. Porém, a lei também prevê a possibilidade de o juiz (oficiosamente ou a requerimento das partes) dispensar a parte daquele pagamento, se a especificidade da situação e, nomeadamente, a complexidade da causa e a conduta processual das partes, o justifica.
F. É certo que a intervenção do juiz, no sentido de dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não depende de requerimento das partes, podendo, nesse sentido, ser de conhecimento oficioso, porém, nada obsta a que a parte tenha iniciativa, expondo ao juiz as circunstâncias que entende serem relevantes para aferir a viabilidade de tal dispensa.
G. Assim, resulta, desde logo, que o meio processual utilizado se afigura adequado para solicitar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
H. Em concreto, considera a Requerente que se encontram preenchidos os critérios objetivos que a norma nos fornece, respectivamente:
iii) o facto de não ter havido qualquer articulado com finalidade meramente dilatória;
iv) o facto de o processo não ter implicado questões de elevada especialização jurídica ou técnica ou carácter de análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso.
I. De facto, o montante das custas processuais não pode ser fixado de modo desproporcional, sob pena de ter um efeito desincentivador dos contribuintes ao acesso à justiça, contrariando o disposto no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
J. Nesse sentido, é necessário fixar um equilíbrio entre os dois binómios a considerar no princípio da proporcionalidade: por um lado, a exigência do pagamento da taxa de justiça; por outro, o serviço de administração da justiça.
K. A Requerente considera, assim, que no caso em apreço, esse equilíbrio se coaduna com a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, o que desde já requer.
L. Quanto à omissão de pronúncia.
M. Sendo o TCA o Tribunal de recurso quanto à matéria de facto, a ora Recorrente apresentou recurso da sentença da 1.ª Instância, com fundamento em erro de julgamento no que respeita à matéria de facto dada como provada, tendo cumprido, de acordo com o disposto no artigo 640.º do CPC, todos os requisitos de fundamentação das razões em que baseava os seus argumentos, o que exigia do TCA uma verdadeira reapreciação da prova produzida (documental e testemunhal gravada) nos autos de 1.ª instância.
N. Sucede que o TCA não fez esse exercício quanto a todos os erros identificados pela Recorrente, tendo, ao contrário do que a lei determina, apreciado a pertinência de reanálise das provas de acordo com um juízo de prognose que antecipou quanto à decisão que ia tomar e que, aparentemente, na fase de apreciação dos erros da sentença recorrida quanto à matéria de facto, já estava definida.
O. Esta reapreciação não foi feita quanto a duas situações de facto, a data de abertura de uma loja e a ausência de debate no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável.
P. Quanto à data de abertura da loja de ………….
Q. Em primeiro lugar o TCA ordenou o desentranhamento dos documentos que pretendiam reforçar o facto provado pela testemunha C…………., entre outros, com o seguinte fundamento que nestas conclusões importa ressaltar:
"2-Nenhum dos documentos identificados revestir qualquer importância para a decisão do presente processo, dado que, especificamente, a prova da abertura da Loja da Fábrica da ……….. somente em 17/02/2002, nenhum relevo apresenta quanto à decisão de aplicação de métodos indirectos na quantificação da matéria colectável fundante da liquidação de IRC objecto do presente processo, tal como na alegada prova no excesso da quantificação;"
R. Em segundo lugar, chamado a pronunciar-se sobre o tal facto, conclui: "Por último, quanto à alegada prova de que a abertura da loja da fábrica, sita em ………….., ocorreu no dia 17/12/2002, remete-se o apelante para o exame e indeferimento da requerida junção de documentos ao processo em fase de recurso, exame esse supra exarado e que leva à necessária conclusão falta/desnecessidade de prova de tal factualidade."
S. A omissão de pronúncia é aqui evidente.
T. O Tribunal começa por considerar que o facto de a loja de ………….. só ter aberto em Dezembro de 2002 é irrelevante.
U. Por ser irrelevante, não se justifica a junção de documentos adicionais de prova desse facto em fase de julgamento.
V. Por essa razão determina o desentranhamento dos documentos.
W. Por fim, quanto à prova da data da abertura da loja, remete para a decisão de desentranhamento e conclui pela falta/desnecessidade de prova de tal factualidade.
X. Pergunta-se:
Y. Se a conclusão é de falta de prova, porque razão não procedeu o Tribunal à reapreciação da prova testemunhal, através da audição do depoimento da testemunha C…………., que referiu que "A loja da A……… de ………… abriu em finais de 2002, Novembro, Dezembro”?
Z. Se a conclusão é, afinal, a desnecessidade de prova, então significa que o Tribunal não alcançou correctamente as alegações da Recorrente, pois não retirou qualquer consequência do facto de a AT ter usado para quantificar a matéria tributável por métodos indirectos, a média de vendas (12 meses do ano de 2002, que serviram para fazer as correcções em 2002 e 2003), numa loja que estava encerrada e que terá aberto ao público em Novembro ou Dezembro, segundo a testemunha.
AA. Acresce que o facto de o Tribunal considerar irrelevante para a decisão a data de abertura da loja, revela que o Tribunal não alcançou um facto determinante para aferir da legalidade da quantificação da matéria tributável,
BB. quantificação que estaria sempre inquinada de vício de excesso, por assentar em médias/margens de vendas de uma loja que ainda não estava aberta quando os factos ditos indiciadores de vendas não declaradas ocorreram.
CC. Quanto à ausência de debate contraditório.
DD. Quanto à invocada falta de apreciação pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto a determinados factos, no entender da Recorrente relevantes para aferir da preterição de formalidade legal essencial e da violação do princípio do contraditório, o TCA decidiu novamente que nenhum relevo reveste a factualidade constante da conclusão 7 do recurso, com os fundamentos que nestas conclusões importa ressaltar:
"Ora, não vislumbra este Tribunal que, perante a confrontação do pedido de revisão com o teor do relatório inspectivo, exista obstáculo legal a que, quer o perito da Fazenda Pública, quer o Director de Finanças, utilizem os mesmos fundamentos e critérios constantes do relatório de inspecção, (...).
Por outro lado, a lei não prevê a obrigatoriedade dos laudos dos peritos terem de ser elaborados no decurso da reunião da comissão de revisão, principalmente verificando-se uma situação de falta de acordo entre os peritos (cfr. art.s 91 e 92 da LGT). (…) Face a estas premissas, nenhum relevo reveste a factualidade constante da conclusão 7 do recurso."
EE. Neste caso, a omissão de pronúncia assenta no facto de a Recorrente ter questionado o erro da 1.ª Instância na apreciação de determinados factos, devida e exaustivamente identificados nas alegações de recurso, e, por um lado o Tribunal ter considerado outros e, por outro lado, não ter considerado o principal, por irrelevante.
FF. Como se diz na gíria, a Recorrente perguntou por "alhos" e o Tribunal respondeu "bugalhos".
GG. Vejamos, que factos a Recorrente pede ao Tribunal de recurso que reaprecie e que conclusões de direito entende que o Tribunal de 1ª Instância, por não ter relevado tais factos, não alcançou.
HH. O facto principal é a ausência de um debate contraditório.
II. Para prova desse facto a Recorrente revela factos acessórios, provados por documentos.
JJ. Revela, ainda, as inverdades que resultam de três documentos, a saber: o laudo do perito da AT, a acta da reunião e a decisão do Director de Finanças de Lisboa
KK. E, para reforçar essa prova, transcreve as declarações prestadas pelo perito do contribuinte em audiência.
LL. O TCA, faz tábua rasa quanto à ausência de debate contraditório e fixa-se nos factos acessórios, em especial o facto de o laudo da Fazenda Pública já estar previamente elaborado antes da reunião começar e de só ter sido assinado naquela reunião.
MM. Para concluir que a lei não prevê a obrigatoriedade dos [sic] laudos dos peritos terem de ser elaborados no decurso da reunião da comissão de revisão.
NN. O TCA refere ainda que nada impede que os fundamentos invocados no relatório de inspecção sejam os mesmos invocados pelo Director de Finanças na decisão quanto ao pedido de revisão.
OO. Estas conclusões constituem uma omissão de pronúncia, pois como referimos, o facto do laudo já estar feito e da decisão da Direcção de Finanças se referir ao debate (alegadamente), são tudo factos acessórios do principal - ausência de debate - que não foi apreciado pelo TCA, por entender que a prova de tais factos era irrelevante.
PP. Ora, a inexistência do debate, que como se demonstrou quer ao Tribunal de 1.ª Instância, quer ao TCA, resulta claramente da prova produzida, pois a reunião começou e acabou no mesmo momento, tinha de ser valorada para se alcançar uma solução justa para o litígio, sob pena de violação de lei e dos princípios do contraditório, da participação, da justiça e imparcialidade (cfr. artigos 82.º, n.º 3 e 4, 55.º, 60.º 91.º e 92.º da LGT, artigo 266.º, n.º 2 e 267.º, n.º 5 da CRP).
QQ. Ora, estando assente na Jurisprudência que "constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, considerando-se como tais todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (. .. )" e tendo a Recorrente colocado ao Tribunal de recurso questão que não foi objecto de pronúncia, deverá o acórdão recorrido ser revogado, por omissão de pronúncia, com todas as consequências legais, o que desde já se requer.
RR. Da necessidade da revista.
SS. A Recorrente identificou dois fundamentos que justificam a necessidade do acórdão recorrido ser revisto a saber: i) violação de lei processual (cfr. artigos 94.º do CPTA, 607.º, 608.º, 662.º e 663.º do CPC) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva e direito de acesso à justiça (cfr. artigo 9.º da LGT, 2.º e 7.º do CPTA, 20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 da CRP), e ii) violação de lei substantiva (artigos 91.º e 92.º da LGT) e dos princípios do contraditório, da participação, da justiça e imparcialidade (cfr. artigos 82.º, n.º 3 e 4, 55.º e 60.º da LGT e 266.º, n.º 2 e 267.º, n.º 5 da CRP).
TT. A excepcionalidade deste recurso de revista é patente em toda a jurisprudência e não tem a Recorrente a veleidade de pretender banalizar tal recurso.
UU. No entanto, quer a violação de lei processual, quer a violação de lei substantiva que assaca ao Acórdão recorrido, são de tal forma juridicamente relevantes, que impõem que o mesmo seja objecto de revista.
VV. Acresce, que a manter-se o Acórdão recorrido, ficará firmada jurisprudência contrária à lei e aos princípios constitucionalmente consagrados, pelo que a admissão do presente recurso se afigura necessária a uma melhor aplicação do direito, quer no caso concreto em apreço, quer em casos futuros.
WW. Ora, a Recorrente entende que, atendendo aos inúmeros casos em que se verifica uma ausência ou deficiente reapreciação da prova pelo TCA, único tribunal de recurso com poderes de cognição sobre a matéria de facto,
XX. quer por efeito do número elevado de pendências, quer por efeito de uma errada concepção sobre o papel do TCA na reapreciação da prova, que revela violação de lei processual, como julgamos ter sido o caso em apreço,
YY. a situação objecto de revista ultrapassa claramente o casuísmo, tendo um grande impacto comunitário, para além de se tratar de uma questão jurídica claramente complexa.
ZZ. Sucede, que se o presente recurso não for admitido continuará a haver situações em que o Tribunal de 2.ª Instância, apreciando um recurso em que foi invocado erro na apreciação da matéria de facto, se continuará a escusar a uma efectiva reapreciação dos factos, o que é intolerável de acordo com o princípio da tutela jurisdicional efectiva e o direito de acesso à justiça e a um processo equitativo.
AAA. Conforme já se referiu, sendo o TCA o tribunal de recurso quanto à matéria de facto, a ora Recorrente apresentou recurso da sentença da 1.ª Instância, com fundamento em erro de julgamento no que respeita à matéria de facto dada como provada, tendo cumprido, de acordo com o disposto no artigo 640.º do CPC, todos os requisitos de fundamentação das razões em que baseava os seus argumentos, o que exigia do TCA uma verdadeira reapreciação da prova produzida (documental e testemunhal gravada) nos autos de 1ª instância.
BBB. Foi essa uma das grandes revoluções da gravação das audiências de julgamento, que visou permitir uma efectiva reapreciação, pelo Tribunal de 2.ª Instância do julgamento impugnado e dando ao Tribunal de 2.ª Instância as ferramentas necessárias à formulação de um novo juízo.
CCC. Deixar de parte a análise de determinados factos, mal julgados pelo Tribunal de 1.ª Instância, com fundamento na sua irrelevância, consubstancia desde logo uma violação do direito da Recorrente a um duplo grau de decisão sobre a matéria de facto.
DDD. Ora, como vimos, o TCA entendeu que era irrelevante dar determinados factos como provados ou não provados, pois como já se adiantou, já tinha a sua decisão previamente tomada e para sustentar aquela decisão em concreto, esses factos eram irrelevantes.
EEE. Como referiu a Meritíssima Juíza Desembargadora na sua declaração de voto, "Discordo, desde logo, das considerações que levaram - em parte - à rejeição dos documentos 2 a 5, juntos com o presente recurso”.
Do meu ponto de vista, nesta fase da análise, as asserções contidas nos pontos 2 e 3 da página 30 do acórdão não se justificam como fundamento para a rejeição, sendo certo que antecipam um juízo de mérito que, sem prejuízo da sua pertinência é, na fase em análise, prematuro".
FFF. Mas o que a lei impõe ao TCA é uma reapreciação da prova, não segundo um juízo de maior ou menor relevância, mas segundo um juízo de erro / necessidade de correcção do erro.
GGG. Este comportamento do TCA revela um erro na aplicação do direito processual que regula o julgamento e a elaboração da sentença/acórdão, em concreto, um erro na concepção do direito à alteração da matéria de facto, em sede de recurso com fundamento em erro de julgamento quanto à matéria de facto.
HHH. Aliás, conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão proferido em 26/11/2014, no processo n.º 458/04: "Não obstante o carácter limitado da actuação do STJ, na definição da matéria de facto, tal restrição não o Impede de controlar a forma como a Relação utiliza os poderes de reapreciação da decisão de facto da 1.ª Instância, conferidos pelo n.º 1 e 2 do artigo 712.º do CPC".
III. Ora, ao não dar como provados estes factos, porque alegadamente irrelevantes, o TCA está a limitar o direito de recurso do contribuinte, ora Recorrente, pois não existe outro grau de recurso que aprecie a matéria de facto.
JJJ. Acresce que de acordo com o que dispõem os artigos 94.º do CPTA e 663.º e 608.º do CPC, a lei processual administrativa e civil actualmente em vigor acolheu um verdadeiro segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
KKK. Ora, ao escolher os factos a dar como provados e não provados, com fundamento na relevância ou irrelevância dos mesmos para a sua decisão, previamente tomada, o TCA não exerceu cabalmente os poderes que a lei lhe confere e, além disso, violou o direito da Recorrente ver efectivamente reapreciada a matéria de facto, pelo último grau de recurso em que essa reapreciação poderia ter lugar.
LLL. Acresce que ao assentar a sua reanálise num juízo de relevância, o TCA está a lançar mão de uma errada concepção sobre o direito do recorrente à alteração da decisão quanto à matéria de facto.
MMM. Este direito assenta no princípio da tutela jurisdicional efectiva, que conjugado com o princípio da promoção do acesso à justiça e das normas processuais sobre fundamentação das decisões, impõe um rigor na determinação da matéria de factos que não se compadece com juízos de irrelevância infundamentados.
NNN. Com efeito, ao dar como provados ou não provados os factos, o Tribunal tem que ter em conta as soluções plausíveis de direito que se poderiam suscitar e não limitar a sua análise aos factos que considera relevantes para a sua decisão previamente tomada.
OOO. A presente revista justifica-se para esclarecer cabalmente qual seria a boa aplicação do direito pelo TCA, se a que fez, confirmando-se a decisão, se a que pede a Recorrente, revogando a decisão.
PPP. A Recorrente entende ter demonstrado que a interpretação que o TCA faz do conceito de recurso sobre a matéria de facto, em especial da norma constante do artigo 608.º do CPC, para além de ser ilegal, viola os princípios consagrados nos artigos 20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 da CRP e nos artigos 6.º da CEDH, 14.º do PIDCP, 10.º da DUDH e 47.º da CDFUE, pelo que desde já requer a sua revogação.
QQQ. Também no que se refere à ausência do debate previsto no artigo 92.º, n.º 1 da LGT, por se tratar de uma posição frequentemente adoptada pela AT, que trata a reunião de peritos, não como um processo de partes, mas como um mero formalismo, retirando todo o efeito útil à norma,
RRR. entende a Recorrente que a decisão da presente revista será de enorme relevância para uma melhor aplicação do direito, que terá uma aplicação prática inquestionável em todos os procedimentos de revisão futuros, com um inquestionável impacto sobre as garantias dos contribuintes e os seus direitos constitucionalmente protegidos.
SSS. Com efeito, se a norma determina que o procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório e visa o estabelecimento de um acordo, manter-se na ordem jurídica uma decisão judicial que considera que é irrelevante a existência ou inexistência do debate contraditório, parece-nos claramente aberrante e violador dos mais elementares princípios que enformam o nosso ordenamento jurídico.
TTT. Uma melhor aplicação do direito impõe considerar a reunião de peritos como parte integrante do procedimento de revisão da matéria tributável por métodos indirectos e não um mero formalismo sem conteúdo substantivo, sob pena de retirar qualquer efeito útil às disposições constantes dos artigos 91.º e 92. 0 da LGT e de violar os princípios do contraditório, da participação, da justiça e imparcialidade (cfr. artigos 82.º, n.º 3 e 4, 55.º e 60.º da LGT, artigo 266.º, n.º 2 e 267.º, n.º 5 da CRP).
UUU. Com efeito, se o legislador não pretendesse estabelecer um procedimento assente num debate contraditório e numa participação activa do contribuinte, não o teria feito.
VVV. Ao que se apurou, apesar de não ter sido o mesmo perito a representar a AT na reunião e a proceder às correcções, a justificação que deu para iniciar o debate de que "não estava em condições de alterar o trabalho que havia sido feito pelos colegas", não foi diferente do que seria ter afirmado: _ Não estou em condições de alterar o trabalho que eu próprio fiz.
WWW. Foi para evitar este tipo de situações, de violação do princípio da imparcialidade, que o legislador pretendeu a intervenção, por parte da AT, de quem não tivesse estado envolvido no procedimento, que deu origem à correcção da matéria tributável por métodos indirectos.
XXX. Por outro lado, se o legislador não quisesse expressamente um procedimento contraditório, em que cada uma das partes invoca as suas razões para tentar chegar a um acordo sobre o quantum da obrigação tributária, também não o teria exigido expressamente, como fez: "O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação”. (cfr. n.º 1 do artigo 92.º da LGT)
YYY. Com efeito, o legislador desde logo distinguiu o nível de participação do contribuinte na avaliação directa e na avaliação indirecta, ao estabelecer para este último método de avaliação que "o sujeito passivo participa na avaliação indirecta, nos termos da lei" e que "o sujeito passivo pode ainda participar, nos termos da lei, na revisão da avaliação indirecta” (cfr. artigo 82.º, n.ºs 3 e 4 da LGT).
ZZZ. Assim, a Recorrente entende que a falta de debate contraditório consubstancia a preterição de uma formalidade legal essencial, por violação do disposto nos artigos 91.º e 92.º da LGT e dos princípios do contraditório, da participação, da justiça e imparcialidade (cfr. artigos 82.º, n.º 3 e 4, 55.º e 60.º da LGT, artigo 266.º, n.º 2 e 267.º, n.º 5 da CRP).
AAAA. O princípio da participação encontra assento constitucional no n.º 5 do artigo 267.º da CRP que prevê que "O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito".
BBBB. Também os princípios da justiça e imparcialidade foram postergados pela decisão recorrida.
CCCC. A sua consagração constitucional consta do disposto no artigo 266.º, n.º 2, que estabelece que "os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé".
DDDD. Assim, e para concluir, a interpretação do artigo 92.º, n.º 1 da LGT, na interpretação que dele faz o Tribunal recorrido, ao considerar que o procedimento de revisão aí previsto não assenta num debate contraditório, é inconstitucional por violar os princípios constitucionais da participação, da justiça e imparcialidade, consagrados nos artigos 266.º, n.º 2 e 267.º, n.º 5 da CRP, pelo que o acórdão recorrido deverá ser revogado, o que desde já se requer.
EEEE. Por todos os fundamentos expostos no presente recurso, a Recorrente entende ter demonstrado que se encontram preenchidos os pressupostos da revista pelo que requer a revogação do acórdão recorrido, com vista a uma melhor aplicação do direito.
Termos em que deverá o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado, com todas as consequências legais.”

2 – A Recorrida não apresentou contra-alegações.

3 – Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.
O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, mas não emitiu parecer.
Em apreciação preliminar sumária, foi admitida a revista apenas relativamente à primeira questão com os seguintes fundamentos: “Entendemos, como no processo paralelo n.º 2383/07.2BELSB (onde se discute o IVA resultante de idênticas correcções), que a revista deve ser admitida quanto a esta questão. Não porque a decisão seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, que manifestamente o não é, mas porque se entende que cabe a este STA, enquanto órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, controlar o modo como o TCA interpreta e aplica as regras jurídicas respeitantes à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância, sendo certo que o direito ao recurso de tal decisão sobre a matéria de facto fixada se afigura nuclear em ordem a assegurar o princípio da tutela jurisdicional efectiva. Isto sem prejuízo de estar legalmente excluído do âmbito da revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa e que aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado (cfr. os números 3 e 4 do artigo 150.º do CPTA)”.
4 – Distribuído o processo, foi ordenada novamente a abertura de vista ao Ministério Público, tendo o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no seguinte sentido: “(…) a não admissão dos documentos juntos com as alegações de recurso tem o seu fundamento no disposto no artigo 425.º do CPC (ex 524.º) e por a situação não se subsumir na previsão do artigo 651.º do CPC (ex 693.º-B) como pretende a Recorrente, motivo pelo qual o acórdão recorrido não padece da ilegalidade que lhe é assacada pela Recorrente nessa parte”.
5 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

*
2.– Fundamentação

2.1. De facto

2.1. - Dos Factos:

Nos termos do disposto nos artigos n.ºs 663.º, n.º 6 e 679.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 281.º do Código do Código de Procedimento e Processo Tributário, remete-se para a matéria de facto constante da sentença recorrida.

*

3 – Do direito

Com as alegações de recurso, o recorrente pediu a junção aos autos de seis documentos:
E sobre este pedido decidiu assim o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul:
“Com as alegações de recurso, o recorrente pediu a junção aos presentes autos de quatro documentos, os quais se passam a identificar:
1-Com duas folhas (cfr.fls.837 e 838 do processo) que consiste em cópia de contrato de trabalho a termo certo em que surge como primeira contraente a empresa recorrente, sendo datado de 01/12/2002 e celebrado em Águeda;
2-Com uma folha (cfr.fls.839 do processo) que consiste em cópia de extracto contabilístico da conta diário, com lançamentos a débito e crédito relativo a Loja ……… ………. e abarcando movimentos de Dezembro de 2002 e de Janeiro de 2003;
3-Com cento e dezassete folhas (cfr.fls.840 a 957 do processo) que consiste em cópia do balancete geral da empresa recorrente, abarcando todos os meses do ano de 2002;
4-Com uma folha (cfr.fls.958 do processo) que consiste em cópia de declaração da Junta de Freguesia de ……….., através do seu Presidente, datada de 8/02/2013, em que se afirma que a loja da fábrica da A………., situada em ……….., foi inaugurada em 17/12/2002.
Com os documentos nos. 1 a 4 supra identificados pretende fazer prova da factualidade alegada no art°.150 do articulado inicial e que consiste em a Loja da Fábrica da ………… somente ter sido aberta em Dezembro de 2002, mais precisamente em 17/12/2002 (cfr. conclusão 20 e 22 do recurso).
Assim, a primeira questão que se impõe decidir, de natureza adjectiva, consiste em saber da possibilidade legal de tal junção e da manutenção dos referidos documentos nos autos.
Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª Instância, mas tão somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal "a quo" no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas.
Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal "ad quem" tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o art°.523, do C.P.Civil (cfr.art°.423, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (actualmente até vinte dias antes da realização da audiência final - cfr.art°.423, n°.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.art°s.524 e 693-B, do C.P.Civil; art°s. 425 e 651, n°.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contraalegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (art°.524, n°.1, do C.P.Civil);
2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (art°.524, n°.2, do C.P.Civil);
3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (art°.524, n°.2, do C.P.Civil);
4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.art°.693-B, do C.P.Civil; art°.651, n°.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
5-Nos casos previstos no art°.691, n°.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.art°.693-B, do C.P.Civil).
A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado art°.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no art°.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/1 1; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 30º, Tomo 1, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª Edição, 2017, pág.229 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos •quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.n°.4 supra), o advérbio "apenas", usado no art°.693-B, do C. P. Civil (cfr.art°.651, n°.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª Instância ser proferida. Por outras palavras, a jurisprudência sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos visando a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, mais não podendo servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (cfr.ac.T.C.A.Sul 2ª.secção 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª Edição, 2017, pág.230).
"ln casu", quanto aos documentos n°s.1 a 4 supra identificados, deve a sua junção ser recusada, devido a três vectores:
1-O estarmos perante documentos visando a prova de factos que já antes da sentença o recorrente sabia estarem sujeitos a prova (cfr. factualidade alegada pelo apelante no art°.150 do articulado inicial);
2-Nenhum dos documentos identificados revestir qualquer importância para a decisão do presente processo, dado que, especificamente, a prova da abertura da Loja da Fábrica da ……… somente em 17/12/2002, nenhum relevo apresenta quanto à decisão de aplicação de métodos indirectos na quantificação da matéria colectável fundante da liquidação de I.R.C. objecto do presente processo, tal como na alegada prova do excesso de quantificação;
3-Por outro lado, releve-se que a A. Fiscal, no relatório de inspecção, põe em causa aquela afirmação do recorrente, ao salientar ter indícios do contrário, pois que apesar de não terem sido declarados proveitos de tal loja provenientes, são detectados depósitos frequentes nas contas particulares do Administrador, sacados em contas cujo balcão se situa em área próxima de …….. (Águeda, Valongo, Anadia), em períodos em que a A…….. não possuía lojas próprias nos arredores, a não ser a de ……… (cfr. relatório da inspecção, constante da alínea B) do probatório).
Por último, não se visualiza a necessidade de junção de qualquer dos quatro documentos em virtude do conteúdo da decisão recorrida, nos termos do art°.651, n°.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, nos termos reduzidos identificados supra, sendo que o recorrente igualmente não faz menção a tal fundamento na requerida junção superveniente de documentos.
Concluindo, dada a sua impertinência, desnecessidade e extemporaneidade, devem os documentos juntos a fls.837 a 958 do processo físico (IV volume) ser desentranhados dos autos e restituídos ao requerente, condenando-se este no pagamento de multa pelo incidente (cfr.art°.443, n°.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; art°.10º R.C. Processuais), ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.”
Como bem denota o EPGA, o presente recurso vem interposto do acórdão do TCA Sul proferido a 25/10/2018, que julgou improcedente o recurso e determinou a devolução de documentação junta com as alegações de recurso.
A Recorrente assenta o recurso de revista na “violação de lei processual” (artigos 94º do CPTA, 607º, 608º, 662º e 663º do CPC) e do “princípio da tutela jurisdicional efetiva e direito de acesso à justiça” (artigo 9º da LGT, 2º e 7º do CPTA, 20º, º4, e 268º, nº4, da CRP).
Entende a Recorrente que se impõe a admissão do recurso de revista porque «no caso em apreço estamos perante um situação em que deve ser conhecido pelo STA, não o mero erro na apreciação da prova, mas um vício antecedente e mais gravoso – o erro sobre o conceito de dever de reapreciação da prova imposto aos tribunais de 2ª instância e direito à alteração da matéria de facto de que goza o contribuinte».
Considera a Recorrente que ao assentar a sua decisão na falta de relevância dos factos aduzidos pela Recorrente, ao invés de “um juízo de erro/necessidade de correção do erro”, o TCA inviabilizou «a reanálise das provas, tendo em conta os erros cometidos pela 1ª instância na apreciação da matéria de facto, em violação do disposto no artigo 608º do CPC, que impõe a juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Entende a Recorrente que «este comportamento do TCA revela um erro na aplicação do direito processual… um erro na conceção do direito à alteração da matéria de facto em sede de recurso com fundamento em erro de julgamento quanto à matéria de facto».
Mais considera que «o que importava que o TCA apreciasse, lendo os documentos juntos aos autos e ouvindo os suportes áudio…era a existência ou não de erro nos factos dados como provados…» e que «ao não dar como provados estes, porque alegadamente irrelevantes, o TCA está a limitar o direito de recurso do contribuinte, ora Recorrente, pois não existe outro grau de recurso que aprecie a matéria de facto».
Conclui, assim, que «o TCA não exerceu cabalmente os poderes que a lei lhe confere e, além disso, violou o direito da Recorrente ver efetivamente reapreciada a matéria de facto….».
No acórdão que admitiu o recurso de revista deixou-se exarado o seguinte no que respeita aos fundamentos para a sua admissão:
«Não porque a decisão seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, que manifestamente o não é, mas porque se entende que cabe a este STA, enquanto órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, controlar o modo como o TCA interpreta e aplica as regras jurídicas respeitantes à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto da lª instancia, sendo certo que o direito ao recurso de tal decisão sobre a matéria de facto fixada se afigura nuclear em ordem a assegurar o principio da tutela jurisdicional efectiva. Isto sem prejuízo de estar legalmente excluído do âmbito da revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa e que aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado (cfr. os números 3 e 4 do artigo 150.° do CPTA).»
Verifica-se que a matéria de direito respeitante ao referido objecto de recurso nesta vertente é em tudo semelhante à do recentíssimo acórdão do S.T.A.-SCT de 06-05.2030, tirado no Processo n.º 1621/07.6BELSB, relatado Pela Exmª Conselheira Suzana Tavares da Silva em que estava em causa a impugnação da liquidação de IRC da também aqui impugnante e recorrente relativa ao exercício de 2003, quando aqui se controverte a liquidação de IVA precisamente daquele mesmo ano e em que as questões objecto do recurso são idênticas.
Assim, e concordando com o decidido naquele acórdão, remete-se para a fundamentação e decisão do mesmo constante, de acordo com o previsto nos artigos 663.º n.º 5 e 679.º do C.P.C. e que se transcreve no que ao enquadramento jurídico diz respeito:
“2. Questão a decidir
Saber se é correcta a interpretação e aplicação das regras jurídicas respeitantes à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância, sufragada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, designadamente quanto à admissão de junção de novos documentos com as alegações de recurso.
O presente recurso de revista foi admitido em apreciação preliminar sumária para que este Supremo Tribunal Administrativo controle o modo como o TCA interpretou e aplicou as regras jurídicas respeitantes à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância. Trata-se, por conseguinte, de escrutinar a interpretação e aplicação feitas por aquele Tribunal Central das regras e dos princípios que disciplinam o recurso da matéria de facto da 1.ª instância, incluindo a respectiva metódica.
Sobre esta questão não existem normas especiais no Código do Procedimento e Processo Tributário nem a regulação de todos os aspectos que aqui são questionados encontra resposta nos artigos do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que se aplicam, subsidiariamente, ex vi da al. e) do artigo 2.º do CPPT, as regras do Código do Processo Civil.
Apesar de a Recorrente formular a questão em termos gerais, imputando ao acórdão do TCA Sul um erro sobre o conceito de dever de reapreciação da prova e a violação do direito da Recorrente (‘apelante’) à alteração da matéria de facto, considerando que no caso não foi respeitado o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, segundo qual “[O] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”, uma vez que não foi reapreciada a prova (documental e testemunhal) solicitada pela Recorrente no âmbito do recurso que interpôs da decisão da 1.ª instância, relativa à impugnação judicial de uma liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 2003 (v. ponto M das conclusões das alegações), veremos que o âmbito do recurso se reconduz apenas à questão da admissão de junção de novos documentos com as alegações de recurso.
A Recorrente havia alegado a existência de um erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada por parte do Tribunal Tributário de Lisboa e solicitado ao TCA a reapreciação de duas situações de facto: i) a primeira, respeitante à data de abertura da loja de ……….., facto em relação ao qual a Recorrente havia também requerido a junção de seis novos documentos para realização da prova (v. pontos P a AB das conclusões das alegações); ii) a segunda, relativa à ausência de um debate contraditório no âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável, previsto e regulado nos artigos 91.º e 92.º da LGT (v. pontos AC a AQ das conclusões das alegações), que, em seu entender, a havia privado de demonstrar que havia erro na quantificação da matéria tributável.
Nas suas alegações perante o TCA Sul, a Recorrente vincou também a importância que, no seu entendimento, teria a correcção daquele erro de julgamento quanto à matéria de facto, na medida em que na prova daqueles dois factos radicava, para si, o núcleo do contraditório que não conseguira ver assegurado no âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável e, com isso, a correcção dos montantes fixados em sede de avaliação indirecta da matéria colectável. Em suma, localizou a necessidade de reapreciação daquela prova no âmbito do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva.
A revista, porém, foi apenas admitida quanto à primeira questão, ou seja, da admissibilidade ou não de junção de novos documentos com as alegações de recurso.
Em relação à data de abertura da loja de ……..., a Recorrente entendia que era fulcral dar como provado que a loja apenas abrira em finais de 2002, o que permitiria afastar ou corrigir o valor médio mensal presumido de volume de vendas fixados pela inspecção tributária, que estendera a todo o ano civil o resultado de apenas um mês de funcionamento da referida loja. E no recurso que apresentou perante o TCA Sul veio defender que, não só esse facto (que havia sido alegado no artigo 157.º da petição inicial) já se deveria ter como provado a partir do que afirmara a testemunha C…….., como, para reforço da respectiva prova, requeria a junção ao processo de 4 novos documentos.
A divergência interpretativa entre o que alega a Recorrente e o decidido pelo TCA Sul prende-se com o sentido e alcance do disposto no actual artigo 651.º, n.º 1 do CPC (antigo 693.º-B), segundo o qual “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”, envolvendo também o disposto no artigo 425.º do CPC (antigo artigo 524.º) onde, por seu turno, se refere que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. Na verdade, o disposto no artigo 425.º reitera apenas o conteúdo das regras legais sobre a apresentação de documentos, contempladas no artigo 423.º do CPC (antigo artigo 523.º), que: i) exigem a respectiva apresentação com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1); ii) ou até 20 dias antes da realização da audiência final, mediante multa, excepto se a parte provar que não lhe foi possível oferecer os documentos com o articulado (n.º 2); iii) depois daquele prazo limite, apenas podem ser admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, assim como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (n.º 3).
As regras que acabámos de transcrever correspondem à positivação legal dos princípios fundamentais que informam a produção de prova no processo judicial e que, por seu turno, expressam a efectivação do princípio da garantia da tutela jurisdicional plena e efectiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). Referimo-nos ao que a doutrina e a jurisprudência constitucional há muito1 designam como a conciliação entre o princípio processual de oferecimento imediato de documentos e o princípio da justiça, ou seja, a garantia fundamental de que a parte não fica privada “em qualquer estado do processo” do direito de juntar todos os documentos que sejam essenciais para o esclarecimento da situação e para habilitar o tribunal a proferir uma decisão justa, com a regra essencial à promoção da actividade jurisdicional (direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas), segundo a qual são punidas – seja com multa, seja com a inadmissibilidade da junção posterior – as condutas, mesmo que negligentes, que levaram à não apresentação atempada dos documentos, sempre que não seja apresentado ou não exista um fundamento legal para a admissibilidade daquela junção tardia. Neste sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 473/94, que confrontou as regras legais processuais antes enunciadas com a garantia fundamental da “proibição da indefesa”, tendo aquele aresto concluído pela conformidade constitucional das referidas regras, uma vez que as mesmas consubstanciam, no entendimento do Tribunal, a conciliação, em termos adequadamente proporcionais, “do interesse público do apuramento da verdade e da realização da justiça, ao qual convém a junção ainda que tardia dos documentos, com a disciplina ideal do processamento da acção que faz impender sobre as partes um dever de diligência e de colaboração com o tribunal”.
Assim, quer a solução legalmente contemplada, quer a interpretação que destas regras fez o Tribunal Constitucional no respectivo confronto com os princípios fundamentais da ordem jurídica nacional, afiguram-se-nos actuais, adequados, proporcionais e justos, pelo que não encontramos razão para deles divergir.
Ora, resulta desta interpretação jurisprudencial o seguinte: i) constitui um ónus das partes a apresentação dos documentos com os articulados em que sejam alegados os factos que pretendem provar; ii) não obstante aquele ónus, a efectivação do princípio da justiça admite a junção tardia de documentos até 20 dias antes da realização da audiência final, sendo a negligência da parte cominada com o pagamento de uma multa; iii) não haverá lugar a multa sempre que a parte apresente os documentos até 20 dias antes da realização da audiência final e prove que não lhe foi possível oferecer os documentos com o articulado em que foram invocados os factos a provar; iv) após o decurso daquele prazo (20 dias antes da realização da audiência final), a apresentação de documentos apenas é possível se a parte provar que não foi possível apresentá-los antes ou que a sua apresentação apenas se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, valendo esta regra, também, para a apresentação de documentos com as alegações de recurso.
Em outras palavras, as partes apenas podem juntar documentos às alegações de recurso nas situações excepcionais em que façam prova de que não lhes foi possível promover essa junção ao processo em momento anterior ou quando essa junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Este último pressuposto – ter a junção dos documentos resultado do julgamento proferido na 1.ª instância – tem de ser interpretado no âmbito do sentido da excepcionalidade em que se admite a junção tardia de documentos, ou seja, não se trata de uma necessidade decorrente do resultado ou do desfecho da decisão em 1.ª instância, mas sim de uma necessidade resultante do conteúdo da decisão proferida em 1.ª instância, por a mesma se basear em factos ou interpretações factuais com as quais a parte não poderia razoavelmente ter contado no âmbito da tramitação processual em 1.ª instância, mesmo que tenham sido observadas todas as garantias impostas pelo princípio do contraditório.
Diremos que – para além dos casos em que os documentos a juntar só tenham sido obtidos mais tarde, apesar dos esforços envidados pela parte para promover a sua junção atempada – a junção de documentos só pode ser admitida com as alegações se se mostrar que a mesma foi “imposta” por um facto superveniente, pelo conteúdo da decisão de facto em 1.ª instância, a qual assentou em pressupostos com os quais a parte, por mais diligente que tenha sido na instrução do processo com todos os meios de prova, não teve como antever. É só neste caso – neste limitadíssimo caso, em que o princípio da justiça se pode sobrepor ao princípio processual de oferecimento imediato de documentos ― quando se demonstre que a parte actuou de forma diligente e que existe uma verdadeira necessidade de admitir novas provas ou complementos de prova para dimensões factuais com as quais não era possível ter contado na instrução do processo em primeira instância -, que se pode admitir a junção de documentos com as alegações de recurso.
Aplicada esta interpretação à situação em apreço verificamos que:
i) os documentos 2 a 5 que a Recorrente pretendeu juntar aos autos com as alegações de recurso destinavam-se a fazer prova do facto alegado no artigo 157.º da petição inicial, ou seja, a abertura da loja de fábrica, situada em …………, apenas em Dezembro de 2002, sem que a Recorrente tenha feito prova da impossibilidade da sua junção em momento anterior, limitando-se a requerer a sua junção aos autos para tentar afastar o que em seu entender foi uma errada interpretação da factualidade efectuada pelo tribunal de 1.ª instância; mais, nas alegações que apresenta junto deste Supremo Tribunal Administrativo, afirma, para suportar a sua tese de que existiu erro de julgamento e omissão de pronúncia por parte do TCA Sul, que o mesmo “ordenou o desentranhamento dos documentos que pretendiam reforçar o facto provado pela testemunha” (destacado e sublinhado nosso), revelando assim que a não junção anterior destes documentos se deveu a mera negligência processual da sua parte (já os podia ter apresentado com a petição inicial), pelo que não estava preenchido o requisito do artigo 693.º-B do CPC para que os mesmos pudessem ser juntos aos autos;
ii) e o mesmo é válido para os documentos n.ºs 1 e 6, para os quais a Recorrente não apresenta sequer fundamento jurídico para a respectiva junção.
Assim, ainda que com outro fundamento jurídico ― não por “impertinência, desnecessidade ou extemporaneidade”, como afirmou o TCA Sul, numa antecipação da relevância processual dos documentos, que nesta fase ainda não é admissível, mas sim por não estarem verificados os pressupostos normativos em que se pode fundamentar a admissão da junção de documentos com as alegações de recurso; sendo apenas esta a motivação a que há-de ater-se um Tribunal de recurso no julgamento da questão prévia da admissibilidade ou não da requerida junção de documentos, não lhe sendo permitido, nesta fase, avaliar da pertinência, necessidade ou actualidade da prova dos factos que os mesmos pretendem realizar ―, é de manter a decisão do TCA Sul quanto à não admissão da respectiva junção ao processo dos documentos apresentados pela Recorrente.
Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
- as partes apenas podem juntar documentos às alegações de recurso nas situações excepcionais em que façam prova de que não lhes foi possível promover essa junção ao processo em momento anterior ou quando essa junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância – é só neste limitadíssimo caso que o princípio da justiça se pode sobrepor ao princípio processual de oferecimento imediato de documentos;
– para além dos casos em que os documentos a juntar só tenham sido obtidos mais tarde, apesar dos esforços envidados pela parte para promover a sua junção atempada, a junção de documentos só pode ser admitida com as alegações se se mostrar que a mesma foi “imposta” por um facto superveniente ou por que a decisão de facto em 1.ª instância assentou em pressupostos com os quais a parte, por mais diligente que tenha sido na instrução do processo com todos os meios de prova, não teve como antever;
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, ainda que com outro fundamento.”
Pelo exposto e sendo esta a fundamentação a que se adere, conclui-se, pois, que haverá que negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido nos termos constantes do douto aresto citado.
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3.Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida com a fundamentação retro.
Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

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Lisboa, 3 de Junho de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.