Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00470/10.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/06/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.LIQUIDAÇÃO OFICIOSA. CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
Sumário:
1) Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.
2) Mas nem sempre assim é, pois cassos há, como o previsto no art. 33º do Decreto-lei nº 8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa, resultando da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.
3) Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo.
4) Assim, estando em causa na situação dos autos uma liquidação oficiosa notificada ao contribuinte aquando da notificação do relatório final do processo de averiguações, a matéria em causa terá de ser enquadrada no âmbito do art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, o qual dispõe que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte ( 30 dias , cfr arts 84º e 85º nº2 do CPPT). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:PSGPS, S.A.
Recorrido 1:Instituto de Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
PSGPS, S.A., com sede no Parque I…, Guimarães, 4805-298, Ponte GMR, pessoal colectiva n.º 50xxx44, nestes autos (ao deante Impugnante ou Recorrente), inconformada, recorre para este Tribunal Central Administrativo Norte da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga no âmbito da impugnação judicial que aquela deduzira contra a liquidação oficiosa de Contribuições para a Segurança Social, no valor de 114.537,02, que, considerando verificada a excepção da caducidade do direito de acção, absolveu a entidade demandada da instância.
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo a Recorrente formulado nas respectivas alegações de recurso, as seguintes conclusões que se reproduzem ipsis verbis:
A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância em 2 de Fevereiro de 2018, nos autos da Impugnação Judicial que correu termos na 3.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sob o processo n.º 470/10.9BEBRG, notificada à Recorrente em 9 de Fevereiro de 2018, na qual o Tribunal a quo julgou procedente a arguição da “excepção de caducidade do direito de acção”, com a consequente absolvição do Réu, o Instituto da Segurança Social, I.P., da instância;
B. A Recorrente deduziu impugnação judicial contra o acto de liquidação oficiosa de contribuições e cotizações de Segurança Social dos anos de 2004 a 2008, que lhe foi notificada aquando da citação no âmbito do processo de execução n.º0301200900314420 e apensos;
C. O acto impugnado encontra-se identificado e delimitado nos artigos 1.º a 3.º da petição inicial, constando da citação junta aos autos como Documento n.º 1 da petição inicial;
D. Admite a Recorrente que o acto impugnado possa ter tido origem no processo de averiguações n.º 200803016073 e correspondentes mapas de apuramento de contribuições e cotizações elaborados pelos Serviços de Fiscalização do Norte, Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, Sector de Braga, do Instituto da Segurança Social, I.P., cuja decisão final consta da notificação junta aos autos como Documento n.º 4 da petição inicial, e cuja reforma, com a consequente anulação do montante de € 141,02, junta como Documento n.º 2 da contestação;
E. Sucede que, os valores constantes das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos divergem dos valores constantes dos mapas elaborados na sequência do processo de averiguações n.º 200803016073, encontrando-se tais divergências demonstradas nos artigos 19.º e 22.º da petição inicial;
F. A Recorrente não foi notificada de qualquer fundamentação justificativa ou explicativa, do cálculo dos novos valores, nem de ter havido lugar a qualquer revisão oficiosa dos mesmos;
G. Sendo arguida a existência de alegada excepção dilatória de caducidade do direito de acção, o Tribunal a quo fixou, como factualidade relevante para a decisão [vide alíneas 1) a 14) dos “FACTOS PROVADOS”], as notificações efectuadas à Recorrente no âmbito do processo de averiguações n.º 200803016073, a instauração e citação da Recorrente no processo de execução n.º 03012200900314420 e apensos, e a data de apresentação da impugnação judicial, concluindo que “atento o teor do Relatório Final, bem como do despacho que o sancionou, impõe-se extrair a conclusão que a quantificação da obrigação contributiva resulta directamente do acto final da acção de fiscalização, e porquanto é por via desse acto que a Impugnante foi considerada devedora à Segurança Social do montante de € 113.375,47. Porquanto, é este, e não o acto de lançamento em conta corrente (esse último será um mero acto de execução do acto de liquidação) que deverá ser tido como o verdadeiro acto de liquidação passível naturalmente de ser objecto de Impugnação judicial”;
H. Assim, o Tribunal a quo não valorou a divergência verificada entre os valores apurados no âmbito do processo de averiguações n.º 200803016073, nos termos do qual “Impugnante foi considerada devedora à Segurança Social do montante de € 113.375,47”, e os valores constantes das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos, nos termos do qual se pretende a cobrança coerciva de contribuições e cotizações dos anos de 2004 a 2008, no valor de € 80.331,37 e acrescidos no valor de € 34.205,64, totalizando € 114.537,02;
I. Para além da falta de correspondência entre os valores apurados no âmbito do processo de averiguações n.º 200803016073 e os constantes das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos, aquelas certidões de dívida contém em si a liquidação da receita parafiscal alegadamente em dívida, uma vez que dela constam os elementos exigidos à existência da mesma, ou seja (i) os valores alegadamente em dívida; e (ii) a identificação da Recorrente como sujeito passivo da obrigação de pagamento;
J. O Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, dispõe que a liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social é efectuada imediatamente, sem necessidade de formalidades de liquidação prévias, dispondo antes, no seu art.º 9.º, n.º 1, que “o processo executivo para a cobrança das contribuições do regime geral de previdência terá por base certidão extraída”, razão pela qual esta apenas é notificada ao contribuinte aquando da citação em processo de execução;
K. As certidões de dívida, nos termos n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de Fevereiro, indicam “(…)nome e domicílio do devedor, proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante, da data a partir da qual são devidos juros de mora e da importância sobre que incidem, com a discriminação dos valores retidos na fonte, se for o caso”, pelo que contêm em si a liquidação da receita parafiscal alegadamente em dívida;
L. Por conseguinte, a extracção daquelas certidões de dívida de contribuições de Segurança Social consistiu, materialmente, in casu, numa nova liquidação de tributos, nos termos da alínea b) do art.º 44.º do CPPT, acto esse notificado através da citação em processo de execução, o que, de resto, é admissível e aceite pela Doutrina e Jurisprudência;
M. Nas palavas de Jorge Lopes de Sousa, op cit, em sede de contribuições de Segurança Social, “o acto de liquidação consistirá no acto de extracção da certidão confirmativa da existência de dívida, já que há aqui um acto jurídico de aplicação de uma norma tributária material, praticado, por uma autoridade administrativa, com força executiva”;
N. Por conseguinte, é inquestionável que, face às certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos, nos encontramos perante uma liquidação de tributos, nos termos da alínea b) do art.º 44.º do CPPT, a qual consiste no objecto da impugnação judicial apresentada;
O. Nestes termos, a Sentença recorrida acaba por limitar o seu julgamento, para aferir da excepção arguida, à decisão final proferida no processo de averiguações n.º 200803016073, não identificando como impugnável o acto objecto da impugnação judicial, pelo que sustentou as suas conclusões com base numa errónea valoração da matéria de facto e incorreu em erro de julgamento na aplicação do Direito;
P. Assim, a não valoração, na matéria de facto relevante, da identificada divergência entre os valores constantes do processo de averiguações n.º 200803016073 e das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos (onde consta o acto de liquidação impugnado), resulta, necessariamente, na insuficiência de uma base factual adequada para o julgamento da excepção dilatória suscitada, resultando em erro de julgamento pelo Tribunal a quo;
Q. Entende, assim, a Recorrente que, perante esta insuficiência, se impõe a reapreciação da prova produzida e aditada à matéria de facto relevante a divergência existente entre os valores constantes do processo de averiguações n.º 200803016073 e das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos, nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do Código de Processo Civil, dado ser “pacífico que na formação do juízo sobre a pertinência da matéria de facto o juiz deva atender a todas as soluções de direito seleccionando todos os factos que possam ser relevantes para as questões colocadas” (vide Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 08928/15);
R. Em consequência, deve a matéria de facto relevante para a emissão do julgamento ser aditada, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do Código de Processo Civil, aditando-se à mesma os factos constantes nos artigos 18.º a 22.º da petição inicial, na medida em que são relevantes para apreciar do mérito da questão colocada, sendo que, na medida em que se encontram suportados em documentos, o probatório deve acolhê-los através da reprodução integral ou parcial do seu exacto teor (admitindo-se, hoje pacificamente, que os possa dar como integralmente como reproduzidos), dos quais, posteriormente, na apreciação daquelas questões e para a decisão destas, extrairá as ilições que julgue devidas;
S. Em consequência, face a esta factualidade, deve ter-se por assente que as certidões de dívida anexas à citação do processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos, consubstanciam uma nova liquidação de contribuições e cotizações dos anos de 2004 a 2008, pelo que, constituindo esta o acto impugnado nos autos, e demonstrando-se que a Impugnação Judicial foi apresentada tempestivamente, deveria a excepção de caducidade do direito de acção ter sido julgada improcedente, motivo pelo qual, não tendo a Douta Sentença recorrida decidido neste sentido, deve ser objecto de revogação;
T. Por outro lado, incorreu novamente a Douta Sentença recorrida em erro de julgamento ao dispor que “mesmo que se admitisse a hipótese de a execução fiscal se reportar a outra liquidação posterior à liquidação inicialmente notificada à Impugnante sem que tivesse existido notificação da nova liquidação, a impugnação teria necessariamente que ser deduzida no âmbito de uma oposição à execução fiscal, ser apresentada no prazo de 30 dias contados da citação, nos termos do artigo 203.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, sendo que tal prazo também já se encontrava esgotado na data em que foi proposta a presente acção (01.03.2010)”, isto, alegadamente, conforme “o Acórdão do STA de 05.11.2014, proferido no processo 01000/13, disponível em www.dgsi.pt”;
U. Uma vez que, na medida em que, nos autos do processo de recurso n.º 01000/13, foi tal conclusão emitida no pressuposto que, por não ter ocorrido, naqueles autos, uma prévia notificação da liquidação de tributos ao contribuinte, este encontrava-se limitado, na sua defesa processual, a usar da oposição à execução para discutir a ilegalidade da liquidação em causa, tais conclusões não aplicáveis ao presente processo;
V. Sucede que, in casu, encontra-se plenamente demonstrado que, não decorrendo a extracção das certidões de dívida em causa no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos de situação de autoliquidação de contribuições de segurança Social, constituem as mesmas um acto oficioso de liquidação de contribuições e cotizações dos anos de 2004 a 2008, efectivamente notificadas à Recorrente, ainda que através da citação em sede de processo de execução, apenas produzindo os seus efeitos com a efectiva notificação, nos termos do n.º 1 do art.º 36.º do CPPT;
W. Caso se admitisse o entendimento da Sentença recorrida o contribuinte encontrar-se-ia sempre impossibilitado de discutir a (i)legalidade da liquidação em sede de Impugnação Judicial;
X. Assim, viola a Douta Sentença recorrida o disposto no n.º 1 do art.º 36.º, na alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º, e na alínea a) do art.º 99.º, todos do CPPT, ao impedir a Recorrente de discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social, porquanto se demonstrou que nos encontramos perante uma liquidação de tributos impugnável, violando ainda o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, que determina o acesso ao Direito e a tutela jurisdicional efectiva de todas as pessoas (singulares ou colectivas);
Y. Acresce que, ao impedir a Recorrente de discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social em sede de Impugnação Judicial, porque “a forma processual correcta seria a de oposição”, faz a Sentença recorrida uma errada interpretação do disposto na alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, pois a lei assegura meio de impugnação – a Impugnação Judicial – pelo que, viola, igualmente, o disposto nesta disposição legal;
Z. Sendo o acto de liquidação notificado aos contribuintes, nos termos do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, através de citação em processo de execução, e que este acto de liquidação é impugnável, nos termos da alínea a) do art.º 99.º do CPPT, a contagem do prazo para interposição da correspondente Impugnação Judicial, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, inicia-se a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”;
AA. Ou seja, após o terminus do prazo de 30 dias para efectuar o pagamento voluntário, nos termos do n.º 2 do art.º 85.º do CPPT;
BB. Aliás, sendo a liquidação de contribuições de Segurança Social notificada através de processo de execução, outro prazo para pagamento voluntário não poderá ser considerado, que não aquele prazo de 30 dias;
CC. Ainda que não se entendesse, e que o prazo de dedução da impugnação judicial não se contaria do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, mas antes da data da citação da Recorrente, o que apenas se admite à cautela e por mero dever de prudente patrocínio, conforme decorre das alíneas 13) e 14) dos “FACTOS PROVADOS” a impugnação judicial foi apresentada dentro do respectivo prazo legal, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT e art.º 279.º do Código Civil;
DD. Nestes termos, deve concluir-se que o acto impugnado consiste na liquidação oficiosa de contribuições e cotizações de Segurança Social dos anos de 2004 a 2008 constante das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos, sendo as mesmas impugnáveis em sede de impugnação judicial, interposta tempestivamente, pelo que deve ser revogada a Sentença recorrida, que faz errada aplicação do Direito ao caso sub judice, violando o disposto, n.º 1 do art.º 36.º, no n.º 2 do art.º 85.º. na alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º, na alínea a) do art.º 99.º, na alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º e na alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º, todos do CPPT, julgando-se improcedente “a excepção de caducidade do direito de acção”;
EE. A Sentença recorrida enferma, assim, de diversos erros de julgamento, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por outra em que se declare a improcedência da arguição da excepção dilatória de “caducidade do direito de acção”, pelo que deve a Sentença recorrida ser revogada, ordenando-se que os autos baixem à primeira instância para reapreciação da prova produzida e para audiência de julgamento, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final, declarando-se a impugnação procedente, por provada, com todas as legais consequências, designadamente, a anulação da liquidação oficiosa de contribuições e cotizações se Segurança Social dos anos de 2004 a 2008, constante das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos.
Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o Vosso Mui Douto Suprimento, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, deve ser dado provimento ao presente recurso, com todas as legais consequências, designadamente, revogar a Douta Sentença recorrida, ordenando-se que os autos baixem à primeira instância para reapreciação da prova produzida e para audiência de julgamento, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final, declarando-se a declarando-se a impugnação procedente, por provada, com todas as legais consequências, designadamente, a anulação da liquidação oficiosa de contribuições e cotizações se Segurança Social dos anos de 2004 a 2008, constante das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos.
Assim se repondo a Legalidade e,
Assim se fazendo JUSTIÇA!
*
A recorrida apresentou contra-alegações que rematou nos seguintes termos:
A. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal "a quo" que julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação e que, em consequência, absolveu o ora Recorrido da instância.
B. A Recorrente, não conformada com tal decisão, entendeu interpor o presente recurso alegando os seguintes fundamentos:
1. "Erro de julgamento da matéria de facto";
2. "Erro de julgamento na identificação do meio de reacção".
C. Pedindo "in fine" que a douta sentença seja revogada, "ordenando-se que os autos baixem à primeira instância para reapreciação da prova produzida e para audiência de julgamento, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final, declarando-se a declarando-se a impugnação procedente, por provada, com todas as legais consequências, designadamente, a anulação da liquidação oficiosa de contribuições e cotizações se Segurança Social dos anos de 2004 a 2008, constante das certidões de dívidas anexas à citação no processo de execução n.° 0301200900314420 e apensos." e a sua "substituição por outra em que se declare a improcedência da arguição da excepção dilatória de "caducidade do direito de acção " .
D. A Recorrente aponta diversos erros de julgamento ao juiz "a quo".
E. Alega a Recorrente que "a Sentença recorrida procedeu a uma errada apreciação dos factos e dos elementos probatórios carreados para os autos, assim como urna errónea identificação do acto de liquidação impugnável que, necessariamente, conduzem a uma errada aplicação do Direito ao caso dos autos."os sublinhados são os nossos.
F. No entanto, sem razão, como se verá de seguida.
G. Importa, desde já, clarificar o que a Impugnante parece pretender confundir nas presentes alegações de recurso:
H. A presente ação de impugnação judicial tem por objeto a liquidação oficiosa feita pelo Recorrido, então Impugnado (ISS, IP.), e não a citação da instauração de um processo executivo pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, 1.P. (IGFSS, IP.) à Recorrente, e então Impugnante.
I. Sobre estas duas realidades não pode haver confusão possível, dado tratarem-se de matérias distintas, com procedimentos e processos autónomos, desencadeadas por entidades diversas, com competências distintas.
Relembrando,
J. A Recorrente na sua PI refere que "vem (...) deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL Da liquidação oficiosa de contribuições e quotizações de Segurança Social dos anos de 2004 a 2008". Acrescentando, ainda, no artigo 1.0 da mesma PI que tal liquidação oficiosa é "decorrente(s) do processo de averiguações n.° 200803016073 e correspondentes mapas de apuramento de contribuições e quotizações elaborados pelos Serviços de Fiscalização do Norte, Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, Sector de Braga, do Instituto da Segurança Social, LP." — o negrito é o nosso.
K. Conforme se pode verificar, a Impugnante, ora Recorrente, sabia e sabe perfeitamente qual o ato que estava a impugnar.
L. Deste modo, é inaceitável a alegação de que a douta sentença fez "errónea identificação do acto de liquidação impugnável", dado que tal identificação foi feita "ab initio" pela própria Impugnante e acolhida pelo tribunal. Pelo que é, igualmente, inaceitável a confusão que a Recorrente agora faz relativamente ao objeto da ação.
M. Assim, os argumentos aduzidos pela Recorrente, a este propósito, não colhem dado que o objeto da ação, conforme aquela mesma identificou, é a impugnação da liquidação oficiosa, e a entidade impugnada é o ISS, IP. e não o IGFSS, 1P.
N. O Impugnado, e ora Recorrido, não é, nem nunca foi, entidade executante de qualquer quantia em dívida da Impugnante, e ora Recorrente.
O. Deste modo, a douta sentença apreendeu corretamente qual o ato objeto da presente impugnação judicial, tal como aplicou corretamente o Direito "ao caso dos autos", ao contrário do que a Recorrente alega.
P. Alega ainda a Recorrente que a citação para o processo executivo, que lhe foi instaurado pelo IGFSS, terá por fundamento "urna nova liquidação" que não lhe teria sido notificada.
Q. Ora, a defesa de tal tese deverá ser feita pela Recorrente noutra sede — a da oposição à execução -, que não a dos presentes autos.
R. A matéria factual que releva para a presente impugnação judicial é, assim, a constante dos artigos 9.° a 14.° do recurso da Recorrente, que confirma quer o que já tinha afirmado em sede da sua PI — artigos 1.°, 2.°, 11.° a 14.", quer, sobretudo, o douto entendimento que o Mmo. Juiz "a quo" fez dos factos relevantes no presente caso.
S. Ainda quanto a esta questão, estranha o Impugnado a conclusão D. das presentes alegações que se transcreve de seguida: "Admite a Recorrente que o acto impugnado possa ter tido origem no processo de averiguações n.° 200803016073(...)", já que contraria o entendimento que inicialmente a Impugnante tinha da matéria, referido no artigo 11.0 da PI., o que, por facilidade de leitura, aqui também se reproduz de seguida: "A liquidação oficiosa de contribuições e quotizações de Segurança Social dos anos de 2004 a 2008, ora impugnada, teve origem no processo de averiguações n.° 200803016073, que correu termos no Departamento de Fiscalização, dos Serviços de Fiscalização do Norte, Núcleo de Fiscalização do Norte; Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, Sector de Braga, Instituto da Segurança Social, I.P., de cujo projecto de decisão a Impugnante foi notificada em 18 de Setembro de 2008."
T. Na realidade, o que a Recorrente agora faz é criar confusão, onde não existia, em desespero de causa.
U. A Recorrente alega também que o douto tribunal "a quo" "não valorou a divergência verificada entre os valores apurados" da liquidação oficiosa e da citação da instauração de processo executivo.
V. Pois, nem tinha que valorar. Essa não é matéria destes autos.
W. Querendo, podia a Recorrente ter-se oposto à citação do processo executivo, conforme resulta da lei e conforme lhe foi informado através do próprio texto daquela citação.
X. A Recorrente no presente recurso constrói a sua argumentação tendo por base urna aludida discrepância de valores. No entanto, já a correção de valores tinha sido notificada à Recorrente.
Y. Importa, assim, em abono da verdade, relembrar que, ao contrário do alegado pela Recorrente no artigo 38.° do Recurso, foi aquela notificada, pelos serviços competentes do Impugnado, de urna correção de valores, após se ter verificado um lapso nos cálculos realizados, conforme bem fixa o 9.° facto dado como provado, na douta sentença.
Z. De todo o modo, a citação para o processo executivo contempla não só a "Quantia Exequenda", mas também os juros de mora e as custas processuais, designados "Acrescidos" cujo cálculo só ficará fixado aquando do pagamento integral dos montantes em divida.
AA. Pelo que não correspondem à verdade as alegações da Recorrente constantes do artigo 80.° do Recurso, de que "a citação no processo de execução (...) resulta no acto de quantificação de contribuições e cotizações de Segurança Social dos anos de 2004 a 2008" pois essa dita "quantificação" já tinha decorrido da notificação da liquidação oficiosa resultante do PROAVE (processo de averiguações) n.° 200803016073.
BB. Relembre-se que a mencionada liquidação em causa foi notificada à Recorrente, em 13.01.2009, facto não contestado pela mesma, constituindo, por isso, o 5.° facto assente, dado como provado na douta sentença.
CC. Na verdade, tal como refere a douta sentença, ora em causa, "o acto de liquidação pode ser definido como o acto tributário pelo qual se fixa, em lermos quantitativos, o quantum da obrigação tributária."
DD. Aliás, para ser consequente com o que afirma, a Recorrente, não necessitaria de trazer à colação a alegada existência de "novo acto de liquidação" por si afirmada à saciedade, pois, como refere no artigo 80.° "in fine", "sem necessidade de ocorrência de actos prévios". Se assim é, e se a Recorrente defende a tese de que da mera citação de instauração de processo executivo "resultou a quantificação" dos valores em causa, desnecessária se tornaria a alegada existência de um outro qualquer ato anterior, mesmo o do alegado "novo acto de liquidação" e portanto, igualmente, desnecessário seria o pretendido aditamento "de concretos factos relevantes (...) para a decisão da causa de forma a permitir a sua correcta interpretação e subsequente aplicação das normas jurídicas correspondentes".
EE. No entanto, tal como se pode verificar, quer pela realidade factual, quer pelo próprio argumentário de recurso, tal tese fantástica não pode colher.
FF. A Recorrente vem ainda fazer apelo ao disposto no artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 511/76, de 03.07, para defender a tese de que "a liquidação dos tributos pode ser efectuada através da extracção de certidões de dívida, que são notificadas ao contribuinte na própria citação em processo de execução", citando jurisprudência, no entanto, tal não é aplicável ao caso concreto dos autos.
GG. Na verdade, se, no âmbito daquele diploma legal, a cobrança coerciva das dívidas de contribuições para a segurança social passou a ser feita "imediatamente através de processo executivo", pois o regime de cobrança consubstanciava-se na imposição às entidades patronais da obrigação de entrega das folhas de ordenados ou salários e da obrigação de pagamento das contribuições correspondentes, determinadas pela incidência das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações, dentro dos prazos legais, sendo pois, o próprio contribuinte que tinha de calcular as contribuições devidas, não havendo qualquer ato, praticado por uma autoridade pública, declarativo de uma obrigação de pagamento da quantia referente às contribuições, pelo que não podia falar-se da existência de um ato de liquidação - não havia cobrança coerciva, existia, sim, uma autoliquidação, já no caso presente verificou-se a existência de um ato jurídico de aplicação de urna norma tributária material, praticado por urna autoridade administrativa, ato esse que consubstanciou uma verdadeira liquidação.
HH. Assim, nos termos do acórdão do STA, mencionado pela Recorrente, foi praticado o referido "ato tributário da liquidação (oficiosa)" pelo que, conforme refere o aresta em causa, é este o ato que deve ser objeto de impugnação.
II. Deste modo, dúvidas não podem existir que, antes da referida citação do processo executivo, a Recorrente tinha sido notificada da liquidação oficiosa respeitante a contribuições e quotizações não declaradas à Segurança Social, relativas ao período de 2004 a 2008, feita pelos serviços do Recorrido.
1.1. Logo, as alegações da Recorrente, a este propósito, são puro devaneio especulativo.
KK. A realidade é que a matéria em causa e julgada na sentença, ora em crise, tem por objeto a liquidação oficiosa que a, então, Impugnante, tão bem soube identificar na sua PI, e não a citação da instauração de um processo executivo contra si, feita por outra entidade que não o Recorrido.
De facto, a verdade é que:
LL. A Recorrente foi notificada dos projetos de decisão, para efeitos de audiência prévia, relativos à liquidação oficiosa aqui em causa, em 18.09.2008, conforme a mesma afirma nos artigos 11.° e 12.° da PI. e 9.°, 10.0 e 11.° do presente Recurso, juntando os respetivos documentos — designados como Doc. 2 e 3 com a PI, os quais fazem parte integrante dos presentes autos.
MM. A Recorrente pronunciou-se sobre os mesmos, em 02.10.2008 e em 09.10.2008 conforme também refere no artigo 13.° da PI e 12.° do presente Recurso.
NN. A Recorrente foi notificada da decisão final da liquidação oficiosa em causa nos presentes autos, conforme a mesma admite quer na PI — artigo 14.°, quer no Recurso —artigos 13.°, 14.° e na conclusão D.. Notificação, essa, consubstanciada no Doc. 4 que a Recorrente juntou à PI e que lhe foi feita em 13.01.2009 cfr. o artigo 34.° do recurso.
Deste modo, ao contrário do que alega, a Recorrente, teve conhecimento da decisão final que determinou a liquidação oficiosa, antes do alegado conhecimento que lhe adveio através da citação do processo de execução, pelo que podia, querendo, ter intentado a ação de impugnação judicial desde o momento em que foi notificada de tal liquidação oficiosa e dentro do prazo legal.
PP. Só que não o fez atempadamente.
QQ. Tal como é demonstrado na douta sentença de que recorre, a Recorrente deixou caducar o direito de ação.
RR. A presente ação deu entrada no tribunal em 01.03.2010, ou seja, extemporaneamente.
SS. Vem a Recorrente, agora, confundir e baralhar atos administrativos autónomos e independentes, lançando mão, para tanto, de argumentos não pertinentes, nem relevantes, aliás, descabidos, pretendendo, com tudo isso, apontar alegados vícios à douta sentença, que não existem para, assim, obter ganho de causa.
TT. Não padece, desta forma, a douta sentença de "erro nos pressupostos de facto", nem de "erro de julgamento quanto à identificação e qualificação do ato de liquidação impugnável" e, muito menos, de "errada aplicação do Direito ao caso dos autos", designadamente, no entender da Recorrente, "erro de julgamento quanto à excepção dilatória de caducidade do direito de ação".
UU. A Recorrente vem, no âmbito da segunda ordem de fundamentos do seu recurso, alegar, ainda, que "as certidões de dívida (...) configuram um acto de liquidação de contribuições e cotizações de Segurança Social dos anos de 2004 a 2008", acrescentando que "Liquidação essa que só foi dada a conhecer à Recorrente aquando da citação no processo de execução" — o negrito é o nosso.
VV. Refere, ainda, que sendo a notificação dos atos em matéria tributária condição da sua eficácia, considera a Recorrente que "apenas foi validamente notificada da liquidação em causa nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do art.° 36.° do CPPT, aquando da citação no processo de execução" — o negrito é o nosso.
WW. Para, ainda, referir que "Pode o contribuinte, no decorrer da citação em processo de execução, efectivamente, deduzir a competente Impugnação Judicial, por se traduzir tal citação, in casu, num verdadeiro novo acto de liquidação" — o negrito é o nosso.
XX. Afinal este "novo acto de liquidação" consubstancia-se em quê? Na citação? Nas certidões de divida?
YY. Volta a Recorrente a alegar nos artigos 129.° e 139.° do Recurso que "a liquidação de contribuições e cotizações de Segurança Social em crise fbi notificada à Recorrente aquando da citação no processo de execução (...), não tendo a Recorrente sido notificada previamente de qualquer outra liquidação destes tributos,"o sublinhado e o negrito são nossos.
ZZ. Ora, corno já se referiu e demonstrou antes, estas alegações não correspondem minimamente à verdade, corno bem sabe a Recorrente, pelo que entende o Impugnado que, em face das inúmeras vezes que a Recorrente as produz, só pode ser revelador da má-fé com que litiga.
AAA. Na verdade, a Recorrente desdiz-se relativamente à PI, mormente relativamente ao que alega no artigo 14.": "A Impugnante foi, em consequência, notificada da decisão final dos serviços do ISS, em 13 de Janeiro de 2009, a qual, mantendo parte do entendimento já expresso no mencionado projecto, continha os mapas de apuramento oficiosamente elaborados, declarando a Impugnante como devedora da quantia de e 113.375,47 (Cfr. Cópia da notificação recebida que aqui se junta como Documento n.° 4 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)." — o sublinhado e o negrito são nossos.
BBB. Pelo que dúvidas não restam que a liquidação oficiosa já lhe tinha sido notificada em 13.01.2009, isto é, antes da citação para processo executivo que só foi feita à Recorrente em 30.11.2009.
CCC. No que respeita à alegada "errónea interpretação e aplicação das disposições legais", pela sentença recorrida, designadamente da alínea h) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT, sempre se dirá que é a Recorrente quem está a fazer tal.
DDD. Veja-se no que respeita à citação para o processo executivo, que é amiúde referida pela Recorrente, conforme é consabido e informado na própria citação, o meio adequado de reação à mesma é a oposição, nos termos do disposto no artigo 203.° e seguintes do CPPT, e não o processo de impugnação judicial, corno o presente.
EEE. Ademais, importa referir que o douto juiz "a quo" não "impediu" a Recorrente de discutir a legalidade do ato de liquidação. Tal "impedimento" resultou do facto da Recorrente ter intentado a presente ação depois do seu direito ter caducado. Nessa medida, a única responsável pelo dito "impedimento" foi a própria Recorrente. Ora, como é bom de ver, até pelas consequências que acarreta ao nível da segurança jurídica, não pode ficar a ordem jurídica em suspenso "ad eternum" até que o interessado, neste caso a Recorrente, se lembre de impugnar o ato de liquidação oficiosa.
FFF. Consequentemente, não padece a douta sentença de tal vício, não lhe podendo, deste modo, ser assacada qualquer ilegalidade c, muito menos, a da alegada inconstitucionalidade.
GGG. Mais urna vez, ao contrário do que alega a Recorrente, a sentença não errou na aplicação do direito quando julgou o direito de ação da Recorrente caducado e absolveu o Recorrido da instância.
HHH. Consequentemente, é desprovida de fundamento a pretensão e o requerimento da Recorrente de revogação da sentença aqui em crise.
III. Na verdade, a decisão é clara, consequente e fundamentada.
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas.,as presentes alegações de recurso devem ser julgadas improcedentes, por não provadas e, em consequência, manter-se a sentença do tribunal "a quo", com as devidas e legais consequências como é de JUSTIÇA.
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Dada vista dos autos ao Ministério Público, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer inserto a fls. 383 a 384, no sentido da improcedência do recurso, no entendimento, em suma, de que “A Recorrente foi notificada, em 13.01.2009, da liquidação oficiosa, que constituiu acto definitivo e decisório da Segurança Social , no âmbito do processo de averiguações nº 200803016073, pelo que, como bem se refere na sentença, o prazo de 90 dias para impugnar conta-se a partir dessa data e não da citação para o processo executivo, em que o meio próprio seria o de oposição à execução e cujo prazo de 30 dias a contar da data da citação , que ocorreu em 30/11/2009, igualmente se encontrava ultrapassado aquando da propositura desta acção em 2/3/2010“
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Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.
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OBJECTO DO RECURSO - Questões a apreciar e decidir:
A questão suscitada pela Recorrente nas alegações de recurso e delimitada pelas respectivas conclusões, artigos 608º, nº 2, 635, todos do Código de Processo Civil (CPC), “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) consiste em saber se a Mmª Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar.
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FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
O Mmo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
1) No ano de 2008, a Impugnante foi alvo de uma acção de fiscalização por parte dos Serviços do Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP – fls. 01 ss do PA;
2) Tal acção de fiscalização veio a culminar com o Relatório final datado de 18/12/2008, constante de fls. 77 a 87 do suporte físico dos autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, no qual se propôs: “-que, efectivamente, sejam dadas como liquidadas as contribuições totais de 113.375,47 €, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de contribuições para a Segurança Social;
- por força da citada liquidação, o contribuinte deverá ser considerado, em termos definitivos, devedor à Segurança Social da importância de 113.375,47.”
3) Sobre tal relatório foi proferido, em 29.12.2008, o seguinte despacho pelo Chefe de Sector dos Serviços de Fiscalização: “Concordo com os termos e fundamentos do presente relatório, devendo o contribuinte ser considerado devedor do valor de € 113.375,47” – fls. 76 do suporte físico dos autos;
4) Em 12.01.2009, foi expedido o ofício n.º 008666, através de carta registada com aviso de recepção, o qual apresenta o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
5) Tal comunicação foi recepcionada pela Impugnante em 13.01.2009 – cfr. aviso de recepção de fls. 183 do PA;
6) Por despacho proferido em 03.02.2009, foi determinada a elaboração oficiosa das declarações de remunerações referentes ao período de 2003 a 2008, no montante de € 113.382,42 – doc. de fls. 240 e 241 do suporte físico dos autos;
7) Neste seguimento, a Impugnante apresentou neste Tribunal Impugnação Judicial contra o acto que lhe foi comunicado em 13.01.2009, a qual corre presentemente termos neste Tribunal sob o n.º 613/09.5BEBRG;
8) Para notificação da Impugnante de tal decisão, foi expedido o ofício de 2009MAR10, n.º 071034, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
9) Entretanto, e no seguimento da acção intentada pela Impugnante, em 20 de Maio de 2009, foi elaborada a seguinte informação por parte dos Serviços do Instituto da Segurança Social, que tem o teor constante do doc. 2 junto com a Contestação da entidade demandada, cujos aspectos essenciais seguidamente se reproduzem:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
10) Em 16.09.2009, tal informação foi sancionada, mediante despacho proferido despacho pelo Sr. Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Segurança Social, IP – doc. 2 junto com a Contestação;
11) Para notificação da Impugnante, foi expedido o seguinte ofício (doc. 2 junto com a Contestação):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
12) Em Novembro de 2009, foi instaurado, na Secção de Processo de Braga do Instituto de Gestão Financeira, IP, o processo de execução fiscal n.º 03012200900314420 e apensos, tendente à cobrança de contribuições e cotizações, referentes ao período compreendido entre Novembro de 2004 a Abril de 2008, no valor global de € 114.537,02, sendo € 80.331,37 relativos a quantia exequenda e € 34.205,85 relativos a acrescidos – doc. 1 junto com a petição inicial;
13) A Impugnante foi citada para a execução fiscal em 30.11.2009;
14) A petição inicial foi remetida ao TAF de Braga, por correio registado expedido em 01.03.2010 – fls. 166 do suporte físico dos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Para além da matéria dada como provada, inexiste outra matéria que releve para a boa apreciação e decisão da causa.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados resultam da análise dos documentos constantes dos autos e que se mostram expressamente identificados por referência a cada um dos factos que foram levados ao probatório.
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DE DIREITO
Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, considerando verificada a excepção peremptória consubstanciada na caducidade do direito de deduzir Impugnação contra a liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social relativas aos anos de 2004 a 2008 e respectivos juros compensatórios, no montante global de 114.537, 02 €, absolveu a ora Recorrida da instância.
Para assim decidir, o Tribunal a quo ancorou-se, em suma, na seguinte fundamentação:(«(…) A questão que cumpre dirimir reporta-se à eventual caducidade do direito de acção.
O prazo para a propositura de impugnação judicial mostra-se fixado no art.º 102º do CPPT, artigo que, no momento da propositura, tinha a seguinte redacção:
1 - A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código.
f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”
Tal prazo, por força da disposição constante no art.º 20º, n.º1, do CPPT, conta-se nos termos do Código Civil, tratando-se de um prazo de caducidade, cujo esgotamento determina a extinção do direito de acção.
A excepção invocada, assenta na alegação de que o acto passível de impugnação seria o acto de lançamento em conta corrente dos valores apurados por via de acção de fiscalização levada a cabo pelos serviços do Instituto de Segurança Social, no ano de 2008.
Na perspectiva da entidade demandada, o prazo para a dedução de Impugnação judicial ter-se-ia aberto com a notificação da Impugnante do acto de lançamento, pelo que, na data da propositura, há muito se encontraria esgotado o respectivo prazo legal previsto no art.º 102º do CPPT.
A Autora, por seu turno, considera que o prazo de impugnação apenas se deve ter por iniciado após os o decurso do prazo de 30 dias contado a partir da citação da sociedade para o processo de execução fiscal, seja por entender não ter sido, em momento prévio à citação, notificada de qualquer acto de liquidação, seja ainda por os valores e períodos das dívidas em execução não se mostrarem coincidentes com os valores resultantes do procedimento inspectivo.
Atenta a forma como a questão se mostra controvertida, a questão a resolver passa, num primeiro momento, por definir qual o acto que efectivamente deve ser considerado como acto de liquidação.
Na situação presente, constata-se que, no ano de 2008, a Impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização, a qual veio a culminar com o Relatório elaborado em 18.12.2008, posteriormente sancionado por despacho proferido superior proferido em 29.12.2008.
Analisado o teor do relatório final, bem como o despacho que o sancionou, constata-se que, por via de tal acto, foram “…dadas como liquidadas as contribuições totais de 113.375,47 €, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de contribuições para a Segurança Social”, aí se consignando também que “por força da citada liquidação, o contribuinte, deverá ser considerado, em termos definitivos, devedor à Segurança Social da importância de 113.375,47 €” (destacados nossos).
Como é consabido, o acto de liquidação pode ser definido como o acto tributário pelo qual se fixa, em termos quantitativos, o quantum da obrigação tributária.
Ora, atento o teor do Relatório Final, bem como do despacho que o sancionou, impõe-se extrair a conclusão que a quantificação da obrigação contributiva resulta directamente do acto final da acção fiscalização, e porquanto, é por via desse acto que a Impugnante foi considerada devedora à Segurança Social do montante de € 113.375,47.
Portanto, é este acto, e não o acto de lançamento em conta corrente (este último será um mero acto de execução do acto de liquidação) que deverá ser tido como o verdadeiro acto de liquidação passível naturalmente de ser objecto de Impugnação judicial.
Aliás, tal entendimento terá inclusivamente sido sancionado no âmbito do processo judicial que corre termos neste Tribunal sob o n.º 613/09.5BEBRG, e uma vez que, tendo a Impugnante intentado acção administrativa especial contra a decisão proferida em 29.12.2008, foi aí considerado existir erro na forma de processo, determinando-se, nessa sequência a convolação dos autos em processo de Impugnação Judicial, e por ter considerado que a Autora pretendia impugnar um verdadeiro acto de liquidação (cfr. despacho proferido em 12.10.2009, no âmbito do referenciado processo).
E parece-nos que tal entendimento merece aqui a nossa adesão, e sem reservas, atento o teor do acto praticado pela Entidade demandada, assim como quanto à estatuição dele resultante, maxime de a Impugnante ter sido considerada, a partir desse momento, devedora de determinado montante quantitativo.
Sendo este o verdadeiro acto de liquidação, e tendo tal acto sido notificado à Impugnante em 13.01.2009, naturalmente que foi por via desta notificação que se abriu o prazo para a dedução de impugnação, não decorrendo da citação da Impugnante para o subsequente processo de execução fiscal – ocorrida em 30.11.2009 – a (re)abertura do prazo para a apresentação de Impugnação.
Procurou a Impugnante sustentar a tempestividade da presente impugnação com fundamento de o valor da dívida em execução não corresponder ao valor resultante dos anteriores actos tributários (sejam eles a decisão final do procedimento de fiscalização sejam eles os actos de lançamento), daí decorrendo que terá existido uma posterior liquidação nunca notificada à Autora, e cujo conhecimento apenas teria sido levado à sua esfera jurídica por via da citação para a execução fiscal.
Quanto ao alegado, e mesmo que se admitisse a hipótese de a execução fiscal se reportar a outra liquidação posterior à liquidação inicialmente notificada à Impugnante sem que tivesse existido notificação da nova liquidação, a impugnação do acto teria necessariamente que ser deduzida no âmbito de uma oposição à execução fiscal, a ser apresentada no prazo de 30 dias contados da citação, nos termos do artigo 203º, nº 1, alínea a) do CPPT, sendo que tal prazo também já se encontrava esgotado na data em que foi proposta a presente acção (01.03.2010). (…).
Dissente a Recorrente do assim decidido, advogando, em síntese, que admite que o acto impugnado possa ter tido origem no processo de averiguações n.º 200803016073 e correspondentes mapas de apuramento de contribuições e cotizações elaborados pelos Serviços de Fiscalização do Instituto da Segurança Social, I.P., cuja decisão final consta da notificação junta aos autos como Documento n.º 4 da petição inicial, e cuja reforma, com a consequente anulação do montante de € 141,02, junta como Documento n.º 2 da contestação. Todavia os valores constantes das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos divergem dos valores constantes dos mapas elaborados na sequência do referido processo de averiguações, sendo que a Recorrente não foi notificada de qualquer fundamentação justificativa ou explicativa, do cálculo dos novos valores, nem de ter havido lugar a qualquer revisão oficiosa dos mesmos.
Mais, brande a Recorrente contra a decisão recorrida , que o Tribunal a quo fixou, como factualidade relevante para a decisão [al.s 1) a 14) do probatório], as notificações efectuadas à Recorrente no âmbito do processo de averiguações n.º 200803016073, a instauração e citação da Recorrente no processo de execução n.º 03012200900314420 e apensos, e a data de apresentação da impugnação judicial, concluindo que “atento o teor do Relatório Final, bem como do despacho que o sancionou, impõe-se extrair a conclusão que a quantificação da obrigação contributiva resulta directamente do acto final da acção de fiscalização, e porquanto é por via desse acto que a Impugnante foi considerada devedora à Segurança Social do montante de € 113.375,47. Porquanto, é este, e não o acto de lançamento em conta corrente (esse último será um mero acto de execução do acto de liquidação) que deverá ser tido como o verdadeiro acto de liquidação passível naturalmente de ser objecto de Impugnação judicial”, não tendo valorado a divergência verificada entre os valores apurados no âmbito do processo de averiguações, nos termos do qual “Impugnante foi considerada devedora à Segurança Social do montante de € 113.375,47”, e os valores constantes das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução, nos termos do qual se pretende a cobrança coerciva de contribuições e cotizações dos anos de 2004 a 2008, no valor de € 80.331,37 e acrescidos no valor de € 34.205,64, totalizando € 114.537,02, sendo que para além da falta de correspondência entre os valores apurados no âmbito do processo de averiguações e os constantes das certidões de dívida anexas à citação, tais certidões de dívida contêm em si a liquidação da receita parafiscal alegadamente em dívida, uma vez que dela constam os elementos exigidos à existência da mesma, ou seja (i) os valores alegadamente em dívida; e (ii) a identificação da Recorrente como sujeito passivo da obrigação de pagamento.
Mais alega que considerando que o Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, dispõe que a liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social é efectuada imediatamente, sem necessidade de formalidades de liquidação prévias, dispondo antes, no seu art.º 9.º, n.º 1, que “o processo executivo para a cobrança das contribuições do regime geral de previdência terá por base certidão extraída”, razão pela qual esta apenas é notificada ao contribuinte aquando da citação em processo de execução, sendo que as certidões de dívida, nos termos n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de Fevereiro, indicam “(…)nome e domicílio do devedor, proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante, da data a partir da qual são devidos juros de mora e da importância sobre que incidem, com a discriminação dos valores retidos na fonte, se for o caso”, pelo que contêm em si a liquidação da receita parafiscal alegadamente em dívida, concluindo que a extracção daquelas certidões de dívida de contribuições de Segurança Social consistiu, materialmente, in casu, numa nova liquidação de tributos, nos termos da alínea b) do art.º 44.º do CPPT, acto esse notificado através da citação em processo de execução, o que, de resto, é admissível e aceite pela Doutrina e Jurisprudência, pelo que entende ser inquestionável que, face às certidões de dívida anexas à citação encontramo-nos perante uma liquidação de tributos, nos termos da alínea b) do art.º 44.º do CPPT, a qual consiste no objecto da impugnação judicial apresentada
Entende, assim, que errou o tribunal a quo ao limitar o seu julgamento, para aferir da excepção arguida, à decisão final proferida no processo de averiguações, não identificando como impugnável o acto objecto da impugnação judicial, tendo sustentado as suas conclusões com base numa errónea valoração da matéria de facto e incorrido em erro de julgamento na aplicação do Direito.
Acrescenta, ainda, que a não valoração, na matéria de facto relevante, da identificada divergência entre os valores constantes do processo de averiguações das certidões de dívida anexas à citação (onde considera constar o acto de liquidação impugnado), resulta, necessariamente, na insuficiência de uma base factual adequada para o julgamento da excepção dilatória suscitada, resultando em erro de julgamento pelo Tribunal a quo, razão pela qual, entende, que, perante esta insuficiência, se impõe a reapreciação da prova produzida e aditada à matéria de facto relevante a divergência existente entre os valores constantes do processo de averiguações e das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução, concretamente os factos constantes nos artigos 18.º a 22.º da petição inicial, na medida em que se encontram suportados em documentos, e consequentemente, deve ter-se por assente que as tais certidões de dívida consubstanciam uma nova liquidação de contribuições e cotizações dos anos de 2004 a 2008, pelo que, a Impugnação Judicial foi apresentada tempestivamente.
Por último, brande contra a sentença a quo o erro de julgamento no segmento em que entende que “mesmo que se admitisse a hipótese de a execução fiscal se reportar a outra liquidação posterior à liquidação inicialmente notificada à Impugnante sem que tivesse existido notificação da nova liquidação, a impugnação teria necessariamente que ser deduzida no âmbito de uma oposição à execução fiscal, ser apresentada no prazo de 30 dias contados da citação, nos termos do artigo 203.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, sendo que tal prazo também já se encontrava esgotado na data em que foi proposta a presente acção (01.03.2010)”, isto, alegadamente, conforme “o Acórdão do STA de 05.11.2014, proferido no processo 01000/13, disponível em www.dgsi.pt”, uma vez que, nos autos do processo de recurso n.º 01000/13, foi tal conclusão emitida no pressuposto de que (por não ter ocorrido, naqueles autos, uma prévia notificação da liquidação de tributos ao contribuinte) este encontrava-se limitado, na sua defesa processual, a usar da oposição à execução para discutir a ilegalidade da liquidação em causa, tais conclusões não aplicáveis ao presente processo. Todavia, in casu, encontra-se plenamente demonstrado que, não decorrendo a extracção das certidões de dívida em causa no processo de execução n.º 0301200900314420 e apensos de situação de autoliquidação de contribuições de segurança Social, constituem as mesmas um acto oficioso de liquidação de contribuições e cotizações dos anos de 2004 a 2008, efectivamente notificadas à Recorrente, ainda que através da citação em sede de processo de execução, apenas produzindo os seus efeitos com a efectiva notificação, nos termos do n.º 1 do art.º 36.ºdo CPPT, razão pela qual, admitindo-se o entendimento acolhido na sentença a quo, o contribuinte encontrar-se-ia sempre impossibilitado de discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social em sede de Impugnação Judicial, porquanto ao afirmar que “a forma processual correcta seria a de oposição”, violou a sentença recorrida o disposto na alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, porquanto, sendo o acto de liquidação notificado aos contribuintes, nos termos do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, através de citação em processo de execução, e que este acto de liquidação é impugnável, nos termos da alínea a) do art.º 99.º do CPPT, a contagem do prazo para interposição da correspondente Impugnação Judicial, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, inicia-se a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”; ou seja, após o terminus do prazo de 30 dias para efectuar o pagamento voluntário, nos termos do n.º 2 do art.º 85.º do CPPT. Ainda que não se entendesse, e que o prazo de dedução da impugnação judicial não se contaria do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, mas antes da data da citação da Recorrente, conforme decorre das alíneas 13) e 14) da matéria assente, a impugnação judicial foi apresentada dentro do respectivo prazo legal, em conformidade com o n.º 1 do art.º 36.º, no n.º 2 do art.º 85.º. na alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º, na alínea a) do art.º 99.º, na alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º e na alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º, todos do CPPT.
Vejamos, então, se assiste razão à recorrente.
Assaca, desde logo a Recorrente à sentença a quo o erro de julgamento da matéria de facto, e consequentemente, na aplicação do direito, almejando, antes de mais, que seja aditado, à matéria assente “a divergência existente entre os valores constantes do processo de averiguações e das certidões de dívida anexas à citação no processo de execução, concretamente, os factos constantes nos artigos 18.º a 22.º da petição inicial, na medida em que se encontram suportados em documentos, e consequentemente, deve ter-se por assente que as tais certidões de dívida consubstanciam uma nova liquidação de contribuições e cotizações dos anos de 2004 a 2008
Como é sabido, a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo (ou de gravação realizada) que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (arte. 662º nº1 do CPC).
Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Ora, na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respectiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida, a 2ª instância pode alterá-la, desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo Recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.
Conforme ensina António Santos Abrantes Geraldes[ In Recursos no Novo CPC, 2ª edição, página 133-135.]: «Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos e facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados por escrito [documentos ou confissões reduzidas a escrito, depoimentos antecipados] e, por fim, os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou víde(…)”.Exigências que, segundo o autor citado, “devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância”.
No caso concreto, ainda que a Recorrente tenha procedido processualmente em conformidade com o que lhe é imposto, lidos os parágrafos cujo aditamento à matéria de facto pretende (arts.18 a 22 da Petição inicial), resulta manifesto que o ali vertido não só não assume, para os efeitos pretendidos, qualquer relevância no sentido da tese propugnada pela impetrante, como nada de útil e cabal dele se retira para a decisão a proferir, atento o teor da sentença a quo, como ao deante melhor se precisará.
In casu, a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação por este tribunal , fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida, o que, efectivamente, não sucede no caso vertente.
Face ao exposto, improcede o alegado erro de julgamento de facto ora apreciado.
Estabilizada a factualidade pertinente, importa, agora, apreciar da bondade da subsunção dos factos ao direito efectuada pelo tribunal a quo.
No sentido de enquadrar a matéria em questão, importa fazer uma breve incursão na natureza das contribuições para a Segurança Social, tendo presente o exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 26-02-2014, lavrado in Proc. nº 01481/13, www.dgsi.pt, onde se aponta que “(…)Em primeiro lugar cumpre referir, como bem se nota no acórdão fundamento, que doutrinária e jurisprudencialmente, as contribuições para a Segurança Social são consideradas como impostos, ou pelo menos como equiparadas a impostos (Neste sentido, e sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social vide , Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pags. 662 e segs., Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social - Natureza de Regime e de Técnicas e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº 12, ed. Almedina, J.J.Teixeira Ribeiro, anotações ao Acórdão de 24 de Janeiro de 1996, revista de Legislação e Jurisprudência, 1 de Junho de 1996, Ano 129º, nº 3863, e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, ed. Rei dos Livros, pág. 322.).
Como refere Casalta Nabais (ob. citada, pág. 663) trata-se de uma acepção que vem sendo admitida um pouco por toda a parte e que, no nosso regime jurídico, tem manifestações importantes traduzidas no seguinte: «1) na integração das contribuições para a segurança social no nível de fiscalidade ou carga fiscal, nomeadamente para efeitos da sua comparação internacional;2) na equiparação das contribuições para a segurança social aos impostos, ao menos para efeitos jurídico-constitucionais, que o mesmo é dizer em sede da constituição fiscal; 3) na aplicação às contribuições para a segurança social das normas do procedimento e processo tributários e do regime das infracções tributárias (v. o art. 1.º do CPPT e os arts. 1.º, n.º 1, al. d) e 106.º e 107.º do RGIT)”.Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado as contribuições para a Segurança Social como impostos, desde a Constituição de 1976, e como tal sujeitas ao princípio da legalidade tributária (cfr., entre outros, os Acórdãos n ºs 183/96 e 621/99, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 23/05/1996 e 23/02/2000).

E no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta secção, de que destacamos, para além dos arestos citados no acórdão fundamento, os Acórdãos de 16.06.1999, recurso 23889 e de 23.05.2007, recurso 63/07, ambos in www.dgsi.pt.
Temos pois por seguro que, em termos doutrinais e jurisprudenciais, as contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos (pese embora com algumas peculiaridades).
Por outro lado, e como já ficou dito, o caso em apreço tem características específicas porque não está em causa uma situação de autoliquidação mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social.
Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.
Verifica-se, nestes casos, como refere Casalta Nabais, (Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, 2010, pág. 664) reportando-se à liquidação e cobrança da Taxa Social Única, «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais».
Nestas situações, que têm assim um carácter de autoliquidação, a jurisprudência desta secção vem entendendo que não será aplicável o regime previsto no artº 45º da Lei Geral Tributária, o que se justifica porque «o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo, porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução] fiscal» - cf., neste sentido, os já citados acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14.06.2012, recurso 443/12, de 23 de Setembro de 2009, recurso n.º 436/09, e de - de 30 de Maio de 2012, recurso n.º 104/12, todos in www.dgsi.pt.
Mas nem sempre será assim.
Casos há, como o dos presentes autos, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Administração, em suprimento das obrigações dos contribuintes.
Com efeito o artº 33º do decreto-lei nº 8-B/2002, sob a epígrafe «suprimento oficioso das obrigações dos contribuintes» dispõe o seguinte:
«1 - Nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respectiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efectuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações.
2 - A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção.» …”

Ora, no caso vertente, tal como na situação a que alude o aresto apontado, foram impugnadas liquidações oficiosas efectuadas pela Segurança Social, na sequência de um processo de averiguações efectuada à Recorrente, em que se apurou que não foram objecto de incidência de contribuições para a Segurança Social (ou seja remunerações não declaradas), os montantes abonados a título de “ajudas de custo estrangeiro/prémio de grande deslocação/subsidio de expatriação”, no montante global de € 113.375,47 €.
Trata-se, portanto, como se refere no descrito aresto, de uma liquidação oficiosa por iniciativa do Instituto da Segurança Social, efectuada em suprimento das obrigações dos contribuintes, e que constitui, por isso, um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo, praticado por autoridade pública.
Sendo certo que enquanto que nas situações de autoliquidação se verifica, por via de regra uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto, já na liquidação estamos perante uma verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto, cujos efeitos se reportam ao momento da verificação do facto tributário, por via de uma retrodatação de efeitos. (Mas não retroactividade de efeitos -cf., neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pág. 325 ).
Ora, atento o regime previsto no referido artº 33º do Decreto-lei 8 B/2002, dúvidas não subsistem que esta inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação.
Ora, do cotejo dos factos levados ao probatório resulta que:
1) No ano de 2008, a Impugnante foi alvo de uma acção de fiscalização por parte dos Serviços do Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP – fls. 01 ss do PA;
2) Tal acção de fiscalização veio a culminar com o Relatório final datado de 18/12/2008, constante de fls. 77 a 87 do suporte físico dos autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, no qual se propôs: “-que, efectivamente, sejam dadas como liquidadas as contribuições totais de 113.375,47 €, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de contribuições para a Segurança Social;
- por força da citada liquidação, o contribuinte deverá ser considerado, em termos definitivos, devedor à Segurança Social da importância de 113.375,47.”
3) Sobre tal relatório foi proferido, em 29.12.2008, o seguinte despacho pelo Chefe de Sector dos Serviços de Fiscalização: Concordo com os termos e fundamentos do presente relatório, devendo o contribuinte ser considerado devedor do valor de € 113.375,47” fls. 76 do suporte físico dos autos;
4) Em 12.01.2009, foi expedido o ofício n.º 008666, através de carta registada com aviso de recepção, o qual apresenta o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
5) Tal comunicação foi recepcionada pela Impugnante em 13.01.2009 – cfr. aviso de recepção de fls. 183 do PA;
6) Por despacho proferido em 03.02.2009, foi determinada a elaboração oficiosa das declarações de remunerações referentes ao período de 2003 a 2008, no montante de € 113.382,42 – doc. de fls. 240 e 241 do suporte físico dos autos;
7) Neste seguimento, a Impugnante apresentou neste Tribunal Impugnação Judicial contra o acto que lhe foi comunicado em 13.01.2009, a qual corre presentemente termos neste Tribunal sob o n.º 613/09.5BEBRG;
8) Para notificação da Impugnante de tal decisão, foi expedido o ofício de 2009MAR10, n.º 071034, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Com efeito, e como se apontou no segmento do aresto supra transcrito, o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, razão pela qual assumem a natureza de uma verdadeira liquidação, pelo que terá de ser enquadrada no âmbito do art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, o qual dispõe que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte”, não estando em causa qualquer das outras situações previstas no aludido preceito.
Ora, na esteira do entendimento vertido no aresto, tendo presente o teor das notificações efectuadas, bem como o preceituado no art 102º nº1 al, a) na redacção à data,
No caso vertente, conforme resulta da matéria assente a Recorrente foi objecto de uma acção de fiscalização, que culminou com a elaboração do Relatório Final , bem como com a prolação do despacho que o sancionou, mediante o qual foram “…dadas como liquidadas as contribuições totais de 113.375,47 €, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de contribuições para a Segurança Social”, aí se consignando também que “por força da citada liquidação, o contribuinte, deverá ser considerado, em termos definitivos, devedor à Segurança Social da importância de 113.375,47 €..(…)” .(destacados nossos).
Tendo presente que o acto de liquidação é o acto tributário que determina o quantum da obrigação tributária, atento o teor do Relatório Final, bem como do despacho que o sancionou, dúvidas não subsistem que a quantificação da obrigação contributiva resulta do acto final da acção inspectiva, porquanto, foi naquele acto que se determinou que a Impugnante é devedora à Segurança Social do montante de € 113.375,47.
Nesta presciência, tendo tal acto sido notificado à Impugnante em 13.01.2009, é esta a data relevante para se poder aferir da (in)tempestividade a dedução de impugnação, ou seja, da caducidade do direito de acção (contrariamente à tese propugnada pela Recorrente, no sentido de que o mesmo se contaria a partir da data da citação no Processo executivo – ocorrida em 30.11.2009), a presente Impugnação quando foi apresentada em juízo, há muito que se esgotara o prazo legal para o efeito.
Ainda que a Recorrente sustente a tempestividade da impugnação em apreço ancorada na alegação de que o valor da dívida em execução não corresponde ao valor resultante dos anteriores actos tributários (sejam eles a decisão final do procedimento de fiscalização, ou os actos de lançamento em conta corrente), no entendimento de que tais valores, porque discrepantes resultam de uma posterior liquidação que nunca lhe fora notificada, e cujo conhecimento apenas tivera aquando da citação para a execução fiscal, permitimo-nos adiantar que esta tese sempre estaria votada ao insucesso porquanto, a admitir-se tal hipótese impunha-se que a impetrante demonstrasse que tal liquidação era completamente alheia à liquidação que tem a sua génese no processo de averiguações em apreço. O que efectivamente não fez.
Logo, tais discrepâncias reportar-se-iam a vícios inerentes ao título executivo que apenas poderiam ser discutidos em sede de oposição (falsidade do titulo executivo) ou de reclamação do acto do órgão de execução fiscal (nulidade do titulo executivo).
Destarte, na improcedência das conclusões de recurso analisadas, merece censura a sentença a quo, quedando prejudicadas as demais questões suscitadas nos autos.
***
DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao Recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 6 de Junho de 2019
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Celeste Oliveira
Ass. Maria Cardoso