Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00577/14.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:CIRCULAR 7/2004; N.º 2 DO ARTIGO 32º DO EBF
Sumário:I. A previsão da norma constante do artº.32, nº.2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção em vigor em 2008, não abarcava os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares ou prestações similares, encargos estes que não eram abrangidos pela expressão "partes de capital".

II. Mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência às instruções constantes no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, afronta o princípio da legalidade tributária.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:E., SA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial da decisão de deferimento parcial de reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2008 e respectivos juros compensatórios, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«a) Defendemos a interpretação oposta de que o preceito constante do art. 32.º n.º 2, do EBF, refere-se a encargos financeiros suportados com prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares.
b) A correção operada na esfera individual da recorrida, enquanto sociedade dominante, respeitante aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, à luz do artigo 32.º n.º 2 do EBF, com reflexos no grupo tributável do Grupo e da não aplicação in casu, do art. 23.º do CIRC uma vez que a expressão “partes de capital” convocada pela norma ínsita no artigo 32º do EBF, reporta necessariamente aos valores que correspondem ao capital injetado pelos sócios na entidade participada, que traduz o investimento financeiro nela efetuado, incluindo, pois, quer o capital fixo (capital social) quer o capital móvel e adicional concedido na forma de prestações suplementares está correta, sendo a única interpretação que respeita o princípio da substância sob a forma.
c) É a impossibilidade de apurar diretamente o valor dos encargos financeiros não aceites como custo no ano 2008, nos termos do artigo 32º do EBF, que motivou o recurso ao método de cálculo previsto na Circular 7/2004.
d) Verificando-se que em 2008, a ora recorrida, no exercício efetivo da atividade de sociedade gestora de participações sociais, suportou encargos financeiros provenientes de empréstimos bancários que contraiu ao longo de outros anos, sendo também detentora de partes de capital que adquiriu igualmente ao longo de vários anos, é possível aferir, de forma suficientemente clara, a impossibilidade (técnica) de determinar numa base direta o valor dos encargos financeiros afeto especificamente à aquisição de, pelo menos, algumas partes de capital, conforme também não é negado pela impugnante, motivo pelo qual foi convocado o método de imputação não específica preconizado na Circular 7/2004.
e) Os encargos financeiros incorridos por uma sociedade, que estejam diretamente relacionados com a realização de prestações acessórias em favor de uma outra, sua participada, não podem ser fiscalmente dedutíveis em sede de apuramento do lucro tributável da sociedade participante.
f) Entendemos como não dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo Grupo, que não sejam debitados às entidades beneficiárias, não considerando exceção (que não está na lei) quando estejam em causa empréstimos de SGPS’s às sociedades por si participadas, atendendo ao seu objeto social específico.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença na parte recorrida, e, por consequência, mantendo-se a liquidação de IRC, ora anulada com as demais consequências.»

1.2. A Recorrida (E., S.A.), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
«A) A sentença datada de 9 de outubro de 2020, proferida pela Mm. ª Juiz do TAF do Porto, que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial à margem identificada, assenta numa correta interpretação da lei, deve ser confirmada, devendo ser julgado improcedente o presente interposto pela Fazenda Pública.
Da não aplicação da Circular 7/2004, de 30 de março
B) Os Serviços de Inspeção Tributária da AT entenderam que, de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 32º do EBF, e tendo por base o método de cálculo previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, a Recorrida deveria ter apurado um valor de encargos financeiros suportados com aquisições de partes de capital, não fiscalmente dedutíveis de Euro 2.274.995,57 (Dois milhões, duzentos e setenta e quatro mil, novecentos e noventa e cinco Euro e cinquenta e sete Cêntimos).
C) Bem andou a douta sentença ao considerar ilegal, por vício de violação da lei, o ato de liquidação adicional de IRC de 2008 que refletiu essa correção ao lucro tributável e que assentou na aplicação da regra de cálculo prevista na Circular 7/2004, para efeitos de quantificação de encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, sem que a Fazenda Pública tenha demonstrado que não era possível quantificar esses encargos através de uma avaliação direta.
D) Na douta sentença conclui a Mm. ª Juíz que “(...) a AT recorreu aos métodos de cálculo constantes da Circular n.º 7/2004, sem colocar em causa a fiabilidade da contabilidade, e da declaração fiscal da Impugnante, que constatamos beneficia da presunção de veracidade e boa fé, nos termos do art. 75.º da LGT, pelo que estava onerada com a ilisão dessa presunção”,
E) De acordo com o elemento literal do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, só os encargos financeiros que estejam diretamente conexionados com a aquisição de participações sociais poderão ser abrangidos por essa regra de limitação de dedutibilidade.
F) Assim, para se determinarem os eventuais encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF é insuficiente a mera constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e que suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma associação direta entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.
G) E a AT não logrou fazê-lo!
H) Pelo contrário limitou-se a identificar o valor de encargos financeiros constantes do balancete da Recorrida a 31 de dezembro de 2008 e o valor de aquisição das participações sociais e das prestações acessórias contabilizadas por referência a 31 de dezembro de 2008, aplicando de forma direta e imediata a regra de cálculo prevista na Circular 7/2004.
I) Conforme mencionado na douta sentença, a AT limita-se a partir do saldo das contas POC “6811 – Empréstimos bancários” e “6813 – Outros empréstimos obtidos”, para apurar os passivos remunerados totais e, na senda da Circular n.º 7/2004, proceder, sem mais, a uma imputação proporcional dos encargos financeiros às partes de capital.
J) Assim, conclui o tribunal a quo que o ato de liquidação, nesta parte, “(...) se encontra ferido do invocado vício de violação de lei, uma vez que a AT se baseou, ilegalmente, na Circular nº 7/2004, para efeitos de aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, não comprovando, face aos elementos disponíveis da contabilidade da Impugnante, pois não colocou a sua fiabilidade em causa, que não era possível proceder a uma avaliação direta”.
K) E, não tendo a AT colocado em causa a fiabilidade da contabilidade da Recorrida, a declaração fiscal da Recorrida beneficiou da presunção de veracidade e boa fé nos termos do artigo 75.º da LGT, estando a AT onerada com a ilisão dessa presunção,
Que não logrou ilidir!
L) Alega a Fazenda Pública “(...) que foi, de facto, a impossibilidade de apurar diretamente o valor dos encargos não aceites fiscalmente como custo no ano de 2008, nos termos do artigo 32.º do EBF, que motivou o recurso ao método de cálculo previsto na Circular 7/2004”.
M) Mas, como bem refere a douta sentença, os Serviços de Inspeção da AT não lograram demonstrar ser impossível identificar os eventuais encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, através de uma avaliação direta, e sem prejuízo dessa não demonstração, decidiram estimar um valor de encargos financeiros não dedutíveis, através da aplicação da regra de cálculo prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, que mais não é do que um método indireto de apuramento de correção ao lucro tributável da Recorrida.
N) Sucede, porém, que o procedimento seguido pela AT enferma de ilegalidade, conforme a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores têm vindo a confirmar de forma sistemática e reiterada.
O) A Circular n.º 7/2004, de 30 de março, não poderá ser equiparada a lei, nem poderá vincular o contribuinte a algo que a própria lei não define, muito menos estabelecendo um método de avaliação indireta da matéria coletável como a regra para o respetivo apuramento.
Com efeito,
P) Não obstante o recurso a métodos de avaliação indireta se encontrar previsto na LGT, nomeadamente, nos seus artigos 87.º a 89.º-A, a sua utilização é de índole marcadamente excecional e subsidiária.
Q) A Fazenda Pública apenas deverá fazer uso de tais métodos (avaliação indireta) nos casos expressamente enumerados no artigo 87.º da LGT e somente como mecanismo subsidiário relativamente à avaliação por métodos de afetação real e diretos.
R) Na verdade, além de a lei ser clara nesse sentido conforme decorre da letra do n.º 1 do artigo 87.º da LGT que estabelece que “[a] avaliação indirecta só pode efectuar-se (...)” (negrito e sublinhado da Recorrida) – também a doutrina e a jurisprudência é unânime quando afirma que a avaliação indireta da matéria coletável é absolutamente excecional e apenas poderá ser utilizada pela AT dentro dos casos expressamente previstos na lei.
S) Quanto ao quesito em apreço e no que respeita à jurisprudência dos tribunais centrais, refira-se, desde logo, o acórdão de 15 de janeiro de 2015, proferido pelo TCAN no Processo n.º 00946/09.0BEPRT, no qual o tribunal conclui que:
“(...) 2. O método de apuramento de quais os encargos financeiros suportados com a aquisição daquelas partes sociais, deve visar um critério de imputação directa e real e não o critério indirecto ou presumido previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.
3. As interpretações veiculadas nas circulares emanadas pela ATA devem respeitar as normas jurídicas primárias que lhes servem de referência, sob pena de assim se estar a introduzir norma jurídica inovatória, e por isso ilegal.” (sublinhado e negrito da Recorrida)
T) No Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 26 de setembro de 2018, proferido no Processo n.º 0406/18.9, inclusivamente invocado na sentença a quo, conclui o tribunal que:
“(...) Padece de ilegalidade a correcção efectuada pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, se, antes de recorrer ao método indirecto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT).”
U) Refira-se no mesmo sentido o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 11 de dezembro de 2019, proferido no Processo n.º 0333/18.0ALSB.
V) Mais recentemente, também o Acórdão do STA, de 17 de dezembro proferido no Processo n.º 01574/08.3BELRS 0626/13, veio preconizar que:
“(...) sempre a AT poderá, caso a caso, efectuar um controle da afectação dos encargos financeiros às participações sociais, e chegar à conclusão, que o método adoptado conduz a distorções comprovadas ou desvios significativos, que não reflectem a realidade. Mas para tanto, importa demonstrar casuisticamente que assim é, não bastando assumir uma posição jurídica de forma geral, por meio de circular, e aplicá-la, tout court a todas as situações, sem qualquer análise concreta.
Neste contexto, e voltando ao caso dos autos, a fundamentação da correcção assenta, exclusivamente, na aplicação da circular, sem que tenham sido invocados, concretamente, quaisquer fundamentos que conduzam a inadequação do método utilizado pela Impugnante, sendo certo que, tal como referimos, este método não poderá ser afastado de forma automática (pela aplicação da circular), porquanto, o disposto n.º 2 do art. 31.º do EBF não exclui a sua utilização.
Em suma, a aplicação da fórmula vertida na Circular n.º 7/2004 aos encargos financeiros das Sociedades Gestoras de Participações Sociais, de forma automática, contraria o disposto no n.º 2 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, sendo, por consequência, ilegal.” (sublinhado e negrito da Recorrida).
Acresce,
W) Uma das pedras de toque do sistema jurídico-fiscal nacional é, precisamente, o princípio da legalidade tributária, consagrado no artigo 103.º da CRP e diretamente carreado para a legislação tributária pelo artigo 8.º da LGT.
X) Importa referir que o método de cálculo previsto na Circular n.º 7/2004 não poderá relevar por ferir, diretamente, este princípio!
Y) No que concerne a esta matéria, há que concluir, sem margem para quaisquer dúvidas, que as circulares e outras orientações genéricas emitidas pela administração não são, de todo, lei, tratando-se de atos que apenas vinculam a Fazenda Pública e os seus órgãos.
Z) Sem prejuízo do que antecede, a ora Recorrida gostaria, adicionalmente, de trazer à colação, a seguinte informação acerca daquela que tem sido a atuação da AT no âmbito de outros processos judiciais que correram termos no TAF do Porto relativamente a outros exercícios fiscais, em que foi parte a ora Recorrida e que respeitaram à mesma temática que constitui o quesito dos presentes autos – aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março para efeitos de apuramento de encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.
AA) Assim, tendo por referência esses outros processos, e conforme, a seguir, se demonstrará, a atuação da AT não deixa de se afigurar, no mínimo, incongruente, para não dizer contraditória, na medida em que quando colocada perante a mesmíssima temática, a AT decide: num caso revogar o próprio ato de liquidação contestado pela ora Recorrida, noutros opta por não recorrer de sentença desfavorável e nos presentes autos decide recorrer!
Vejamos,
BB) O processo de impugnação judicial que correu termos no TAF do Porto sob o n.º 2070/12.BEPRT foi extinto por inutilidade superveniente da lide, na sequência da revogação total do ato impugnado em processo de revisão oficiosa, por iniciativa da AT.
CC) Com efeito, no âmbito do aludido processo, o representante da Fazenda Pública requereu ao TAF do Porto, em 13 de fevereiro de 2020, a promoção da extinção do referido processo de impugnação judicial, por inutilidade superveniente da lide nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º do CPPT, em consequência da decisão de Revisão Oficiosa do ato tributário de liquidação adicional de IRC de 2007, com o n.º 2009 8500030554, constante do Despacho de 11 de fevereiro de 2020, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC).
DD) Por sua vez, de acordo com o referido despacho, a decisão de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação adicional de IRC de 2007, com o n.º 2009 8500030554 teve por base a Instrução de Serviço n.º 20006/2019-Série I, de 7 de novembro de 2019, do Gabinete da Subdiretora-Geral do IR e das Relações Internacionais.
EE) Em consequência do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, do STA, de 26 de setembro de 2018, lavrado no Processo n.º 0406/18.9BELSB, a Direção de Serviços de IRC procedeu à revisão do entendimento seguido em matéria de apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, por aplicação do procedimento previsto na Circular 7/2004, de 30 de março, nos termos mencionados na referida Instrução de Serviço n.º 20006/2019-Série I, de 7 de novembro de 2019.
Nessa Instrução pode ler-se:
As correções à matéria coletável efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), no decurso de procedimentos inspetivos decorrentes da utilização do método indicado no referido ponto 7 da Circular 7/2004 e subsequentes liquidações adicionais de IRC, foram sendo impugnadas, tendo vindo os Tribunais a entender que «Estabelecendo um método indireto e presuntivo, no que diz respeito à afetação de encargos financeiros, para efeitos de cálculo do lucro tributável, o n.º 7 da Circular 7/2004, de 30/03, da DSIRC, afronta o princípio da legalidade tributária» (Supremo Tribunal Administrativo – STA- Acórdão de 29 de novembro de 2017, proferido no processo n.º 01292/16).
Mais recentemente, o STA emitiu o acórdão de uniformização de jurisprudência, lavrado no processo n.º 0406/18.9BELSB, de 26 de setembro de 2018, onde, embora considere que o método a que alude o ponto 7 da Circular 7/2004 é indireto, admite a sua aplicação, desde que demonstrada a inviabilidade da determinação direta dos encargos, tendo decidido “II - Padece de ilegalidade a correção efetuada pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, se, antes de recorrer ao método indireto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação direta dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT).
Assim, foi, por despacho de 13 de outubro de 2019, da Diretora – Geral, exarado na Informação n.º 2019001024, da Direção de Serviços do IRC, determinada a revisão do entendimento no sentido do acolhimento do teor do referido Acórdão de uniformização de jurisprudência, que deverá ser refletida, nos termos da lei, nos procedimentos que estejam pendentes de decisão, como sejam, nomeadamente, as reclamações, os recursos ou as impugnações.” (negrito e sublinhado da Recorrida).
FF) Acolhendo o entendimento subjacente à Instrução de Serviço supra citada, procedeu a AT à anulação da correção ao lucro tributável resultante da aplicação do método referido no n.º 7 da citada circular, no montante global de Euro 1.061.954,50, no âmbito do aludido processo.
GG) Não obstante, em sentido radicalmente contrário ao ali observado, nos presentes autos, a Fazenda Pública não só não procedeu à revisão oficiosa do ato de liquidação de IRC em crise, como para total espanto da Recorrida, vem mesmo interpor Recurso de uma sentença proferida em absoluta conformidade com o entendimento acolhido pela mencionada instrução de serviço.
Não se compreende!
HH) Relativamente aos processos de Impugnação Judicial que correram termos no TAF do Porto sob o n.º 2069/12.6BEPRT e sob o n.º 1487/12.4BEPR, referentes às liquidações adicionais de IRC de 2006 e de 2009, respetivamente, na qual a AT refletiu um ajustamento ao lucro tributável de 2006 e de 2009, da ora Recorrida, por aplicação do procedimento previsto na Circular n.º 7/2004, para efeitos de apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, no montante de Euro 1.052.387,90 e Euro 2.361.987, respetivamente, veio esse tribunal proferir sentenças favoráveis à pretensão da ora Recorrida, i.e., no sentido da anulação das referidas liquidações adicionais de IRC de 2006 e 2009, e essas sentenças não foram objeto de recurso por parte da Fazenda Pública, consolidando-se, na ordem jurídica.
II) Não se compreende, assim, como pode a Fazenda Pública persistir, nos presentes autos, na legalidade da utilização do método indireto previsto na Circular n.º 7/2004, por forma a sustentar a alocação dos encargos financeiros incorridos pela ora Recorrida no exercício fiscal de 2008 à aquisição de partes de capital, para efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, em total desfasamento com o entendimento seguido noutros processos e em contradição com as instruções decorrentes da mencionada Instrução de Serviço de 7 de novembro de 2019.
JJ) Por tudo o que vem acima exposto, afigura-se que, salvo o devido respeito por melhor opinião, deverá o douto tribunal negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, pelo facto de a correção efetuada ao lucro tributável da Recorrida ao abrigo do método de avaliação indireta previsto na Circular n.º 7/2004, se encontrar ferida do vício de violação da lei.
Da inclusão das prestações acessórias no conceito de partes de capital
KK) Atendendo ao teor das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública encontra-se submetida a pleito a questão de saber se deverão ser incluídas no conceito de partes de capital as prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, para efeitos da aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, relativo ao acréscimo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital.
LL) Aqui chegados e considerando, salvo melhor opinião, a solução acima perfilhada da verificação da ilegalidade do método de avaliação adotado pela AT para efeitos da quantificação de supostos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.ºdo EBF (a Circular n.º 7/2004, de 30 de março), será de concluir que fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão atinente à violação de lei, no que respeita à inclusão das prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares no conceito de partes de capital.
MM) Mas, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese académica se admite,
NN) E o douto Tribunal venha a considerar não resultar prejudicada a apreciação da questão atinente à violação de lei, no que respeita à inclusão das prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares, no conceito de partes de capital,
OO) Refira-se que a Recorrida perfilha o entendimento sufragado na sentença a quo a este respeito.
PP) Considerou o tribunal a quo que a AT incorreu num vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto ao incluir no conceito de partes de capital, as prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares.
QQ) E, bem andou o tribunal a quo!
Vejamos,
RR) A este respeito, no Acórdão, de 16 de setembro de 2020, proferido no Processo n.º 0954/13.7BEPRT, o STA vem confirmar o entendimento de que as prestações suplementares não constituem partes de capital para efeitos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF. Nesse acórdão pode ler-se:
(...) II - Para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta “53 - Prestações suplementares” e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta “51 - Capital”, respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC. A separação entre as contas e as notas explicativas referidas, não deixam margem para dúvidas de que no POC o termo capital, quando referido a sociedades, tinha como significado o seu capital nominal, que capital nominal e prestações suplementares eram realidades assumidas contabilisticamente como distintas e que, relativamente a ambas as realidades, se acompanhava a terminologia e o regime estabelecido no C.S.Comerciais.
III - A previsão da norma constante do artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais, na redacção em vigor em 2009, não abarcava os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, encargos estes que não eram abrangidos pela expressão “partes de capital”.” (sublinhado e negrito da Recorrida).
Acresce,
SS) O legislador fiscal não avançou nenhuma definição de “partes de capital” para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, recaindo sobre o intérprete a tarefa de procurar a ratio do conceito para efeitos fiscais.
TT) A este propósito, importa destacar a Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, que veio alterar a redação do n.º 3 do artigo 42º do Código do IRC, passando a incluir a parte final relativa às prestações suplementares a seguir identificadas a negrito: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”.
UU) A necessidade de incluir nesse preceito legal uma menção expressa às prestações suplementares, indicia que a intenção do legislador não é incluir as mesmas no conceito de “partes de capital”.
VV) Caso assim não fosse, não haveria necessidade de aditar a menção às prestações suplementares.
WW) Em consonância com o princípio da congruência do sistema, afigura-se, por isso, difícil sustentar que, no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o legislador pretendeu incluir as prestações suplementares no conceito de “partes de capital”, quando é evidente que, quando trata de prestações suplementares, o legislador tem o cuidado de as mencionar expressamente para clarividência do intérprete.
XX) A este respeito refira-se o entendimento constante da Decisão do CAAD, de 8 de fevereiro de 2016, proferida no Processo n.º 570/2015-T:
“(...) No n.º 2 do mesmo artigo 11.º [da LGT] estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer directamente da lei».
(...) Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais devam ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma exceção, que é decorrer directamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.
(...) Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre diretamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC [artigo 42.º em 2008], na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho,
(...) Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.
Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redação daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.”
YY) Assim, pelo que antecede, não deverá vingar na presente sede o entendimento da Fazenda Pública, de que “o preceito constante do art. 32.º, n.º 2, do EBF, refere-se a encargos financeiros suportados com prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares”, devendo, também nessa parte, ser negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública.
Da não aceitação como custo nos termos do artigo 23.º do Código do IRC
ZZ) A Fazenda Pública alega que, ainda que as prestações acessórias não fossem consideradas como partes de capital para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, ainda assim, os encargos financeiros suportados com os financiamentos dirigidos para a realização das prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares, sem débito de juros, não seriam dedutíveis ao lucro tributável por não reunirem os requisitos e condições estabelecidos pelo artigo 23.º do Código do IRC.
AAA) Como é sabido, o n.º 1 do artigo 23' do Código do IRC estabelece o princípio geral relativo à dedutibilidade fiscal dos custos suportados pelas entidades sujeitas a esse imposto (IRC), segundo o qual, são custos fiscalmente dedutíveis “os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. (negrito e sublinhado da Recorrida).
BBB) O conceito de indispensabilidade é um conceito indeterminado e tem vindo a ser preenchido pela jurisprudência casuisticamente.
CCC) Desde logo tem vindo a entender a jurisprudência que o critério de indispensabilidade não foi estabelecido pelo legislador para permitir à AT uma intromissão na gestão da empresa (cfr. Acórdão do STA de 29 de março de 2006, proferido no Processo n.º 1236/05), ou seja, a indispensabilidade não pode ser vista pela AT através de um juízo de mérito quanto à oportunidade do gasto.
DDD) O artigo 23.º visa afastar a consideração de gastos, que ainda que contabilizados como custos não têm ligação com a atividade da empresa, ou seja, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, sendo incorridos no interesse e para a prossecução de objetivos alheios.
EEE) De modo a aferir o caráter de indispensabilidade de um gasto, é necessário atender à sua natureza e respetiva conexão com atividade desenvolvida pela empresa.
FFF) Assim, é necessário atender ao regime jurídico das SGPS, consagrado no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro de 1988, e ao que constitui a atividade de uma SGPS.
GGG) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro de 1988, as SGPS “têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”. (negrito e sublinhado nosso).
HHH) Para uma SGPS a gestão de participações sociais constitui o seu único objeto contratual.
III) E, a gestão de participações sociais compreende o financiamento dessas participadas.
JJJ) É certo que a jurisprudência do STA tem vindo a pugnar pela não dedutibilidade dos encargos financeiros associados à concessão de financiamento a entidades associadas não debitados às mesmas, nomeadamente, quando está em causa a realização de prestações suplementares ou empréstimos, conforme decorre do Acórdão do STA, de 19 de abril de 2017, proferido no processo n.º 0925/16: Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.” (sublinhado e negrito da Recorrida).
KKK) Não obstante, esse mesmo Tribunal reconhece que é imperativo adotar um entendimento distinto quando estamos perante encargos financeiros suportados por SGPS’s, que têm por objeto social a gestão de participações sociais.
LLL) Assim, decorre do entendimento sancionado pelo Acórdão do STA, de 28 de fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 1206/17:
(...) o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas.
O objecto social de gestão de participações sociais significa que uma empresa adquire ou aliena participações sociais de uma outra empresa e exerce actividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre «a vida da empresa participada» que o valor das acções de que é titular lhe possam conferir. Isto é, se a empresa participada deve adquirir acções de outra sociedade, se deve contrair empréstimos para realizar tais aquisições, a SGPS tem o poder de concordar, votando favoravelmente tais decisões. Isto insere-se no objecto social de uma SGPS.”
MMM) Tal posição é, aliás, acompanhada de perto nas decisões do CAAD, de que é exemplo a decisão arbitral proferida no processo n.º 12/2013-T, de 8 de julho.
NNN) Em suma, por todos os motivos acima elencados, deverá entender-se que os encargos financeiros suportados pela Recorrida com financiamento cujo capital seja aplicado em prestações suplementares ou acessórias sem juros a favor das suas subsidiárias, constituem um custo fiscalmente dedutível, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
OOO) Como tal, deverá manter-se na ordem jurídica a decisão proferida pelo tribunal a quo, no sentido de que as correções efetuadas pela AT ao IRC da Recorrida enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, radicado na errada interpretação e aplicação do artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, o que justifica a anulação do ato tributário controvertido.
Nestes termos e nos melhores de direito ao caso aplicáveis que V. Exas, Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado totalmente improcedente por não provado confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.
SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 592 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:
«A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença da Mmª Juiz do TAF do Porto na parte em que a julgou procedente, no que concerne ao enquadramento legal e ao cálculo dos encargos financeiros suportados e a sua dedutibilidade fiscal nos termos do art. 32.º n.º 2 do EBF e da aplicação da Circular n.º 7/2004, no âmbito de impugnação judicial da decisão de deferimento parcial indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra e liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2008 e respectivos juros compensatórios.
E., S.A. foi objecto de uma inspecção tributária e em resultado da qual a AT procedeu a correcções de natureza meramente aritméticas, decorrentes da não aceitação, como custo fiscal, dos encargos financeiros com a aquisição de partes do capital, nos termos do artigo 31º nº2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) na redacção dada pelo nº1 do artigo 38º da Lei nº 32-B/2002 de 30 de Dezembro, o que deu lugar à referida liquidação.
Impugnou-a invocando, entre outros fundamentos, a errónea qualificação e quantificação do facto tributário.
É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pela recorrente das respectivas alegações.
E., S.A. contra-alegou.
Alega a Fazenda Pública, em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento, ao considerar que a recorrente determinou a matéria colectável por um método presuntivo quando o devia ter efectuado por meio de um critério de afectação directa e real, conforme melhor descrito em sede conclusiva e para cuja leitura remetemos.
Cremos que não lhe assiste razão.
Resulta da decisão que o julgador estribou a sua fundamentação no pressuposto que a AT determinou a matéria colectável não de forma directa antes com base num critério/cálculo (o constante da Circular nº 7/2004), sem ter demonstrado os pressupostos para os presumir e sem ter de recorrer aos preceitos legais que permitem o recurso à determinação indirecta da matéria colectável.
Conforme consta no RIT, as correcções operadas à matéria tributável consistiram em correcções meramente aritméticas.
Importa sindicar se é legítima essa correcção, efectuada pela AT ao apuramento do lucro tributável, para desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações sociais de acordo com a metodologia de cálculo sancionada na Circular 7/2004, de 30 de Março.
Citando o Ac. do TCAN de 7/12/2017, no processo 00990/10.5BEPRT, in www.dgsi.pt, sobre idêntica questão e cujo sumário transcrevemos:
“1. Na vigência do n.º 2 do art. 31 do EBF na redacção introduzida pela Lei n.º pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, as mais- valias e as menos valias realizadas pelas SGPS mediante transmissão onerosa de partes de capital, desde que detidas por período não inferior a um ano e bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável daquelas sociedades.
2. O apuramento dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital deve ser um critério de imputação directa e real e não o critério indirecto ou presumido previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.”
Esta questão actualmente está consolidada na jurisprudência, conforme o Ac. do Pleno do STA de 26/9/208, no processo 406/18.9BASLB, in www.dgsi.pt, de que transcrevemos do sumário:
“Padece de ilegalidade a correcção efectuada pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, se, antes de recorrer ao método indirecto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. art. 74º, n.º 3, da LGT).” Porto na parte em que a julgou procedente, no que concerne ao enquadramento legal e ao cálculo dos encargos financeiros suportados e a sua dedutibilidade fiscal nos termos do art. 32.º n.º 2 do EBF e da aplicação da Circular n.º 7/2004
Constam da sentença as razões de facto e de direito em que esta assentou. A Mina analisou a prova e fundamentou a decisão, em nosso entender, merecedora de confirmação, não se verificando os invocados vícios.
O recurso não merece provimento.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença recorrida incorreu em erro de direito (i) na parte em que a julgou procedente, no que concerne ao enquadramento legal e ao cálculo dos encargos financeiros suportados e a sua dedutibilidade fiscal nos termos do art. 32.º n.º 2 do EBF e (ii) da aplicação da Circular n.º 7/2004 e, (iii) a ser assim os mesmos integram custos não dedutíveis ao lucro tributável por não reunirem os requisitos e condições estabelecidos pelo artigo 23.º do Código do IRC.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«FACTOS PROVADOS:
Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
A) A Impugnante é uma sociedade comercial que exerce atividade no âmbito de “atividades das sedes sociais (CAE 70100)”, e integra o Grupo E., sendo tributado pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedade (adiante RETGS), em sede de IRC. (cfr. relatório inspeção tributária a fls. 27 do processo administrativo tributário)
B) A Impugnante é sociedade dominante do RETGS, tendo sido constituída em julho de 1996 pela E-EFM., S.A. (E.), e o capital social sido realizado através de entradas em espécie, por via participações da E.-A, S.A., da E.-E, S.A, e da E.-G, S.A., bem como de entradas em dinheiro. (cfr. doc. n.º 11 junto com a PI)
C) Em 18.11.1997, a E.E.-M, S.A. (sob a denominação de E., S.A.), foi constituída pela E-EFM., S.A. (E.), com um capital social de PTE 5.000.000, integralmente subscrito e realizado em dinheiro. (cfr. doc. n.º 8 junto com a PI)
D) Em 06.01.1998, foi efetuado um aumento de capital da E. E., S.A., de PTE 5.995.000.000, subscrito na totalidade pela E-E.F.M, S.A. (E.) e realizado em espécie por via do trespasse de um estabelecimento industrial detido por aquela sociedade.
E) Em 18.11.1997, a E.-E,, S.A., foi incorporada pela E.-EMF, S.A. (E.), com um capital social de PTE 5.000.000, integralmente subscrito e realizado em dinheiro. (cfr. doc. n.º 9 da PI)
F) Em 06.01.1998, foi efetuado um aumento de capital E.-E, S.A., de PTE 1.495.000.000, subscrito na totalidade pela E.-EFM, S.A. (E.) e realizado em espécie por via do trespasse de um estabelecimento industrial detido por aquela sociedade. (cfr. doc. n.º 9 da PI)
G) Em 2006, a E., SGPS, S.A. e a E.C, SGPS, S.A., outorgaram um projeto de fusão por incorporação daquela sociedade nesta última. (cfr. doc. n.º 10 junto com a PI)
H) Em 31.12.2008 a Impugnante detinha as participações sociais abaixo indicadas:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

I) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI20100276, de 21.06.2010 da Direção de Serviços da Inspeção Tributária, a Impugnante foi objeto de procedimento de inspeção externa de âmbito geral com incidência no exercício de 2008. (cfr. doc. n.º 2 junto com a PI e fls. 26 do processo administrativo inspeção tributária)
J) Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201000499, de 09.11.2010, a declaração do Grupo, relativa ao ano de 2008, entregue pela Impugnante, foi também objeto de inspeção; (cfr. doc. n.º 2 junto com a PI e fls. 15 do processo administrativo inspeção tributária)
K) Em 13.12.2011, foi proferido despacho de concordância sobre as conclusões do RIT elaborado na sequência da ação inspetiva a coberto da Ordem de Serviço n.º OI20100276, de 21.06.2010. (cfr. doc. n.º 2 junto com a PI e fls. 27 do processo administrativo inspeção tributária.
L) Em 07.12.2010, foi elaborado, na sequência da ação inspetiva a coberto da Ordem de Serviço n.º OI20100276, de 21.06.2010, o respetivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que se dá por integralmente reproduzido e do qual se retira o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(doc. n.º 2 junto com a PI e fls. 26 do processo administrativo inspeção tributária)
M) Em 04.01.2011, foi proferido despacho de concordância sobre as conclusões do RIT elaborado na sequência da ação inspetiva a coberto da Ordem de Serviço n.º OI201000499. (cfr. doc. n.º 2 junto com a PI e fls. 15 do processo administrativo inspeção tributária.
N) Em 10.01.2011, através do Ofício n.º 0183, de 07.01.2011, foi a Impugnante notificada, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) de 27.12.2010, que se dá por integralmente reproduzido, elaborado na sequência da ação inspetiva a coberto da Ordem de Serviço n.º OI201000499, de 09.11.2010, de onde se retira o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. n.º 2 junto com a PI e fls. 15 do processo administrativo inspeção tributária)
O) Em resultado da inspeção efetuada a coberto da OI201000499, foi refletida a correção de € 2.274.995,57, efetuada na esfera individual da Impugnante, ao nível da matéria tributável de IRC do Grupo. (cfr. relatório da inspeção tributária da sociedade E. a fls. 15 do processo administrativo tributário).
P) Em 31.01.2008, foi emitida a nota de liquidação n.º 2011 8310000570, na qual foi apurado imposto a pagar pela Impugnante E. SA, no montante de € 2.362.129,55, acrescido de mora e juros compensatórios no valor de € 16.751,59 e € 183.881,06, respetivamente, no total de € 2.562.762,20 (cfr. doc. n.º 3 junto com a PI)
Q) Em 06.07.2011 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC n.º 2011 8310000570, de 31.01.2011. (cfr. fls. 3 do processo administrativo da reclamação graciosa)
R) A Impugnante em 18.07.2011, apresentou um aditamento à mesma, pedindo o reconhecimento do benefício fiscal no âmbito do SIFIDE da E. E.,S.A, empresa do Grupo. (cfr. a fls. 427 do processo administrativo da reclamação graciosa)
S) Em 11.04.2013, através de Ofício n.º 0762, de 8.04.2013 foi a Impugnante notificada do projeto de decisão de deferimento parcial dessa reclamação, (cfr. doc. n.º 4 junto com a PI e fls. 507 do processo administrativo de reclamação graciosa)
T) Em 18.02.2014, a Impugnante recebeu através do Ofício n.º 0553, de 18.02.2014, a “Notificação de decisão de reclamação graciosa”, que se dá por integralmente reproduzida, da qual se retira o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. n.º 1 junto com a PI e fls. 521 do processo administrativo de reclamação graciosa)
U) A Autoridade Tributária, conforme se retira do ponto anterior, proferiu despacho de deferimento parcial da reclamação onde reconheceu que deveria ser efetuado um ajustamento positivo no montante de € 203.618,33 relativo ao acréscimo do crédito fiscal no âmbito do SIFIDE, indeferindo o peticionado quanto às demais correções.
V) Em 11.03.2014, foi apresentada a presente Impugnação judicial. (cfr. comprovativo entrega via Sitaf)
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO:
A decisão da matéria de facto efetuou-se mediante a apreciação dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as soluções plausíveis de direito (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 4, do CPC ex vi art. 2, alínea e), do CPPT), tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, dentro dos parâmetros do art. 110.º, n.º 7, do CPPT, e, ainda, atendendo aos documentos juntos aos autos pelas partes e àqueles que integram o processo administrativo instrutor, cuja veracidade não foi colocada em causa, destacando-se o Relatório da Inspeção Tributária (RIT), reportando-se às diligências efetuadas e à realidade material apurada.»


2.2. De direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRC, n.º 2011 8310000570, referente ao exercício de 2008, na parte em que procedeu quanto à correcção respeitante aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, com reflexo no cálculo dos juros de mora e compensatórios liquidados.
Conclui o Tribunal a quo no sentido de que (i) o preceito constante do art. 32.º, n.º 2, do EBF, não se refere a encargos financeiros suportados com prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares; (ii) que as correções efetuadas pela AT enfermam ainda de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, radicado na errada interpretação e aplicação do art. 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC e do art. 32.º, n.º 2, do EBF, o que justifica a anulação do ato tributário controvertido e, (iii) ilegalidade na aplicação da Circular n.º 7/2004.
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção da Lei 41/2013, de 26.6, ex vi do artº.281, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)).
A recorrente diverge do julgado alegando, em síntese, que as verbas advenientes das prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares devem considerar-se encargos financeiro para efeitos de aplicação do artigo 32º, n.º 2 do Estatuto dos benefícios Fiscais (EBF), que a impossibilidade de apurar directamente o valor dos encargos financeiros não aceites como custo no ano de 2008, nos termos daquele artigo 32º, motivou o recurso ao método de cálculo previsto na Circular 7/2004 e, por ultimo, que nos termos do artigo 23º do Código de Imposto sobre o Rendimento Colectivo (CIRC) os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo grupo, são não dedutíveis. Que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do aludido artº.32, nº.2, do EBF, da Circular 7/2004 e, por ultimo do artigo 23º do CIRC.
Cumpre apreciar e decidir.
Se os encargos financeiros suportados pela Recorrida com a realização de prestações acessórias sob o regime de prestação suplementares, são ou não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do artigo 32º-2, do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais)
Vamos socorrer-nos, essencialmente, da fundamentação expendida no acórdão de 16.09.2020, proferido no processo n.º954/13.7BEPRT, que em complemento da fundamentação constante da sentença sob recurso, aqui transcrevemos, por sufragarmos na íntegra o entendimento nele plasmado.
Reza aquele, «Os benefícios fiscais revestem a natureza de medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr. artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Dec. Lei 215/89, de 1/7).
Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do E.B.F. Por último, deve lembrar-se que as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr. artº.9, do E.B.F.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, o artº.32, nº.2, do E.B. Fiscais, era o anterior artº.31, nº.2 (na versão aplicável em 2009, resultante da renumeração operada pelo Dec. Lei 108/2008, de 26/06, e da Lei 64-A/2008, de 31/12 - cfr. artº.12, do C. Civil) tinha a seguinte previsão e estatuição:
Artº.32 (SOCIEDADES GESTORAS DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS (SGPS) E SOCIEDADES DE CAPITAL DE RISCO (SCR)
1. Às SGPS, às SCR e aos ICR é aplicável o disposto nos nºs. 1 e 5 do artigo 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação.
2. As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
(...)
Antes de mais, comecemos pelo exame da noção de prestações suplementares, em causa nos presentes autos.
As prestações suplementares podem definir-se como entradas em dinheiro realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas, as quais não se incluem no capital social da sociedade (cfr. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2º. Volume, Sociedades Comerciais, AAFDL, 1989, pág.297 e seg.; João Aveiro Pereira, O Contrato de Suprimento, Coimbra Editora, 1997, pág.103 e seg.).
Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs.210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação (aumento) de capital, da qual se diferenciam. Ou seja, consubstanciam um instrumento de financiamento societário sem custos (contrariamente aos suprimentos que, na maioria dos casos, pressupõem remuneração) e sem a notada "rigidez" do aumento de capital. Em sede de sociedades anónimas, a existência de prestações suplementares é também admissível, desde que respeite o regime previsto para as sociedades por quotas nos citados artºs.210 a 213, do C.S.Comerciais, através de aplicação analógica (cfr.artºs.210 e 211, do C.S.Comerciais; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª. Edição, Almedina, 1989, pág.235 e seg.; António Meneses Cordeiro e Outros, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª. Edição, Almedina, 2020, pág.753; ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/06/2020, rec.1018/09.3BELRS; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/09/2016, proc.9691/16).
Passemos à vertente contabilística.
No Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo Dec. Lei 410/89, de 21/11, vigente à data dos factos, a expressão "partes de capital" era empregue para designar a subconta 411 da subconta 41 (Investimentos financeiros) da conta 4 (Imobilizações), onde, ao lado das contas "Obrigações e títulos de participação" (412), "Empréstimos de financiamento" (413), "Investimentos em Imóveis" (414) e "Outras aplicações financeiras" (415), deveriam ser registados os investimentos em "partes de capital" na óptica do investidor (sócio).
Já para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta "53 - Prestações suplementares" e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr. artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta "51 - Capital", respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC.
A separação entre as contas e as notas explicativas referidas, não deixa margem para dúvidas de que no POC o termo capital, quando referido a sociedades, tinha como significado o seu capital nominal, que capital nominal e prestações suplementares eram realidades assumidas contabilisticamente como distintas e que, relativamente a ambas as realidades, se acompanhava a terminologia e o regime estabelecido no C.S.Comerciais (cfr. António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 1995, pág.545 e 574; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.11 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/09/2016, proc.9691/16).
Revertendo ao caso dos autos, a questão a que, através da exegese da norma ínsita no identificado artº.32, nº.2, do E.B. Fiscais, importa responder é a seguinte: estão abrangidos pelo preceito os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, para tanto devendo enquadrar-se no termo "partes de capital" utilizado pelo legislador na previsão da norma?
A previsão da norma refere-se, textualmente, a mais-valias e menos-valias realizadas tendo por fundamento a titularidade de "partes de capital", tal como aos encargos financeiros suportados com a sua aquisição (das ditas "partes de capital"). É pacífico que o preceito em questão, ao utilizar na sua previsão a expressão "partes de capital", se refere, desde logo, às mais-valias e menos-valias resultantes da titularidade de participações sociais, ou seja, acções e quotas, tal como aos encargos financeiros suportados com a aquisição das mesmas participações sociais. Mas será que a previsão da norma abrange, ainda, os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares?
Pensamos que não.
Expliquemos porquê.
A este título e enquanto elemento sistemático de interpretação, deve trazer-se à colação a previsão da norma constante do artº.42, nº.3, do C.I.R.C., norma onde a referência às prestações suplementares não existia antes da redacção introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12, alteração legislativa essa com a qual pretendeu explicitar que as prestações suplementares se enquadram entre as "outras componentes do capital próprio", assim se verificando uma extensão da incidência do mesmo preceito (cfr. Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.245 e seg.; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.25).
Pelo contrário, na norma sob interpretação (artº.32, nº.2, do E.B.F.) nunca o legislador operou a identificada alteração (e teve oportunidades para a realizar - cfr. artº.9, nº.3, do C. Civil).
Face a tudo o exposto, deve concluir-se que a previsão da norma constante do artº.32, nº.2, do E.B.F., na redacção em vigor em 2009, não abrangia os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, pelo que padece o acto tributário objecto dos presentes autos do vício de violação de lei, sendo anulável, em consequência do que se confirma a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação.» (fim de transcrição)

Em suma, o capital social e o capital próprio são figuras jurídico-contabilísticas diferenciadas não tendo o intérprete da lei fiscal de dar igual tratamento a realidades substancialmente distintas, sob pena de violação do n.º 4 do artigo 11.º da LGT, que afasta a interpretação analógica das normas tributárias. (Vd., Diogo Leite Campos, Direito Tributário, 2ª ed., Almedina, 2000, pp. 92).
Deste modo, a regra da exclusão da dedutibilidade dos encargos financeiros, prevista no n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 do art.º 32.º EBF) suportados em financiamentos afectos à realização de participações sociais não pode ser extensiva a encargos financeiros suportados em financiamentos afectos à realização de prestações suplementares, de prestações acessórias e de suprimentos não remunerados.
Por isso, as correções efetuadas não têm, à luz do exposto, suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, como bem se decidiu na sentença sob recurso.

Da legalidade do recurso ao método de determinação dos encargos financeiro previsto na Circular nº 7/2004, de 30 de março, da Direção dos Serviços de IRC (DSIRC).
Invoca a Recorrente que é a impossibilidade de apurar diretamente o valor dos encargos financeiros não aceites como custo no ano 2008, nos termos do artigo 32º do EBF, que motivou o recurso ao método de cálculo previsto na Circular 7/2004. Verificando-se que em 2008, a ora recorrida, no exercício efetivo da atividade de sociedade gestora de participações sociais, suportou encargos financeiros provenientes de empréstimos bancários que contraiu ao longo de outros anos, sendo também detentora de partes de capital que adquiriu igualmente ao longo de vários anos, é possível aferir, de forma suficientemente clara, a impossibilidade (técnica) de determinar numa base directa o valor dos encargos financeiros afeto especificamente à aquisição de, pelo menos, algumas partes de capital, motivo pelo qual foi convocado o método de imputação não específica preconizado na Circular 7/2004 (vd. Conclusão C) e D)).
Avocando a posição expressa na sentença sob recurso, a qual não nos oferece qualquer reparo, trazemos aqui a colação a recente jurisprudência do Pleno da secção do Contencioso Tributário do STA, de 11.12.2019, proferido no âmbito do recurso para uniformização de jurisprudência no âmbito do processo n.º 333/18.0BALSB.
Discorre aquele, “No nosso entender, que é, de resto, a posição do EPGA, é de adoptar a posição do acórdão recorrido, de harmonia com a recente jurisprudência do STA sobre a matéria (acórdãos do STA. de 08/03/2017-P. 2 0227/16; de 31/05/2017-P. 01229/15, de 29/11/207-P. 01292/16; de 24/02/2018-P. 0745/15; de 24/01/2018-P. 01157/17 e de 26/09/2018, P.0406/18.9BALSB, acessíveis em www.dgsi.pt).
Na esteira dessa jurisprudência, no que respeita ao ónus da prova, por força do disposto no artigo 74. ° da LGT, incumbe à AT o ónus da prova da sua actuação quando procede à correcção da matéria tributável do sujeito passivo, mediante correcções técnicas, meramente aritméticas, sendo certo que em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, lhe compete, também, o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação.
Como se dá nota no Acórdão deste STA de 26/09/2018, P.0406/18.9BALSB, “Não é a primeira vez que a questão é colocada ao Supremo Tribunal Administrativo.
Não existe motivo para nos afastarmos da posição assumida no acórdão fundamento e que vem vindo a ser seguida neste Supremo Tribunal (Cfr., para além do que serve de fundamento ao presente recurso, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 31 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1229/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/38bdd8c5a148a1bf80258133003a1f82;
- de 29 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 1292/16, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1a48db3355f6c02802581ef003a6d28;
- de 24 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 745/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/610be0f05091c8be8025822d00379e28;
- de 31 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 1157/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dc7e2ba6018826b88025822d00449a31.).
Vamos socorrer-nos, essencialmente, da fundamentação expendida no acórdão de 29 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 1292/16, que seguiremos de perto, quando não transcrevemos, dispensando o usa das aspas apenas para agilizar o discurso, em face das alterações demandadas pelo caso.
Do n.º 2 do art. 32.º do EBF resulta que a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pelas SGPS apenas abrange aqueles directamente conexionados com a aquisição de participações sociais.
O que significa, desde logo, que não ficou afastada a regra da dedutibilidade dos encargos financeiros que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais, nos termos e condições previstas na alínea c) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.
Por outro lado, sendo certo que o princípio da legalidade em matéria tributária exige que a incidência dos impostos, respectivas taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes sejam determinados apenas por actos de natureza legislativa (não regulamentar) – cfr. o n.º 2 do art. 103.º da CRP e o n.º 1 do art. 8.º da LGT –, então não poderá relevar, na parte em que contende com este princípio, a orientação a este propósito constante da Circular n.º 7/2004. Na verdade, as circulares veiculam orientações genéricas que devem ser publicitadas [alínea b) do n.º 3 do art. 59.º da LGT] e sendo, embora, vinculativas apenas para a AT, uniformizam a actuação desta na interpretação e aplicação das normas tributárias, permitindo aos contribuintes o conhecimento antecipado do entendimento adoptado pelos Serviços Tributários (cfr. o art. 68.º-A da LGT).
Ora, apesar de as instruções administrativas constantes da referida Circular terem sido emitidas, precisamente, «face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes», a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei. Essa proibição resulta do disposto nos arts. 104.º, nº 2 da CRP, 81.º, n.º 1 e 85.º da LGT, sendo que as ditas instruções administrativas não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, atento o disposto no n.º 5 do art. 112.º, n.º 5, da CRP.
O que significa que o método indirecto propugnado na Circular para cálculo do montante dos encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais só poderia ser aplicado subsidiariamente e depois de se demonstrar a inviabilidade da quantificação directa.
Enquanto método indirecto de determinação do lucro tributável, o mesmo só seria admissível, nos termos gerais [cfr. n.º 1 do art. 85.º e alínea b) do n.º 1 do art. 87.º, da LGT] nos casos em que se verifique inviabilidade de determinação directa dos encargos resultantes de financiamentos directamente associados à aquisição de participações sociais, competindo à AT o ónus da prova da verificação desses pressupostos, nos termos do n.º 3 do art. 74.º da LGT, como bem ficou dito no acórdão fundamento.
Ora, no caso sub judice, no que às sindicadas correcções respeita, a AT não questionou que não se verificassem os pressupostos mencionados no art. 23.º do CIRC quanto à dedutibilidade dos custos, antes se limitando a utilizar a fórmula constante da Circular n.º 7/2004 e procedendo, dessa forma, a uma verdadeira utilização de métodos indirectos para determinar o valor dos encargos financeiros que supostamente terão sido suportados com a aquisição de partes do capital, sendo que também não identificou qualquer participação social que haja sido adquirida com recurso a financiamento, nem qualquer financiamento que tenha originado os encargos financeiros que entendeu corrigir. Ora, para que a AT pudesse recorrer ao método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, impunha-se-lhe que demonstrasse que não podia fazer uma imputação directa, o que não fez, antes se limitando, sem mais, a aplicar aquele método.
Em conclusão, é à AT que compete o ónus da prova para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, não permitindo o n.º 3 do art. 74.º da LGT que se faça recair esse ónus sobre o contribuinte.
Em todo o caso, afigura-se-nos que nunca poderia o tribunal arbitral avançar uma fundamentação diversa da que foi externada pela AT como tentativa de legitimar o recurso ao método proposto na Circular e, assim, afirmar a legalidade da correcção que deu origem à liquidação impugnada.”
À luz de jurisprudência constante condensada no aresto que acabamos de excertar, cabia, pois, à AT, proceder à quantificação dos encargos financeiros do exercício em causa com a aquisição de participações sociais em empresas associadas, e que se verificam os pressupostos enunciados no então artigo 32.°/2 do EBF. Concretamente, cabia à AT demonstrar que a recorrente em 2012, incorreu nos montantes de € 850.654,13 de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais; que essas participações permaneceram na titularidade da sociedade por período não inferior a um ano e que essas participações foram transmitidas onerosamente no exercício de 2012, com o consequente apuramento de mais ou menos valias nesse exercício.
Patenteiam os autos que a AT não conseguiu cumprir o ónus da prova que lhe competia.
E, nos termos do disposto no artigo 32. °/2 do EBF os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, por parte da SGPS, não concorrem para formação do lucro tributável.
Mas, decorre da letra e espírito do citado normativo que apenas não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, sendo que o critério a seguir para a determinação dos encargos financeiros deverá ser o da afectação/imputação directa ou real e não o critério indirecto aprovado pela Circular 7/2004.
Por assim ser, uma alvitrada impossibilidade prática em distinguir os encargos financeiros, efectivamente suportados com a aquisição de partes de capital, dos restantes encargos, não pode servir de fundamento para a utilização de um critério que aparenta não ter qualquer apoio legal. Isso sem embargo de o método previsto no n.° 7 da Circular 7/2004, de 30/03, poder ser aplicável subsidiariamente, como método indirecto, no caso de inviabilidade de determinação directa dos encargos resultantes de financiamentos directamente associados à aquisição de participações sociais, nos termos do estatuído nos artigos 85 °/1 e 87 °/1/ b) da LGT.
Ora, no caso sub judice a fundamentação da liquidação impugnada inserta do RIT, mormente a matéria vertida na alínea h) do probatório, não contém qualquer referência à aplicação subsidiária do método de cálculo do montante dos encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais, fazendo uma aplicação imediata do mesmo sem invocação da inviabilidade da quantificação directa, em correspondência com a Circular 7/2004, que não prevê qualquer aplicação subsidiária do método de cálculo que enuncia.
Deste modo, a hermenêutica do artigo 32 °/2 do EBF, na redacção introduzida pela Lei 64-B/2011, de 30/12, efectuada pela Circular 7/2004, de 30/03, da DSIRC, viola o princípio da legalidade tributária estatuído nos artigos 103 °/2 da CRP e 8 °/1 da LGT.» (fim de transcrição, sublinhado nosso).
Volvendo aos autos, conforme se preconiza na sentença sob recurso, apoiada na matéria de facto dada como provada, in casu, “… verifica-se que a AT recorreu aos métodos de cálculo constantes da Circular n.º 7/2004, sem colocar em causa a fiabilidade da contabilidade, e da declaração fiscal da Impugnante, que constatamos beneficia da presunção de veracidade e boa fé, nos termos do art. 75.º da LGT, pelo que estava onerada com a elisão dessa presunção.
Acrescenta-se que do RIT, no ponto IV, “MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS”, consta também a indicação de, “Não aplicável”.
Não logrando demonstrar em sede de relatório de inspeção, em concreto, os factos que implicaram o recurso aos métodos indiretos a que recorreu para a correção do lucro tributável e que gerou a liquidação em causa nos autos.
Por último, atesta-se que a AT partiu do saldo da conta POC 411, a 31-12-2008, do balancete analítico da Impugnante, para assumir que os valores aí contabilizados respeitavam ao custo de aquisição de investimentos financeiros.
Contudo, a AT não logrou demonstrar a efetividade daquele saldo. Mais, a fim de aferir da afetação dos encargos financeiros, partindo do saldo das contas POC “6811 – Empréstimos bancários” e “6813 – Outros empréstimos obtidos”, apurou os passivos remunerados totais. Sucede que, de seguida, na senda da Circular nº 7/2004, procedeu, sem mais, a uma imputação proporcional dos encargos financeiros aos passivos remunerados imputáveis aos restantes ativos e, por outro lado, a uma imputação proporcional dos encargos financeiros aos passivos remunerados imputáveis a partes de capital. O que nos conduz à conclusão que a AT, não conseguiu demonstrar a efetividade da afetação dos encargos financeiros, isto é, perante as verbas escrituradas na contabilidade.
Ou seja, a AT, em cumprimento das regras do ónus da prova, com base na contabilidade da Impugnante, deveria ter identificado quais os documentos justificativos dos custos existentes que sustentavam os empréstimos obtidos, cujos encargos que deles derivam também não identifica, e que concorreram para as aquisições de partes de capital.
Também falhou em demonstrar que os documentos contabilísticos não permitiam aferir que a alocação dos empréstimos contraídos pela Impugnante fosse de facto para os fins a que os mesmos se destinavam, ou ainda que o seu fim não era permitido.
Não logrando comprovar sequer, que os custos, cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital, reuniam as condições do art. 32.º, nº 2 do EBF, de forma a fundamentar a sua desconsideração para a formação do lucro tributável.
Deduz-se, nestes termos, que o ato de liquidação, nesta parte, se encontra ferido do invocado vício de violação de lei, uma vez que a AT se baseou, ilegalmente, na Circular nº 7/2004, para efeitos de aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, não comprovando, face aos elementos disponíveis da contabilidade da Impugnante, pois não colocou a sua fiabilidade em causa, que não era possível proceder a uma avaliação direta.”

Pelo que fica exposto, e sem necessidade de mais delongas, não pode obter provimento o recurso, sendo de salientar que, quanto ao alegado pela Recorrente, sob a sua conclusão f), de que entende serem não dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo Grupo, que não sejam debitados às entidades beneficiárias, não considerando exceção (que não está na lei) quando estejam em causa empréstimos de SGPS’s às sociedades por si participadas, atendendo ao seu objeto social específico, apelemos ao despendido no relatório de inspecção.
É a própria AT que em sede de RIT, sob o item “Método a utilizar e correcções propostas” se pauta pela utilização do método inserto na Circular 7/2004, assente na aplicação do artigo 32º do EBF e, a final, refere : “Importa ainda referir que a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com financiamento dirigidos para a realização de prestações suplementares ou outras prestações similares, sem débito de juros não se esgota na aplicação do regime previsto no art.º 32º /ex. art.º 31º) do EBF. (….) Desta forma, ainda que as prestações suplementares/acessórias não fossem consideradas como partes de capital para efeitos do art.º 32º do EBF, de acordo com os fundamentos acima indicados, os encargos financeiros suportados com financiamento dirigidos para a realização de prestações suplementares, ou outras prestações similares, sem débito de juros, não seriam dedutíveis ao lucro tributável por não reunirem os requisitos e condições estabelecidos pelo art.º 23º do CIRC” (cfr. item L) dos factos provados, fls. 16 do RIT junto do processo administrativo apenso).
Ou seja, no relatório a questão não é colocada nos termos em que a ERFP a enuncia na sua conclusão de recurso e, em sede de contestação. O relatório não se sustenta na falta de documentos bastantes para comprovar os encargos financeiros contraídos, aos fins a que se destinam, nem põe em causa a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos. Ou seja, a correcção efectuada não teve por base o incumprimento do disposto no art. 23º do CIRC, na redação vigente ao tempo, a alusão feita no relatório é apenas exemplificativa, se assim não fosse sempre existiria outra via para que aqueles valores não fossem valorados e aceites como custo fiscal, por não se verificarem os seus pressupostos (comprovação, a indispensabilidade e, a ligação a proveitos e ganhos sujeitos a imposto). Ora, não pode a FP invocar outros fundamentos que não os que serviram para a liquidação. A contestação serve para a AT se opor à pretensão do impugnante, atacando os factos articulados quer por via de impugnação quer por via de exceção (cfr. art. 571º do CPC) pugnando pela manutenção da liquidação efectuada e seus fundamentos, sendo irrelevante processualmente a invocação de outros fundamentos de liquidação para além dos que foram contemplados no respectivo procedimento, pelo que se dá por prejudicado o conhecimento do mesmo.

Assim, imbuídos de todo o exposto e da fundamentação de direito da sentença recorrida, somos de concluir com aquela que : “A correção ao lucro tributável e consequente liquidação adicional, fundamentou-se na questão de a Impugnante não ter acrescido ao resultado líquido do exercício para efeitos de determinação do lucro tributável, no campo 225 do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2008, os encargos financeiros incorridos na aquisição de participações sociais, que os serviços de inspeção tributária entenderam não dever concorrer para a formação do lucro tributável, pela aplicação do art. 32.º n.º 2 do EBF.
Face às conclusões a que chegamos na apreciação dos vícios até aqui analisados, em relação à fundamentação do ato de liquidação adicional impugnado, constante do RIT, e à solução aventada relativamente à ilegalidade do método de avaliação adotado pela AT, pela aplicação da fórmula da Circular n.º 7/2004, sem demonstrar a necessidade de recurso a métodos indiretos, podemos afirmar que relativamente à apreciação das questões atinentes à violação de lei, quanto à questão de aplicabilidade temporal do previsto no n.º 2 do art. 32.º do EBF, na redação introduzida pelo n.º 5 do art. 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31.12. às SGPS, e ainda quanto às participações recebidas em contrapartida da entrada de ativos e às participações recebidas em resultado da operação de fusão, bem como, quanto às restantes participações, atendendo a forma de aplicação do mesmo art. 32.º n.º 2 do EBF, a solução de anulação da liquidação quanto a estes encargos também aqui se impõe, porquanto se retira do RIT que a AT aplicou a fórmula da cálculo da Circular n.º 7/2004 a todos os valores que compreendeu como encargos financeiros com aquisição de partes de capital, nos termos do referido art. 32.º n.º 2 do EBF.
Termos em que procede parcialmente a ação, quanto aos vícios imputados à liquidação adicional de imposto de IRC n.º 20118310000570, de 31 de janeiro referente ao exercício de 2008, no que concerne o enquadramento legal e o cálculo dos encargos financeiros e a sua dedutibilidade fiscal, nos termos do art. 32.º n.º 2 do EBF e da aplicação da Circular n.º 7/2004.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso.

2.3. Nesta instância, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP e a questão de direito ter vindo a ser resolvida de forma uniforme pelos tribunais superiores, alcançamos razões válidas e ponderosas para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, atendendo aos valores de taxa de justiça pagos pelas partes, a circunstância do valor de taxa de justiça correspondente às causas com valor entre €250.000,00 e €275.000,00 se revelar ajustado à complexidade da causa e a questão colocada no recurso interposto
Na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.

2.4. Conclusões
I. A previsão da norma constante do artº.32, nº.2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção em vigor em 2008, não abarcava os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares ou prestações similares, encargos estes que não eram abrangidos pela expressão "partes de capital".

II. Mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência às instruções constantes no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, afronta o princípio da legalidade tributária.

3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 20 de janeiro de 2022

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis