Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:83/25.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2025
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores: VENDA EXECUTIVA
OFÍCIO DE NOTIFICAÇÃO
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES
Sumário:I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

Vem A…, interpor recurso do despacho liminar proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que indeferiu liminarmente a ação de reclamação de atos do órgão de execução por si apresentada, contra «o ato de marcação da venda do imóvel penhorado no processo de execução fiscal n.º 1724200401000241 notificado ao seu mandatário».

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. «A SUBIDA IMEDIATA DA RECLAMAÇÃO DO ATO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL DETERMINA A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 276.° E 278.°, N.° 3, DO CPPT.
2. A PROSSECUÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL ENQUANTO PENDENTE O RECURSO COMPROMETE O EFEITO ÚTIL DO MESMO E VIOLA O PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA, CONSAGRADO NO ARTIGO 268.°, N.° 4, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
3. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO TEM VINDO A AFIRMAR QUE A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DA DECISÃO QUE INDEFERE A DISPENSA DE GARANTIA SUSPENDE OS TERMOS DA EXECUÇÃO FISCAL, SOB PENA DE INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA DECISÃO JURISDICIONAL.
4. NO CASO CONCRETO, A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO É ESSENCIAL, ATENTA A POTENCIAL ALIENAÇÃO DO BEM IMÓVEL PENHORADO, COM PREJUÍZO IRREPARÁVEL PARA A RECORRENTE.
5. A SENTENÇA PROFERIDA NO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE CASTELO BRANCO NUNCA FOI NOTIFICADA AO MANDATÁRIO DA RECORRENTE, EM VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 132.° E 247.° DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, APLICÁVEIS EX VI ARTIGO 2.°, ALÍNEA E), DO CPPT.
6. A PRIMEIRA NOTIFICAÇÃO COM EFICÁCIA PROCESSUAL APENAS SE VERIFICOU NO DIA 30 DE MAIO DE 2025, AQUANDO DA NOTIFCAÇÃO DA CONTA DE CUSTAS - MOMENTO DA TOMADA DE CONHECIMENTO DA PRESENTE.
7. A AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO CONSTITUI NULIDADE PROCESSUAL INSANÁVEL, NOS TERMOS DO ARTIGO 195.° DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
8. O RECURSO É, ASSIM, TEMPESTIVO, PORQUANTO INTERPOSTO DENTRO DO PRAZO CONTADO A PARTIR DA PRIMEIRA NOTIFICAÇÃO VÁLIDA E EFICAZ.
9. É ADMISSÍVEL O PRESENTE RECURSO DO DESPACHO DE INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO DE RECLAMAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 629.°, N.° 3, ALÍNEA C), DO CPC, GARANTINDO-SE O EXERCÍCIO EFETIVO DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À TUTELA JURISDICIONAL.
10. A CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO IMPÕE QUE TODAS AS NOTIFICAÇÕES SEJAM FEITAS PREFERENCIALMENTE AO MESMO, NOS TERMOS DO ARTIGO 247.°, N.° 1 DO CPC.
11. A NOTIFICAÇÃO DIRETA À PARTE NÃO SUBSTITUI VALIDAMENTE A NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO.
12. A OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO CONSTITUI NULIDADE PROCESSUAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 195.°, N.° 1 DO CPC, SENDO QUE ESTA NULIDADE AFETA O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E PODE INFLUIR NA DECISÃO DA CAUSA.
13. O ARTIGO 36.°, N.° 1 DO CPPT EXIGE A NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO COMO CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ATO - A JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA CONFIRMA A OBRIGATORIEDADE DA NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO (V.G. AC. TRG, DE 16-052024).
14. A NULIDADE EM CAUSA PODE SER CONSIDERADA SECUNDÁRIA, MAS INSANÁVEL SE AFETAR OS DIREITOS DA PARTE.
15. O FORMALISMO PROCESSUAL PROTEGE A LEGALIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA, NÃO PODENDO SER ARBITRARIAMENTE DESCONSIDERADO.
16. O INCUMPRIMENTO DAS FORMALIDADES LEGAIS DE NOTIFICAÇÃO TORNA NULOS OS ATOS SUBSEQUENTES.
17. É TAMBÉM NESTE SENTIDO A PROTEÇÃO FIRMADA PELO ARTIGO 98.°, N.° 1, ALÍNEA C) DO CPPT.
18. O DESPACHO LIMINAR DE REJEIÇÃO DA AÇÃO PADECE DE ERRO DE JULGAMENTO, AO DESVALORIZAR INDEVIDAMENTE A RELEVÂNCIA DAS FORMALIDADES PROCEDIMENTAIS ESSENCIAIS, QUANDO MENCIONA O RECLAMANTE NÃO IMPUTA QUALQUER ILEGALIDADE AO PRÓPRIO ATO DETERMINATIVO DA VENDA, MAS INVOCA QUE A FALTA DE INDICAÇÃO NO OFÍCIO DE NOTIFICAÇÃO DIRIGIDO AO SEU MANDATÁRIO DOS MEIOS DE DEFESA PARA REAGIR CONTRA A MARCAÇÃO DA VENDA, BEM COMO A FALTA DE NOTIFICAÇÃO DO ATO AO PRÓPRIO MANDANTE, CONSTITUEM PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES ESSENCIAIS QUE DETERMINAM A ANULABILIDADE DA MARCAÇÃO DA VENDA.
19. TAIS ALEGAÇÕES SÃO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTES, SENÃO VEJAMOS’
20. O DIREITO PROCESSUAL NÃO PODE SER ENCARADO COMO UM FORMALISMO ACESSÓRIO, SENDO ANTES INSTRUMENTO INDISPENSÁVEL À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SUBSTANTIVOS, CONFORME DECORRE DO ARTIGO 20.° DA CRP.
21. A AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS MEIOS DE DEFESA NA NOTIFICAÇÃO DO ATO DETERMINATIVO DA VENDA CONSTITUI PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE ESSENCIAL, COM IMPACTO DIRETO NO DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA.
22. O RACIOCÍNIO DO TRIBUNAL A QUO PARTE DE UMA PRESUNÇÃO ERRADA DE QUE O CONHECIMENTO EFETIVO DO ATO SUPRIME A OMISSÃO DE GARANTIAS PROCEDIMENTAIS LEGALMENTE IMPOSTAS.
23. A REAÇÃO TEMPESTIVA ATRAVÉS DE RECLAMAÇÃO NÃO AFASTA A ILEGALIDADE DA NOTIFICAÇÃO DEFICIENTE, NEM SANA A NULIDADE GERADA PELA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE ESSENCIAL.
24. A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL TEM AFIRMADO QUE O ACESSO À JUSTIÇA EXIGE QUE OS MEIOS DE DEFESA SEJAM CLAROS, ACESSÍVEIS E DEVIDAMENTE COMUNICADOS AO ADMINISTRADO.
25. O ATO IMPUGNADO DEVE SER CONSIDERADO INVÁLIDO EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA BOA-FÉ PROCESSUAL E DO DIREITO À INFORMAÇÃO PROCESSUAL.
26. A DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA INCORRE NUMA DUPLA VIOLAÇÃO DO DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA: POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO, AO OMITIR DEVERES FORMAIS, E POR PARTE DO TRIBUNAL, AO VALIDAR ESSA OMISSÃO.
27. A REJEIÇÃO LIMINAR DA AÇÃO VIOLA OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, LEGALIDADE E PROTEÇÃO DA CONFIANÇA DOS CIDADÃOS PERANTE A ATUAÇÃO DO ESTADO.
28. DEVE SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, COM CONSEQUENTE PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO, POR FORMA A GARANTIR O PLENO RESPEITO PELAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO CONTRIBUINTE.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, REVOGANDO-SE O DESPACHO LIMINAR DE REJEIÇÃO PROFERIDO PELA TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS. DEVE, EM CONSEQUÊNCIA, SER ORDENADO O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, COM APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA RECLAMAÇÃO JUDICIAL DEDUZIDA NOS TERMOS DO ARTIGO 276.° DO CPPT, RECONHECENDO-SE A PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES ESSENCIAIS E, EM CONFORMIDADE, A NULIDADE DO ATO.»


A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Tribunal a quo, apreciou a nulidade alegada, que julgou verificada e determinou que se procedesse à notificação omitida e à anulação de todos os atos subsequentes à falta de notificação da sentença ao MI Advogado do Reclamante, incluindo a conta de custas. Seguidamente, admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, ao ter indeferido liminarmente a reclamação.


II.1- Dos Factos

A decisão recorrida é de rejeição liminar da reclamação na qual não se procedeu, e bem, à fixação da matéria de facto provada e não provada.

Pertinente, para a apreciação do presente recurso, releva dos autos o seguinte:

A) No Serviço de Finanças de Ponte de Sor corre termos o processo de execução fiscal (PEF) nº 1724200401000241, instaurado contra o ora Recorrente A… (informação que se retira dos documentos juntos com a reclamação a fls. 55);
B) No âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea que antecede, por despacho de 2024.12.12, da Chefe de Finanças, foi designado o dia 2 de fevereiro de 2025, pelas 10 horas, para venda, na modalidade de leilão eletrónico dos prédios penhorados (doc. a fls. 7 junto com a reclamação). Deste despacho transcreve-se:
«(…)
Para a venda do bem penhorado (prédio misto composto pelo artigo urbano 5… e rústico 1… secção C… da União de Freguesias de Ponte de Sor, Tramaga e Vale de Açor) designo o dia 5 de fevereiro de 2025, pelas 10 horas, pela modalidade de leilão eletrônico nos termos do art,°
248.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), conjugado com a Portaria 219/2011 de 01/06, tendo as licitações inicio em 21 de janeiro de 2025 pelas 09:00 horas e fim em 05 de fevereiro de 2025 pelas 09:00 horas.
O valor base para venda é de € 235.654,91, determinado nos termos do artigo 250. ° do CPPT, abaixo discriminado:
- Prédio urbano 5…: 70% x € 90.774,87 (VPT) 63.542.41
- Prédio rústico 1... secção C...: 70% x 245.875,00 (valor de mercado) € 172.112,50
Proceda à citação dos credores desconhecidos nos termos do art.° 242.° do CPPT;
Proceda à citação dos credores inscritos com garantia real, se os houver, nos termos do art.° 239. ° do CPPT;
Proceda à notificação dos preferentes, se os houver, nos termos do artigo 819. ° do Código de Processo Civil (CPC);
Proceda à notificação do Município de Ponte de Sor nos termos do n.° 4 do artigo 227. ° da Lei 12/2022 de 27 de junho;
Dispenso a publicação de anúncios no jornal, de acordo com a redação atual do artigo 249. ° do CPPT e as instruções do mail de 06/02/2012 da DSGCT — Direção;
Divulgação da venda através da Internet de harmonia com a Portaria n° 352/2002 de 3 de abril
Notifiquem-se da presente decisão o executado e o fiel depositário;
Averbamentos necessários.
Serviço de Finanças de Ponte de Sor, em 12 de dezembro de 2024
(…)

C) No Serviço de Finanças de Ponte de Sor deu entrada reclamação do ora Recorrente contra o ato de marcação da venda do imóvel penhorado, constante de fls. 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzida; na reclamação apresentada conclui:
«(…)
CONCLUSÕES
A. conforme estabelece o n° 1 do artigo 276° do cppt, "as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributaria que no processo afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são suscetíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1a instância".
B. e mesmo assim, é pacífico o entendimento da bitola prática assente no "prejuízo irreparável" ou "perda de utilidade", sem prejuízo de não estar abrangido no n.° 3.
C. no caso concreto discute-se a inadmissibilidade da marcação em venda do imóvel porquanto no âmbito da notificação, não há qualquer indicação do meio de reação disponível ao contribuinte.
D. uma apreciação diferida da presente reclamação é passível de constituir o reclamante num "prejuízo irreparável" ou "perda de utilidade".
E. o ofício reclamado contém informação relativa à marcação em venda do imóvel, no entanto há uma falta de indicação dos meios de defesa que devem ser facultados, em todo o caso, aos sujeitos passivos.
F. é entendimento pacífico que sendo o processo de execução fiscal todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos atos que nele sejam praticados ou os procedimentos que lhe possam ser excertados e que correm paralelamente, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal, daí não se verificar a preterição do direito de audição nos termos do artigo 60.° da lgt.
G. ora, sem prejuízo do irfp vir a invocar jurisprudência ou doutrina a propósito dos efeitos praticados nos termos do artigo 37.° do cppt, o reclamante antecipou-se, por assim dizer, esclarecendo da não aplicação de tal norma procedimental no âmbito do processo fiscal.
H. por se tratar de um ato de tramitação processual deve então ser concretizado o controlo judicial através do meio processual previsto no artigo 276.° do cppt.
I. o juiz administrativo não poderá negar a relevância anulatória ao erro da administração visto que este vicio inquina a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão.
J. não será de difícil inteleção subsumir que a prática de um ato administrativo, em sede processo de execução fiscal, que determine a alienação de um direito real ao arrepio de qualquer notificação válida implica a verificação de um erro crasso que determina a ilegalidade de todo o processo de execução fiscal
K. pelo que deve o douto tribunal anular a marcação em venda e determinar, igualmente, a não repetição do ato.
L. por outro lado, com a constituição de fiel depositário surgem deveres do depositário, nomeadamente de guardar e conservar a coisa e de avisar o depositante de algum perigo ou ameaça à coisa, conforme 1187.° do cc. tanto a guarda da coisa como o aviso ao depositante configuram ações concretas e determinadas que o depositário tem de praticar, pelo que se subsume ao normativo do n.° 2 do 247.° do cpc, em que deve também - e compreensivelmente - ser notificado o próprio mandante, e nunca apenas o seu mandatário.
M. sendo, por todo o exposto, manifesta a ilegalidade da marcação em venda do imóvel em crise e de revogar o douto ofício da autoridade tributária e aduaneira

Termina a reclamação apresentada pedindo:
(…)
«Anular o oficio n.° 988 de 16.12.2024 que determina a marcação em venda n.°1724.2024.1, correspondente ao bem imóvel misto sito na união de freguesias de ponte de sor, tramaga e vale de açor, artigo urbano 5… e rustico 1… secção c… e, outrossim,
Determinar a não repetição do ato e consequentemente a não marcação em venda do imóvel misto sito na união de freguesias de ponte de sor, tramaga e vale de açor, artigo urbano 5… e rústico 1… secção c…, na decorrência do processo de execução fiscal n.° 1724200401000241 e demais processos de execução fiscal
(…)»

D) Em 2025.04.30, foi proferido o despacho de indeferimento liminar recorrido, constante de doc. nº 005725281, do qual, com relevância para a decisão do presente recurso, se transcreve:
«(…)
A…, (…), vem, ao abrigo do disposto no artigo 276.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário, deduzir a presente reclamação contra o ato de marcação da venda do imóvel penhorado no processo de execução fiscal n.º 1724200401000241 notificado ao seu mandatário.
Alega, em síntese, que a Autoridade Tributária e Aduaneira preteriu as seguintes formalidades essenciais que determinam a anulabilidade da marcação da venda: i) falta de indicação no ofício de notificação dos meios de defesa para reagir contra a marcação da venda e ii) falta de notificação da marcação da venda ao próprio mandante.
Pede a anulação da marcação da venda e a não repetição do ato.

*
Cumpre proferir despacho liminar.
De acordo com o disposto no artigo 590.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável em todos os casos em que haja lugar a despacho liminar «a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente».
A presente reclamação tem por objeto a decisão de marcação da venda do imóvel penhorado na execução fiscal.
Por se tratar de um ato lesivo dos direitos e interesses legítimos do executado, a decisão de determinação da venda do imóvel penhorado na execução fiscal é suscetível de reclamação judicial, nos termos do artigo 276.º do CPPT.
O Reclamante não imputa qualquer ilegalidade ao próprio ato determinativo da venda, mas invoca que a falta de indicação no oficio de notificação dirigido ao seu mandatário dos meios de defesa para reagir contra a marcação da venda, bem como a falta de notificação do ato ao próprio mandante, constituem preterição de formalidades essenciais que determinam a anulabilidade da marcação da venda.
Tais alegações são manifestamente improcedentes, senão vejamos.
O ato determinativo da venda configura um ato processual de natureza não jurisdicional praticado pelo órgão de execução fiscal no âmbito de um processo de natureza judicial [cf. artigo 103.º, n.º 1 da LGT], o qual deve ser notificado ao executado nos termos do n.º 6 do artigo 812.º do CPC, aplicável ao processo de execução fiscal ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
A notificação é o ato pelo qual se leva ao conhecimento de alguém a prática de um ato anterior, in casu, a decisão determinativa da venda.
Em face da natureza judicial do processo de execução fiscal a insuficiência ou falta de notificação do ato determinativo da venda está sujeita ao regime geral das nulidades previsto no artigo 195.º do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 195. º, n. º 1, do CPC «...a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa» , prevendo o n.º 2 do mesmo normativo que «[q]uando um ato tenha de ser anula do, anulam - se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente».
Ora, tendo o Reclamante deduzido tempestivamente a presente reclamação na sequência da notificação do ato determinativo da venda ao seu mandatário, então é forçoso concluir que a notificação cumpriu a sua finalidade, ou seja, levar ao conhecimento do Reclamante o ato determinativo da venda, de modo a habilitá-lo a sindicar a sua legalidade, sendo, assim, manifesto que a falta de indicação no ofício de notificação dos meios de defesa não prejudicou o direito de defesa do Reclamante.
O que acaba de ser dito é igualmente válido para a alegada falta de notificação do ato determinativo da venda ao mandante, isto apesar de considerarmos que, por não estar em causa a convocação para a prática de um ato pessoal, a notificação do ato determinativo da venda é regular quanto efetuada apenas ao mandatário do executado [cf. artigo 40.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPPT].
Acresce salientar que as alegações do Reclamante nunca poderiam produzir qual quer efeito invalidante do ato determinativo da venda, isto porque a insuficiência da notificação e/ou a falta de notificação do ato ao mandante , caso constituíssem nulidades da execução fiscal por preterição de formalidades legais , apenas poderiam determinar a anulação dos atos subsequentes às formalidades omitidas e delas absolutamente dependentes [artigo 195.º, n.º 2 do CPC], pelo que não sendo o ato determinativo da venda um ato subsequente à notificação, mas o ato comunicando , então o mesmo nunca poder ia ser anulado com fundamento em preterição de formalidades legais do ato de notificação.
Desde modo, e sem necessidade de mais amplas considerações, importa concluir que a presente reclamação é manifestamente improcedente, devendo, como tal, ser objeto de indeferimento liminar, o que se decidirá de seguida.
***

Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro liminarmente a presente reclamação judicial.
(…)»


II.2 Do Direito

A primeira questão suscitada nas presentes conclusões e nas alegações de recurso respeita à nulidade decorrente da falta de notificação da decisão de indeferimento liminar recorrida ao MI Advogado do ora Recorrente.

Desde já diremos que tinha razão o ora Recorrente.

Com efeito, o Mº Juiz a quo pronunciou-se sobre a alegada nulidade de omissão de notificação da decisão pela secretaria, nulidade que julgou verificada, tendo determinado que a secretaria praticasse de imediato o ato de notificação omitido.

Estando já sanada a irregularidade processual praticada e nada mais tendo sido requerido, considerando que o alegado se prende com a tempestividade do presente recurso e sem necessidade de mais, consideramos tempestivo o presente recurso.

Prosseguindo:

O ora Recorrente é executado no processo de execução fiscal (PEF) nº 1724200401000241, que corre termos no Serviço de Finanças de Ponte de Sor.

No âmbito desse processo de execução fiscal foi penhorado o prédio misto composto pelo artigo urbano 5… e rústico 1… secção C… da União de Freguesias de Ponte de Sor, Tramaga e Vale de Açor.

Tendo tido notícia de ter sido agendada data para a venda executiva, veio o ora Recorrente reclamar do ato de notificação com fundamento em terem sido preteridas formalidades legais que reputa como essenciais, nomeadamente, porquanto na notificação ao MI Advogado do ora Recorrente não terem sido indicados os meios de defesa para reagir contra o ato.

A reclamação judicial foi liminarmente indeferida, decisão com a qual se não conforma e da qual recorre.

Nas conclusões das alegações de recurso apresentadas e supratranscritas argumenta, em suma, que a decisão recorrida padece de erro de julgamento na interpretação dos factos e na aplicação do direito. Todavia, não ataca expressamente o juízo da manifesta improcedência a que se chegou na sentença recorrida.

Para indeferir liminarmente a reclamação, ponderou-se, em suma, na decisão recorrida que o Reclamante e ora Recorrente não imputa qualquer vício ao ato determinativo da venda, alegando, sim, a falta de menção no ofício de notificação ao mandatário dos meios de defesa para reagir à marcação da venda, bem como a falta de notificação do ato ao Executado, assim concluindo pela verificação da manifesta improcedência da reclamação apresentada.

Vejamos, então:

Sobre o que se deve entender por manifesta improcedência do pedido, é jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual citamos, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2024.04.10, proferido no processo nº 8086/23.3T8LSB.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), e do qual se transcreve:
«(…)
A manifesta improcedência do pedido que legitima o indeferimento liminar, aferida casuisticamente, corresponde à evidente improcedência da pretensão do autor, à inviabilidade, o que contende com o próprio mérito da ação (questão de fundo) e já não de forma (por ex., falta de pressupostos processuais).
Ou seja, perante a alegação dos factos e razões de direito expostas na petição e uma averiguação sumária, incide, desde logo, uma pronúncia valorativa antecipatória sobre o mérito, quanto a saber se a pretensão formulada se apresenta viável, com probabilidade de êxito ou se está irremediavelmente condenada ao insucesso.
São também razões de economia processual que justificam o indeferimento liminar, pois se a pretensão é de tal modo inviável, não tendo qualquer probabilidade de êxito, será inútil o prosseguimento da ação, conduzindo a um desperdício da atividade judicial.
No âmbito dos casos em que a lei processual prevê a admissibilidade da rejeição liminar da petição inicial situam-se os de indeferimento liminar quando o pedido seja “manifestamente improcedente” (art.590 nº1 CPC). Este conceito aberto da manifesta improcedência abrange as situações de inviabilidade da pretensão, assente em juízo perfunctório, pelo que só quando o autor formula uma pretensão irremediavelmente condenada ao insucesso é que se pode afirmar que ela é manifestamente inviável.
(…)»

Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que o despacho de indeferimento liminar, que encontra a sua justificação em motivos de economia processual, só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório.

Nesse sentido e a título meramente exemplificativo trazemos à colação o acórdão de 2019.08.14, prolatado no processo nº 0997/19.7BEBRG (disponível em www.dgsi.pt), com o qual concordamos e do qual, com a devida vénia, transcrevemos:
«(…)
Cumpre ter presente que, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, o indeferimento liminar (O indeferimento liminar tem vindo a ser qualificado como uma decisão de natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada.) só deve ser proferido quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar, que encontra a sua justificação em motivos de economia processual, só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» (() Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.).
Daí que deva ser cautelosamente decretado e apenas quando for manifesto em face da petição inicial a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo (Neste sentido, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 350/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/afb23f359fab0977802583120050a7d7;
- de 17 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 646/17.8BEAVR (121/18), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e959fb7614ed2abf8025832e003aca97;
- de 9 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 918/17.1BEALM, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f6130aef8cc519e80258383003e8d5e.).
(…)»

Ora, o pedido formulado pelo Reclamante e ora Recorrente na reclamação apresentada é de anulação do ofício que comunicou o agendamento da venda, e a não repetição do ato e consequentemente a não marcação em venda do prédio misto, neste e em nos outros processos de execução fiscal, que em todo o caso não identifica.

Sendo certo que com a mera dedução da presente reclamação, conseguiu já o primeiro daqueles intentos, ou seja, o de desmarcação da venda agendada para o passado dia 5 de fevereiro de 2025, havendo, pois, necessidade de se efetuar novo agendamento e, consequentemente, do envio de novo ofício a comunicar a nova data.

Relativamente ao segundo pedido formulado, de não realização da venda executiva naquele ou em qualquer outro processo de execução fiscal, desde já diremos concordar com o decidido. Com efeito além de não terem sido alegados vícios ao ato determinativo da venda em si mesmo considerado, também não foram apresentados na reclamação quaisquer motivos para tal, como seria, por exemplo, o de se tratar da casa de morada de família ou de, entretanto, ter já procedido ao pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Não foram, insiste-se, apresentados quaisquer motivos impeditivos da realização da venda pela Exequente.

A reclamação apresentada, além dos efeitos imediatos decorrentes da sua própria dedução, estava, assim, condenada ao insucesso.

Assim se concluindo como no Acórdão STA citado: «(…) em suma, perante a manifesta inviabilidade da reclamação, perante a flagrante insusceptibilidade dos fundamentos invocados determinarem a procedência da pretensão deduzida em juízo, verifica-se motivo para o seu indeferimento liminar [cfr. art. 590.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].(…)»

Nada há, pois, a censurar à decisão recorrida que indeferiu liminarmente a reclamação apresentada, que é de manter.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.

Por fim, e tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 1 004 934,00, considerando a conduta processual das partes, a atividade desenvolvida no processo, destacando-se que as questões em causa nos presentes autos foram já objeto de apreciação pelos Tribunais Superiores, visto o princípio da proporcionalidade, concluímos que no caso vertente se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça do artigo 6/7 do RCP.


Sumário/Conclusões:

I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório e inútil qualquer instrução e discussão posterior.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, que decaiu, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos expostos.

Lisboa, 30 de setembro de 2025.

Susana Barreto

Lurdes Toscano

Luísa Soares