Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 83/25.0BECTB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | SUSANA BARRETO |
| Descritores: | VENDA EXECUTIVA OFÍCIO DE NOTIFICAÇÃO PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES |
| Sumário: | I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório e inútil qualquer instrução e discussão posterior. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO Vem A…, interpor recurso do despacho liminar proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que indeferiu liminarmente a ação de reclamação de atos do órgão de execução por si apresentada, contra «o ato de marcação da venda do imóvel penhorado no processo de execução fiscal n.º 1724200401000241 notificado ao seu mandatário». Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: 1. «A SUBIDA IMEDIATA DA RECLAMAÇÃO DO ATO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL DETERMINA A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 276.° E 278.°, N.° 3, DO CPPT. * Cumpre proferir despacho liminar.De acordo com o disposto no artigo 590.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável em todos os casos em que haja lugar a despacho liminar «a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente». A presente reclamação tem por objeto a decisão de marcação da venda do imóvel penhorado na execução fiscal. Por se tratar de um ato lesivo dos direitos e interesses legítimos do executado, a decisão de determinação da venda do imóvel penhorado na execução fiscal é suscetível de reclamação judicial, nos termos do artigo 276.º do CPPT. O Reclamante não imputa qualquer ilegalidade ao próprio ato determinativo da venda, mas invoca que a falta de indicação no oficio de notificação dirigido ao seu mandatário dos meios de defesa para reagir contra a marcação da venda, bem como a falta de notificação do ato ao próprio mandante, constituem preterição de formalidades essenciais que determinam a anulabilidade da marcação da venda. Tais alegações são manifestamente improcedentes, senão vejamos. O ato determinativo da venda configura um ato processual de natureza não jurisdicional praticado pelo órgão de execução fiscal no âmbito de um processo de natureza judicial [cf. artigo 103.º, n.º 1 da LGT], o qual deve ser notificado ao executado nos termos do n.º 6 do artigo 812.º do CPC, aplicável ao processo de execução fiscal ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT. A notificação é o ato pelo qual se leva ao conhecimento de alguém a prática de um ato anterior, in casu, a decisão determinativa da venda. Em face da natureza judicial do processo de execução fiscal a insuficiência ou falta de notificação do ato determinativo da venda está sujeita ao regime geral das nulidades previsto no artigo 195.º do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 195. º, n. º 1, do CPC «...a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa» , prevendo o n.º 2 do mesmo normativo que «[q]uando um ato tenha de ser anula do, anulam - se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente». Ora, tendo o Reclamante deduzido tempestivamente a presente reclamação na sequência da notificação do ato determinativo da venda ao seu mandatário, então é forçoso concluir que a notificação cumpriu a sua finalidade, ou seja, levar ao conhecimento do Reclamante o ato determinativo da venda, de modo a habilitá-lo a sindicar a sua legalidade, sendo, assim, manifesto que a falta de indicação no ofício de notificação dos meios de defesa não prejudicou o direito de defesa do Reclamante. O que acaba de ser dito é igualmente válido para a alegada falta de notificação do ato determinativo da venda ao mandante, isto apesar de considerarmos que, por não estar em causa a convocação para a prática de um ato pessoal, a notificação do ato determinativo da venda é regular quanto efetuada apenas ao mandatário do executado [cf. artigo 40.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPPT]. Acresce salientar que as alegações do Reclamante nunca poderiam produzir qual quer efeito invalidante do ato determinativo da venda, isto porque a insuficiência da notificação e/ou a falta de notificação do ato ao mandante , caso constituíssem nulidades da execução fiscal por preterição de formalidades legais , apenas poderiam determinar a anulação dos atos subsequentes às formalidades omitidas e delas absolutamente dependentes [artigo 195.º, n.º 2 do CPC], pelo que não sendo o ato determinativo da venda um ato subsequente à notificação, mas o ato comunicando , então o mesmo nunca poder ia ser anulado com fundamento em preterição de formalidades legais do ato de notificação. Desde modo, e sem necessidade de mais amplas considerações, importa concluir que a presente reclamação é manifestamente improcedente, devendo, como tal, ser objeto de indeferimento liminar, o que se decidirá de seguida. *** Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro liminarmente a presente reclamação judicial. (…)» II.2 Do Direito A primeira questão suscitada nas presentes conclusões e nas alegações de recurso respeita à nulidade decorrente da falta de notificação da decisão de indeferimento liminar recorrida ao MI Advogado do ora Recorrente. Desde já diremos que tinha razão o ora Recorrente. Com efeito, o Mº Juiz a quo pronunciou-se sobre a alegada nulidade de omissão de notificação da decisão pela secretaria, nulidade que julgou verificada, tendo determinado que a secretaria praticasse de imediato o ato de notificação omitido. Estando já sanada a irregularidade processual praticada e nada mais tendo sido requerido, considerando que o alegado se prende com a tempestividade do presente recurso e sem necessidade de mais, consideramos tempestivo o presente recurso. Prosseguindo: O ora Recorrente é executado no processo de execução fiscal (PEF) nº 1724200401000241, que corre termos no Serviço de Finanças de Ponte de Sor. No âmbito desse processo de execução fiscal foi penhorado o prédio misto composto pelo artigo urbano 5… e rústico 1… secção C… da União de Freguesias de Ponte de Sor, Tramaga e Vale de Açor. Tendo tido notícia de ter sido agendada data para a venda executiva, veio o ora Recorrente reclamar do ato de notificação com fundamento em terem sido preteridas formalidades legais que reputa como essenciais, nomeadamente, porquanto na notificação ao MI Advogado do ora Recorrente não terem sido indicados os meios de defesa para reagir contra o ato. A reclamação judicial foi liminarmente indeferida, decisão com a qual se não conforma e da qual recorre. Nas conclusões das alegações de recurso apresentadas e supratranscritas argumenta, em suma, que a decisão recorrida padece de erro de julgamento na interpretação dos factos e na aplicação do direito. Todavia, não ataca expressamente o juízo da manifesta improcedência a que se chegou na sentença recorrida. Para indeferir liminarmente a reclamação, ponderou-se, em suma, na decisão recorrida que o Reclamante e ora Recorrente não imputa qualquer vício ao ato determinativo da venda, alegando, sim, a falta de menção no ofício de notificação ao mandatário dos meios de defesa para reagir à marcação da venda, bem como a falta de notificação do ato ao Executado, assim concluindo pela verificação da manifesta improcedência da reclamação apresentada. Vejamos, então: Sobre o que se deve entender por manifesta improcedência do pedido, é jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual citamos, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2024.04.10, proferido no processo nº 8086/23.3T8LSB.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), e do qual se transcreve: «(…) A manifesta improcedência do pedido que legitima o indeferimento liminar, aferida casuisticamente, corresponde à evidente improcedência da pretensão do autor, à inviabilidade, o que contende com o próprio mérito da ação (questão de fundo) e já não de forma (por ex., falta de pressupostos processuais). Ou seja, perante a alegação dos factos e razões de direito expostas na petição e uma averiguação sumária, incide, desde logo, uma pronúncia valorativa antecipatória sobre o mérito, quanto a saber se a pretensão formulada se apresenta viável, com probabilidade de êxito ou se está irremediavelmente condenada ao insucesso. São também razões de economia processual que justificam o indeferimento liminar, pois se a pretensão é de tal modo inviável, não tendo qualquer probabilidade de êxito, será inútil o prosseguimento da ação, conduzindo a um desperdício da atividade judicial. No âmbito dos casos em que a lei processual prevê a admissibilidade da rejeição liminar da petição inicial situam-se os de indeferimento liminar quando o pedido seja “manifestamente improcedente” (art.590 nº1 CPC). Este conceito aberto da manifesta improcedência abrange as situações de inviabilidade da pretensão, assente em juízo perfunctório, pelo que só quando o autor formula uma pretensão irremediavelmente condenada ao insucesso é que se pode afirmar que ela é manifestamente inviável. (…)» Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que o despacho de indeferimento liminar, que encontra a sua justificação em motivos de economia processual, só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório. Nesse sentido e a título meramente exemplificativo trazemos à colação o acórdão de 2019.08.14, prolatado no processo nº 0997/19.7BEBRG (disponível em www.dgsi.pt), com o qual concordamos e do qual, com a devida vénia, transcrevemos: «(…) Cumpre ter presente que, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, o indeferimento liminar (O indeferimento liminar tem vindo a ser qualificado como uma decisão de natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada.) só deve ser proferido quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar, que encontra a sua justificação em motivos de economia processual, só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» (() Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.). Daí que deva ser cautelosamente decretado e apenas quando for manifesto em face da petição inicial a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo (Neste sentido, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 19 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 350/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/afb23f359fab0977802583120050a7d7; - de 17 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 646/17.8BEAVR (121/18), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e959fb7614ed2abf8025832e003aca97; - de 9 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 918/17.1BEALM, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f6130aef8cc519e80258383003e8d5e.). (…)» Ora, o pedido formulado pelo Reclamante e ora Recorrente na reclamação apresentada é de anulação do ofício que comunicou o agendamento da venda, e a não repetição do ato e consequentemente a não marcação em venda do prédio misto, neste e em nos outros processos de execução fiscal, que em todo o caso não identifica. Sendo certo que com a mera dedução da presente reclamação, conseguiu já o primeiro daqueles intentos, ou seja, o de desmarcação da venda agendada para o passado dia 5 de fevereiro de 2025, havendo, pois, necessidade de se efetuar novo agendamento e, consequentemente, do envio de novo ofício a comunicar a nova data. Relativamente ao segundo pedido formulado, de não realização da venda executiva naquele ou em qualquer outro processo de execução fiscal, desde já diremos concordar com o decidido. Com efeito além de não terem sido alegados vícios ao ato determinativo da venda em si mesmo considerado, também não foram apresentados na reclamação quaisquer motivos para tal, como seria, por exemplo, o de se tratar da casa de morada de família ou de, entretanto, ter já procedido ao pagamento da dívida exequenda e acrescido. Não foram, insiste-se, apresentados quaisquer motivos impeditivos da realização da venda pela Exequente. A reclamação apresentada, além dos efeitos imediatos decorrentes da sua própria dedução, estava, assim, condenada ao insucesso. Assim se concluindo como no Acórdão STA citado: «(…) em suma, perante a manifesta inviabilidade da reclamação, perante a flagrante insusceptibilidade dos fundamentos invocados determinarem a procedência da pretensão deduzida em juízo, verifica-se motivo para o seu indeferimento liminar [cfr. art. 590.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].(…)» Nada há, pois, a censurar à decisão recorrida que indeferiu liminarmente a reclamação apresentada, que é de manter. Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…). Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida. Por fim, e tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 1 004 934,00, considerando a conduta processual das partes, a atividade desenvolvida no processo, destacando-se que as questões em causa nos presentes autos foram já objeto de apreciação pelos Tribunais Superiores, visto o princípio da proporcionalidade, concluímos que no caso vertente se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça do artigo 6/7 do RCP. Sumário/Conclusões: I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório e inútil qualquer instrução e discussão posterior. III - Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente, que decaiu, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos expostos. Lisboa, 30 de setembro de 2025. Susana Barreto Lurdes Toscano Luísa Soares |