Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
394/17.9T8PTM.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 12/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA / EFEITOS.
Doutrina:
- FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 227 e ss.;
- LOURENÇO MARTINS, Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável;
- M. MIGUEZ GARCIA e J.M. CASTELA RIO, Código Penal – Parte geral e especial, 2015, 2.ª Edição, Almedina;
- MARIA JOÃO ANTUNES, Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª instância, Comentários, 1993, p. 296.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, N.º 2 E 76.º, N.º 1.
LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, APROVADO PELO DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, N.º 1 E 25.º, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 3059/06;
- DE 19-11-2008, PROCESSO N.º 08P3454, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 18/06.GAVCT.S1;
- DE 15-04-2010, PROCESSO N.º 17/09.0PJAMD.L1.S1;
- DE 07-12-2011, PROCESSO N.º 111/10.4PESTB.E1.S1;
- DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1;
- DE 26-09-2012, PROCESSO N.º 139/02.8TASPS.S1;
- DE 03-07-2014, PROCESSO N.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1;
- DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 45/12.8SWSLB.S1;
- DE 05-11-2014, PROCESSO N.º 99/14.2YRFLS;
- DE 27-05-2015, PROCESSO N.º 445/12.3PBEVR.E1.S1;
- DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 35/14.6GAAM.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 426/91, DE 08-11-1991.
Sumário :

I - A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, previsão legal que contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum - a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.
II - O art. 25º, do DL 15/93 prevê o crime de tráfico de menor gravidade, um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de art. 21º que pressupõe, por referência àquele tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
III - Como o STJ tem entendido, o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão.
IV - O arguido, desde data não concretamente apurada, mas seguramente situada pelo menos desde o início do ano 2014 e até ao dia 17 de Fevereiro de 2015, cedeu, a troco de dinheiro, cocaína e heroína, a pessoas interessadas na aquisição de tal tipo de substâncias para seu consumo, desenvolvendo a sua actividade nesta cidade de Portimão, tendo vendido, até pelo menos finais de Novembro de 2014, produto estupefaciente a indivíduos consumidores de tais substâncias.
V - Procedeu, nomeadamente, à venda a um indivíduo que foi identificado, no período temporal compreendido entre o início de 2014 até Junho do ano de 2014, com a frequência de uma vez por semana o seguinte em cada uma dessas vezes: uma “mucha” de cocaína cozida pelo preço de €10,00; e um saco de heroína pelo preço de €20,00, consumidor de cocaína.
VI - O quadro global da situação apreciada é o de o arguido a actuar sozinho até meados de Novembro de 2014 e, a partir daí, com a colaboração de um outro indivíduo que lhe cedera um quarto da sua residência, vendendo cocaína e heroína directamente aos consumidores, que o procuram, desenvolvendo a sua actividade numa área geográfica delimitada (a cidade de Portimão), não procurando “expandir” o negócio para fora daquela área.
VII - Do elenco da matéria de facto provada consta a identificação de somente dois indivíduos compradores, observando-se forte indeterminação relativamente à quantidade do produto estupefaciente cedido, não tendo sido apreendidos ao arguido qualquer produto estupefaciente nem somas monetárias, nem bens ou valores que pudessem ser considerados como provenientes da actividade de tráfico ou a ela associados.
VIII - As vendas de estupefaciente, na maior parte do período temporal considerado, eram feitas pelo arguido directamente aos consumidores, tendo-se conseguido identificar dois deles, num modus operandi pautado pela simplicidade, não se observando a utilização de quaisquer meios sofisticados ou a existência de uma «organização» montada para o tráfico. Não foram detectados ao arguido sinais de riqueza.
IX - A prática do tráfico de estupefacientes após condenação em pena de prisão pela mesma actividade delituosa não impede a subsunção da conduta do arguido no crime de tráfico de pequena gravidade por se tratar de circunstância que respeita à culpa e ao inerente juízo de censura que merece, sendo certo que a «atenuação» contemplada no art. 25.º, do DL 15/93 é feita em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente. A reincidência merece evidentemente ser considerada, mas em sede de medida da pena, cuja determinação é um procedimento posterior ao da subsunção dos factos.
X - A materialidade provada integra uma situação de menor gravidade, devendo o arguido ser condenado pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do DL 15/93, com absolvição do crime p. e p. pelo art. 21.º do mesmo diploma pelo qual se encontra condenado.
XI - Vem sendo salientado pelo STJ que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade, sublinhando-se sempre este tipo de crime postula elevadas necessidades de prevenção geral.
XII - A pena a aplicar deverá corresponder às necessidades de tutela dos bens jurídicos em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, cumprindo referir que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo atenta a pluralidade de bens jurídicos postos em causa por este tipo de ilícitos: a vida, a integridade física, a saúde pública, a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes, afectando, a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos.
XIII - Tendo presente a agravação decorrente da reincidência, perante uma moldura penal abstracta de 1 ano e 4 meses a 5 anos de prisão – art. 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01, e art. 76.º, n.º 1, do CP – considera-se adequada uma pena de 3 anos de prisão, medida que respeita os critérios legais enunciados, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado (finalidade de prevenção geral de integração), mostra-se ajustada à culpa do recorrente pelos factos praticados, que é elevada, e responde às necessidades de prevenção especial de socialização.
XIV - A culpa do arguido e as circunstâncias concretas da prática dos factos, tal como a inexistente motivação evidenciada para se afastar da senda do crime, não permitem formular a seu favor um juízo de prognose favorável quanto à sua conduta posterior que permita concluir que a simples ameaça da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição pelo que se considera não haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I - RELATÓRIO

            1. Em processo comum perante Tribunal Colectivo, o Ministério Público deduziu acusação, contra AA, [...] , imputando-lhe a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, pedindo ainda a condenação do mesmo por reincidência.

  Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de ..., foi este arguido condenado, como reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão.

   2. Inconformado, recorre o arguido perante este Supremo Tribunal terminando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem:


«Das conclusões

Da errada qualificação jurídica dos factos

1ª. O Meritíssimo Tribunal a quo considerou que a conduta do ora Recorrente dada como provada no Acórdão recorrido preencheu o crime previsto no artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº 15/93, qualificação jurídica essa com a qual o Arguido não pode de todo concordar, por entender que devia ter sido aplicado ao caso concreto o artigo 25º do mesmo diploma.

2ª. A Doutrina[1] e a Jurisprudência do Colendo Tribunal ad quem[2] desenvolveram diversos critérios cujo preenchimento tendencialmente cumulativo deve conduzir à aplicação do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93.

3ª. Nas transacções por si efectuadas, o Arguido tanto contactou directamente com um consumidor, como através do intermediário CC: no entanto, veja-se que esta última forma de actividade apenas ocorreu durante um curto período de cerca de três meses, sem se consubstanciar numa forma de agir altamente organizada.

4ª. As substâncias por si vendidas eram destinadas exclusivamente ao consumo dos adquirentes, não se tendo demonstrado quais as concretas quantidades, ainda que a título aproximado, terão sido por si distribuídas – sendo que o volume das suas receitas demonstradas a partir das vendas realizadas a BB não permite concluir estarem em causa grandes quantidades de estupefaciente; além disso, e caso o Arguido fornecesse grandes quantidades desses produtos, certamente que teria sido encontrada uma base de stock dos mesmos;

5ª. Conforme resulta dos autos, apenas se demonstrou que o Arguido se dedicou a tal actividade durante dois curtos períodos – entre o início de 2014 e Junho de 2014, e entre Novembro de 2014 e Fevereiro de 2015 – pelo que não se provou que essa actuação se prolongasse há mais de um ano;

6ª. Não se provou que o ora Recorrente efectuasse quaisquer operações de cultivo ou corte do produto estupefaciente, do mesmo modo que não se demonstrou que para a sua actividade o ora Recorrente utilizasse meios diversos daqueles que utilizava para o desenrolar do seu dia-a-dia.

7ª. Não se demonstrou que o Arguido auferisse por força da sua actividade de tráfico valores que o dotassem das possibilidades de usufruir de uma vida quotidiana acima da média.

8ª. Resulta da matéria de facto provada que essa actividade do ora Recorrente se cingia à cidade de Portimão.

9ª. O Arguido não preenche qualquer das previsões constantes do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93.

10ª. Encontram-se assim plenamente preenchidos sete dos oito critérios tendencialmente cumulativos desenvolvidos pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça por forma a aferir acerca da ilicitude diminuída referida no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93;  o único que não se encontra integralmente preenchido é aquele que diz respeito ao desenvolvimento da actividade de tráfico por via de intermediários; porém, conforme se referiu, essa situação apenas se verificou durante um curto período de três meses e sem ter por base uma séria estrutura organizacional – no caso, envolvia apenas o ora Recorrente e CC –, pelo que este caso concreto ainda assim se integra no âmbito do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93.

11ª. A posição assumida pelo ora Recorrente no que diz respeito à errada qualificação jurídica dos factos efectuada pelo Meritíssimo Tribunal a quo é sustentada pela Jurisprudência do Colendo Tribunal ad quem incidente sobre casos semelhantes, casos do Acórdão proferido no dia 7 de Dezembro de 2011[3], bem como do Acórdão proferido no dia 18 de Fevereiro de 2016[4].
12ª. Não se encontram assim reunidos os pressupostos de facto necessários para a aplicação do artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 ao caso do ora Recorrente, termos em que o Meritíssimo Tribunal a quo procedeu a uma errada qualificação dos factos cuja prática foi imputada ao Arguido, pelo que violou o âmbito de aplicação de tal norma legal.
13ª. Podia assim no limite o ora Recorrente ter sido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, o que necessariamente implicaria a redução da pena que lhe foi aplicada por força da existência de penas abstractamente aplicáveis de moldura inferior.

A título subsidiário, por mera cautela e dever de patrocínio,

Da medida da pena,

14ª. Não se discutindo a existência de elementos que apontam no sentido da aplicação de uma pena de prisão ao ora Recorrente em virtude da sua condenação, pelo presente recurso pretende-se fazer-se notar que constam dos autos circunstâncias cuja análise é imposta pelos artigos 40º e 71º do CP, e que apontam no sentido de a medida da pena determinada pelo Meritíssimo Tribunal a quo ser excessiva.

15ª. Quanto ao dolo da sua acção, resultou provado que o ora Recorrente teve consciência da ilicitude do seu comportamento, agindo ainda assim no sentido da sua verificação; porém, não se pode olvidar que o ora Recorrente agiu num contexto de instabilidade da sua vida, instabilidades essas que muitas vezes conduzem os agentes ao contacto com o mundo dos estupefacientes.

16ª. No que toca aos antecedentes criminais do ora Recorrente, não se pretende a desconsideração das suas condenações anteriores; pretende sim o Arguido que seja também considerada a antiguidade desse ilícito criminal, cuja prática dos factos mais recentes remonta ao ano de 2011.

17ª. O carácter excessivo da pena aplicada pelo Meritíssimo Tribunal a quo é também revelado pela comparação do caso concreto com a Jurisprudência do Colendo Tribunal ad quem incidente sobre casos semelhantes, resultantes do Acórdão proferido no dia 23 de Novembro de 2011[5], bem como do Acórdão proferido no dia 2 de Outubro de 2014[6]

18ª. Decorre assim dos contornos do caso concreto, das normas jurídicas aplicáveis e da Jurisprudência do Colendo Tribunal ad quem que a ser aplicada uma pena efectiva de prisão ao ora Recorrente, tal terá de acontecer sempre numa medida próxima da pena mínima abstractamente aplicável, não podendo em caso algum ultrapassar os 5 anos de prisão, tendo o Acórdão recorrido violado o disposto nos artigos 40º e 71º do CP, pelo que o mesmo deve ser alterado em conformidade.
Nestes termos e demais de Direito, devem Vossas Excelências, Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, dar provimento ao presente recurso, alterando a qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido foi condenado e, em todo o caso, reduzindo-lhe a pena.

           3. O Ministério Público apresentou resposta em que formula as seguintes,

«CONCLUSÕES:

        

1-        O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.

2-  “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.

3-  São assim, as conclusões quem fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal.

4-         Não contém o Douto Acórdão impugnado qualquer vício que o inquine.

5-        As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais.

6-         O recorrente foi condenado por duas vezes em penas de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Em um dos processos a pena de prisão suspensa na sua execução foi-lhe revogada e no outro foi condenado em pena de prisão efectiva.

 7-        Não deverá ter sucesso a argumentação do arguido ao afirmar que o Tribunal “ a quo” deveria ter valorado a prova produzida em audiência de julgamento e qualificado a actividade ilícita provada como prevista no artigo 25º, do D.L. nº15/93, de 22/1.

  8-       Aliás, considerando o lapso de tempo ao longo do qual vendeu estupefacientes, as centenas de vezes em que traficou e os restantes indícios que constam no Douto Acórdão, não haverá em nosso entendimento, qualquer diminuição considerável da ilicitude, devendo manter-se a qualificação jurídica que consta do Douto Aresto.

 9-  Damos aqui por integralmente escritos os argumentos que constam do Douto Acórdão, com o respeito devido, e que afinal afastam de modo límpido e eficaz a qualificação jurídica pretendida pelo recorrente, devendo ser como foi condenado em 1ª instância como reincidente pela prática em autoria material do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

 

10-      O Douto Acórdão que o arguido impugna não violou qualquer preceito de direito europeu, constitucional ou criminal, uma vez que o arguido foi condenado com base em provas legalmente produzidas, bastantes e adequadas.

A pena de prisão deve ser a “ultima ratio”.

11-       Também nós pensamos que a pena de prisão deve ser a “ultima ratio”, e, é isso que a nossa Lei penal no seu art.70º, preconiza. A este propósito refere o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente.

12-       Ou ainda, como se diz no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:” II - Culpa e prevenção constituem o binómio que preside à determinação da medida da pena, art. 71.º, n.º 1, do CP. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2, do CP.

III - Dentro deste limite, a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, in www.dgsi.pt, Proc. nº 315/11.2JELSB.E1.S1, 1-7-2015.

 14-      Não obstante, sopesado o Douto Acórdão infere-se que foram ponderadas todas as circunstâncias que pesavam a favor e contra o arguido e que o Tribunal “a quo” teve em consideração para a escolha e medida das penas aplicadas aos arguidos todos os critérios referidos nos arts.40º, 50º, 65º 70º e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a pena de 7 anos de prisão pela prática como reincidente de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21°, nº 1, do D.L. 15/93, em sintonia com a culpa do arguido, e sem ter olvidado a sua ressocialização, devendo manter-se nos precisos termos que constam do Douto Acórdão.

15-  Não será despiciendo referir-se que a jurisprudência dos tribunais superiores vem apontando no sentido de não se suspender na sua execução a pena de prisão para os crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. no artigo 21º, do DL 15/93, de 22/1, a título de exemplo veja-se p. favor o sumário do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora:” no Proc.761/14.0GBLLE.E1, de 3-11-2015,

Sumário: Em relação aos crimes de tráfico de estupefacientes da natureza daquele que o recorrente praticou (venda de heroína, em quantidade significativa), e salvo casos em que se verifiquem circunstâncias muito excepcionais, as exigências de prevenção geral são de tal modo elevadas que a suspensão da execução da pena de prisão não constitui punição adequada e bastante, defraudando a expectativa da comunidade na eficácia da norma incriminadora”.

16-Deve manter-se na íntegra o Douto Acórdão recorrido.»

           4. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que igualmente se transcreve:

«1. Do objecto:

 O arguido pretende o reexame da subsunção jurídico-penal dos factos provados, bem como da medida da pena.

 Convocando os acórdãos deste Supremo Tribunal de 07 de Dezembro de 2011 e de 18 de Fevereiro de 2016 defende que os factos provados preenchem o tipo previsto no artigo 25.º do DL15/93. Por outro lado considera a pena excessiva, alegando que actuou num contexto de instabilidade de vida e que os factos remontam ao ano de 2011.

 Peticiona, a final uma pena não superior a 5 anos de prisão.

2. Respondeu o Ministério Público (822-835), defendendo a correcção da subsunção dos factos no art. 21.º, 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, bem como da pena fixada.

 3. Do tráfico de menor gravidade:

 Cremos, como o tribunal recorrido e Ex. mo Procurador da República na sua resposta à motivação, que as circunstâncias indicadas pelo recorrente não têm reflexo numa considerável diminuição da ilicitude.

 Na verdade e como a abundante jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem sufragando o tráfico de menor gravidade “fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma: meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações[7].

 A tipificação do art. 25.º, do DL 15/93, especial em relação ao art. 21.º, n.º 1, inspirada na lei italiana, tem sido interpretada como uma válvula de segurança do sistema com vista a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, no propósito de uma maior maleabilidade na escolha da medida da reacção criminal a aplicar pelo tribunal.

 E, embora a jurisprudência desta última instância tenha normalmente evoluído no sentido de uma interpretação alargada do tipo, os identificadores do crime privilegiado não foram afastados.

 Ora, da matéria de facto dada como provada, resulta, contrariamente ao alegado, que a ilicitude não é consideravelmente diminuída, enquadrando-se, sem dificuldades, no tipo matricial.

 Como se pondera no acórdão recorrido, se bem que as quantidades individuais de estupefaciente traficado não sejam significativas, certo é que o arguido desenvolveu tal actividade desde o início de 2014 até Fevereiro de 2015, com a colaboração, a partir de Novembro de 2014, de CC.

 Por outro lado, esta actividade era regular, como se infere dos consumidores identificados e da inexistência de outros rendimentos lícitos.

 Os estupefacientes transaccionados eram cocaína e heroína, que são dos que revestem maior danosidade para a saúde.

 Assim, e em primeira conclusão, é, quanto a nós, claro que os factos provados se compreendem, sem equívocos, na ilicitude do tipo normal de tráfico do artigo 21.º do Dec.-Lei n.º 15/93, embora numa dimensão menos elevada.

 E no que respeita à medida da pena não se vislumbra, igualmente, qualquer violação dos critérios legais que presidem à sua fixação, mostrando-se inserida na moldura da culpa e na da prevenção.

 Com efeito, situando-se a moldura penal do crime entre 5 anos e 4 meses (por força da reincidência) e 12 anos, a pena de 7 anos, que se situa precisamente no limite superior do primeiro quarto da moldura, não é merecedora de qualquer censura.

 Sublinhe-se que o arguido negou a prática dos factos, e não demonstrou, consequentemente, qualquer arrependimento.

 Em suma: Situando-se a pena de 7 anos de prisão dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do STJ só se justificaria em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (Ac STJ de 29.04.04, proc. n.º 1394.04 5ª[8]), o que não acontece no caso.

4. Pelo exposto entendemos que o recurso não merece provimento.»

            5. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, nada tendo sido dito.

     6. Realizada a conferência (não foi requerido o julgamento do recurso em audiência), cumpre apreciar e decidir.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

            1. Matéria de facto:

            «1. FACTOS PROVADOS

           

     Discutida a causa resultaram provados, com relevância decisão da mesma, e em relação ao arguido que se encontra a ser julgado, os seguintes factos:

1.º Desde data não concretamente apurada, mas seguramente situada pelo menos desde o início do ano 2014 e até ao dia 17 de Fevereiro de 2015, que o arguido AA, também conhecido por «...» cedeu, a troco de dinheiro, cocaína e heroína, a pessoas interessadas na aquisição de tal tipo de substâncias para seu consumo, desenvolvendo a sua actividade nesta cidade de ....

2.º Até pelo menos finais de Novembro de 2014, o arguido AA vendeu directamente produto estupefaciente a indivíduos consumidores de tais substâncias, nomeadamente, aos seguintes:

- BB: que adquiriu ao arguido AA, no período temporal compreendido entre o início de 2014 até Junho do ano de 2014, com a frequência de uma vez por semana o seguinte em cada uma dessas vezes: uma “mucha” de cocaína cozida pelo preço de €10,00; e um saco de heroína pelo preço de €20,00;

3.º O CC, também conhecido pela alcunha de «...», é consumidor de cocaína desde data não concretamente apurada, mas seguramente pelo menos desde o ano de 2010, sendo o arguido AA uma das pessoas que lhe vendia tal tipo de substâncias estupefacientes.

4.º Em meados do mês de Novembro de 2014, CC cedeu, a troco do pagamento mensal da quantia monetária de €125,00, um dos quartos da sua residência, sita na .., ao arguido AA com vista a que este ali passasse a residir.

5.º Situação que se manteve até ao dia 18 de Fevereiro de 2015, data em que o arguido AA, abandonou a aludida residência.

6.º       No período temporal em que o arguido AA habitou na residência de CC, ambos estabeleceram um acordo visando a venda de cocaína e heroína.

7.º       Em resultado de tal acordo, o arguido AA passou a abastecer o CC de heroína e cocaína, visando que este procedesse à entrega de tais substâncias estupefacientes aos indivíduos consumidores que os contactavam, predominantemente por telefone, com o objectivo de adquirir tal tipo de substâncias.

8.º O CC tinha também a incumbência de receber o dinheiro que lhe fosse entregue pelos indivíduos consumidores como forma de pagamento do produto estupefaciente que aquele lhes cedia.

9.º Sendo certo que, como contrapartida, o arguido AA cedia cocaína ao arguido CC visando satisfazer o consumo pessoal deste.

12.º

10.º O arguido AA conhecia a natureza estupefaciente das substâncias que vendia aos indivíduos que os contactavam para esse efeito.

11.º Sendo certo que o mesmo, actuou de forma livre, consciente e deliberada e, bem ainda, estava perfeitamente ciente de que o cultivo, a detenção, venda e cedência de tais substâncias estupefacientes é proibida e punida por lei.

12.º O arguido AA, já anteriormente à prática dos factos acima descritos, havia sido julgado e condenado em pena de prisão efectiva pelo cometimento de factos susceptíveis de integrar ilícitos penais dolosos da mesma natureza daqueles pelos quais se deduz o presente despacho acusatório.

13.º Com efeito, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 7/10.0GASC7, cujos termos correm pela Comarca de ... – Instância Central – Secção Criminal – ..., o arguido AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado no dia 23 de Janeiro de 2012 na pena de quatro anos e oito meses de prisão (efectiva) pela prática:

- Em 20 de Outubro de 2010 e nos dias 14, 15 e 16 de Setembro de 2011, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

14.º Todavia, tal condenação em pena de prisão não foram suficientes para obstar a que o arguido AA cometesse novos ilícitos penais dolosos, nomeadamente, continuasse a se dedicar à actividade de venda de produtos estupefacientes.

15.º Com efeito, o arguido AA, após a sobredita condenação ter transitado em julgado continuou a dedicar-se com regularidade à cedência a terceiros, a troco de dinheiro, de produtos estupefacientes.

16.º Acresce ainda que, no período que mediou a sua condenação no âmbito do sobredito processo comum colectivo e a prática dos factos pelos quais se deduziu acusação não é conhecida ao arguido AA o exercício de qualquer actividade profissional declarada.

17.º A condenação e cumprimento de pena de prisão não constituíram prevenção suficiente da prática pelo arguido AA de futuros crimes e, nomeadamente, da prática do crime de tráfico de estupefacientes.                       

            Mais se provou:

           18.º AA é natural de ... e o mais novo de dois filhos do casal de progenitores. O pai emigrou para Portugal ainda antes do arguido ter nascido, tendo-se revelado uma figura ausente ao longo da sua infância e parte da juventude.

   Entregue aos cuidados dos avós maternos para que a progenitora conseguisse exercer a actividade de vendedora em mercados locais, a manutenção do agregado familiar onde cresceu era assegurada, com acentuadas carências, através da agricultura de subsistência, e a habitação onde o agregado residia não dispunha de saneamento básico, água e electricidade.

           As precárias condições socioeconómicas da família de origem não parecem ter contribuído para que AA progredisse para além do 8º ano de escolaridade, tendo abandonado a frequência escolar com 18 anos. Com essa idade, começou a colaborara nas actividades rurais que asseguravam a subsistência da família, ocupação que manteve até emigrara para Portugal.

           AA chegou a Portugal no final do ano de 2007, tendo sido acolhido por um tio paterno (DD) residente em .... Integrou o agregado deste familiar durante aproximadamente um ano, passando posteriormente a residir com o progenitor. A partir desse momento o arguido passou a ter menos supervisão familiar e desse modo passou a conviver de forma mais regular com indivíduos conotados com comportamentos desviantes tendo iniciado nesse contexto o consumo ocasional de haxixe.

    Em Portugal, o arguido iniciou actividade profissional como servente, na área da construção civil, no entanto o seu desemprenho profissional era irregular e em função de empreitadas de trabalho que surgiam por conta de subempreiteiros do referido ramo profissional. Entretanto regressou durante um período de tempo a ... e já esteve em ..., no ....

   Em Portugal, o arguido manteve residência maioritariamente junto do pai, o qual já cumpriu pena de prisão por crime de homicídio, no ..., conotado com várias problemáticas sociais, entre as quais a delinquência, o desemprego, o consumo e tráfico de estupefacientes. Trabalhava ocasionalmente na construção civil. A mãe de AA reside e trabalha em Lisboa.

            A subsistência do agregado baseava-se no Rendimento Social de Inserção atribuído ao progenitor e no trabalho irregular desempenhado pelo arguido.

    AA fazia-se acompanhar por indivíduos com estilos de vida também pouco funcionais e ligados ao consumo e tráfico de estupefacientes. Beneficia de apoio familiar por parte dos pais.

  A sua situação jurídico-penal teve essencialmente impacto mais negativo ao nível pessoal, pelo facto de estar em contexto prisional e a cumprir pena de prisão, uma vez que a sua situação de vida, à data da prisão, apresentar-se-ia pouco funcional, sem exercer actividade laboral, estando dependente economicamente de familiares.

19.ºNo âmbito do processo n.º 63/09.3PESTB, que correu termos na Vara de Competência Mista de ..., foi o arguido julgado e condenado por acórdão transitado em julgado em 20.09.2010, pela prática em Junho de 2009, de um crime de tráfico de estupefacientes de quantidades diminutas na pena de 3 anos e 2 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo. Tal suspensão foi entretanto revogada, por decisão de 17.09.2012 e transitada em julgado a 05.03.2018.

20.ºNo âmbito do processo n.º 7/10.0GASTC, que correu termos no Juízo de Instancia Criminal da Comarca do ..., foi o arguido julgado e condenado por acórdão transitado em julgado em 23.01.2012, pela prática em 22.04.2010, de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.

21.ºNo âmbito do processo n.º 80/10.0GTSTB, que correu termos no 2º Juízo Criminal de ..., foi o arguido julgado e condenado por decisão transitada em julgado em 23.05.2012, pela prática em 10.10.2009, de um crime de condução e veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa à razão diária de €5,00.

*

 2. FACTOS NÃO PROVADOS

  Consigna-se que foram retirados dos factos supra os exclusivamente atinentes a CC.

   Que o arguido tivesse vendido ao BB desde o ano de 2011 e que lhe tivesse vendido cocaína crua.

   Que o arguido tivesse vendido a EE: que adquiriu ao arguido AA, no período temporal compreendido entre Junho e Agosto de 2013, com frequência diária, cocaína pagando em cada uma dessas ocasiões a quantia de €25,00.          

Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa.

            2. Apreciação

  2.1. Discorda o recorrente da qualificação jurídica dos factos operada no acórdão recorrido em que foi condenado como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pretendendo que a sua conduta seja subsumida ao tráfico de menor gravidade contemplado no artigo 25.º do mesmo diploma.

A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que dispõe[9]:

«1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar fabricar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas ou substâncias, ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.»

Esta previsão legal contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando «um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação».

Consagra-se no citado artigo 21.º, n.º 1, um tipo de crime que, tem sido sistematicamente caracterizado como um crime de perigo comum e abstracto.

Convocando-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454)[10]:

«A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

 Crime de perigo abstracto é o crime que não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para casuar um perigo para um desses bens jurídicos. Os tipos de perigo abstracto descrevem acções que, segundo a experiência conduzem á lesão não dependendo a perigosidade do facto concreto mas si de um juízo de perigosidade geral

 É, assim, de um crime de perigo que tratamos, e de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos designadamente de carácter pessoal, reconduzidos à saúde pública. Finamente é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstancias necessárias para causar um perigo desses bens jurídicos.»

O artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 prevê o crime de tráfico de menor gravidade, estabelecendo que:

«Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

  a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V a VI

   b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.»

Como justificação, em temos dogmáticos, da existência deste tipo legal, tecem-se importantes considerações no acórdão de 19-11-2008, há pouco citado, retomadas no acórdão de 18-02-2016, proferido no processo n.º 35/14.6GAAM – 3.ª Secção, que importa apreender:

 «Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de “considerável diminuição de ilicitude”.

As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios; na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. Na sua essência o que pretende é estabelecer-se a destrinça entre realidades criminológicas distintas que, entre si, apenas têm de comum o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão. Na verdade, o legislador sentiu a aporia a que era conduzido pela integração no mesmo tipo leal de crime de condutas de matriz tão diverso como o tráfico internacional envolvendo estruturas organizativas integradas e produto de quantidades e qualidades muito significativas e negócio do dealer de rua, último estádio de um processo de comercialização actuando isoladamente, sem estrutura, e como mero distribuidor. Num segmento intermédio, mas nem por isso despojado, em abstracto, de significativa ilicitude situa-se o tráfico interno, muitas vezes com uma organização rudimentar (e com tendência a uma compartimentação cada vez maior dificultando a investigação).

Função essencial na interpretação do tipo em questão assume a referência feita pelo legislador no proémio do D.L. 430/83 quando já aí demonstrava a sensibilidade á diversidade de perfis de actuação criminosa dizendo que “Daí a revisão em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer o papel essencial que os dealers de rua representam no grande tráfico. Haverá assim que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que ao invés se force ou use indevidamente uma atenuante especial”.

A relevância de tal pressuposto também é adequada para a prossecução de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º)».

O crime de tráfico de menor gravidade caracteriza-se, assim se tem considerado, por constituir um minus relativamente ao crime matricial, fundamental, ou seja, ao crime do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, apresentando-se, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-11-2014 (Proc. n.º 99/14.2YRFLS – 3.ª Secção), como «um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».

Como também já se dava nota no acórdão de 20-01-2010 (Proc. n.º 18/06.GAVCT.S1 – 3.ª Secção), constitui jurisprudência constante deste Supremo Tribunal o entendimento de que o privilegiamento do crime de tráfico dá-se exclusivamente, em função de uma considerável diminuição da ilicitude do facto.

Como se considera no citado acórdão de 05-11-2014, «a aferição de qualquer situação de tráfico no sentido de saber se se deve ou não qualificar como de menor gravidade não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito.

Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) àquele tipo privilegiado, como vem defendendo este Supremo Tribunal, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo (v. acórdão do STJ de 20-12-2006, proferido no processo n.º 3059/06 – 3ª Secção).

Como este Supremo Tribunal tem entendido, o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão[11].

Os critérios de proporcionalidade que devem estar ínsitos na definição das penas constituem também, como justamente se salienta no acórdão deste Supremo Tribunal de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454), um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».

Acresce, como se pondera no acórdão do Supremo Tribunal de 13-04-2005 (Proc. n.º 05P459), «a densificação da noção de “ilicitude considerável diminuída”, tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular dos casos submetidos a julgamento».

A qualificação diferencial entre os tipos base (artigo 21º, nº 1) e de menor intensidade (artigo 25º) «há-de partir, lê-se no mesmo acórdão, da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso em avaliação, não obstante, segundo modelos objectivos e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária.

A gravidade à escala assim delineada encontra tradução na conformação da acção típica, enquanto não prescinde de a ilicitude, ou seja o demérito da acção típica, na sua expressão de contrariedade à lei, ser consideravelmente reduzida, um acto de repercussão ética de menor gravidade, em função da consideração, além do mais, dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias ou preparações – alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

Essa ponderação, tal como este STJ tem repetidamente afirmado, não prescinde, antes exige, uma valoração global do evento, sem fazer avultar um seu elemento em detrimento do outro».

Perante as considerações expostas, dir-se-á, em síntese conclusiva, que o que distingue o crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, do crime previsto no artigo. 25.º do mesmo diploma, reside na menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo.

Segundo a lei constituem factores relevantes dessa menor ilicitude, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a modalidade e circunstância em que a conduta é realizada, a qualidade e quantidade do produto vendido, entre outros factores que se revelem no caso concreto que possam diminuir a ilicitude da conduta realizada.

Refira-se também que, perante um tipo legal que apresenta o já referido espaço alargado de indeterminação quanto à caracterização da ilicitude como diminuta, se justifica o recurso à jurisprudência para que, com alguma constância e previsibilidade, se possa determinar o que integra a menor ilicitude num comportamento de tráfico de estupefacientes.

Neste domínio, tem-se considerado que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento (neste sentido, o acórdão do STJ de 07-12-2011, proferido no processo n.º 111/10.4PESTB.E1.S1 – 5.ª Secção), avaliando não só a quantidade, como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o «posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina» [acórdão do STJ de 15-04-2010 (proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1 – 3.ª Secção)], a inexistência de uma estrutura organizativa, a ausência de recurso a qualquer técnica ou meio especial, a actuação numa matriz de simplicidade (v. acórdão do STJ de 19-11-2008, já citado).

Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de 02-10-2014, proferido no processo n.º 45/12.8SWSLB.S1 – 5.ª Secção, constituem, entre outros, factores relevantes da menor ilicitude da conduta punida no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a qualidade e a quantidade do produto traficado, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do lucro da venda para aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de clientes contactados e o posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina.

Como também se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal de 26-09-2012 139/02.8TASPS.S1 – 3.ª Secção:

«O crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito.

A título exemplificativo, indicam-se no preceito como índices, critérios, exemplos padrão, ou factores relevantes, de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspectiva global, uma mais ampla e correcta percepção das acções desenvolvidas (actividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental, do artigo 21.º, n.º 1.»

A aplicação do artigo 25.º, que encerra um específico tipo legal de crime, tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

     Ainda segundo o acórdão que se vem acompanhando:

«Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta.

Os índices, exemplos padrão, ou Regelbeispiel, enumerados no preceito, a par de outros, são atinentes uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), ou seja, pertinem todos estes factores ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízo sobre a culpa.

Haverá que proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias.

O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto) do bem jurídico protegido (saúde pública).

Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de pouca importância do facto da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72.º do Código Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.»

Como pondera MARIA JOÃO ANTUNES, o artigo 25.º «exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras fixadas nos artigos 21º e 22º, sob pena de a reacção criminal ser, à partida, desproporcionada», sendo que o legislador «consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adoptando a denominada técnica dos exemplos padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substrato a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição»[12].

O artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93 constituirá, como considera LOURENÇO MARTINS, uma «válvula de segurança do sistema», destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial[13].

2.2. No caso presente, de acordo com a factualidade provada, o recorrente, desde data não concretamente apurada, mas seguramente situada pelo menos desde o início do ano 2014 e até ao dia 17 de Fevereiro de 2015, cedeu, a troco de dinheiro, cocaína e heroína, a pessoas interessadas na aquisição de tal tipo de substâncias para seu consumo, desenvolvendo a sua actividade nesta cidade de Portimão.

Até pelo menos finais de Novembro de 2014, o vendeu directamente produto estupefaciente a indivíduos consumidores de tais substâncias, nomeadamente, a BB, no período temporal compreendido entre o início de 2014 até Junho do ano de 2014, com a frequência de uma vez por semana o seguinte em cada uma dessas vezes: uma “mucha” de cocaína cozida pelo preço de €10,00; e um saco de heroína pelo preço de €20,00, consumidor de cocaína.

Desde meados do mês de Novembro de 2014 até ao dia 18 de Fevereiro de 2015, o recorrente viveu num quarto da residência de CC, que este lhe cedeu, a troco do pagamento mensal da quantia monetária de €125,00, tendo ambos estabelecido um acordo visando a venda de cocaína e heroína.

Em resultado de tal acordo, o arguido AA passou a abastecer o CC de heroína e cocaína, visando que este procedesse à entrega de tais substâncias estupefacientes aos indivíduos consumidores que os contactavam, predominantemente por telefone, com o objectivo de adquirir tal tipo de substâncias.

O CC tinha também a incumbência de receber o dinheiro que lhe fosse entregue pelos indivíduos consumidores como forma de pagamento do produto estupefaciente que aquele lhes cedia.

Sendo certo que, como contrapartida, o arguido AA cedia cocaína ao arguido CC visando satisfazer o consumo pessoal deste.

            Perante estes factos, podemos concluir que o quadro global da situação em apreço é o de o arguido a actuar sozinho até meados de Novembro de 2014 e, a partir daí, com a colaboração de um outro indivíduo que lhe cedera um quarto da sua residência, vendendo cocaína e heroína directamente aos consumidores, que o procuram, desenvolvendo a sua actividade numa área geográfica delimitada (a cidade de Portimão), não procurando “expandir” o negócio para fora daquela área.

            Do elenco da matéria de facto provada consta a identificação de somente dois indivíduos compradores, observando-se forte indeterminação relativamente à quantidade do produto estupefaciente cedido.

 Não foi apreendido ao arguido-recorrente qualquer produto estupefaciente. Também não lhe foram apreendidas somas monetárias, nem bens ou valores que pudessem ser considerados como provenientes da actividade de tráfico ou a associados a tal actividade.

  As vendas de estupefaciente, na maior parte do período temporal considerado, eram feitas pelo arguido AA directamente aos consumidores, tendo-se conseguido identificar dois deles, num modus operandi pautado pela simplicidade, não se observando a utilização de quaisquer meios sofisticados ou a existência de uma «organização» montada para o tráfico. A colaboração prestada pelo BB na actividade de tráfico revela-se incipiente, não surgindo suficientemente caracterizada e com densidade bastante para se lhe conferir uma solidez e estabilidade habitualmente presentes numa estrutura organizada.

            Não foram detectados ao arguido sinais de riqueza.

    A prática do tráfico de estupefacientes após condenação em pena de prisão pela mesma actividade delituosa não impede a subsunção da conduta do arguido no crime de tráfico de pequena gravidade por se tratar de circunstância que respeita à culpa e ao inerente juízo de censura que merece, sendo certo que, como já foi dito, a «atenuação» contemplada no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 é feita em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente.

  Essa circunstância merece evidentemente ser considerada, mas em sede de medida da pena, cuja determinação é um procedimento posterior ao da subsunção dos factos.

  À luz das considerações teóricas que se teceram e dos contributos jurisprudenciais que se recensearam sobre a sua caracterização e face à materialidade provada, consideramos que a mesma integra uma situação de menor gravidade.

  Considera-se, pois, que os factos integram o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.

            2.3. Medida da pena

A medida da pena é a outra questão colocada pelo recorrente, sustentando que «a ser aplicada uma pena de prisão efectiva de prisão […], tal terá de acontecer sempre numa medida próxima da pena mínima abstractamente aplicável, não podendo em caso algum ultrapassar os 5 anos de prisão».

Apreciemos, pois, a questão da determinação da medida da pena correspondente ao crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, no quadro da qualificação jurídica dos factos agora operada.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de acórdão de 15-12-2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1 – 5.ª Secção, convocado no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1- 3.ª Secção):

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências. Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.). Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231). Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»

Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção), «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal, como justamente se dá conta no acórdão que se vem citando, que «na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade».

Sublinhando-se sempre este tipo de crime – tráfico de estupefacientes – postula elevadas necessidades de prevenção geral. A pena a aplicar deverá corresponder às necessidades de tutela dos bens jurídicos em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, cumprindo referir que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo.

Neste conspecto, destaca o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991[14], a pluralidade de bens jurídicos postos em causa por este tipo de ilícitos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública».

Na determinação da medida da pena, que foi fixada em 6 anos de prisão em função da moldura prevista para o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 (pena de prisão de 4 a 12 anos), o acórdão recorrido ponderou as exigências de prevenção e da culpa, referenciando a intensidade do dolo com que actuou o arguido-recorrente – dolo directo – e o elevado grau de ilicitude, referindo-se aí também que o arguido «[p]raticou os factos em apreciação depois de ter sido condenado já por três vezes pela prática do mesmo crime. Pelo menos, desde há 18 anos que o arguido vai praticando sempre o mesmo crime, pelo que seguramente não interiorizou nenhuma das condenações anteriores, sendo que não foram suficientes para o afastar da prática de novos e idênticos crimes.

Fazem-se, assim, sentir elevadíssimas exigências de prevenção especial positiva.

Como já se referiu, são elevadas as necessidades de prevenção geral perante o crime de tráfico de estupefacientes. A actuação por que o recorrente foi condenado – tráfico de estupefacientes – tem consequências pessoais, familiares e comunitárias muito negativas.

Por outro lado, não podemos deixar de sublinhar negativamente o facto de o recorrente já ter sido condenado em pena de prisão pela prática de crime da mesma natureza, circunstância reveladora de uma indiferença relativamente a tal condenação, perfilando-se particulares exigências de prevenção especial na determinação da pena.

Perante todo o exposto, e tendo presente a agravação decorrente da reincidência, perante uma moldura penal abstracta de 1 ano e 4 meses a 5 anos de prisão – artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal – considera-se adequada uma pena de 3 anos de prisão, medida que respeita os critérios legais enunciados, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado (finalidade de prevenção geral de integração), mostra-se ajustada à culpa do recorrente pelos factos praticados, que é elevada, e responde às necessidades de prevenção especial de socialização.

2.4. Suspensão da execução da pena

A pena aplicada ao arguido, porque não superior a 5 anos, poderia ser suspensa na sua execução desde que verificado o pressuposto material enunciado no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal

            De acordo com esta disposição, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da pena é, segundo M. MIGUEZ GARCIA e J.M. CASTELA RIO, «que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida. À sua conduta anterior ou posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua na sentença por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente no domínio das normas penais. Não bastam considerações ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto. O prognóstico favorável vai exclusivamente ao encontro da ideia de socialização em liberdade (prevenção especial de socialização), de afastar o delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A suspensão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as finalidades da punição, portanto, de defesa do ordenamento jurídico»[15].

Ora, no caso sub judice, a culpa do arguido e as circunstâncias concretas da prática dos factos, tal como a inexistente motivação evidenciada para se afastar da senda do crime, não permitem formular a seu favor aquele juízo de prognose favorável quanto à sua conduta posterior que permita concluir que a simples ameaça da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

No caso, consideramos, pois, não haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que tal se não afigura adequado e suficiente para assegurar as finalidades da punição, nomeadamente as atinentes à prevenção do cometimento de futuros crimes, tendo presente a situação de reiteração da conduta do arguido.

Por outro lado, há a considerar as exigências de prevenção geral de integração da norma e de protecção dos bens jurídicos que são particularmente intensas e prementes no crime de tráfico de estupefacientes.

Termos em que não se determina a suspensão da execução da pena aplicada, que o próprio recorrente, aliás, não solicitou.

            III – DECISÃO

     Nestes termos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça – 3.ª Secção – em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA:

           a)        Revogando-se o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

   b)      Condenando-se o arguido pela prática do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 3 (três) anos de prisão;

            Sem custas (artigo 513.º, n.º 1, do CPP)

            Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Dezembro 2018

          (Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

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[1]     FERNANDO GAMA LOBO, Droga – Legislação. Quid Juris, Sociedade Editora, 2006, p. 65 e 66.
[2]              Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9961da644ecd915e8025795200362d57?OpenDocument
[3] Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0d5a0c6991279928025799e003c8c90?OpenDocument

[4]              Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/6D777D1088520B4C80257F5E0032667C

[5] Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9961da644ecd915e8025795200362d57?OpenDocument


[6] Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0d5a0c6991279928025799e003c8c90?OpenDocument

[7] Ac. STJ, de 24.11.99, Proc. n.º 1029/99
[8] No mesmo sentido: Ac. STJ de 29.04.04, proc. n.º 1114.04, 5ª, onde se decidiu que respeitados os parâmetros legais de doseamento concreto, existe sempre uma margem de liberdade do juiz praticamente insindicável.
[9]              Acompanha-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-10-2016 (Proc. n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1 – 3.ª Secção, relatado pelo agora relator, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Boletim anual – 2016, Assessoria Criminal.
[10]   Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais que se citarem sem outra indicação quanto à respectiva fonte.
[11]  V. acórdãos do STJ de 10-09-2014 (Proc. n.º 278/12.7GBSCD.C1.S1 – 3.ª Secção, e de 05-11-2014, já citado no texto, que agora se acompanha.
[12]   Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª instância, Comentários, 1993, pág. 296.
[13]             Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável.
[14] Doutrina reafirmada nos acórdãos n.os 10/99, de 10 de Fevereiro de 1999, e 319/2012, de 20 de Junho de 2012, todos acessíveis no sítio Internet em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[15]             Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 334.