Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
111/10.4PESTB.E1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário :
I - O art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, sendo o tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes, pressupõe actos de tráfico de significativo relevo, de média e grande escala, de uma expressão de ilicitude de assinalável dimensão, que ponham em perigo em grau médio ou elevado os bens jurídicos protegidos pela incriminação.

II - No tipo privilegiado do art. 25.º do DL 15/93 coloca-se o acento tónico na diminuição acentuada da ilicitude, em relação àquela que está pressuposta no tipo-base do art. 21.º. Essa diminuição acentuada da ilicitude depende da verificação dos pressupostos, que ali são descritos de forma exemplificativa, como é inculcado pelo advérbio nomeadamente.

III - Essa apreciação tem de ter em vista uma ponderação global das circunstâncias que relevem do ponto de vista da ilicitude e que tornem desproporcionada a punição do agente, naquele caso concreto, pelo art. 21.º. É necessário analisar a conduta globalmente na interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude.

IV - Conforme se escreveu no Ac. do STJ de 15-04-2010, Proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1, impõe-se a “avaliação global da situação de facto em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e o posicionamento do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes”.

V - Entre 14-10-2008 e 10-11-2010 o arguido foi surpreendido por três vezes com quantidades de droga destinadas, pelo menos em parte, à venda (da primeira vez, 15,279 g de cocaína e 1,059 g de heroína; da segunda vez, 4,854 g de cocaína e 2,715 g de heroína; da terceira vez, 0,375 g de cocaína e 3,160 g de heroína). Tais quantidades somadas, dão, no conjunto, uma quantidade com maior relevo, mas nada que se assemelhe a um grande traficante.

VI - Como não se surpreende qualquer tipo de organização e são muito pouco expressivas as quantias monetárias apreendidas ao arguido, ele próprio consumidor das drogas que trazia consigo, é desproporcionada a sua punição pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93.

VII - Na decisão recorrida considerou-se que o arguido praticou um único crime de trato sucessivo. Mas como as três condutas estão muito distanciadas temporalmente umas das outras, não é possível sustentar que obedeceram à mesma resolução criminosa, que o arguido, ao longo do tempo, não tenha renovado sucessivamente a intenção de reiterar esses actos. Deste modo, a conduta do arguido consubstancia a prática de três crimes de tráfico de menor gravidade do art. 25.º, n.º 1, al. a), do DL 15/93, de 22-01.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO
1. Na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, foi julgado, com outro, o arguido AA, identificado nos autos, e condenado por acórdão de 07/07/2011:
- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão.

2. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Porém, neste Tribunal, foi proferida decisão sumária a considerar competente para o conhecimento do recurso o Supremo Tribunal de Justiça, dado tratar-se de uma decisão do tribunal colectivo, a pena aplicada ser superior a 5 anos de prisão e as questões levantadas serem exclusivamente de direito.
No recurso interposto, com efeito, o arguido apenas coloca questões de direito relativamente ao crime principal por que foi condenado – o crime de tráfico de estupefacientes – questões que se sumariam deste modo, ante a extensão escusada das conclusões:
1. Qualificação jurídica dos factos, pretendendo o recorrente enquadrar a sua conduta no art. 25.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/01, dada a pequena quantidade das substâncias encontradas nas três vezes a que se referem os factos provados – quantidades essas que, ao chegar ao consumidor, já teriam muito pouco do correspondente princípio activo, por efeito do corte operado nas mesmas substâncias, acrescendo o facto de não terem sido transaccionadas e haver um hiato de tempo considerável entre os diversos actos, não haver sinais de qualquer rede ou organização e o irrisório das quantias apreendidas, a considerar que as mesmas eram produto de vendas efectuadas;
2. Medida da pena imposta, isto a aceitar-se a qualificação efectuada, pois o tribunal “a quo” não valorou a diminuta quantidade das substâncias encontradas na posse do arguido, o facto de o arguido ser consumidor das drogas que detinha e as demais circunstâncias atrás referidas.

3. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal “a quo”, concluindo:
1ª- O recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de droga do art. 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22/1, tendo-se decidido que os factos provados integravam um só crime;
2ª- No entanto, considerando os factos provados no douto acórdão, verifica-se que entre as três condutas integradoras do crime decorreram cerca de 7 meses e mais de um ano, o que pode levar à conclusão de que se deve afastar a unificação de condutas num só crime;
- Assim sendo, esta decisão poderá levar a considerar que os factos provados integram antes a prática de três crimes de tráfico de droga de menor gravidade, considerando cada um dos casos isoladamente, o que implicaria a aplicação de pena de prisão, eventualmente diferente;
4ª- Na questão do enquadramento jurídico-penal dos factos no âmbito do art. 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93 ou no âmbito do crime de tráfico de menor gravidade do art. 25º do mesmo diploma legal, deve ter-se sempre presente o caso em concreto;
- Na verdade, embora a jurisprudência do STJ sobre a questão forneça os critérios interpretativos para a sua resolução, deve atender-se à forma como o agente infringiu os bens jurídicos tutelados neste crime, de molde a concluir-se pela existência de uma situação de considerável diminuição da ilicitude da conduta;
6ª- No caso dos autos, o douto acórdão decidiu que os factos provados integravam a prática pela recorrente do crime de tráfico de droga do art. 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, em virtude da quantidade dos produtos apreendidos, a qualidade e diversidade desses produtos e a modalidade da acção revestirem maior gravidade dentro do tipo de ilícito, entendendo-se que a gravidade dos factos não permite formular um juízo de menor desvalor da acção;
- Na verdade, considerando o conjunto dos factos provados, a forma como o recorrente desenvolveu a sua actividade, a quantidade e tipos de droga em causa e a persistência criminosa, bem andou o douto acórdão ao integrar a sua actividade no crime de tráfico de droga do art. 21º, nº1 do D.L. nº 15/93;
- O recorrente discorda da pena embora não expresse qual a pena que deveria em concreto ser aplicada, no caso de condenação pela prática do crime de tráfico de droga do art. 21º, nº1 do D.L. 15/93;
- Atendendo à moldura penal aplicável (pena de 4 a 12 anos de prisão), a pena aplicada – abaixo do limite médio da pena – mostra-se justa e adequada, em vista dos critérios legais do art. 71º do Código Penal e perante as necessidades de prevenção geral e especial evidenciadas no caso em apreço;
10ª- A forma como foram atingidos os bens jurídicos tutelados nesta criminalidade, a continuação dos actos integradores do crime em apreço e o modo como os factos foram praticados, impõe que, dentro da moldura penal, se aplique pena não inferior ao limite médio da pena;
11ª- A isto acresce a fraca integração social do agente, o dolo directo e a falta de juízo crítico, o que denota dificuldades na sua reintegração social;
12ª- Por último, há que anotar que as circunstâncias invocadas pelo recorrente para a aplicação de pena inferior (quantidades de drogas apreendidas e situação pessoal do mesmo) foram ponderadas na decisão, mas as mesmas não têm valor atenuativo bastante para a alteração peticionada da pena que em concreto deve ser aplicada;
13ª- O douto acórdão, na parte impugnada pelo recorrente, não violou qualquer norma legal, devendo ser mantida a pena de prisão aplicada.

4. No Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público emitiu parecer em que sustentou a bondade da decisão recorrida, pese embora não concordar com a consideração expendida em sede de determinação concreta da pena de que o arguido, «pelo menos desde 14 de Outubro de 2008 até ser detido e sujeito a prisão preventiva, a 10 de Novembro de 2010, procedia à venda de produto estupefaciente», pois o que está provado é a detenção pelo arguido para venda, por três vezes, de várias quantidades de produtos estupefacientes de diferente qualidade. Para tanto, no que respeita à qualificação do crime, teve em mente a quantidade de embalagens, a natureza do estupefaciente e a indefinição dos destinatários, demonstrando ser «pessoa inserida no tráfico».
E, pelo que respeita à medida da pena, avalizou a justeza dos critérios seguidos, anotando que o facto de o arguido ser toxicodependente, sem ter evidenciado qualquer propósito de tratamento «denota uma imperfeita assunção do desvalor do seu comportamento, e dificuldades de integração, legitimando a conclusão sobre um prognóstico altamente desfavorável sobre a sua evolução.»

5. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão, não tendo sido requerida a audiência de julgamento.



II. FUNDAMENTAÇÃO
6. Matéria de facto
6.1. Factos dados como provados:
1. No dia 14 de Outubro de 2008, pelas 1h 30m. na Av. B... H..., na zona de V... M... na B... V..., nesta cidade de S..., os arguidos seguiam no veículo de matrícula ...-...EH, de marca H..., modelo C... que era conduzido pelo arguido BB.
2. Ao aperceber-se da presença naquele local de uma viatura policial o arguido BB imprimiu maior velocidade ao veículo visando escapar a eventual intercepção pelos Agentes da PSP seguindo na direcção da Estrada da G... onde passou a circular.
3. Depois de efectuadas várias ordens de paragem pela PSP visando a abordagem do condutor do veículo, ainda na Av. B... H..., o arguido AA arremessou pela janela da frente, lado direito do veículo, dois objectos.
4. Uns metros mais à frente, já na Estrada da G... este arguido voltou a atirar para a estrada mais um objecto.
5. Acabaram por ser interceptados ainda na Estrada da G... junto a um bairro abarracado que ali existe e depois de insistentes ordens de paragem proferidas pelas agentes da PSP que não os perderam de vista, ordens efectuadas através do altifalante do veículo da PSP.
6. Identificados os objectos que o arguido AA atirou pela janela, logo na Av. B... H..., verificou tratarem-se de: um porta-moedas contendo no seu interior vinte e quatro saquetas de um pó branco, dez saquetas de um produto em pedra e outra pedra do mesmo produto, mas envolta em prata, com o peso de 7,98 gramas e uma embalagem de plástico verde contendo quatro saquetas de um pó branco quinze outras saquetas com o mesmo produto mas mais pequenas com o peso total de 10.25 gr. e mais seis saquetas de um pó acastanhado com o peso de 1.39 gr.
7. Na Estrada da G... identificou-se o objecto lançado pelo arguido AA como sendo uma navalha com 27 cm de comprimento, sendo 12 cm de lâmina, com travão e cabo de plástico a imitar madeira e com a gravação “Ambujar Spain”.
8. Submetidos os produtos apreendidos a exame laboratorial no Laboratório de Polícia científica da Polícia Judiciária em Lisboa revelaram tratar-se de:
-24 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato) com um peso total liquido de 5.402 gr;;
-4 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato) com um peso total liquido 4,763 gr;
-10 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato) com um peso total liquido de 3,320 gr;
-10 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato) com um peso total liquido 0,585 gr;
-1 prata contendo cocaína (cloridrato) com um peso total liquido 0,180 gr;
-8 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato) com um peso total liquido de 0,440 gr;
-5 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato) com um peso total liquido de 0,769 gr;
-6 embalagens de plástico contendo heroína com um peso total liquido de 1,059 gr;
9. O arguido AA tinha também na sua posse: um telemóvel de marca Nokia 1600, uma nota de 20,00 euros; quatro notas de 10,00 euros; duas notas de 5,00 euros.
10. No dia 4 de Maio de 2009 pelas 12h10 no Largo J... J... C..., na zona da B... V... em S... o arguido AA foi detectado por elementos da PSP quando patrulhavam esta zona conhecida nesta cidade de Setúbal por ser um local muito frequentado por indivíduos que ali se deslocam para vender produtos estupefacientes procurados por outros que ali vão com o propósito de adquirirem tais produtos.
11. Ao aperceber-se da chegada da viatura policial àquele local o arguido AA retirou um objecto de um bolso das calças que arremessou para o chão, próximo de onde se encontrava, e desatou a correr sendo interceptado por elementos da PSP que o perseguiram na Rua E... de Q... no estabelecimento comercial denominado “A B...”.
12. O dito objecto tratava-se de um plástico de cor branco que continha 16 embalagens de um pó branco e 11 embalagens de um outro pó.
13. Submetidos estes produtos a exame laboratorial no Laboratório de Polícia científica da Polícia Judiciária em Lisboa revelaram tratar-se de:
-16 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato) com um peso total liquido 4,845 gr;
-11 embalagens de plástico contendo heroína com um peso total liquido de 2,715 gr.
14. O arguido Landim trazia ainda consigo uma nota de 20,00 euros; duas notas de 5,00 euros; duas moedas de 2,00 euros; uma de 1,00 euro; duas de 20 cêntimos e uma de 10 cêntimos.
15. O arguido AA pretendia vender estes produtos a indivíduos que para o efeito o procurassem naquele local, bem sabendo da ilicitude da tal conduta.
16. No dia 10 de Novembro de 2010, cerca das 20h30 no interior do café B... P..., situado na Avenida B... de J... C..., nº ..., Loja ..., em S..., o arguido AA ao ser abordado por agentes da PSP no âmbito de acção de fiscalização atirou para o chão uma embalagem de cor preta que continha no seu interior 15 saquetas que desde logo se suspeitou tratar-se de produto estupefaciente
17. Tal embalagem foi de mediato recolhida pelos agentes da PSP.
18. Submetido o produto apreendido ao arguido a exame laboratorial no Laboratório de Polícia Científica (LPC) apurou tratar-se de:
- 9 embalagens contendo heroína com um peso total liquido de 3.160 gramas;
- 6 embalagens de cocaína (cloridrato ) com um peso total liquido de 0.375 gramas.
19. O arguido tinha também na sua posse: um telemóvel de marca Nokia, modelo X3, um telemóvel marca Nokia de cor cinza, um auricular de marca Nokia; duas notas de 20,00 euros; duas notas de 10,00 euros; duas notas de 5,00 euros; uma moeda de 1 00 euro; uma moeda de 50 cêntimos; uma moeda de 20 cêntimos; duas moedas de 10 cêntimos.
20. O arguido AA conhecia as características e composição química das substâncias que detinha e transaccionava.
21. Sabia que não podia adquirir, transportar, vender ou, por qualquer forma, ceder ou deter tais substâncias pois para tal não estava autorizado.
22. Sabia ainda ser proibida e punida por lei a posse da navalha que também transportava no veículo em que seguia, conhecendo da sua perigosidade e características letais.
23. Agiu sempre de forma livre e consciente bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas e são punidas por lei.

Mais se apurou que:
24. O arguido AA nasceu em Cabo Verde tendo emigrado para Portugal em Abril de 2007 onde se integrou no agregado familiar da mãe e dos irmãos.
25. É mais novo dos três filhos da relação conjugal dos seus pais. Após o seu nascimento ficou entregue aos avós maternos porque a mãe veio viver para Portugal onde teve mais três filhos.
26. Abandonou os estudos aos 15 anos de idade com o 4º ano de escolaridade, tendo se mantido ocupado nas actividades de agrícolas de subsistência até aos 20 anos idade, data em que passou a trabalhar na construção civil.
27. Tem dois filhos que vivem em Cabo Verde.
28. Em Novembro de 2007 foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem do processo nº 142/07.1PFSTB, desta Vara Mista, tendo em Julho de 2008 sido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período.
29. Após ter sido libertado voltou a viver em casa da mãe realizando ocasionalmente trabalhos na construção civil.
30. Retomou nessa altura o consumo de estupefacientes – haxixe, cocaína e heroína.
31. Em 05 de Maio de 2009 foi sujeito à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica à ordem do Processo 124/09.9PFSTB (apenso aos presentes autos), tendo violado a medida imposta em 07 de Maio de 2009, ausentando-se para paradeiro incerto.
32. Antes de ser detido à ordem dos presentes autos, o arguido residia em casa da mãe com o padrasto e duas irmãs mais novas. Efectuava alguns trabalhos ocasionais mas sem continuidade até porque continua em situação ilegal neste país.
33. Em liberdade pretende ir viver com a mãe e o padrasto actualmente a trabalham em França.
34. Apresenta reduzido juízo crítico e persistente desresponsabilização em relação aos factos de que se encontra acusado que não assume.
35. O arguido AA foi condenado:
-por decisão de 22.07.2008, transitada em 12.09.2008, da Vara Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, pela prática em 18.11.2007, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período.
(…)

6.2. Factos dados como não provados:
(…)
- Os arguidos actuaram em execução de plano prévio e comum, pretendendo vender aquele produto estupefaciente e fazendo-se para o efeito transportar naquele veículo automóvel.
(…)

7. Questões a decidir:
- A qualificação jurídica dos factos
- A medida da pena.

7.1. O arguido começa por pôr em causa a qualificação jurídica dos factos dados como provados, pretendendo o seu enquadramento pelo art. 25.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/01.
O art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, sendo o tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes, pressupõe, a avaliar pelos elevados limites da moldura penal aplicável, actos de tráfico de significativo relevo, de média e grande escala, ou, por outras palavras, de uma expressão de ilicitude de assinalável dimensão, pondo em perigo (visto que se trata de um crime de perigo abstracto) em grau médio ou elevado, os bens jurídicos protegidos com a incriminação: a saúde e a integridade física e psíquica dos cidadãos, ou, em termos sintéticos, a saúde pública.
Assim é que, ao lado desse tipo-base, a lei prevê outras situações em que o grau de perigo das condutas proibidas não atinge o patamar de ilicitude requerido pelo tipo-base, como é o caso do tipo privilegiado do art. 25.º do referido DL, ou em que, pelo contrário, as condutas proibidas se revestem de uma especial gravidade, acima do padrão pressuposto pelo tipo-base, requerendo, por isso, um agravamento em termos de punição. É o caso do tipo agravado do art. 24.º
Considerando o primeiro caso, dispõe o art. 25.º : «Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto for consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) – Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias compreendidas na tabela IV.»
Neste tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes, coloca-se o acento tónico na diminuição acentuada da ilicitude, em relação àquela ilicitude que está pressuposta no tipo-base descrito no art. 21.º Essa diminuição acentuada depende, nos termos da referida norma, da verificação de determinados pressupostos, que ali são descritos de forma exemplificativa, que não taxativa, como é inculcado pelo advérbio nomeadamente ( «tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações …»)
Na avaliação da ilicitude, em termos de poder ser tida como consideravelmente diminuída, haverá que ponderar conjugadamente os diversos factores ou circunstâncias que a lei refere e, eventualmente, outros que tenham idêntico valor ou significado, como se salientou no Acórdão 20/2/97, Proc. n.º 966/96, relatado pelo Conselheiro Armando Leandro, no qual, para além do mais, se escreveu: «Se a estatuição das penas tem de obedecer, constitucionalmente, à regra da proporcionalidade, haveremos de convir que aquela medida abstracta a do art. 25.º, a) do DL 15/93 há-de corresponder a situações graves, mas, evidentemente, não tão graves – ou muito menos graves - do que aquelas que o tráfico de estupefacientes, segundo o padrão típico pressuposto pelo legislador, pressupõe».
Este acórdão, que foi pioneiro na abertura de novos horizontes hermenêuticos no que se refere à problemática jurídica da interpretação dos vários tipos legais de tráfico, foi densificado, no aspecto teórico, por vária jurisprudência posterior: Acórdãos de 12-07-2000, Proc. n.º 266/00, da 3.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Virgílio Oliveira; de 31-01-2002, Proc. n.º 4264/01 e de 27-06-2002, Proc. n.º 2122/02, (ambos da 5.ª Secção e relatados pelo Conselheiro Carmona da Mota), salientando o último o esvaziamento completo que a jurisprudência tradicional fez do art. 25.º, remetendo, em interpretação contra legem, todas as situações para o art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, jurisprudência esta que passou a ser seguida, maioritariamente, por este Tribunal (entre muitos outros, vejam-se os acórdão de 13-04-2005, Proc. n.º 466/05 e de 3/11/2004, Proc. n.º 3298/04, ambos da 3.ª Secção e relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar, o último deles publicado na CJ.- Acórdãos do STJ, T. 3.º - 2004, p. 217 e segs.; de 3/11/2005, Proc. n.º 2522/05, da 5.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Costa Mortágua, Sumários dos Acórdãos do STJ, n.º 95. p. 134; de 3/11/2004, de 29 de Março de 2007, Proc. n.º 149-07, relatado pelo mesmo relator deste processo e, mais recentemente, o acórdão de 15 de Abril de 2010, Proc. n.º 17-09.0PJAMD.L1.S1, da 3.ª secção, relatado pelo Conselheiro Maia Costa, no qual se dá conta de uma vastíssima jurisprudência sobre a matéria, que, apesar de algumas oscilações concorda no fundamental: avaliação global da situação de facto em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e o posicionamento do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes).
Por conseguinte, a apreciação a que há que proceder tem de ter em vista uma ponderação global das circunstâncias que relevem do ponto de vista da ilicitude e que tornem desproporcionada ou desajustada a punição do agente, naquele caso concreto, pelo art. 21.º do referido decreto-lei, já que o art. 25.º é justamente para situações de tráfico de estupefacientes, mas em que esse tráfico se não enquadra nos casos de grande e média escala, a que corresponde a grave punição expressa na respectiva moldura penal.
Ora, em primeiro lugar, as circunstâncias relevantes têm de o ser, desde logo, no âmbito da ilicitude e, em segundo lugar, têm de ser vistas no seu efeito global e substancial, e não de per si, de um ponto de vista formal, principalmente se coincidem com alguma das enumeradas na lei, de forma a que, havendo coincidência entre uma das aí previstas e uma das circunstâncias provadas, se pudesse afirmar, quase como uma consequência automática, a diminuição acentuada da ilicitude.
Assim, não é o facto de se ter provado uma determinada qualidade de droga, nomeadamente uma das ditas «leves», que deve conduzir o tribunal ao julgamento de «considerável diminuição da ilicitude», para efeitos de enquadramento da conduta no tipo privilegiado. Como também não é o facto de estar em causa uma certa quantidade pressupostamente pouco significativa, ou uma determinada modalidade de acção que é determinante para tal efeito. Inversamente, não é o facto de estarmos em presença de uma droga das consideradas «duras», que exclui o tipo privilegiado. É necessário, como se disse, analisar a conduta globalmente, na interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude.
No caso sub judice, o arguido foi surpreendido por três vezes (em 14 de Outubro de 2008, 4 de Maio de 2009 e 10 de Novembro de 2010) na posse das seguintes quantidades de droga:
- da primeira vez: 15,279 grs. de cocaína e 1,059 grs. de heroína (pesos líquidos);
- da segunda vez: 4,854 grs. de cocaína e 2,715 grs. de heroína (pesos líquidos);
- da terceira vez: 0,375 grs. de cocaína e 3,160 grs. de heroína (pesos líquidos).
È evidente que se tratou sempre de drogas duras (cocaína e heroína), de grande efeito nocivo para a saúde dos consumidores e de grande danosidade social. Todavia, as quantidades não se podem dizer elevadas, embora também não sejam diminutas (pelo menos parte delas). São, no conjunto, quantidades pequenas, consentâneas com a capacidade do pequeno retalhista, na modalidade de venda directa ao consumidor final.
No período de tempo considerado na matéria de facto provada, ou seja de 14 de Outubro de 2008 a 10 de Novembro de 2010, o arguido foi surpreendido naquelas três vezes com várias quantidades de droga destinadas, pelo menos em parte, à venda Na decisão recorrida, na parte relativa às considerações de direito, vem afirmado que “em três datas distintas, o arguido AA detinha heroína e cocaína (em pó e em pedra), produtos estupefacientes incluídos nas tabelas I-A e I-B, anexas ao D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, acondicionado em pequenas embalagens e que destinava à venda”.
No entanto, não parece ser isso o que resulta da matéria de facto provada e não provada. Tal só vem afirmado relativamente aos factos ocorridos em 04-05-2009, dando-se depois como provado no art. 20.º que “o arguido conhecia as características e composição química das substâncias que detinha e transaccionava” e, nos factos não provados, relativamente à ocorrência de 14/10/2008, que não ficou provado que “os arguidos actuaram em execução de plano prévio e comum, pretendendo vender aquele produto estupefaciente e fazendo-se para o efeito transportar naquele veículo automóvel”.
Tais quantidades, somadas, como se fez na decisão recorrida, dão, no conjunto, uma quantidade com maior relevo, ainda assim, nada que se assemelhe a um grande traficante desses produtos, mas, de qualquer forma, não nos parece que se devam somar as pequenas quantidades detidas ou vendidas para se chegar à conclusão de que se tratava de um traficante com as características do traficante-padrão pressuposto pelo art. 21.º do DL 15/93 (Cf. o recentíssimo Acórdão de 23/11/2011, Proc. n.º 127-09.3PEFUN.S1, da 5.ª Secção, que teve como relator o Conselheiro Santos Carvalho e como um dos adjuntos o aqui relator, que, todavia, não acompanhou toda a sua fundamentação, tendo feito uma declaração de voto. Aí descrevem-se várias situações ou exemplos-padrão, das quais discordamos, mas onde se podem colher alguns índices relevantes para aferição do pequeno tráfico).
Uma mercearia que venda a retalho pequenas quantidades de cada vez não se transforma num supermercado pelo facto de, no fim do ano ou de vários anos, ter vendido quantidades assinaláveis. É sempre uma mercearia a retalho. O merceeiro não tem capacidade, nem clientela que lhe permitam adquirir vastas quantidades de cada vez e criar um grande abastecimento de produtos. Tem de recorrer aos fornecedores tantas vezes quantas as possibilidades que tenha de adquirir novos produtos e reabastecer o seu pequeno armazém. Assim se passam as coisas com o pequeno traficante de droga.
No caso, o arguido era um pequeno traficante, não se podendo, todavia, dizer, como na decisão recorrida, na parte relativa às considerações jurídicas, que o mesmo, «pelo menos desde 14 de Outubro de 2008 até ser detido e sujeito a prisão preventiva a 10 de Novembro de 2010, procedia à venda de produtos estupefacientes.» O mais que se pode afirmar é que, entre aquelas duas datas, o arguido, por três vezes, deteve as quantidades de heroína e cocaína assinaladas, parte delas para venda.
Acresce que, relativamente aos meios utilizados, também não se surpreende no caso qualquer tipo de organização. O arguido, aparentemente, actuava sem outros meios que não fossem ele próprio, socorrendo-se eventualmente da «boleia» de um amigo, como foi o caso do transporte, na primeira das vezes referidas, no carro conduzido por BB , sucedendo que este último foi absolvido dos crimes imputados neste processo, não se tendo provado que detivesse os produtos estupefacientes e que tivesse actuado em conjugação de esforços e em execução de plano prévio com o arguido.
As quantias que ao arguido foram apreendidas são igualmente muito pouco expressivas: € 70,00 da primeira vez; € 33, 30 da segunda vez; € 71, 80 da terceira vez.
Assinale-se ainda que o arguido era consumidor das drogas que trazia consigo e, por isso, se poderia sentir impulsionado para o tráfico como modo de obter meios para sustentar o seu próprio consumo, sendo certo que vivia em casa da mãe e é imigrante cabo-verdiano, realizando ocasionalmente trabalhos na construção civil.
O arguido foi surpreendido com uma navalha de 27 cms. de comprimento da primeira vez que foi apanhado pela polícia, mas tal facto não nos parece que acentue a ilicitude do facto, pois não se provou que o referido instrumento fosse para ser usado como meio de agressão e não antes como instrumento de corte das substâncias de que era portador.
Tudo globalmente considerado, entende-se que a punição do facto pelo art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 é desproporcionada, pois o referido tipo matricial pressupõe, como já foi assinalado, o médio e o grande tráfico e, no caso, a ilicitude mostra-se consideravelmente diminuída, atenta a ponderação global que se fez das circunstâncias relevantes para tal qualificação.

7.2. Na decisão recorrida, considerou-se que o arguido praticou um único crime, recorrendo-se à teoria do crime de trato sucessivo, “o qual se caracteriza pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime”. Todavia, as três condutas do arguido estão muito distanciadas temporalmente umas das outras. A primeira ocorreu em 14 de Outubro de 2008, a segunda praticamente 7 meses depois (4 de Maio de 2009) e a terceira, um ano e meio após aquela (10 de Novembro de 2010), tudo isto ao longo de dois anos. Ora, não é possível sustentar, face às demais circunstâncias que rodearam a prática das infracções, que as referidas três condutas obedeceram à mesma resolução criminosa. Por outras palavras: não se concebe, nesse contexto, que o arguido, ao longo do tempo referido, não tenha renovado sucessivamente a intenção de reiterar a conduta. Além disso, não resulta da matéria de facto provada (antes pelo contrário) que o arguido tenha, de uma vez por todas, decidido praticar aqueles três actos, sucessivamente e ao longo de um tempo tão esparso, tanto mais que, em 05 de Maio de 2009 foi sujeito à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica à ordem do Processo 124/09.9PFSTB (apenso aos presentes autos), tendo violado a medida imposta em 07 de Maio de 2009, ausentando-se para paradeiro incerto, como resulta do facto dado como provado sob o n.º 31.
Por conseguinte, o arguido praticou os três assinalados factos de forma distinta e autónoma, renovando em cada um deles o processo de resolução criminosa, visto que “agiu sempre de forma livre e consciente bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas e são punidas por lei [facto provado sob o n.º 23].
São, pois, três os crimes praticados – três crimes de pequeno tráfico, ou de tráfico de menor gravidade – como alvitrou o Ministério Público junto do tribunal “a quo”.

7.3. Encarando agora a medida da pena:
Esta é determinada concretamente em função da culpa e das exigências de prevenção, levando-se em conta determinados factores, que não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, quer esses factores estejam previstos, quer não previstos legalmente (art. 71.º, n.ºs 1 e 2 do CP).
A pena tem como principal finalidade a tutela dos bens jurídicos, a que está ligada a função de prevenção geral positiva, não podendo todavia ultrapassar a medida da culpa, e também a reinserção social do condenado, a que está ligada a função de prevenção especial ou de socialização (art. 40.º, n.ºs 1 e 2 do CP).
No caso, a moldura penal abstracta, dentro da qual nos temos que mover para a determinação concreta da pena, obedecendo às apontadas finalidades da punição e levando em conta os factores ou índices relevantes, tem um mínimo de 1 ano de prisão e um máximo de 5 anos.
Antes de mais, convém acentuar que a diminuição acentuada da ilicitude, derivada da quantidade dos produtos estupefacientes, da modalidade da venda, dos bens e quantias apreendidos, etc., tudo isso foi considerado precisamente na requalificação dos factos, subsumindo-se as condutas ao tipo de tráfico de menor gravidade do art. 25.º, alínea a) do DL 15/93.

As circunstâncias referidas fazem parte do tipo legal de crime, pelo que não podem ser valoradas novamente na determinação concreta da pena, no âmbito dos factores que a lei manda relevar para tal efeito (art. 71.º, n.º 2 do CP: «Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele ...)

O princípio assim plasmado legalmente conexiona-se com a chamada «proibição da dupla valoração», que FIGUEIRREDO DIAS explicita desta forma: (...) «a concreta circunstância que deva servir para determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena não deve ser de novo valorada para quantificação da culpa e da prevenção relevantes para a medida da pena...» (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial de Notícias, p. 237). Ou, por outras palavras ainda do mesmo autor: (...) «não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto...» (idem, ibidem, p. 234). Trata-se de uma divisão de tarefas ou de funções entre o juiz e o legislador.

Tendo presentes estes pressupostos, considera-se que:
A ilicitude do facto tem de levar em conta a alta danosidade social dos dois produtos estupefacientes e o fim a que, pelo menos parte deles se destinava, que era a venda a terceiros – fim este que, todavia, foi frustrado. Tal circunstância, não relevando para efeitos de consumação do crime, visto tratar-se de um crime de perigo abstracto, que não exige a ocorrência de um dano-violação, como é característico dos crimes de resultado, nem sequer um perigo-violação, como é norma nos crimes de perigo concreto, em que o perigo é elemento do tipo legal de crime, pois basta que a acção seja adequada a gerar esse perigo (FARIA COSTA, O Perigo em Direito Penal, 1992, p. 567 e ss.), não deixa, todavia, de ter reflexo na ilicitude, mas desta feita para lhe dar menos relevo.

Quanto à culpa, o arguido agiu com dolo directo, que é a modalidade mais grave de culpa, devendo relevar-se aqui também a persistência na conduta, mesmo depois de detido e sujeito a medida coactiva, a cujo cumprimento, aliás, se eximiu, entre o segundo e o terceiro factos.

O arguido é dependente das drogas (heroína e cocaína) que detinha, sendo imigrante cabo-verdiano, dedicando-se esporadicamente a trabalhos de construção civil, vivendo com a mãe, o padrasto e duas irmãs mais novas, antes de preso, tem dois filhos que vivem em Cabo Verde e apresenta «reduzido juízo crítico e persistente desresponsabilização em relação aos factos», segundo a matéria provada a partir do relatório social.
Por outro lado, tem antecedentes criminais, nomeadamente no domínio do tráfico, tendo sido condenado, por decisão de 22-07-2008, transitada em julgado em 12-09-2008, da Vara Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, pela prática, em 08-11-2007, de um crime de prática de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Temos, assim, consideráveis exigências de prevenção, tanto de prevenção geral positiva ou de integração, como de prevenção especial ou de socialização. Por outras palavras: são fortes as expectativas da comunidade na prevenção e repressão deste tipo de crime e são acentuadas as exigências de reinserção social do arguido.
Deste modo, as penas a aplicar, tendo em vista a moldura penal abstracta – 1 a 5 anos de prisão - devem fixar-se em 3 (três) anos de prisão, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 2 (dois) anos de prisão, respectivamente para o primeiro, o segundo e o terceiro crimes.

7.4. Nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2 do CP, haverá então que proceder ao cúmulo jurídico dessas penas com a de 6 meses de prisão que lhe foi aplicada pelo crime de detenção de arma proibida, do art. 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006. A pena conjunta tem como limite mínimo a maior das penas parcelares (3 anos de prisão) e como limite máximo a soma de todas elas, ou seja, 8 anos de prisão.
Considerando a personalidade unitária do arguido, em conjugação com a totalidade dos factos, vemos que a actuação daquele consistiu na reiteração do mesmo tipo de crime - a detenção e transacção de drogas duras, na escala do pequeno tráfico, sendo o arguido viciado nessas drogas - facto que terá sido o principal motor da sua conduta persistente no tempo e tendendo à desresponsabilização dos seus actos. Regista, aliás, antecedentes criminais nessa área.
A detenção de arma proibida adquire pouco relevo neste acervo delituoso, sendo praticamente instrumental (até pelas suas características) daqueles crimes.
Relevam fundamentalmente exigências de prevenção, quer geral, quer especial, enquanto referidas à globalidade dos seus actos, sendo a sua culpa dominada por um dolo persistente. No entanto, em termos gerais, a culpa é atenuada por força da sua dependência das drogas e da sua condição periclitante de imigrante cabo-verdiano.
Nestas condições, entende-se fixar a pena única em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, sendo certo que haverá de cumprir ainda a pena em que anteriormente foi condenado e cuja execução lhe ficou suspensa.

8. Fixada a pena em tal limite, será de equacionar a possibilidade da sua suspensão, nos termos do disposto no art. 50.º, n.º 1 do CP.
Quanto ao pressuposto formal, referido à pena aplicada, não há dúvida que se verifica, não havendo, por essa via, obstáculos à substituição da pena detentiva pela pena não detentiva aqui contemplada.
No entanto, quanto ao pressuposto material, o mesmo não ocorre, manifestamente.
Por um lado, o arguido não é a primeira vez que comete crimes desta natureza, tendo inclusive sofrido, não há muito tempo, uma condenação em pena que lhe ficou suspensa na sua execução e, além disso, não tem dado mostras de interiorizar a responsabilidade inerente à prática de tais crimes, como resulta da materialidade provada a partir do relatório social.
Por outro lado, trata-se de um de crimes em que as expectativas da comunidade social estão mais focalizadas na sua prevenção e repressão e o comportamento do arguido revestiu uma gravidade acentuada dentro do tipo em que se enquadra, por forma a que a pena fixada não poderia ser suspensa na sua execução, sob pena de se colocarem em risco aquelas expectativas.
Por outras palavras: a suspensão da execução da pena não realizaria de forma adequada nenhuma das finalidades da punição, quer a de prevenção geral, estreitamente vinculada ao objectivo de tutela eficaz dos bens jurídicos, quer a de prevenção especial, consubstanciada na necessidade de socialização.
Assim, a pena fixada é para ser cumprida como pena de prisão.



III. DECISÃO
10. Nestes termos, acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, revogando-se a decisão recorrida no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes e qualificando-se a conduta como consubstanciando a prática de três crimes de tráfico de menor gravidade previstos e punidos pelo art. 25.º, n.º 1, alínea a) do DL 15/93, de 22/01. Assim, para tais crimes fixam as penas de 3 (três) anos de prisão, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 2 (dois) anos de prisão, respectivamente para os factos praticados em 14 de Outubro de 2008, 4 de Maio de 2009 e 10 de Novembro de 2010.
Em cúmulo jurídico destas penas e da pena de 6 (seis) meses de prisão aplicada pela detenção de arma proibida, aplicam ao arguido a pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão – pena esta que é efectiva.
Sem tributação.

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Dezembro de 2011.


Rodrigues da Costa (Relator)

Arménio Sottomayor