Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12714/19.7T8SNT.L1.S 1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
DENÚNCIA
ACEITAÇÃO TÁCITA
CONTRATO DE EMPREITADA
PRAZO DE VIGÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O contrato de seguro de construção /montagem garante a cobertura dos danos materiais nos trabalhos e bens seguros de validade anual já não se encontrava em vigor na data da ocorrência do sinistro, por não ter ocorrido a renovação.
II. No âmbito do contrato de seguro ficaram garantidos pagamentos de indemnizações ao segurado em caso de perdas e danos patrimoniais causados aos trabalhos e ou bens seguros por sinistros cobertos nos termos e condições definidas na secção I – Danos materiais das presentes condições gerais.

III. Por força das condições particulares ficaram cobertas ficavam cobertos os danos ocorridos relativos ao período de montagem: Até 24 meses por empreitada

IV. No caso dos autos, atentas as seguintes particularidades:

a) o evento e o dano ocorreram antes da obra estar concluída, o que significa que ocorreram durante o período de construção;

b)  nos termos comunicados pela Autora à Ré, a coberto do clausulado no contrato de seguro, a obra em causa teria terminado no dia 07-02-2017, sendo certo que o Alvará tinha como data de validade 12 de Fevereiro de 2017;

c) em 03-03-2017 – data em que ocorreu o sinistro – a obra ainda não havia terminado;

d) a Autora não comunicou à Ré qualquer alteração ao período de duração da obra,não há lugar a responsabilidade da seguradora.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

1. GARCIA E GARCIA S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS S.A., pedindo:

(i) a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 1 345 865,32, acrescida de juros à taxa legal desde a data da participação do sinistro até efectivo e integral pagamento, nos termos da apólice de Seguro n.º ...42, referente a despesas de remoção de escombros, reconstrução do muro e demais despesas associadas.


2. Alegou a Autora, em síntese, que:

- a Autora é uma empresa que se dedica à construção de infra-estruturas e grandes estruturas industriai;

- celebrou com a Ré um contrato de seguro o Ramo Construção / Montagem, titulado pela apólice n.º ...42, através da qual transferiu os riscos decorrentes da sua actividade, designadamente todos os trabalhos de construção civil, incluindo montagens, instalações técnicas, acabamentos e equipamentos necessários a empreitadas de edifícios públicos e privados para habitação, serviços ou industria, incluindo respectivas infraestruturas, nomeadamente redes de água, esgotos, telefones e eletricidade, e compreendendo ainda todos os trabalhos preparatórios, complementos e acessórios, temporários e definitivos e todos os trabalhos, materiais e equipamentos a incorporar que integrem a respectiva empreitada.;

- no respectivo contrato ficaram incluídos os riscos de “N303 Tempestades, tufões, ciclones, furacões, inundações e aluimentos de terras; n334 Assentamentos, N338 Remoção de escombros por aluimento de terras”, sendo o capital seguro até ao limite de € 5 000 000,00;

- na data da adesão ao contrato não foi disponibilizado à Autora qualquer documento referente às condições particulares e/ou gerais da apólice, nem foi dada qualquer explicação relativamente ao clausulado do mesmo;

- na sequência das obras de construção de uma unidade logística a realizar à empresa B.…, na zona da ..., ocorreu no dia 3 de Março de 2017 um aluimento de terras que provocou o desmoronamento parcial de um muro de elevada dimensão durante a fase final da sua construção, o que obrigou à reconstrução do mesmo, sendo que, à data do sinistro, a apólice se encontrava em vigor;

- as causas prováveis do evento resultam de uma conjugação de factores que condicionaram o abatimento de parte do subsolo e consequente desabamento de terras, pelo que se impôs a reconstrução do muro utilizando uma técnica que diminuísse a pressão que o peso do mesmo exerceria sobre o subsolo, através da colocação de estacas de ferro na horizontal que trespassam o muro e a terra que o mesmo suporta;

- a Autora não teve alternativa à realização de todos os trabalhos e aplicação de todos os materiais que se mostraram imprescindíveis à reconstrução do muro e que orçaram em € 1 345 865,32;

- a Ré não assumiu qualquer obrigação de indemnizar não restando à Autora qualquer outra alternativa, que não fosse o recurso aos meios judiciais.

Termina assim requerendo a procedência da presente acção.


3. Devidamente citada veio a ré contestar alegando:

- o contrato foi celebrado para um prazo de execução de obra não superior a 24 meses, tendo o mesmo tipo início em 01-01-2016 e termo em 01-01-2017, renovável por um ano e seguintes;

- entre os riscos abrangidos pelo contrato contava-se o de “Medidas de Segurança Relativas a Precipitações, Cheias e Inundações desde que com o período de retorno de 20 anos;

- mais ficou acordado que “independentemente da data de vencimento deste contrato de seguro, fica expressamente acordado que em caso de anulação do mesmo, as coberturas em relação a qualquer empreitada segura continuará até ao termo inicialmente previsto, incluindo quaisquer prorrogações e períodos de manutenção…”

- esta empreitada foi comunicada pela A. à Ré como tendo início em 07-11- 2016, e a duração de 3 meses, com o seu termo em 07-02-2017, e com um valor de € 805 000, 00;

- pelo corrector da Autora foi comunicado à Ré em 27-01-2017 que aquela não pretendia renovar a apólice a partir de 01-01-2017, por ter uma congénere que para as mesmas coberturas lhe aplicava uma taxa de acerto mais baixa;

- os factos ocorridos, e cuja ressarcibilidade é peticionada nos autos, tiveram lugar em data posterior ao termo do contato de seguro, assim como em data posterior à data prevista para o termo da obra, sendo que a Autora não pediu qualquer prorrogação das garantias contratuais, para além de 07-02-2017;

- por esta razão o referido contrato de seguro já não era aplicável e eficaz relativamente a esta obra;

- de igual forma a Autora não pagou qualquer prémio relativo ao contrato de seguro dos autos, em relação a uma anuidade que supostamente se iniciaria em 01- 01-2017 – o que manifesta a sua não intenção de fazer renovar e vigorar o contrato;

– assim como não pagou qualquer sobre prémio para uma prorrogação das garantias para além da data de 07-02-2017;

- o contrato dos autos foi expressamente negociado entre a Ré e a Autora, directamente ou através do corretor por si escolhido;

- a cobertura dos sanos materiais à obra garante a reparação, substituição ou reposição da obra no estado em que se encontrava no momento anterior à ocorrência do sinistro, ficando expressamente excluídas as perdas e danos que derivem directa  ou indirectamente de custos com alterações, adições ou melhoramentos dos bens seguros;

- por outro lado ficou estabelecido na condição especial 334 que o segurador não indemnizará o segurado pelas perdas ou danos causados por deficiente e/ou inexistente compactação e/ou estabilização dos terrenos, assim como causados por assentamentos previsíveis, quer haja ou não estudo geotécnico prévio dos solos, tendo em atenção o tipo de subsolo e os materiais e métodos de construção empregues;

- o local do evento era caracterizado pela passagem de uma linha de água que normalmente se apresenta seca durante o verão, mas que tem grande aptidão a apresentar caudal significativo quando ocorre precipitação;

- o que ocorreu no local foi um amolecer do solo do aterro pela presença de água da chuva, não drenando essa água, aumentando a pressão hidrostática que o próprio aterro passou a exercer sobre o muro.

- a precipitação ocorrida nesse dia foi inferior a períodos de retorno de 5 anos, razão pela qual está fora das condições de garantia do contrato de seguro que garante apenas danos com origem em precipitação a que correspondam períodos de retorno de 20 anos.

- mesmo que os factos estivessem garantidos, a obrigação da Ré estaria limitada à reposição da obra no estado em que estava antes do evento, sendo que a Autor optou por fazer a reconstrução com uma técnica diversa, substancialmente mais cara que a utilizada na construção inicial.

Concluiu assim a Ré pela improcedência da acção consequente absolvição do pedido.


4. Foi realizada Audiência Prévia na qual foi proferido despacho que fixou valor à acção, saneou o processo, fixou o objecto do litígio, elencou os temas da prova – os quais não foram objecto de reclamação - e se admitiu requerimentos probatórios e calendarizou audiência de julgamento.


5. Realizou-se a audiência final, com observância do legal formalismo, como da respectiva acta se alcança.


6. Foi proferida sentença, em cujo dispositivo consta:

“julgo totalmente improcedente a presente acção, em consequência do que absolvo a Ré do pedido contra ela formulado.

Custas pela Autora.

7. A A. apelou da sentença e o Tribunal da Relação recebeu o recurso, considerando que o seu objecto incidia sobre as seguintes questões:

i) erro de julgamento quanto a factos dados como provados, bem como no que respeita a factos dados como não provados;

ii) A responsabilidade contratual da Recorrida.

8. Em seguida conheceu do recurso e proferiu acórdão que culmina com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.”

9. O acórdão teve um voto um voto de vencido do 1º adjunto (p. 70 a 81 do acórdão).


10. Não se conformando com o decidido, a A. apresentou recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):

1) Em sede de apreciação critica sobre o uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada, na nossa humilde opinião, não pode deixar de caber a este Supremo Tribunal de Justiça ajuizar se, naquela tarefa, foram cumpridas as imposições prescritas no n.º 4 do art.º 607º, do Código de Processo Civil, assegurando a legalidade processual do método apreciativo efetuado pela Relação, para além do mais, quando as ilações extraídas no domínio das presunções judiciais baseadas na factualidade dada como provada se mostrem destituídas de qualquer base  factual e eivadas de ostensiva e manifesta ilogicidade, como é o caso em análise.

2) Decidiu o acórdão recorrido manter o texto do facto provado 26 (cfr. fl. 427 dos autos), no qual se escreve: “As cláusulas do contrato de seguro foram discutidas entre a Ré e o corrector de seguros da Autora, aquando da sua subscrição”

3) Da posição vencida do Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin Martins, 1º Adjunto, página 71 a 73, sustenta o seguinte:

“A sentença recorrida invoca como único elemento de prova o depoimento da testemunha AA “[…que] referiu que atento o tipo de riscos cobertos o contrato é necessariamente negociado caso a caso […].”

O acórdão elucida que as duas testemunhas ouvidas sobre a matéria [entre elas a testemunha referida na sentença] “não tiveram qualquer intervenção na celebração do contrato de seguro em causa […].”

Não há, pois, qualquer elemento de prova pessoal sobre a questão.

Quanto aos três documentos invocados pelo acórdão, são (i) as condições particulares [não também ‘especiais’ ao contrário do referido pelo acórdão] juntas pela autora na petição; (ii) o contrato junto pela ré e (iii) uma carta da autora à ré, três meses depois do sinistro, por isso muito depois da celebração do contrato, em que a autora faz referências ao contrato. Ora, quanto às condições particulares aceita-se que elas foram negociadas, porque de outro modo o contrato não existia. Quanto ao contrato, ele não pode servir para provar que era do conhecimento da autora aquando da celebração. Quanto à carta enviada 3 meses depois do sinistro apenas prova que, depois do sinistro e no decurso da troca de correspondência por causa do mesmo, a autora já tinha conhecimento do contrato.

O acórdão diz que “da conjugação crítica de tais elementos probatórios segundo as regras da experiência comum e da lógica afigura-se absolutamente ajustada a matéria dada como provada pelo tribunal recorrido sob o n.º 26.”

Aquilo que o acórdão diz de seguida, quanto aos documentos, só pode ser aplicado às condições particulares porque, quanto às 28 páginas do contrato (um caderno impresso modelo de Agosto de 2012), ele é um mero conjunto de cláusulas contratuais gerais e especiais sem a mais pequena referência específica ao caso concreto e obviamente não assinado pela autora nem pela ré; e o que o acórdão diz quanto às 2 testemunhas refere-se apenas ao que elas dizem que costuma acontecer, não ao que aconteceu no caso, como não pode deixar de ser porque, relembre-se, elas “não tiveram qualquer intervenção na celebração do contrato de seguro em causa […].”

Assim sendo, não há qualquer base de facto para, com recurso a regras da experiência comum e da lógica, se tirar a ilação daquilo que consta do facto 26.

O contrário é que é verdade: normalmente os contratos de seguro que estão impressos na sua totalidade não são negociados entre as partes e é por isso que a lei exige que o predisponente faça a prova de que as cláusulas contratuais resultaram de negociação prévia entre as partes, caso contrário são tidas como gerais, não negociadas (art. 1/3 do RCCG).

De resto, se fosse como diz o acórdão, não haveria contratos não negociados: sempre que houvesse condições particulares e depois aparecesse um contrato escrito (mesmo que um modelo com mais de 4 anos), as cláusulas teriam sido sempre discutidas, o que, de novo, contraria as regras da lógica e daquilo que o mais das vezes acontece.

Todo o regime legal das cláusulas contratuais gerais é completamente afastado, contra a lógica e a vontade da lei, se se puder dizer que, apesar de ninguém ter sido ouvido sobre a celebração do contrato, o mesmo foi discutido entre as partes.

Está-se, pois, perante um caso em que a aplicação das regras da experiência comum e da lógica das coisas foi mal feita.

Assim, apenas devia ser dado como provado que as condições particulares do contrato de seguro foram discutidas entre a ré e o corrector de seguros da autora, aquando da sua subscrição, nos termos em que constam desse documento assim titulado.”

4) O acórdão recorrido refere, como meio probatório relevante, o documento de fls. 21 a 25, identificando-o “… relativo às «condições particulares» e «especiais» do seguro em causa.” (pag 27).

5) É ostensivo desde logo pela leitura da página de rosto de fls. 21, o referido documento versa apenas sobre as CONDIÇÕES PARTICULARES da apólice.

É o documento de fls. 361 a 374 verso, esse sim, inconfundível conforme decorre também da folha de rosto, que dispõe sobre as CONDIÇÕES GERAIS 002 e CONDIÇÕES ESPECIAIS.

6) Assumir com a relevância de facto provado que todo o conteúdo daqueles documentos, constituídos ambos por dezenas de cláusulas, tivessem sido “discutidos” implicava, no mínimo, que a prova testemunhal indicada para tal conclusão, fosse a interveniente nessa alegada discussão. Pelo contrário, o que se verifica e o acórdão assume de forma expressa, é que as testemunhas descritas como meio probatório do facto, “…não tenham tido qualquer intervenção na celebração do contrato de seguro em causa…”

7) Impõe-se aqui realçar que não ficou provado, que qualquer das clausulas inseridas no documento das Condições Particulares e/ou no documento da Condições Gerais e Especiais, tivessem, sequer, sido comunicadas ou informadas à aderente, aqui Recorrente, pelo que, a demonstração obvia da inexistência de qualquer discussão sobre qualquer das cláusulas é a inexistência de prova da imprescindível comunicação e/ou informação das mesmas.

8) É objetivamente impossível que se possa, mesmo que em abstrato, discutir uma cláusula que simplesmente se desconhece, porque não foi comunicada e/ou informada.

 9) A conclusão retirada sobre esta matéria pelo acórdão recorrido atinge de forma frontal e ostensiva as mais básicas regras da apreciação da prova, contrariando a demais fundamentação de facto sobre a matéria, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que elimine o facto provado o n.º 26, se assim não se entender, e apenas nessa hipótese, manter apenas a parte que se refere exclusivamente às condições particulares, de fls. 21 a 27.

10) In casu, não está em discussão se a Recorrida comunicou e/ou informou a Recorrente do teor das cláusulas contratuais do contrato de seguro, por ser matéria já excluída dos factos provados.

11) Embora se mostre inverosímil que, pelo menos, o documento das Condições Gerais e Especiais da apólice, tivesse sido negociado, a circunstância de podermos estar perante um quadro respeitante a cláusulas contratuais gerais, não impedia, nem excluía, em abstracto, que alguma ou algumas delas possam ter sido objecto de discussão entre as partes, nem tal, a existir, é afastado pelo DL 446/85, de 25 de Outubro, como deflui inequivocamente do nº 3 do seu artigo 1º, cabendo, neste caso, a quem pretender prevalecer-se do seu conteúdo, no caso à Recorrida, o ónus da prova da existência de tal processo negocial.

12) Dos elementos factuais apurados não resulta, por um lado, a ocorrência (ou não ocorrência) de um qualquer processo negocial entre as partes, com vista à concretização do conteúdo da cláusula 361 (fls. 374) em litígio e, por outro lado, mantém-se controvertida a matéria sobre o cumprimento dos deveres de comunicação e informação aludidos nos artigos 5º e 6º do apontado diploma, sendo certo que pela Recorrente foram alegados factos que consubstanciam a sua violação, cfr. artigos 9º e 10º da Petição Inicial, fls. 5 e verso, dos autos.

13) Se este Venerando Supremo Tribunal entender que não existiu uma violação grave e ostensiva ao disposto no n.º 4 do art.º 607º, do Código de Processo Civil, que condicione a revogação do acórdão nesta matéria de molde a excluir ou corrigir o conteúdo do facto provado 26, como se requer, então, afigura-se existir uma deficiência factual que urge colmatar, tendo em atenção o preceituado no artigo 682º, nº 3 do CPC, através da sua ampliação nos termos supra descritos, em ordem a constituir uma base suficiente para a decisão de direito, já que não se poderá decidir sobre a concreta negociação da cláusula, nem tão pouco sobre uma eventual violação dos deveres de comunicação e de informação de tal cláusula, conducente à sua inclusão como concluiu o segundo grau, sem se terem apurado, previamente, os factos que lhe subjazem, o que pode conduzir à revogação do acórdão, com a anulação do julgamento, com vista à sua repetição pela Senhora Juiz que interveio no primeiro julgamento em primeira instância, nos termos do normativo inserto no artigo 683º, nº 1 daquele mesmo diploma.

14) Na página 38 do acórdão recorrido defende-se que a matéria que se pretende incluir nos factos provados não foi alegada pela ora Recorrente na petição inicial, para além de que revela-se absolutamente inócua para o desfecho do presente recurso.

15) Da posição vencida do Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin Martins, 1º Adjunto (pag. 73 e 74):“Quanto à pretensão, da autora, em que se acrescente que a ré, em 18/04/2017, enviou à autora uma carta na qual, para além do mais, se escreve o seguinte: “Assunto: Apólice ...42”.”Salientamos que os danos aos terceiros lesados serão regularizados ao abrigo da cobertura de responsabilidade civil” e de facto, veio pagar indemnização aos terceiros lesados.

O acórdão afasta a pretensão com os argumentos de que tal matéria não foi alegada pela autora na sua petição inicial e o aditamento pretendido revela-se absolutamente inócuo para o desfecho do presente recurso.

Mas, principalmente depois da reforma de 2013 do CPC, em que os autores, na petição inicial, só deviam expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir (art.º 552/1d do CPC), o primeiro argumento não tem valor. E o segundo é afastado porque “a decisão de facto continua a incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto á existência dos factos principais: o tribunal relata tudo o que, quanto ao tema controvertido, haja sido provado, ainda sem qualquer preocupação quanto á distribuição do ónus da prova”. (Lebre de Freitas, A acção declarativa, 4ª edição, Gestlegal, 2017, pág. 230).

E face à defesa da ré e à fundamentação da sentença recorrida considero extremamente relevante que a ré, mais de 1 mês depois do sinistro e depois de já ter sido emitida o parecer transcrito no ponto 16, tenha assumido a responsabilidade dos danos provocados a terceiros e concretizado essa assunção.

Portanto, considero que os factos em causa deviam ser acrescentados aos factos provados e mesmo que o acórdão não tenha acolhido esta pretensão da autora, isso não é impeditivo de que esses factos sejam utilizados, pois que o acórdão não diz que eles não estão provados, entende é, mas como já se disse e se terá que ver à frente, que eles não são relevantes nem foram alegados.

16) Não foi feita na petição inicial qualquer referência à mencionada correspondência enviada à Recorrente porque, como facilmente se constata dos autos, até à apresentação da Contestação, a Recorrida sempre assumiu a validade e vigência do contrato, pelo que inoportuno e irrelevante seria alega-lo naquele articulado inicial, porém, quando tal matéria foi referida na Contestação a Recorrente, em sede de Resposta às exceções, como lhe competia, alegou factos e juntou a documentação comprovativa da assunção expressa da validade do contrato de seguro, mesmo após o sinistro.

17) O n.º 4 do art.º 607º do CPC, dispõe que “… o Juiz toma em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito…” (sublinhado nosso)

18) Os factos alegados pela aqui Recorrente nos art.º 3º, 4º e 5º no articulado de resposta às exceções, a fls. 384 dos autos, foram posteriormente compilados no n.º 19 do elenco dos Temas da Prova, a fls. 395 dos autos, no qual se escreve: “19. Da assunção pela Ré da eficácia do seguro ao longo das conversações após o evento”

19) Não obstante a existência de prova documental, não impugnada, demonstrativa do facto alegado, relacionado com o tema da prova referido, o certo é que o acórdão recorrido sustenta uma posição que contraria aquele normativo processual, pelo que, também nesta matéria, salvo melhor entendimento, sindicável por este venerando Supremo Tribunal, deve o descrito erro de julgamento ser devidamente corrigido e aditado ao elenco dos factos provados que: “A ré, em 18/04/2017, enviou à autora uma carta na qual, para além do mais, se escreve o seguinte: “Assunto: Apólice ...42”.”Salientamos que os danos aos terceiros lesados serão regularizados ao abrigo da cobertura de responsabilidade civil” e de facto, veio pagar indemnização aos terceiros lesados.

Do Direito

20) Sustenta o acórdão que, porque “As cláusulas do contrato de seguro foram discutidas entre a Ré e o corrector de seguros da Autora, aquando da sua subscrição” e que “tais cláusulas compreendem as condições gerais, especiais e particulares relativas ao contrato de seguro em causa” o contrato de seguro em discussão não é um contrato de adesão.

21) Da posição vencida do Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin Martins, 1º Adjunto, damos aqui por reproduzido o texto já transcrito supra nas páginas 3, 4 e 5 destas alegações acrescentando agora apenas o mencionado nas páginas 74 e 75 do acórdão, sob a epígrafe: “Da exclusão das cláusulas com que a ré se pretende prevalecer para evitar o pagamento da indemnização

Como as condições gerais e especiais não foram negociadas entre a autora e ré, elas são cláusulas contratuais gerais.

Como as condições contratuais que a sentença e o acórdão invocam para evitar a condenação da ré são cláusulas contratuais gerais, elas só podiam ser opostas pela ré à autora se ela tivesse provado que as tinha comunicado antecipadamente a autora na íntegra e de forma adequada e efectiva (art. 5 do RCCG)

Não havendo um único facto alegado ou provado nesse sentido, as CCG em causa devem considerar-se excluídas do contrato (art.º 8/-a do RCCG)

22) Foi com base no velho lugar-comum: “neste tipo de contratos”, verbalizado por um colaborador da Recorrida, que se compensou a total ausência dos alegados intervenientes na celebração do contrato de seguro, para se presumir que estas virtuais pessoas, cuja existência os autos desconhecem, terão discutido todas as cláusulas do contrato em causa!.

23) Sobre a matéria escreve-se na página 26 do acórdão o seguinte: “Conforme decorre da decisão de facto, sob o n.º 26, ficou provado que «as cláusulas do contrato de seguro foram discutidas entre a Ré e o corrector de seguros da Autora, aquando da sua subscrição”

“…Tais cláusulas compreendem as condições gerais, especiais e particulares relativas ao contrato de seguro em causa.

Com efeito, não tendo sido indicadas expressamente «as cláusulas (…) discutidas», deve entender-se que foram todas elas.” (sublinhado nosso)

24) Não resultando em parte alguma dos autos, em especial da Sentença, que o documento onde constam as Condições Gerais e Especiais fossem objecto de qualquer negociação, discussão, ou sequer comunicação, o acórdão recorrido repete o apelo a uma presunção judicial que se mostra ostensivamente ilógica e violadora das mais básicas regras da experiência comum.

25) Não pode a Recorrente deixar de chamar a atenção deste Supremo Tribunal de Justiça sobre a relevância da diferença semântica entre a palavra “discutir” (debate, exame e esclarecimento de uma questão) e as palavras “negociação individual”, a que se refere expressamente o disposto no art.º 1º n.º 1, do DL 446/85. implica necessariamente a capacidade de ambas as partes outorgantes, designadamente a aderente, de alterarem o conteúdo das cláusulas que são apresentadas ou impostas pela seguradora.

26) No caso dos autos, tal facto não foi sequer alegado, não existe uma única informação de que uma única cláusula tenha sido negociada ou alterada em qualquer sentido e, portanto, não existe qualquer prova sobre o assunto.

27) Acresce que, não menos importante, ao não se provar que qualquer das cláusulas do contrato tenham sido informadas ou comunicadas à Recorrente, mostra-se absolutamente contraditório que se tenha escrito que todas as cláusulas foram discutidas! Porque se todas as cláusulas tivessem sido discutidas, mesmo que não negociadas, inevitavelmente teriam de ser, pelo menos, objeto de comunicação e informação, o que não se provou.

28) As cláusulas do contrato de seguro em discussão têm que ser abrangidas pelo regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, com as legais consequências. Como resulta dos autos, as Condições Particulares do contrato de seguro, subscrito em 2015, estão descritas no documento junto aos autos a fls. 21 a 25 (facto provado n.º 2 – fls 419), em papel timbrado da Recorrida, contendo, apenas na folha de rosto, o ramo de seguro, número da apólice e identificação do tomador do seguro.

Pelo contrário, as Condições Gerais e as Condições Especiais constam de um outro documento, junto pela Recorrida, de fls. 361 a 374 dos autos, em papel timbrado diferente, datado de 2012 (ver canto inferir esquerdo), sem qualquer identificação ou referência quer ao tomador quer ao respectivo número de apólice.

29) Não se afigura minimamente lógico, sequer possível pelas regras mínimas da experiência comum, que na sequência da celebração de um contrato de seguro de construção/montagem, complexo como se assume nos autos e se percebe pela simples leitura do conteúdo dos respectivos documentos, que tenham sido discutidas todas as 128 cláusulas que se distribuem pelas 14 páginas das Condições Gerais e Especiais da Apólice, ou as outras dezenas que fazem parte do documento das Condições Particulares. É uma pura ficção!

30) Relativamente ao documento das Condições Gerais e Especiais, de fls. 361 a 374 verso, designadamente a n.º 361, (fls. 374 dos autos) nenhuma dúvida pode subsistir de que o seu conteúdo, imposto ao aderente sem prévia negociação, estão sujeitas ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, previsto no DL 446/85.

31) Impõe-se referir que in casu o que está em causa é uma cláusula do documento das Condições Gerais e Especiais da apólice, designadamente a n.º 361, sobre o período de retorno, que a Recorrida invoca, no art.º 27 da Contestação, fls. 355 verso, para excluir a responsabilidade de indemnizar.

32) Cabia neste caso à Recorrida alegar e provar, como resulta inequívoco do disposto do n.º 3 do art.º 1 do DL 446/85 de 25/10, que aquela cláusula das condições gerais e especiais, fora objeto de um processo de negociação, contudo, dos elementos factuais apurados não resulta, por um lado, a ocorrência (ou não ocorrência) de um qualquer processo negocial entre as partes, com vista à concretização do conteúdo das cláusulas em litígio sendo certo que não ficou provado, sequer, que tenha sido cumprido os deveres de comunicação e informação de tais cláusulas, nos termos aludidos nos artigos 5º e 6º do apontado diploma.

33) Em virtude do exposto supra, afigura-se óbvio que às cláusulas contratuais desta Apólice ...42, designadamente a descrita no documento das Condições Gerais e Especiais da apólice sob o n.º ...61, a fls. 374 dos autos, não podem deixar de subsumir-se às regras e normas instituídas naquele diploma legal como cláusulas contratuais gerais.

34) Na página 64 a 66 do acórdão defende-se que o contrato de seguro cessou por resolução, mas também por revogação!, com efeitos a 1 de Janeiro de 2017.

35) Da posição vencida do Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin Martins, 1º Adjunto

“A sentença recorrida e o acórdão consideram - mal - que o contrato estava extinto à data do sinistro.

Baseiam-se para tanto nos factos provados sob 23 e 25.

O facto 23 é, claramente, apenas a comunicação de uma pretensão de não prorrogação, no âmbito de contactos, em fins de Janeiro de 2017, para a concretização daquilo que o tomador de seguro devia pagar relativamente a um contrato de seguro já celebrado e prorrogável automaticamente todos os anos.

Desta comunicação não se pode extrair uma oposição à prorrogação do contrato – que aliás já se tinha renovado em 01/01/2017- nem uma resolução do contrato. Ela não é expressa em qualquer desses sentidos, nem ela revela, com toda a probabilidade, a denúncia ou resolução (art. 217/1 do CC).

Quanto ao facto 25, dele apenas decorre que a ré não emitiu o aviso de pagamento e que, naturalmente, a autora não fez o pagamento.

Daqui não é possível extrair nenhum acordo entre as partes quanto à cessação do contrato – ou seja, revogação -, porque não há nenhuma proposta da autora nesse sentido, nem uma aceitação dessa inexistente proposta pela ré.

Dele só se pode extrair que a ré não cumpriu as suas obrigações relativas ao aviso de pagamento (que necessitava de concretização do montante), o que impede que se extraiam quaisquer consequências da falta de pagamento (impossível sem aquela concretização) para a não prorrogação do contrato (arts. 51 a 61 da LCS).

E não há melhor prova disto do que o facto de a ré ter efectuado o pagamento da indemnização a terceiros pelos danos causados com o sinistro vendo-se assim que os factos a que o acórdão recusou relevância, afinal a tinham.

36) Relembrar que a sentença, a fls. 432, o Tribunal “a quo” começa por afirmar que “O contrato em causa era anual, renovava-se anualmente…”, mas fica por mencionar um elemento essencial: que a renovação anual era automática, conforme decorre expresso na primeira página das condições particulares da apólice emitida pela Recorrida, constante a fls. 21 dos autos e facto provado nº 5, fls. 422 dos autos (cfr. art.ºs 41º e 115º da Lei do Contrato de Seguro).

37) A fls. 432 dos autos, sob a epígrafe “Extinção do contrato” a sentença sustenta não ter existido renovação automática do contrato a 1 de Janeiro de 2017 por alegada denúncia por parte da ora Recorrente, que a Recorrida terá aceitado, e por essa razão não terá emitido o premio de seguro e por falta de pagamento do prémio extinguiu-se o contrato.

38) O acórdão recorrido, percebida a insustentabilidade factual e legal da invocada denuncia, tenta corrigir o erro e inventa, literalmente, primeiro, uma alegada revogação do contrato pelas partes, depois que o contrato terá cessado por resolução. 39) Por ostensiva falta de prova sobre a matéria deambulam as instâncias entre os conceitos de denuncia (art.º 112º LCS), revogação (art.º 111º LCS), resolução (art.º 116º LCS), sem nunca basearem a opinião manifestada num silogismo e/ou enquadramento legal minimamente lógico.

40) Prescindindo da análise da situação em concreto, uma vez que o email/comunicação a que se refere na página 64 e 65 do acórdão (documento a fls. 375 verso dos autos), que justifica todo o argumentário subsequente, foi enviado em 27 de Janeiro de 2017, e nesta data, como tacitamente assume o acórdão, o contrato já se tinha renovado automaticamente desde 1 de Janeiro de 2017.

41) O que é relevante não é alegar/saber se o contrato cessou, sabemos que sim e a Recorrente nunca o negou, o que se impunha precisar era a efectiva data da sua cessação, uma vez que o mesmo se renovou automaticamente a 1 de Janeiro de 2017 e o sinistro ocorreu em Março do mesmo ano.

42) Pelo contrário, existe prova de que, mesmo após a data do referido email (27/01/2017), a Recorrida, mantinha expectativa que o contrato de seguro se mantivesse em vigor, como facilmente se depreende pelas declarações do gestor de sinistros da seguradora/recorrida que aqui, pelas relevância que encerram, não podemos deixar de reproduzir, como fizemos em sede de Apelação, apenas na parte que importa: (file:///F:/20200309141257_4248026_2871276.html# - Tempo do Áudio: 01:17:47 - Data: 28-10-2020):

[00:54:18] AA: Porque numa primeira fase não havia a garantia que o contrato não pudesse vir a ser renovado e dai que nós da mesma maneira que nomeamos o perito e que foi apurado que não haveria cobertura para esse tipo de dano foi essa a estratégia que a companhia seguiu e foi mantendo que as causas que estiveram na origem da ocorrência não estavam garantidas.

43) Se a Recorrida não tivesse considerado o contrato em vigor à data de 27 de Janeiro de 2017, não teria, por via daquele email enviado no mesmo dia, pelas 15:03 horas, solicitado o seguinte (fls. 375 verso):

“Relativamente à anuidade de 2017, o que necessitamos é da previsão de facturação (budget) O mapa enviado revela as obras já iniciadas cujos pagamentos parciais ocorrerão em 2017. Falta ainda orçamentar as obras a ganhar em 2017”

44) Enquanto a sentença sustenta que a troca de emails de fls. 375 verso dos autos deveria ser interpretada pela seguradora como uma “declaração séria” de denúncia do contrato, o acórdão recorrido descarta a denúncia, mas arrisca primeiro que o contrato cessa por resolução e/ou por revogação.

45) Da prova que foi produzida fica expressamente admitido pela seguradora que durante a troca de correspondência que se manteve após o sinistro (03/03/2017) até 7 de Março de 2018, ou seja, durante 1 ano (cfr. fls 301 verso, 388, 389 dos autos) havia expectativa da manutenção do contrato de seguro.

46) Fica sem explicação a tese do acórdão que sustenta, por presunção de intenção da Recorrida defendendo que esta “…aceitou tacitamente a revogação contratual”, (cfr pag. 65), ou seja, por acordo das partes (art.º 111º LCS), quando dois parágrafos antes sustentava que a cessação teria sido por resolução, ou seja, por justa causa, (art.º 116º LCS) com efeitos retroactivos à data de 1 de Janeiro de 2017. Em que ficamos?!

47) Face à descrita “performance” probatória o Ilustre Mandatário da seguradora, aqui recorrida, assumindo como comprometida a versão apresentada em sede de defesa sobre a vigência do contrato, afirmou o seguinte em sede de alegações orais (cfr. Ficheiro: file:///F:/20201030113314_4248026_2871276.html#; Tempo parcial do Áudio de 00:09:36 a 00:11:38, Data: 30-10-2020):

(00:09:36): Alegações Orais – Ilustre Mandatário da Apelada: “Eu não vou aqui, assim, empenhar a minha alma na defesa de que este contrato terminou a 1 de Janeiro de 2017”. 48) Por inexistência de qualquer prova de que o contrato de seguro à data do sinistro estivesse extinto, deve também aqui proceder a presente Revista, revogado o acórdão, e consequentemente considerar o contrato valido e eficaz à data do sinistro.

49) Nas páginas 66 a 68, entende o acórdão recorrido que por alegado atraso na execução da obra em discussão, não comunicado à recorrida, o sinistro em causa não se mostra abrangido pelo contrato de seguro em apreciação, devendo, por isso, improceder a apelação.

50) Da posição vencida do Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin Martins, 1º Adjunto (cfr. pags 76 a 78)

“A Sentença recorrida e o acórdão consideram - mal – que o contrato tinha perdido eficácia quanto ao sinistro, isto porque o sinistro ocorreu em data posterior ao termo final do prazo previsto para a execução da obra, ou seja, para além do denominado «período de montagem».

O contrato de seguro dos autos é um contrato que cobre construção de (muitas) obras em geral, incluindo, por isso, também a obra em que ocorreu o sinistro por ter sido iniciado em ano em que o contrato estava em vigor. O contrato cobria obras cujo período de construção podia ir até 24 meses, sendo que, no caso da obra em questão, o período de execução da obra era de apenas 3 meses, o que dá ideia da diminuta importância da obra em questão relativamente a outras obras seguradas (1/8 da que tivesse um prazo máximo de 24 meses).

O regime do agravamento do risco está previsto principalmente nos artigos 91 e 93 e 94 do RJCS, que não e, na parte que importa, alterado pelos artigos 9 e 10.2.2 das condições gerais do contrato.

Dele decorre, em termos gerais, que o tomador ou o segurado têm o dever de, durante a execução do contrato, comunicar ao segurador todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas, caso fossem conhecidas pelo segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou nas condições do contrato. Dos factos provados não há nada de que possa resultar que um pequeno atraso nesta obra – de pouca importância no meio de muitas obras cobertas no contrato – pudesse influir sequer nas condições do contrato (no caso o premio), que, dados os factos provados (as comunicações de Janeiro e aquilo que consta da condição particular „taxa e premio comercial‟: Secção I e II – 1,53% Aplicável ao volume total de facturação anual da empresa estimada em 23.000.000€ para a anuidade de 2016), tinham a ver com o valor previsível da facturação. Mas mesmo que a questão se pudesse colocar, o agravamento do risco apenas poderia levar às consequências do art.º 94 do RJCS e elas não têm nada a ver com a eficácia do contrato. Ou seja, a ausência de comunicação do atraso na execução da obra, apenas daria a ré o direito de cobrir apenas parcialmente os danos decorrentes do sinistro, na proporção entre o premio efectivamente cobrado e aquele que seria devido em função das reais circunstâncias do risco, e para isso teria, a ré, que ter alegado – e teriam que ficar provados – os factos que permitissem concluir por esta proporção. Sendo que não existem esses dados de facto – os factos que existem apontam em sentido contrário – pelo que a questão não se chega a colocar.

E certo que há uma outra hipótese, qual seja, a de a ré recusar a cobertura em caso de comportamento doloso do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem (art. 94/1c do RJCS). Mas esta hipótese não tem nada a ver com o caso dos autos, isto e, não há nenhum facto que permita falar em dolo da autora

O acórdão invoca a obrigação da autora comunicar à ré antes do início dos trabalhos

todas as empreitadas a garantir na apólice, indicando o valor dos trabalhos, local da realização e prazos de execução, dado como provado sob o facto 5, para daí concluir pela existência da obrigação de comunicação do novo prazo estimado para a conclusão da obra. Mas como se vê e uma conclusão sem qualquer base legal e que, notoriamente, não decorre daquela obrigação inicial. (negrito e sublinhado nossos).

O regime jurídico do agravamento do risco é o descrito acima – que, ao contrário do que diz o acórdão, em nada “desvirtua (…) a própria natureza do contrato de seguro, o qual cobre um «evento aleatório» ocorrido no prazo previamente contratualizado, conforme disposto no referido artigo 1º da LCS” – e não este construído ad hoc pela sentença recorrida e pelo acórdão.

Em suma: a sentença recorrida e o acórdão não têm qualquer razão para entender que o contrato perdeu a sua eficácia quanto ao sinistro.

51) Decorre da 1ª página das Condições Particulares do contrato de seguro, Apólice ...42, ramo: Construção / Montagem (fls 21 dos autos - factos provados n.º 2 e 5, fls. 419 e 422) que:

“A Seguradora obriga-se a segurar e o Segurado obriga-se a declarar, para efeitos de Seguro, todas as obras que esta efetuar em Portugal, cujo valor individual de cada empreitada não exceda os € 5.000.000,00 e o prazo de execução não fosse superior a 24 (vinte e quatro) meses.

“Períodos e Datas

Início do seguro: 01-01-2016

Período de montagem: Até 24 (vinte e quatro) meses, por empreitada;

Período de manutenção: 24 (vinte e quatro) meses por empreitada, com início após receção provisória ou entrada em uso, o que ocorrer primeiro;”

52) Foram estas as condições expressas que a recorrida propôs e que a segurada, aqui recorrente entendeu, aceitou e salvaguardou com a celebração do presente contrato de seguro CT ...42.

53) De acordo com o previsto no art.º 236º, n.º 1 do Código Civil “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Consagra-se a chamada “teoria da impressão do destinatário”, (in, Teoria Geral da Relação Jurídica, Profº Manuel de Andrade volume 2, páginas 309/310).

54) Na interpretação de um declaratário normal, os termos da declaração escrita, a fls. 21 dos autos (facto provado 2 e 5, fls. 419 e 422 dos autos) onde se expressa que a seguradora se obriga a segurar obras cujo prazo de execução não fosse superior a 24 meses, não pode ser lida ou entendida de outra forma como a que naquela é expressa e literal no sentido de que a cobertura é de 24 meses.

55) O que se impunha demonstrar era se a recorrida comunicou e informou previamente a ora recorrente da tese agora apresentada relativamente a uma alegada exigência de comunicação e/ou pedido de prorrogação dos prazos de realização das obras, de molde a que a esta ficasse devidamente esclarecida do sentido pretendido da declaração e sua semântica, e pudesse de forma informada e esclarecida aceitar ou recusa-la em função dos interesses em causa. Essa prova não foi feita!

56) Como não ficou provado, nem foi tema de prova, que o eventual incumprimento do indicado prazo de conclusão da obra (07/02/2017) pudesse aumentar o risco de sinistro, muito menos ser causa de exclusão da responsabilidade de indemnizar.

57) Também não resulta dos factos provados, nem sequer de qualquer clausulado das condições gerais, especiais e/ou particulares da apólice que a recorrida tivesse a obrigação de comunicar qualquer alteração ao período de duração da obra.

58) Por último, mas não menos importante, sobre esta matéria da vigência do contrato e do referido prolongamento contratual dos seus efeitos, existe uma carta nos autos, enviada pela seguradora/recorrida à ora recorrente, datada de 18/04/2017 (cfr. doc n.º 203 – fls. 388 dos autos), referente ao sinistro em discussão e, portanto, no âmbito da mesma Apólice ...42, por via da qual aquela assume expressamente que vai efetuar o pagamento das indemnizações dos danos abrangidos pela cobertura de responsabilidade civil.

59) No último parágrafo daquela carta, a fls. 388 dos autos escreve-se, assim, o seguinte: “Salientamos que os danos aos terceiros lesados serão regularizados ao abrigo da cobertura de responsabilidade civil” (negrito nosso)

60) Esta é, pois, a assunção expressa da seguradora de que a apólice se mantinha em vigor à data do sinistro e mesmo depois deste, que a sentença ignorou.

61) Na senda de omissões da prova, não deixa, aliás, de ser relevante que, não obstante o destaque dado pela aqui Recorrente nos articulados (cfr. fls. 384 dos autos), se tenha ignorado que nas 3 comunicações enviadas pela Recorrida à Recorrente após a ocorrência/participação do sinistro, a vigência e eficácia do contrato de seguro nunca foram questionadas, pelo contrário, como se prova, foi expressamente assumida a sua validade e vigência.

62) Como se referiu supra, o Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin (págs 73 e 74 do acórdão), afirma que: “E face à defesa da ré e a fundamentação da sentença recorrida considero extremamente relevante que a ré, mais de 1 mês depois do sinistro e apesar de já ter sido emitida o parecer transcrito no ponto 16, tenha assumido a responsabilidade dos danos provocados a terceiros e concretizado essa assunção.

Portanto, considero que os factos em causa deviam ser acrescentados aos factos provados e mesmo que o acórdão não tenha acolhido esta pretensão da autora, isso não é impeditivo de que esses factos sejam utlizados, pois que o acórdão não diz que eles não estão provados, entende é, mal como já se disse e se terá que ver à frente, que eles não são relevantes nem foram alegados. (negrito nosso)

63) Pelo exposto, nenhuma dúvida que à data do sinistro (03/03/2017) o contrato de seguro - Apólice ...42 em discussão, encontrava-se válido, em vigor e a produzir os seus efeitos, e também por esta razão ser o acórdão revogado.

64) O acórdão recorrido sustenta, na página 69, que “…tendo-se demonstrado que o muro ruiu, não em função de um aluimento, como pretendia a Recorrente, mas em virtude de uma precipitação com retorno inferior a 5 anos, a condição especial contratual em causa, a «361», mostra-se excluída, por a precipitação caída in casu não corresponder a um período de retorno igual ou superior a 20 anos, termos em que não é possível responsabilizar a ora Recorrida ao abrigo do contrato de seguro em apreço”

Embora o «aluimento», enquanto fenómeno geológico decorrente da geodinâmica da terra constituísse uma condição particular igualmente contratada, esta sob o nº «303», o certo e que ficou provado sob o n.º 16 dos factos provados que in casu «não houve rotura da fundação ou mecanismo de derrube global, nem escorregamento pela base», o que exclui aluimento como causa do sinistro.

65) Da posição vencida do Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin Martins, 1º Adjunto (págs 78 a 80): Por fim, a sentença recorrida e o acórdão entendem “a acusa do sinistro não est(á) abrangida pelo contrato de seguro a que se referem os autos porque:

i/ o caso não preenche a previsão da garantia 361;

ii/ o «aluimento», enquanto fenómeno geológico decorrente da geodinâmica da terra, constituía uma condição particular igualmente contratada, esta sob o n.º «303»; mas ficou provado sob o n.º 16 dos factos provados que in casu «não houve ruptura da fundação ou mecanismo de derrube global, nem escorregamento pela base», o que exclui a ocorrência de aluimento como causa do sinistro.

Mas não é assim:

Nas condições particulares do contrato, negociadas, constava:

(…) Âmbito da cobertura: Todos os riscos de construção/montagem, de conformidade com o disposto:

= no art. 2º - objecto da garantia das condições gerais da apólice/montagem – Condições Gerais 002

= no âmbito de cobertura das secções contratadas - Secção I – Danos Materiais

= nas condições especiais contratadas.

Condições Especiais aplicáveis: A apólice ficará sujeita à aplicação das seguintes condições:

Secção I Danos Materiais

n.º 303 Tempestades, Tufões, ciclones, furacões, inundações e aluimentos de terras;

n.º 361 Medidas de Segurança Relativas a precipitações, cheias e Inundações

– Período de retorno 20 anos.

Ora, o caso subsume-se, de pleno, num aluimento de terras (cláusula 303) com desmoronamento do muro. Aluimento de terras é uma queda ou desmoronamento de terras, sinónimo de derrocada (veja-se Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciencia de Lisboa, Verbo, 2001, pag. 193). Não está dependente de “ter havido rotura da fundação ou mecanismo de derrube global, nem escorregamento pela base” como pretende a sentença recorrida e o acórdão, nada indica que as partes tenham querido exigir tal elemento na cláusula em causa que, logicamente, cobre os danos decorrentes de aluimentos de terras.

Quanto à cláusula 361 ela só podia ser preenchida (já que não tem sentido autónomo) com a consideração do seu conteúdo constante das condições especiais, não negociado nem comunicado, pelo que ele não pode ser oposto a autora e, por isso, não pode servir para evitar a condenação da ré.

66) O que fica provado no ponto 16 (fls.426 dos autos), diferente da demonstração do facto, é que foi solicitada uma perícia que alega como causa provável do sinistro a pressão hidrostática e, nessa medida, afirma que: “16. Foi solicitada uma perícia a um geotécnico tendo a 10-03-2017 sido emitido um parecer por BB, especialista em ..., nos termos do qual “(…) terá sido o impulso hidrostático decorrente da entrada água nessa fendas que provocou o colapso da estrutura, que não estava, como é normal, dimensionada para resistir ao impulso das terras acrescido de pressões hidrostáticas, a situação ocorreu em fase construtiva, perviamente á impermeabilização da superfície, condição para a qual o muro estaria projetado, designada em termos de engenharia por” situação de serviço”.(…) – (negrito nosso)

67) Não tendo ficado provado que o sinistro ocorreu devido a pressão hidrostática, as conclusões daquele relatório, que o acórdão transcreve como provados, ficam destituídas de relevância. Embora a sentença não atribua especial relevo, condicionando a posição do acórdão recorrido, o certo é que existe nos autos um outro relatório pericial - factos provados 17 a 20, fls. 426 verso - elaborado por empresa independente, junto aos autos a fls. 96 a 98 verso dos autos, das conclusões do qual, a fls. 97 verso e 98, o seguinte:

“1. Contrariamente ao parecer elaborado pelo Engº BB em 10. Mar.2017, o desmoronamento do muro não pode resultar da pressão hidrostática causada pela pluviosidade ocorrida nos dias anteriores, a conclusão decorre da factualidade:

1.1. Com base nas técnicas de construção mais rigorosas e aplicáveis à situação em concreto, o muro de gabiões é o mais apropriado à função de suporte de terras a que se destinava, pois permite a fácil drenagem de águas pelas fendas do enchimento britado, tendo-se constatado que sua projecção e construção cumpriu os mais exigentes requisitos construtivos aplicáveis. (…)

1.3. A linha de água identificada no local foi previamente desviada antes da execução do muro de suporte de terras;

Donde, afigura-se consistente concluir que o desmoronamento do muro não foi provocado pela pressão hidrostática ou pela influência directa da pluviosidade ocorridas em período imediatamente anterior ao evento.

(…)

b.    Pese embora a quantidade de precipitação verificada classificada como normal para a época de inverno ser insusceptível de causar superficialmente pressões hidrostáticas, não é contudo, de excluir que a chuva tenha constituído um elemento contributivo para ocorrência pela acção inevitável ao nível do subsolo, designadamente, na zona dos alicerces/base do muro, uma vez que eleva os níveis freáticos;

68) Em virtude e por causa das conclusões deste relatório pericial ficou provado, n.ºs 18 e 19, que: “18. Tal relatório sugeriu uma opção construtiva diversa com reforço do muro de gabiões com recurso a ancoragens e betão projectado.

19. Na sequência desse relatório a Autora optou pela reconstrução do muro utilizando uma técnica que diminuísse a pressão que o peso do mesmo exerceria sobre o subsolo através da colocação de estacas de ferro na horizontal que trespassem o muro e a terra que o mesmo suporta.”

69) Cabia à Recorrida o ónus de provar que foi a pressão hidrostática a causa direta e exclusiva do sinistro, como sempre alegou, para fins de enquadramento na causa de exclusão que invocou para o efeito, o que não aconteceu de todo e, por isso, não ficou provado.

70) A Recorrente nunca recusou que a água, nomeadamente da chuva, tivesse concorrido para o sinistro, nomeadamente pelo aumento dos níveis freáticos, o que sempre recusou é que a causa da derrocada do muro tenha sido a pressão hidrostática.

71) As razões que justificam a contratação deste tipo de seguros de construção/montagem, de premio elevadíssimo (no caso € 26.392,00 – fls. 23 dos autos) visam exactamente proteger e salvaguardar ocorrências não previsíveis – riscos de sinistros, originados quer por causas naturais quer por intervenção humana, durante aquele período, frágil e mais susceptível, ainda não definitivo da obra, que, no caso, até cobre riscos relacionados com eventual erro de projecto.

72) O que decorre da fundamentação de facto (fls. 426 dos autos), nomeadamente do n.º 14 é: “14. No dia 03-03-2017 a Autora foi surpreendida com a derrocada parcial do muro, nos moldes visíveis na fotografia de fls. 12 dos autos e que aqui se da por integralmente reproduzida.”

73) Como afirma, e bem, o Juiz Desembargador Pedro Martin, o aluimento é sinónimo de derrocada, pelo que, assumida a derrocada, não pode deixar de estar abrangido pela previsão da referida cláusula.

74) Mas mesmo que assim não fosse, em segundo lugar, a ocorrência de chuvas fortes, que nunca foram negadas pela Recorrente, não deixam de ser idóneas a criar as condições geológicas para o aluimento da terra e a derrocada do muro, como resulta da prova supra referida e da testemunhal exaustivamente referida na Apelação. E, portanto, também pelas razões expostas nesta matéria, deve o acórdão recorrido ser revogado.

75) Chegados aqui, concluir que estamos perante um contrato de seguro ramo construção/montagem, que se rege, conforme decorre dos factos provados n.º 3, 4 e 5, por Condições Gerais e Especiais (de fls. 361 a 74 verso) constantes de documento modelo, de 28 páginas, fisicamente destacadas do contrato propriamente dito e em formato padronizado e com terminologia maioritariamente técnica e jurídica e com remissões implícitas para outros documentos.

76) E por Condições Particulares, a fls. 21 a 25, constituído por 9 páginas, também elas com conteúdo padronizado, não obstante a inclusão da identificação da segurada e dos valores sempre variáveis do capital seguro e correspondente taxa de premio aplicável.

77) Remetemos aqui para o descrito supra nos capítulos II e III das alegações, dos quais resulta como inequívoco que estamos neste contrato perante cláusulas contratuais, pelo menos as inscritas nas Condições Gerais e Especiais da apólice, que se subsumem ao regime geral das cláusulas contratuais, que damos por reproduzias para efeitos deste.

78) Analisado o teor da condição especial n.º 361, a fls. 374, invocada pela Recorrida para excluir a obrigação de indemnizar os prejuízos decorrentes do sinistro, verificamos que desde logo pela epigrafe “Medidas de Segurança Relativas a Precipitações, Cheias e Inundação”, convoca de imediato para uma previsão de riscos nas construções de obras hidráulicas, como por exemplo de encaminhamento, escoamento ou retensão de águas, tais como aquedutos, barragens e/ou represas, vertedouros, quebra mares e obras de drenagem, às quais, em caso de sinistro por fenómeno natural-chuva, se aplica o período de retorno (cfr. Wilkipedia – Período de Retorno)

79) Para além da inexistência de qualquer prova sobre a oportuna disponibilidade ou conhecimento de qualquer daquelas cláusulas à Recorrente, mesmo que tal resultasse dos factos provados, imprescindível seria ainda demonstrar que a comunicação e informação sobre o efeito e alcance jurídico das mesmas fossem de molde a ser aprendida pelo destinatário, designadamente, por via de explicação verbal, para assim se poder aferir da possibilidade de o aderente conhecer o conteúdo e alcance das cláusulas e tomar uma decisão esclarecida e racional antes da celebração do contrato e, no caso de aceitar, na vigência do mesmo salvaguardar devidamente a sua eventual aplicabilidade por verificação das causas exclusivas da obrigação de indemnizar.

80) Havia ainda uma outra circunstância que exigia explicações adicionais pela Recorrida, designadamente, o facto de estarmos perante um contrato de seguro que cobre riscos de sinistro originados por factores imprevisíveis, designadamente climatéricos-fenómenos naturais, na fase de construção durante a qual são substancialmente superiores aos riscos existentes numa obra acabada, com estruturas de segurança já definidas e definitivas.

81) Impunha-se assim que as cláusulas em crise (condição geral/especial da apólice n.º ...61, sob a epigrafe “ Medidas de Segurança Relativas a Precipitações, Cheias e Inundações” a fls. 374, que sustentou a posição final do acórdão recorrido, fossem comunicadas e informadas e o seu efeito e alcance fossem devidamente explicadas com antecedência suficiente e/ou em circunstâncias que pudessem ser aprendidas pela Recorrente de molde a permitir quer uma formação da vontade esclarecida quer uma previsão de todas as condicionantes e aplicabilidade das mesmas.

82) Não se demonstrou, sequer, o simples dever de comunicação e informação por via de envio do texto das cláusulas em crise, pelo que, nos termos das regras do ónus da prova aplicáveis, impõe-se que as mesmas sejam excluídas do contrato (art. 5.º, n.º 3 do DL 446/85, de 25 de Outubro), com as legais consequências como aqui se requer. 83) Sobre a matéria existe uma vasta compilação de acórdãos designadamente, deste Supremo Tribunal de Justiça, contudo, a titulo de mero exemplo e em resumo, referimos um acórdão de 02-12-2013, (in www.dgsi.pt), que sobre a matéria se debruça de forma exaustiva e relevante, no qual se sustenta que: A doutrina tem entendido que a consideração das circunstâncias que rodearam a conclusão do contrato pode exigir ao utilizador que chame a atenção do aderente para certas cláusulas, seja pela referência expressa a elas, seja pela informação, mesmo oral, do significado de uma ou de várias cláusulas (Ana Prata ob cit pag 211).

Como tem decidido, de modo uniforme, a jurisprudência deste Supremo, a conformação destes deveres de comunicação e de informação ganha contornos especiais quando estamos perante sujeitos com poder contratual desequilibrado, com conhecimentos e experiências negociais e jurídicos desiguais (Acórdão de 22-01-2009, Santos Bernardito, Relator, processo nº 08B3301) e tem de verificar-se de modo a que o aderente possa compreender o conteúdo do contrato nas suas consequências jurídico-práticas, outorgando-lhe um espaço de reflexão e ponderação (Acórdão de 08-04-2010, Lopes do Rego, Relator, processo n.º 3501/06.3TLSB.C1.S1), com antecedência em relação à assinatura do contrato, para permitir a livre formação da vontade do aderente e uma escolha consciente e prudente (Acórdão de 18-11-1999, Ferreira de Almeida, Relator, processo n.º 99B869). A comunicação deve abranger a totalidade das cláusulas e ser feita de modo adequado e pessoal, e com antecedência compatível com a extensão e complexidade do contrato, de modo a tornar possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (Acórdão de 30-10-2007, Fonseca Ramos, Relator, processo n.º 0Aª303048).

Sabe-se pela experiência da vida que o mais comum é os aderentes confiarem nas explicações de um funcionário do profissional-utilizador, sem lerem as cláusulas escritas do acordo, por falta de tempo e de capacidade para compreender os seus efeitos. E que tal atitude, de tão generalizada que é, não pode considerar-se falta de diligência comum ou razoável. Veja-se, a este propósito, a posição da doutrina:

Para Ana Prata (ob cit), a diligência média exigida ao aderente varia em função das características do sujeito, da sua preparação cultural e da sua maior ou menor vulnerabilidade. No contexto da contratação de massas, pode dizer-se que a comum diligência exigida tem de ser de baixo nível, por força da impossibilidade prática de o aderente influir no conteúdo do contrato e de uma atitude generalizada de confiança ou conformismo, que faz com que as pessoas se demitam de um esforço que sabem ser inglório. Neste sentido, afirma também Galvão Telles [31]: «não se diga que o aderente, deixando de ler todas as cláusulas, ou não as meditando com o devido cuidado, revela negligência que o torne desmerecedor de protecção particular: o facto é tão geral que não significa negligência, aferida esta pelo padrão médio de homem» (Manual dos Contratos em Geral, pags 313-314).

Por último, ainda no Tribunal da Relação de Guimarães, sustenta-se que: “Se o mediador de seguros na preparação de um contrato de seguro multirriscos não informar convenientemente o tomador de seguro sobre o significado e alcance de uma causa de exclusão do risco, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 6º e 8º, al. b) do DL n.º 446/85, de 25.10, há que considerar tal cláusula excluída do contrato de seguro, mantendo-se, no mais a validade do contrato de seguro.” (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23-02-2010, Relatora Juiz Desembargadora Rosa Tching – actualmente no S.T.J., in www.dgsi.pt).

84) A referida cláusula identificada nos autos sob o n.º 361, sob epigrafe Medidas de Segurança Relativas a Precipitações, Cheias e Inundações, das Condições Gerais/Especiais do contrato, a fls. 374 dos autos que, devem ser excluídas do contrato, não podendo a Recorrida dela se prevalecer, nos termos do art. 8.º, als. a) e b) do DL 446/85, de 25 de Outubro, e declaradas inoponíveis à Segurada, aqui Recorrente, por sobre ela não ter recaído consenso ou conhecimento, devido à inobservância dos deveres de comunicação e de informação.

85) Neste mesmo sentido defende o Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin que “Quanto à cláusula 361 ela só podia ser preenchida (já que não tem sentido autónomo) com a consideração do seu conteúdo constante das condições especiais, não negociado nem comunicado, pelo que ele não pode ser oposto à autora e, por isso, não pode servir para evitar a condenação da ré.” – cfr. pag. 80 do acórdão.

86) Mesmo que se entendesse, por hipótese académica, que a causa do sinistro pudesse ser enquadrável na previsão daquela clausula como causa de exclusão em indemnizar, teria a mesma de ser excluída do contrato de seguro em discussão e procedente a presente Revista, com as legais consequências.

87) Embora o acórdão não faça qualquer referência ao tema, o Senhor Juiz Desembargador Pedro Martin, em sintonia com a tese da Recorrente, sustenta que “Provando-se os danos mas não o valor exato, a ré devia ter sido condenada a pagar à autora indemnização a liquidar posteriormente ”Aqui, em sede de revista, a recorrente expressa o mesmo pedido no caso de se entender que os prejuízos não estão devidamente concretizados relegando-se para incidente de liquidação de sentença a fim de permitir demonstrar o valor peticionado nos autos.

Termos em que se requer, respeitosamente, de Vª.s Excªs., se dignem, nos termos e pelos fundamentos expostos, dar provimento ao presente recurso de Revista e, em consequência:

a)  O Acórdão ser revogado pelas razões de direito expostas e/ou na sequência da alteração da decisão sobre a matéria de facto e, em consequência, condenar a Recorrida a pagar à Recorrente o valor peticionado no montante de € 1 345 865,32, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento,

b)  Se tal se mostrar necessário, e apenas na hipótese de se entender não estar devidamente provado o exacto valor despendido pela Recorrente para a reconstrução do muro, se relegue a sua quantificação para posterior incidente de liquidação de sentença,

c) A título subsidiário, a revogação do acórdão, com a anulação do julgamento, com vista à sua repetição pela Senhora Juiz que interveio no julgamento em primeira instância, nos termos do normativo inserto no artigo 683º, nº 1 do CPC, pelas razões invocadas nas páginas 7 e 8 das presentes alegações (Capítulo II).

Assim se fazendo a necessária e mais premente, J U S T I Ç A.”


11. Foram apresentadas contra-alegações, que não incluem conclusões, defendendo-se a manutenção do acórdão recorrido.


12. Com a referência ...44, em 9/3/2022, foi proferido despacho a admitir o recurso:

“Admito o recurso interposto pela A., GARCIA, GARCIA, S.A., o qual é de revista, sobe imediatamente ao Venerando Supremo Tribunal da Justiça, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – artigos 671.º, n.ºs 1 e 3, 675.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, todos do CPCivil.”


13. Atento o recurso apresentado, de revista, atempadamente formulado, em que a A. ficou totalmente vencida, com acção de valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre e com a taxa de justiça paga, não se identificam obstáculos à admissão da revista por via do art.º 671.º do CPC. Acresce que não ocorre, no processo em causa, o obstáculo da dupla conformidade, por existir um voto de vencido no acórdão recorrido, ainda que este confirme a sentença.


Colhidos os vistos legais, por via electrónica – art.º 657.º, n.º 2 do CPC – cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

De Facto

14. Os factos considerados provados pelas instâncias são os seguintes:

1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à realização de obras de construção civil, em especial construção de infraestruturas e grandes estruturas industriais integradas.

2) Entre Autora e Ré foi celebrado um contrato seguro, titulado pela apólice n.º ...42, através do qual a Ré se obrigou a segurar e a Autora se obrigou a declarar, para efeitos de seguro, todas as obras que esta efetuar em Portugal, cujo valor individual de cada empreitada não exceda os € 5 000 000,00 e o prazo de execução não fosse superior a 24 meses.

3) O referido contrato regia-se pelas condições gerais, constantes de fls. 362 e ss. – as quais aqui se dão por integralmente reproduzidas –, nomeadamente:

Art. 2.º - Objecto do contrato

1. O presente contrato de seguro de construção /montagem garante a cobertura dos danos materiais nos trabalhos e bens seguros.

2. Facultativamente, o presente contrato pode ainda garantir cobertura de:

 - responsabilidade civil extracontratual;

- meios auxiliares de construção e montagem.

3. Ao presente contrato podem também ser aplicáveis outras garantias e condições contratuais, nos termos previstos em Condições Especiais que venham a ser contratadas.

4. As coberturas e as outras garantias e condições, efectivamente contratadas pelo tomador de seguro, constam das condições particulares.

Art. 3.º - âmbito da Garantia

1. O presente contrato de seguro garante o pagamento de indemnizações ao segurado em caso de perdas e danos patrimoniais causados aos trabalhos e ou bens seguros por sinistros cobertos nos termos e condições definidas na secção I – Danos materiais das presentes condições gerais.

2. O presente contrato de seguro pode também garantir as indemnizações devidas em virtude do acionamento das coberturas facultativas previstas no n.º 2 do artigo anterior, quando estas tenham sido contratadas nos termos e condições definidas na secção II – Responsabilidade Civil extracontratual e secção III – Meios Auxiliares de Construção / Montagem das presentes condições gerais, bem como nas respectivas condições Especiais.

3. Salvo convenção em contrário constante das condições particulares, o presente contrato abrange exclusivamente os sinistros ocorridos durante o seu período de vigência e cujas perdas e danos sejam reclamados ao Segurador no prazo máximo de 2 anos após a sua cessação.

Art. 4.º - Exclusões aplicáveis a todas as coberturas (…)

Art. 6.º - Produção de efeitos e duração do contrato

1. O presente contrato produz os seus efeitos a partir das zero horas da data constante das condições particulares da apólice, desde que o prémio ou fracção inicial seja pago.

2. O contrato pode ser celebrado por um período certo e determinado ou por um ano a continuar pelos anos seguintes.

3. (…)

4. Quando o contrato for celebrado por um ano a continuar pelos seguintes, considera-se o mesmo sucessivamente renovado por períodos anuais, excepto se qualquer das partes o denunciar por escrito ou por qualquer outro meio do qual fique registo duradouro, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo da anuidade ou se o tomador não proceder ao pagamento do prémio da anuidade subsequente ou da 1.ª fracção deste. 5. (…)

6. O período de duração do seguro só poderá ser antecipado ou prorrogado com o acordo prévio do segurador, constante de ata adicional.

7. O seguro pode tornar-se extensivo a um período de manutenção, mediante convenção expressa constante das condições particulares e pagamento do correspondente sobre prémio, sendo a responsabilidade do segurador limitada às condições de cobertura estabelecidas na respectiva condição especial que tiver sido contratada.

Art. 7.º- Prémio do Seguro (…)

Art. 14.º - Cessação do contrato

1. O contrato caduca na data do seu termo, se for celebrado por tempo determinado, sem posterior prorrogação.

2. (…)

3. O contrato cessa por iniciativa do tomador do seguro:

a) Por denúncia com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo da anuidade;

b) Nos 30 dias seguintes à data da recepção da apólice quando se verifique:

- incumprimento dos deveres legais de informação do segurador;

- desconformidade das condições da apólice com as respectivas informações précontratuais. (…)

Art. 18.º Âmbito da garantia

A presente cobertura garante até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, as perdas e danos materiais causados aos trabalhos e/ou bens seguros em consequência de um sinistro, qualquer que seja a sua causa, com excepção das situações expressamente excluídas das garantias previstas neste contrato, quando seja necessário a sua reparação, substituição ou reposição no estado em que se encontravam no momento imediatamente anterior à ocorrência do sinistro.

Art. 19.º Exclusões Específicas

Para além das exclusões previstas no art. 4.º destas condições gerais, a presente cobertura não garante as perdas e danos que derivem, directa ou indirectamente, de:

a) (…)

b) Custos com alterações, adições ou melhoramentos dos bens seguros;

c) (…)

Art. 32.º - Cálculo da Indemnização

1. Quando os danos sofridos pelos bens seguros puderem ser reparados, o segurador indemnizará o segurado pelas despesas necessárias à reposição dos bens seguros nas mesmas condições em que se encontravam imediatamente antes do sinistro, acrescidas das despesas decorrentes dos trabalhos de desmontagem e montagem ou de despesas alfandegárias, se as houver.

(…)”

4) O referido contrato regia-se pelas seguintes condições especiais, constantes de fls. 368 e ss. que aqui se dão por reproduzidas, nomeadamente:

“303 – Tempestades, tufões, ciclones, furacões, inundações e aluimento de terras (…)

Art. 2.º - âmbito da garantia

A presente garantia abrange, dentro dos limites fixados nas condições particulares, o pagamento de indemnizações devidas pelas perdas ou danos directamente causados aos bens seguros abrangidos pela cobertura da secção I – Danos Materiais das Condições Gerais da Apólice, em consequência directa de tempestades, tufões, ciclones, furacões, inundações e aluimento de terras.

309 – Período da Garantia

Art. 1.º Disposições Aplicáveis

Na parte aqui não especificamente regulamentada, aplicam-se a esta condição especial as condições gerais do seguro de Construção e Montagem.

Art. 2.º âmbito da garantia

A presente garantia abrange, dentro dos limites fixados nas Condições Particulares e nos mesmos termos e condições aplicáveis às restantes coberturas da apólice, o pagamento de indemnizações devidas por perdas ou danos directamente causados aos bens seguros abrangidos pela cobertura da secção I- Danos Materiais das condições Gerais da apólice durante o período de garantia indicado nas condições particulares, exclusivamente em consequência de sinistro originado por erro ou omissão de concepção do projecto, de desenho, de cálculo, erros de montagem ou defeito do material , de fabrico, de fundição e de mão de obra fabril, ficando , no entanto, excluídos os custos em que o segurado teria de incorrer para retificar o erro, omissão ou defeito existente, caso este tivesse sido detetado antes da ocorrência do sinistro.

(…)

313 – Despesas com Remoção dos Escombros

Art. 1.º Disposições aplicáveis

Na parte aqui não especificamente regulamentada, aplicam-se a esta Condição Especial as condições Gerais do Seguro de Construção / Montagem.

Art. 2.º - Âmbito da Garantia

A presente garantia abrange, dentro dos limites fixados nas condições Particulares, o pagamento de despesas com a remoção de escombros que sejam consequência directa de danos materiais abrangidos pela cobertura da secção I – Danos Materiais das Condições Gerais da Apólice e que sejam resultantes de:

a) Remoção de destroços de qualquer natureza;

b) Desassoreamento e/ou drenagens, limpezas, drenagens e/ou secagens

§ Único Quando o capital seguro para os bens ou trabalhos objecto deste contrato se mostrar insuficiente, aplicar-se-á também às despesas abrangidas pela presente condição Especial o disposto no art. 21º das Condições Gerais.

(…)

320 – Responsabilidade civil cruzada

Art. 3.º - Exclusões Específicas

Para além das exclusões previstas nos arts. 4.º e 24.º das Condições Gerais, a garantia desta condição especial não abrange:

a) O montante das franquias previstas nas condições Particulares, as quais, em caso de sinistro, ficam sempre a cargo do segurado;

b) Os danos causados a quaisquer bens cobertos ou passíveis de cobertura pela secção I – Danos Materiais ou pela secção III – Meios auxiliares de Construção / Montagem das condições Gerais da Apólice;

c) Lucros cessantes, perdas de exploração ou outras perdas consequenciais de qualquer natureza.

334 Assentamentos

(…)

Art. 2.º - Âmbito Pela presente condição Especial as partes estipulam que em caso de sinistro abrangido pela Secção I – danos materiais das Condições Gerais da Apólice, o segurador não indemnizará o segurado pelas perdas ou danos causados por deficiente e/ou inexistente compactação e/ou estabilização de terrenos, assim como causados por assentamentos previsíveis, quer haja ou não estudo geotécnico prévio dos solos, tendo em atenção o tipo de subsolo e os materiais e métodos de construção empregues.

(…)

361 – Medidas de Segurança Relativas a Precipitações, Cheias e Inundações

Art. 1.º - Disposições Aplicáveis

Na parte aqui não especificamente regulamentada, aplicam-se a esta condição especial as condições gerais do Seguro de Construção/Montagem

Art. 2.º Âmbito da garantia

A presente garantia abrange, nos precisos termos e condições constantes da apólice, o pagamento de indemnizações ao segurado pela perdas, danos ou responsabilidades, causados por precipitação, cheias e inundações se, no projecto e durante a execução dos trabalhos, o segurado tiver tomado as medidas de protecção e segurança adequadas, entendendo-se como tal o terem sido observados os valores de precipitação, cheias e inundações, que possam deduzir-se das estatísticas oficiais dos serviços metereológicos locais relativos ao local do risco ou que mais próximas deste se encontrem e para o período de vigência do contrato, tendo em conta o período de retorno mencionado nas condições particulares.

Art. 3.º Exclusões Específicas

Para além das exclusões previstas nos arts. 4.º e 19.ºdas Condições Gerais, a garantia desta condição especial não abrange as referidas perdas, danos ou responsabilidades quando se verifique que:

a) O segurado não removeu imediatamente possíveis obstáculos ao livre escoamento dos caudais, na área de execução da obra;

b) Os valores de precipitação atmosférica ou os caudais registados foram inferiores aos valores máximos ocorridos no período de retorno mencionado nas condições particulares.

5) O referido contrato regia-se pelas seguintes condições particulares constantes de fls. 21 e ss. que aqui se dão por reproduzidas, nomeadamente:

A seguradora obriga-se a segurar e o segurado obriga-se a declarar, para efeitos de seguro, todas as obras a efectuar em Portugal, cujo valor individual de cada empreitada não exceda os € 5 000 000,00 e o prazo de execução não seja superior a 24 meses.

A apólice renova-se automaticamente por iguais períodos, salvo aviso em contrário de qualquer das partes, efectuado por meio de carta registada, enviada com antecedência mínima de 30 dias antes do termo.

Tomador de seguro: Garcia Garcia S.A

Segurados:

Como segurados são considerados: Garcia Garcia S.A na qualidade de Empreiteiro Geral;

G... Lda., na qualidade de subempreiteiro;

Todos os seus subempreiteiros, montadores, tarefeiros e fornecedores em geral, projectistas e fiscalização, quando intervindo de forma direta na execução material das obras seguras e na medida em que os seus respectivos interesses estejam incluídos na soma segura e no local do risco.

Dono da Obra.

Períodos e datas

Início do seguro: 01-01-2016

Período de montagem: Até 24 meses por empreitada;

Período de manutenção: 24 meses por empreitada, com início após a recepção provisória ou entrada em uso, o que ocorrer primeiro.

Para o risco de Responsabilidade Civil: Desde o início do Seguro até ao termo do período de manutenção, por empreitada;

Meios Auxiliares de construção: Desde a ata de início do seguro, até ao termo do período de construção;

Período de ensaios: 4 semanas, incluídos no período de montagem, por empreitada.

Todos os contratos com períodos superiores aos acima referidos ficam automaticamente cobertos ao abrigo desta apólice por um período máximo de 15 dias a partir da data de início dos trabalhos da respectiva empreitada e poderão ficar garantidos definitivamente mediante condições a estabelecer pela seguradora e mutuamente acordadas e aceites.

Objecto do Seguro: Todos os trabalhos de construção civil, incluindo as montagens, instalações técnicas, acabamentos e equipamentos necessários de empreitadas de edifícios públicos ou privados para habitação, serviços ou indústria, incluindo respectivas infraestruturas, nomeadamente redes de água, esgotos, telefones, electricidade, gás e arranjos exteriores (…)

Local de risco: É considerado local de risco o da realização das empreitadas, em Portugal.

Âmbito da Cobertura: Todos os riscos de construção /montagem, de conformidade com o disposto:

- no art. 2.º - objecto da garantia das condições gerais da apólice Construção / montagem

 – Condições Gerais 002 - no âmbito de cobertura das secções contratadas

- Secção I – Danos Materiais

- Secção II – Responsabilidade Civil

- Secção III – Meios Auxiliares de Construção

- nas condições especiais contratadas.

A extensão da cobertura da Responsabilidade Civil ao período de manutenção fica limitada a qualquer perda ou dano causada pelo segurado empreiteiro geral e/ou subempreiteiros, no decurso das operações por eles realizadas com o proposto de cumprir para com as obrigações fixadas nas cláusulas de manutenção constantes do respectivo contrato de empreitada.

Condições Especiais aplicáveis: A apólice ficará sujeita à aplicação das seguintes condições:

Secção I Danos Materiais

n.º 300 Greves Tumultos e Alterações de Ordem Pública

 n.º 301 Atos de Vandalismo

n.º 302 Sismos, Maremotos e erupções Vulcânicas

n.º 303 Tempestades, Tufões, ciclones, furacões, inundações e aluimento de terras;

n.º 304 Consequências de erro de projecto

n.º 306 Ensaios de Máquinas e Instalações

n.º 308 Manutenção Completa

n.º 310 Bens adjacentes perdas ou danos em bens adjacentes

n.º 311 Despesas Adicionais por Trabalho Extraordinário e Fretes Especiais n.º 313 Despesas com remoção de escombros

n.º 314 Honorários de Técnicos

n.º 315 Desenhos e Documentos Relativos à Obra

 n.º 316 Transporte

n.º 330 Trabalhos Efectuados por Secções 150 m por secção máximo 3 frentes

n.º 332 Barragens e Reservatórios de Água

n.º 333 Drenagens

n.º 334 Assentamento

n.º 335 Pavimentos

n.º 337 Estacas ou Estacas- Prancha

n.º 338 Remoções de Escombros por Aluimento de terras n.º 351 Sinistros em Série

n.º 352 72 Horas

n.º 360 Programa de Execuções dos Trabalhos: 4 semanas

n.º 361 Medidas de Segurança Relativas a precipitações, cheias e Inundações – Período de retorno 20 anos.

n.º 362 Equipamento de extinção de Incêndios (limite por recinto € 20 000,00)

Serão ainda aplicáveis ao contato as seguintes condições especiais:

n.º 341 Sustimentos

n.º 353 Divisão de responsabilidades (50/50)

n.º 354 Indemnização por valor de Reconstrução

 s/ n.º Perigos Iminentes

s/n.º Perdas ou danos refractários

s/n.º Reconstituição automática do capital seguro até ao limite máximo de 25% do capital seguro

s/n.º Alterações e agravamento do risco

s/n.º Paralisação dos Trabalhos s/n.º Infrasseguro e ajuste do valor Seguro

s/n.º Cláusula de aumento do capital automático (115%)

Secção II

n.º 320 Responsabilidade Civil Cruzada

n.º 321 Estruturas Edifícios e seus ocupantes e Terrenos, vizinhos ao local da obra e pertencentes a Terceiros

n.º 322 Cabos, Tubagens e outros Serviços Subterrâneos Capitais Seguros

Secção 1 - Danos Materiais

- valor da obra e dos materiais € 5 000 000,00

- bens adjacentes 25% do valor da empreitada no máx. de € 250 000,00.

O segurado obriga-se a comunicar ao Segurador antes do início dos trabalhos todas as empreitadas a garantir na apólice, indicando o valor dos trabalhos, local da realização e prazos de execução.

Secção II – Responsabilidade Civil Extracontratual e Cruzada

- limite de indemnização por sinistro ou série de sinistros provenientes da mesma causa e por período seguro até €1 500 000,00.

Secção III - instalações temporárias e seus recheios € 50 000,00

O segurado obriga-se a apresentar relação discriminativa e valorizada das instalações temporárias, presentes na empreitada, a incluir na apólice.

Outros limites de indemnização (…)

-tempestades, tufões, ciclones, furacões, inundações e aluimento de terras – Valor da empreitada;

- despesas com remoção de escombros até 250 000,00.

Franquias Deduzíveis por sinistro – serão consideradas, por sinistro ou série de sinistros provenientes de uma mesma causa, as seguintes franquias:

Secção I – Danos materiais

Empreitadas - < € 2 500 0002 500 000 a - < € 5 000 000
Fenómenos da natureza, abatimento e/ou deslizamento de terrenos, colapso, consequência de erro de projeto, ensaios e durante o período de manutenção
    Mínimo de € 2 500,00
    Máximo de € 25 000,00
    Mínimo de € 5 000,00
    Máximo de € 50 000,00
Outras causas não excluídas
    Mínimo de € 2 500,00 Máximo de € 25 000,00
    Mínimo de € 5 000,00 Máximo de € 50 000,00
Perdas ou danos em bens adjacentes
10% dos prejuízos causados com os seguintes limites
    € 2 500,00
    € 2 500,00


Secção II Responsabilidade Civil Extracontratual ou Cruzada


Perdas ou danos em estruturas existentes, edifícios e terrenos vizinhos e em cabos, tubagens e outros serviços enterrados (por lesado)
10% dos prejuízos causados com os seguintes limites Mínimo
Máximo
    €2 500,00 € 7 500,00
Perdas ou danos materiais a terceiros em geral€ 2 500,00

Secção III Meios Auxiliares de Construção/Montagem

Barras e outras instalações temporárias
    € 500,00

Taxa e prémio comercial

Esta apólice fica sujeita a um prémio comercial calculado pela aplicação da taxa comercial de:

Secções I e II - 1,53%o

Aplicável ao volume total de facturação anual da empresa estimada em € 23 000 000,00 para a anuidade de 2016.

No início de cada anuidade será cobrado o prémio mínimo provisório e de depósito, não estornável, calculado pela aplicação da referida taxa a 75% do volume total da fracturação estimada para a anuidade.

Prémio comercial provisional mínimo não estornável cobrado no início da anuidade:

€ 23 000 000,00x1,53%ox75%= 26 392,50

No termo da anuidade o prémio será ajustado pela aplicação da taxa comercial de 1,53%o ao volume total da fracturação anual efectivamente realizada, deduzido do valor do prémio provisional já pago, pelo que o segurado se compromete a fornecer o seu valor por escrito à Seguradora, nos 60 dias imediatos à data termo do período seguro.

 Secção III

4%o a incidir sobre o capital seguro dos meios auxiliares de construção /montagem.

Ao prémio comercial assim calculado será acrescido dos encargos legais em vigor à data de emissão, sendo, actualmente, 3,9% para o SNB e 9% para o imposto de selo.

Outras condições aplicáveis

Independentemente da data de vencimento deste contrato de seguro, fica expressamente acordado que, em caso de anulação do mesmo, a cobertura em relação a qualquer empreitada segura continuará até ao termo inicialmente previsto, incluindo quaisquer prorrogações e períodos de manutenção, de acordo com o disposto nestas condições particulares.

O prémio de tal “alargamento “do período de cobertura é obtido pela taxa da apólice aplicada aos valores finais estimados dos contratos das empreitadas menos os valores das empreitadas concluídas à data da anulação e que tinham sido incluídas para cálculo do prémio no volume total da facturação dos 12 meses precedentes.

O segurado obriga-se a fornecer todas as informações razoavelmente solicitadas pelo segurado relativamente às empreitadas objecto do “alargamento” seguro.

A data do pagamento (se houver) deste alargamento será a estabelecer pelo segurador. (…)

n.º 353 Divisão de Responsabilidades (…)

n.º 354 Indemnização pelo valor de Reconstrução

Art. 1.º Disposições Aplicáveis

Na parte não especificamente regulamentada, aplicam-se a esta condição especial as condições gerais do seguro de Construção / Montagem.

Art. 2.º Âmbito da Garantia

Pela presente condição especial as partes estipulam que, quando se verifique ser tecnicamente impossível proceder à reparação dos bens seguros de acordo com o método construtivo original em consequência do sinistro coberto pela apólice, o segurado indemnizará o segurado, até ao limite do valor máximo fixado nas condições particulares, pelos custos previamente aprovados e necessariamente incorridos com a reparação desses bens por forma a expor a empreitada ou a parte da empreitada danificada em condições tecnicamente correctas para assegurar o seu funcionamento de acordo com as funções próprias.

Art. 3.º Exclusões Específicas

Para além das situações previstas nos arts. 4.º e 32.º das condições Gerais, a garantia desta condição Especial não abrange os custos com beneficiações, correcções, modificações ou alterações do projecto original da empreitada.

(…)

 6) A Autora foi contratada pela B.… para a construção de um complexo logístico a edificar num terreno contíguo à estrada ..., na zona da ..., ....

7) O referido complexo abrange uma área total de 30 406 m2, com área de construção de 9100 m2, sendo 2100 m2 destinados a área administrativa e social e os restantes a armazém.

8) Previamente ao início das obras de construção/empreitada do referido complexo a Autora contratou a empresa G... Lda. para a realização de todos os trabalhos de reconhecimento geológico-geométrico de toda a área destinada à construção do referido complexo logístico.

9) A Autora desenvolveu trabalhos de prospeção que tiveram como objectivo caracterizar os terrenos, nos quais foi detectada uma linha de água antiga, embora seca, que implicava a necessidade de realização de obras de condicionamento e desvio da mesma.

10) Pela empresa E... Lda. foi efectuado um estudo hidrológico e hidráulico que serviu de suporte ao pedido de licenciamento do desvio da linha de água que atravessava o lote de terreno onde ser realizaram as obras de implementação do centro de Logistica do B.…, constante de fls. 27 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

11) Foi solicitado e emitido pelos Serviços Camarários do Município de ..., em 14- 11-2016 - o alvará de licenciamento de remodelação dos terrenos entre os quais as obras de desaterro, aterro e construção de muro confinante, conforme alvará ...16, válido até 12 de Fevereiro de 2017.

12) Previamente ao início das obras foi elaborado pela Autora um cronograma de trabalhos, constante de fls. 58 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

13) Em simultâneo com as obras de aterro foram realizados testes diários às obras de compactação do solo, os quais foram levados a cabo pela G.…, nas datas e com os resultados constante de fls. 60 e ss. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

14) No dia 03-03-2017 a Autora foi surpreendida com a derrocada parcial do muro, nos moldes visíveis na fotografia de fls. 12 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

15) A Autora iniciou de imediato obras de remoção de escombros e um processo de averiguação das causas.

16) Foi solicitada uma perícia a um geotécnico tendo a 10-03-2017 sido emitido um parecer por BB, especialista em ..., que merece o acolhimento do Tribunal, nos termos do qual “(…) verificou-se que não houve rotura da fundação ou mecanismo de derrube global, nem escorregamento pela base. De acordo com informações recolhidas no local, que podem ser comprovadas com registos oficiais, ocorreram períodos de forte precipitação no dia anterior e nas horas que antecederam o acidente. Isso terá causado, além da saturação dos solos do aterro e consequente aumento do seu peso e do impulso de terras sobre o muro, a abertura de fendas no terrapleno em consequência da deformação do muro na zona onde depois o mesmo ruiu. Assim, terá sido o impulso hidrostático decorrente da entrada de água nessas fendas que provocou o colapso da estrutura, que não estava, como é normal, dimensionada para resistir ao impulso de terras acrescido de pressões hidrostáticas; a situação ocorreu em fase construtiva, previamente à impermeabilização da superfície, condição para a qual o muro estaria projectado, designada em termos de engenharia por “situação de serviço”. (…)

17) Em Maio de 2017 a Autora solicitou um novo relatório, desta feita à empresa M.…, que teve como intervenientes como Perito Coordenador CC, e como restantes peritos o Eng. DD, o Eng. EE o Eng. FF e p Dr. GG.

18) Tal relatório sugeriu uma opção construtiva diversa com reforço do muro de gabiões com recurso a ancoragens e betão projectado.

19) Na sequência desse relatório a Autora optou pela reconstrução do muro utilizando uma técnica que diminuísse a pressão que o peso do mesmo exerceria sobre o subsolo através da colocação de estacas de ferro na horizontal que trespassam o muro e a terra que o mesmo suporta

20) A Autora suportou os custos com os bens/serviços e mão de obra necessários à reconstrução do muro e à reposição da situação na zona adjacente, de quantia não concretamente apurada.

21) A Ré não assumiu perante a Autora a obrigação de indemnizar.

22) A empreitada em causa nos presentes autos foi comunicada pela Autora À Ré como tendo início em 07-11-2016 e a duração de 3 meses, com o seu termo em 07-02- 2017, e um valor previsto de € 807 000,00.

23) Na sequência de um email enviado pela Fidelidade, tendo como assunto “Apólice ...42 – renovação “, em que esta solicitou a previsão de facturação, por forma a apurar a anuidade de 2017, o corrector de seguros da Autora – HH da R... Lda. – referiu “O cliente não pretende renovar a apólice a partir de 01-01-2017, porque tem congénere, que com as mesmas coberturas, lhe aplica uma taxa de acerto bastante mais baixa”.

24) A Autora não dirigiu à Ré qualquer pedido prorrogação das garantias para além do prazo de execução da obra de 3 meses.

25) A Autora não procedeu ao pagamento de qualquer prémio relativo à anuidade que se iniciaria em 01-01-2017, da mesma forma que, em face do email referido em 23) e resposta da Autora ao mesmo, a Ré não emitiu qualquer aviso de pagamento.

26) As cláusulas do contrato de seguro foram discutidas entre a Ré e o corrector de seguros da Autora, aquando da sua subscrição.

27) O local do evento caracterizava-se pela passagem de uma linha de água, a qual tem aptidão a apresentar caudal quando ocorre precipitação.

28) À data do evento a linha de água não havia sido completamente desviada.

29) As partes do muro que ficaram de pé não demonstravam qualquer deformação.

30) Na zona e dia do evento ocorreu precipitação durante a madrugada e manhã que atingiu 15 a 20 mm, o que corresponde a um período de retorno inferior a 5 anos.

31) Entre as 00h e as 10h desse dia ocorreu precipitação na zona de cerca de 15 mm.

32) E a intensidade máxima da precipitação nesse período e naquela zona foi de 2 a 3 mm em 10 minutos.

33) A técnica utilizada pela Autora na reconstrução do muro é substancialmente mais cara que a utilizada na construção inicial.


15. Os factos considerados não provados pelas instâncias são os seguintes:

a) Que na data de subscrição do contrato de seguro não tenha sido disponibilizado à Autora qualquer documento referente às condições particulares ou gerais da apólice e as mesmas não tenham sido explicadas.

b) Que os trabalhos de escavação, aterro, compactação dos solos e construção do muro que as suportou tenham sido realizadas de forma coordenada e em simultâneo.

c) Que as obras necessárias e destinadas ao desvio da linha de água tenham sido realizadas de acordo com o cronograma.

d) Que as obras de escavação, aterro e compactação do solo, que justificaram a construção do muro de suporte de terras, tenham sido realizadas dentro dos prazos referidos e previstos no cronograma e de forma coordenada.

e) Que à data de 03-03-2017 estivessem realizadas todas as obras necessárias ao desvio da linha de água que atravessava o terreno e que poderia por em risco a segurança de qualquer das construções nele realizadas.

f) Que a derrocada do muro tenha ocorrida na sequência de inesperado movimento/aluimento de terras.

g) Que face ao teor do relatório referido em 16) a Autora tenha iniciado a reconstrução do muro e que na sequência desses trabalhos de reconstrução tenham sido detectados pequenos abatimentos que em nada se relacionavam com a eventual influência da pressão hidrostática lateral referida naquele relatório.

h) Que o acidente ocorrido tenha resultado de um abatimento subterrâneo do solo na zona de construção do muro

i) Que na reconstrução do muro a Autora tenha despendido em bens/serviços e mão de obra a quantia de € 1345 865,32.


16. No recurso de apelação, tendo havido impugnação da matéria de facto, conhecida pelo Tribunal recorrido, foram alterados alguns factos.


De Direito

17. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

As questões colocadas na revista são as seguintes:

a) Saber se o tribunal recorrido decidiu bem a impugnação da matéria de facto, nomeadamente fazendo uso de presunção judicial e se a mesma não padece de manifesta ilogicidade;

b) Saber se a decisão de direito está correcta, nomeadamente:

1. Quanto à cessação do contrato à data da ocorrência do sinistro;

2. Quanto à pós-eficácia do vínculo extinto;

3. Quanto à cobertura do sinistro pelo contrato de seguro celebrado;

4. Quanto à condenação da recorrida em quantia a liquidar em posterior incidente.

18. Iniciando a análise do recurso de revista vejamos a questão suscitada relativa ao conhecimento da impugnação da matéria de facto e ao modo como o tribunal exerceu os poderes legais na sua alteração, nos termos do art.º 662.º do CPC, pois entendemos que as questões suscitadas pela recorrente entroncam diretamente nesta norma jurídica, e porque, como é do conhecimento geral, o STJ só conhece de Direito e nesse âmbito – estando em causa a impugnação da matéria de facto – pode verificar se a alteração realizada pelo TR dos factos provados e não provados deixou de observar alguma disposição legal relativa ao valor de meios de prova de força tabelada – nos termos conjugados do art.º 674.º e 682.º do CPC.

18.1. No que respeita à primeira questão objecto do recurso, a recorrente começa por alegar que a decisão recorrida, no segmento em que apreciou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e decidiu manter o texto do facto provado 26, recorreu a ilações extraídas no domínio das presunções judiciais destituídas de qualquer base factual e eivadas de manifesta ilogicidade, contrariando a demais fundamentação de facto sobre a matéria, pelo que pede, a título principal,  a revogação da decisão e a eliminação do facto provado n.º 26 e, a título subsidiário, a manutenção deste na parte em que se refere exclusivamente às condições particulares de fls. 21 a 27.

Dispõe o n.º 1 do art. 662.º do Código de Processo Civil

A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

De acordo com a jurisprudência consolidada deste STJ entende-se que a este tribunal se permite  “verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes(-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)” (cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-2021; de 19-09-2017[1] e de 30-05-2019[2].

No caso:

a) A decisão impugnada, para concluir pela manutenção da matéria de facto como não provada, procedeu à apreciação de três documentos particulares consubstanciados nas “condições particulares”, “especiais” e “gerais” do contrato de seguro que integra a causa de pedir da presente acção, assim como dos depoimentos das testemunhas AA e HH; examinou, de forma crítica, tais meios de prova, explicitando a razão de ciência das testemunhas e formando uma convicção própria, a qual não se estribou em critérios imprecisos de análise;

b) Não se discutindo a violação pela decisão recorrida das regras atinentes a prova vinculada ou prova com força legalmente vinculativa, o juízo efetuado pela Relação a este respeito é um juízo cujo acerto, por se mover no âmbito da liberdade de apreciação de prova (cfr. arts. 366.º e 396.º do Código Civil e 466.º/3 do Código de Processo Civil), o Supremo Tribunal de Justiça se encontra impedido de sindicar, nos termos do disposto nos arts. 662.º/4 e 674.º/3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil;

c) A decisão recorrida recorreu, ainda, no percurso de fundamentação decisória empreendido, a presunções judiciais (cfr. art. 349.º do CC), retirando de um facto conhecido (o caráter específico das cláusulas particulares e especiais do contrato de seguro), por apelo a um raciocínio lógico-dedutivo assente nas regras da experiência e da normalidade do acontecer, a conclusão acerca da realidade de um facto desconhecido (a existência de prévias negociações sobre tais cláusulas);

Não há duvidas que o tribunal da Relação, na formação da sua convicção autónoma, se pode socorrer de presunções judiciais e que o STJ pode sindicar do uso de presunções judiciais se aquele ofender uma norma legal, padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados (cfr., a título exemplificativo, os acórdãos de 29-09-2016[3], de 11-04-2019[4] e de 24-11-2020.

Na situação dos autos, a presunção judicial extraída não partiu de factos não provados nem ofendeu qualquer norma legal, tendo ocorrido sobre matéria em relação à qual se mostra admissível o recurso a presunções judiciais (cfr. art. 351.º do CC, por referência aos arts. 392.º e seguintes do mesmo código e art. 607.º/5 do CPC, aplicável por via do art. 663.º/2 do mesmo diploma).

No que concerne à ilogicidade, recorrendo à decisão de facto e à respetiva motivação, onde se podem encontrar os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal extraiu ilações em sede dos factos essenciais (arts. 349.º do CC e 607.º/4 do CPC e acórdão do STJ de 29.09.2016[5]) verifica-se que, na situação em análise, do elenco dos factos provados consta o teor das cláusulas particulares e especiais (pontos 4 e 5), teor esse cuja natureza específica foi considerada relevante pelo tribunal “a quo” para extrair a conclusão acerca da existência de negociações entre as partes, e o raciocínio seguido pelo tribunal não apresenta qualquer nota de ilogicidade.

Acresce, ainda, que a convicção da Relação quanto à facticidade expressa no ponto 26, para além de esteirada na sobredita presunção judicial quanto às condições particulares e especiais do contrato, ancorou-se igualmente nos depoimentos das testemunhas AA e HH, meios de prova esses que, inscrevendo-se no domínio da livre apreciação do julgador, fundaram um juízo decisório insusceptível de reapreciação em sede de revista.

Em face do exposto, improcede a questão suscitada relativamente aos argumentos da recorrente indicados nos pontos 1 a 9 das respetivas conclusões.


18.2. Mas o recorrente também considera que dos elementos factuais apurados não resulta a ocorrência (ou não ocorrência) de um processo negocial entre as partes com vista à concretização do conteúdo da “cláusula 361”, mantendo-se controvertida a matéria atinente ao cumprimento pela recorrida dos deveres de informação e comunicação de tal cláusula.

Tendo sido pela recorrente alegados factos, nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial, que consubstanciam a existência da violação dos sobreditos deveres, pugna a autora pela ampliação da matéria de facto em conformidade com o estatuído no art. 682.º/3 do CPC, de molde que se constitua base factual suficiente para a decisão de direito.

Conhecendo.

Os factos cuja inclusão é pretendida pela recorrente não se identificam, no entanto, com os contantes dos arts. 9.º e 10.º da petição inicial, tendo sido alegados em sede de resposta à contestação e apresentando a seguinte formulação: “A Ré, em 18 de Abril de 2017, enviou à Autora uma carta na qual, para além do mais, se escreve o seguinte: “Assunto: Apólice ...42”. “Salientamos que os danos aos terceiros lesados serão regularizados ao abrigo da cobertura de responsabilidade civil”; “A Ré pagou a indemnização aos terceiros lesados pelo sinistro no âmbito da cobertura para os riscos de responsabilidade civil da Apólice ...42”.

A decisão recorrida entendeu não ser de incluir a facticidade em crise no acervo de factos provados, tendo em conta que a mesma não foi alegada em sede de petição inicial e que o pretendido aditamento se revelaria absolutamente inócuo para a aferição da validade e eficácia do contrato de seguro.

Importa, para responder à questão suscitada indicar que possibilidade de o STJ determinar a ampliação da decisão de facto fixada pelas instâncias, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, está sujeita a determinados pressupostos, a saber: (i) a ampliação só pode ter por objeto factos que tenham sido oportunamente alegados pelas partes, nos articulados normais do processo ou em articulado superveniente;

(ii) é necessário que os factos em questão sejam ainda controvertidos;

(iii) os factos em falta sobre cuja verificação não haja decisão hão-se ser necessários à integração da previsão de uma ou mais normas aplicáveis, de acordo com a orientação jurídica que o Tribunal entenda dever perfilhar.

Isto significa que não basta a relevância dos factos para uma das várias soluções plausíveis de direito.

Ora, ao contrário do que faz supor a recorrente, os factos em análise – ainda que suscetíveis de consideração pelo tribunal enquanto factos complementares ao abrigo do disposto no art. 5.º/2/b) do CPC e objeto de um juízo probatório afirmativo – não permitiriam concluir pelos termos do processo negocial existente entre as partes com vista à concretização do conteúdo da “cláusula 361”, considerando que a facticidade em análise se reporta a data posterior à ocorrência do sinistro, nem tais factos são suscptíveis de integrar uma previsão normativa aplicável à solução jurídica do caso, tal como este tribunal o prefigura.

Pelo que também improcedem os argumentos constantes das conclusões dos pontos 13 a 19


19. Passando agora à segunda questão do recurso.

Fazendo uma breve apresentação do recurso de apelação, podemos dizer que, após julgar a impugnação da matéria de facto – nos termos já indicados – o tribunal debruçou-se sobre a situação dos autos, analisou-a e formulou diversos pontos de síntese, que vieram a sustentar a sua decisão final.

No acórdão recorrido o tribunal partiu dos seguintes elementos (transcrição parcial, por nossa selecção):

- Quanto à qualificação do contrato como sendo de seguro:

“Atenta a factualidade dada como provada sob os n.ºs 2, 3 e 4, é incontroverso que as partes celebraram entre si um contrato de seguro no ramo construção/montagem, assumindo a ora Recorrente a posição de tomadora do seguroe a ora Recorrida é a respetiva seguradora.”

- Quanto à qualificação do contrato como sendo contrato com negociação individualizada das cláusulas contratadas por oposição a contrato de adesão:

“Conforme decorre da decisão de facto, sob o n.º 26, ficou provado que «as cláusulas do contrato de seguro foram discutidas entre a Ré e o corretor de seguros da Autora, aquando da sua subscrição». Diversamente do que refere o Recorrente, tais cláusulas compreendem as condições gerais, especiais e particulares relativas ao contrato de seguro em causa. Com efeito, não tendo sido indicadas expressamente «as cláusulas (…) discutidas», deve entender-se que foram todas elas.”

- No modo como o contrato foi celebrado:

“Na situação em apreço houve intervenção de «corretor de seguros da Autora».”

- Quanto à extinção do contrato de seguro à data do sinistro:

“Face a tal factualidade apurada (justificou com factos 23 e 25[6]), conclui-se que o contrato de seguro em causa nos presentes autos cessou, por resolução, com efeitos a um de janeiro de 2017.”

Essa conclusão não seria afectada pelo facto da declaração de cessação contratual da A., ter sido feita pela respetiva corretora – porque não afetaria a validade e eficácia da mesma; e seria confirmada pela circunstância da seguradora não ter entretanto emitido o respetivo aviso de pagamento quanto à anuidade de 2017, o que revelaria que a mesma aceitou tacitamente a revogação contratual.

- Sobre a eficácia do contrato de seguro quanto ao sinistro:

“o contrato de seguro a que referem os autos cobria o período de construção em si mesmo, bem como os dois anos subsequentes à construção, contados desde a receção provisória da obra ou entrada em uso desta, conforme a data «que ocorrer primeiro”;

- “(…) na situação vertente, o sinistro ocorreu em data posterior ao termo final do prazo previsto para a execução da obra, ou seja, para além do denominado «período de montagem».

Com efeito, conforme decorre dos factos dados como provados sob os n.ºs 12, 22 e 24, o termo final de execução da obra em causa foi indicado para «07-02-2017» e o sinistro ocorreu em «03-03-2017», sem que a A. tenha dirigido «à R. qualquer pedido de prorrogação das garantias para além do prazo de execução da obra».

Na falta daquele pedido, urge entender que as garantias relativas a chamado «período de montagem» já tinham terminado aquando o sinistro, ocorrido em 03.03.2017, e que as garantias relativas ao denominado «período de manutenção» ainda não se tinham iniciado, pois ainda não tinha havido «recepção provisória ou entrada em uso» da obra, sendo que então esta ainda decorria, conforme decorre da conjugação dos factos dados como provados sob os n.ºs 9 e 28: a obra em causa compreendia «obras de condicionamento e desvio» de «uma linha de água antiga», a qual «à data do sinistro (…) não havia sido completamente desviada».”

Mas o tribunal também disse:

“Mesmo que se entendesse, como a Recorrente, que não ocorreu cessação do contrato de seguro em causa e que a data do sinistro estava compreendida no «período de montagem» ou de «período de manutenção», mesmo assim, sempre improcederia o presente recurso, por a causa do sinistro não estar abrangida pelo contrato de seguro a que se referem os autos. (…) Na matéria relevam os factos dados como provados com o n.º 4, 5, 16 e 30 a 32.

Daquele primeiro facto decorre que as partes acordaram excluir do seguro «valores de precipitação atmosférica (…) inferiores aos valores máximos ocorridos no período de retorno mencionado nas condições particulares».

Do facto indicado com o n.º 5 decorre o contrato de seguro em apreço abrangia a condição especial «361», isto é, acautelava, além do mais, «precipitações» com «período de retorno» não inferiores a «20 (vinte) anos».

Ora, o período de retorno corresponde ao hiato estimado entre ocorrências de igual magnitude de um fenómeno natural, no caso a chuva.

Tal significa que no caso em apreço estavam apenas salvaguardadas pelo contrato de seguro chuvadas que, grosso modo, apenas ocorressem habitualmente de vinte em vinte anos ou não tivessem ocorrido nos últimos vinte anos: só chuvas com tal magnitude estariam cobertas pelo seguro.

Ora, da factualidade provada indicada com os n.ºs 16 e 30 a 32 decorre que in casu o muro ruiu em virtude de precipitação com período de retorno inferior a 5 anos, o que não está coberto pelo contrato de seguro em causa.

Ou seja, tendo-se demonstrado que o muro ruiu, não em função de um aluimento, como pretendia a Recorrente, mas em virtude de uma precipitação com retorno inferior a 5 anos, a condição especial contratual em causa, a «361», mostra-se excluída, por a precipitação caída in casu não corresponder a um período de retorno igual ou superior a 20 anos, termos em que não é possível responsabilizar a ora Recorrida ao abrigo do contrato de seguro em apreço.

Embora o «aluimento», enquanto fenómeno geológico decorrente da geodinâmica da terra, constituísse uma condição particular igualmente contratada, esta sob o n.º «303», o certo é que ficou provado sob o n.º 16 dos factos provados que in casu «não houve rotura da fundação ou mecanismo de derrube global, nem escorregamento pela base», o que exclui a ocorrência de aluimento como causa do sinistro.”

19.1.  As subquestões que se integram na segunda questão estão já elencadas, sendo devida uma análise específica para cada uma.

20. Da cessação do contrato à data da ocorrência do sinistro

Recorrendo a um critério de precedência lógica na apreciação das questões suscitadas – diverso do adoptado pela decisão recorrida – cumpre, de seguida, verificar se o tribunal “a quo” merece censura ao ter decidido que o contrato, à data da ocorrência do sinistro, já se encontrava extinto por resolução.

Quanto à questão de saber se o contrato de seguro celerado entre as partes – de seguro de danos (art.º art. 123.º da LCS) - estava em vigor aquando da data da ocorrência do sinistro, nomeadamente por ter sido objecto de renovação automática em data anterior à data do envio do e-mail por parte do corretor de seguros da autora transmitindo que a cliente não pretendia renovar a apólice a partir de 01-01-2017 – posição do recorrente – importa analisar os factos provados e a lei.

Dos factos provados resulta:

1 - O contrato de seguro sob escrutínio abrangia exclusivamente os sinistros ocorridos durante o seu período de vigência (art. 2.º/3 das condições gerais).

2 - De acordo com as suas condições particulares, “a apólice renova-se automaticamente por iguais períodos, salvo aviso em contrário de qualquer das partes, efetuado por meio de carta registada, enviada com antecedência mínima de 30 dias antes do termo” (ponto 5 dos factos provados).

3 - Foi efectuada uma declaração de extinção do contrato, pelo corretor de seguros, mas esta não foi realizada por carta registada com aviso de recepção e não se sabe a data exacta em que foi emitida e enviada a declaração;

4 - Não houve emissão pela seguradora do aviso de pagamento do prémio relativo à anuidade iniciada a 01-01-2017 (ponto 25 dos factos provados);

5 - O sinistro ocorreu em data em que o contrato inicial não estava em vigor (Início do seguro: 01-01-2016), pois o mesmo renovar-se-ia a 1/1/2017 (ponto 5 dos factos provados) e a derrocada é de 03-03-2017 (ponto 14 dos factos provados).


Da lei resulta:

1 - A declaração de extinção do contrato, pelo corretor de seguros vincula a recorrente nos termos do art. 31.º/1 da LCS;

2 - A declaração negocial contendo a intenção de oposição à renovação do contrato subsume-se à figura da denúncia (art. 112.º/1 da LCS); em causa está um regime de denúncia livre (ad nutum), a que se refere o art. 14.3/a) das condições gerais do contrato celebrado, aplicável ao seguro ajustado com duração limitada (prazo certo) e com prorrogação automática por igual período;

3 - A denúncia é uma declaração negocial receptícia, tornando-se eficaz depois de chegar ao poder ou ser conhecida pelo outro contraente (art. 224º, n.º 1, 1.ª parte, do CC, aplicável por remissão do estatuído no art. 295.º do mesmo diploma).

4 - Nada obsta a que a seguradora aceite a extinção do contrato por denúncia do seu cliente mesmo que a oposição à renovação não tenha respeitado a forma contratualmente prevista ou o prazo.

5 - Essa aceitação – tácita – pode deduzir-se do facto provado 25.

6 - Com essa aceitação o contrato não se renovaria, caducando na data prevista para o seu termo.


O efeito jurídico decorrente da lei relativamente aos factos provados indicados não seria susceptível de alteração com o aditamento de um novo facto pedido pelo recorrente, a saber, o de a seguradora ter pago a indemnização aos terceiros lesados pelo sinistro no âmbito da cobertura para os riscos de responsabilidade civil da apólice, porquanto é alheio à relação com o recorrente e dele não decorre existir uma obrigação da seguradora para com o cliente/recorrente.


21. Porém, o facto de o contrato não estar em vigor na data do sinistro, não é suficiente para resolver os problemas suscitados no presente recurso, porquanto a recorrente defende que existia uma eficácia do vínculo anterior que abarcaria factos posteriores e esta ideia é defendida na sentença e não expressamente contrariada pela decisão recorrida, nem outra ideia é avançada pela seguradora (cf. contra-alegações da apelação, nomeadamente na seguinte passagem: “Ora, se o período de montagem, ou de execução, era até 24 meses, resulta claro para qualquer parte neste contrato, como para qualquer pessoa que interprete o mesmo, que tem de ser fixado caso a caso qual será esse período até 24 meses. O que só pode resultar do prazo de execução da empreitada em questão. E esta tinha um prazo de execução de 3 meses com início em 07/11/2016, com termo em 07/02/2017 – cfr. o facto assente nº 22. E se é o próprio contrato que prevê a necessidade do segurado, a ora apelante, pedir a prorrogação desse prazo caso a execução não termine dentro do prazo inicialmente previsto e declarado, assim como o pagamento do correspondente sobreprémio proporcionalmente ao período de prorrogação, não se vê como, de boa fé, pode a ora apelante pretender que todas as empreitadas, independentemente do prazo por si comunicado, seriam garantidas, quanto à respetiva execução, por períodos de 24 meses…” – p. 6; a mesma ideia está presente na contestação ao dizer “Ficou ainda acordado no âmbito do contrato de seguro dos autos, sob a epígrafe “Outras Condições Aplicáveis”, que, «independentemente da data de vencimento deste contrato de seguro, fica expressamente acordado que em caso de anulação do mesmo, a(s) cobertura(s) em relação a qualquer empreitada segura continuará até ao termo inicialmente previsto, incluindo quaisquer prorrogações e períodos de manutenção, de acordo com o disposto nestas Condições Particulares»)” – art.º 5º).

Quer isto dizer que no contrato dos autos não há lugar à aplicação da norma supletiva do art.º 106.º, n.º 2 da LCS, nos termos da qual “A cessação do contrato de seguro não prejudica a obrigação do segurador de efectuar a prestação decorrente da cobertura do risco, desde que o sinistro seja anterior ou concomitante com a cessação e ainda que este tenha sido a causa da cessação do contrato” por ter sido convencionado um regime diverso e essa convenção ser permitida ao abrigo da lei e da autonomia da vontade (art.º 405.º do CC).

Assim, não havia uma exclusão absoluta da empreitada da cobertura da apólice contratada.


22. Contudo, dos factos provados resulta:

i) O sinistro ocorreu a 03-03-2017, na sequência da realização de obras de aterro e de compactação de solos (cfr. pontos 12 e 13 da matéria de facto provada), numa fase em que se procedia à realização de obras de condicionamento e desvio de uma linha de água antiga, embora seca (pontos 9 e 28 da matéria de facto provada);

ii) A empreitada em causa foi comunicada pela recorrente à recorrida como tendo início a 07-11-2016 e termo a 07-02-2017, numa duração global de 3 meses (ponto 22 dos factos provados);

iii)  De acordo com as condições particulares do contrato resulta que, no que concerne à fase de montagem, o período de seguro abrangia até 24 meses por empreitada;

iv) Nos termos de tais condições, a recorrente tinha a obrigação de comunicar à seguradora antes do início dos trabalhos todas as empreitadas a garantir na apólice, indicando o valor dos trabalhos, local de realização e prazos de execução.

E da conjugação desses factos com o contrato celebrado é de concluir, como o tribunal recorrido, no sentido de o sinistro ter ocorrido fora do prazo da garantia comunicada pelo recorrente pois a empreitada em causa teve início em 07-11-2016 com uma duração de 3 meses, com o seu termo em 07-02- 2017 (ponto 22 dos factos provados), não tendo havido qualquer pedido de prorrogação das garantias, nem sendo pago qualquer valor a título de prémio.


22.1. Nas condições gerais do contrato foi estabelecido – art.º 3.º, n.º 3 - Salvo convenção em contrário constante das condições particulares, o presente contrato abrange exclusivamente os sinistros ocorridos durante o seu período de vigência e cujas perdas e danos sejam reclamados ao Segurador no prazo máximo de 2 anos após a sua cessação – ponto 3 dos factos provados.

De acordo com as condições especiais do contrato, o contrato abarcaria o risco relativo ao código “303 – Tempestades, tufões, ciclones, furacões, inundações e aluimento de terras”.

E no ponto 309 ficou acordado que o período de garantia seria o resultante das condições gerais – ponto 4 dos factos provados.

E do ponto 5 dos factos provados, quanto às condições particulares, ficou provado ter sido acordado:

Períodos e datas

Início do seguro: 01-01-2016

Período de montagem: Até 24 meses por empreitada;

Período de manutenção: 24 meses por empreitada, com início após a recepção provisória ou entrada em uso, o que ocorrer primeiro.

Para o risco de Responsabilidade Civil: Desde o início do Seguro até ao termo do período de manutenção, por empreitada;

Meios Auxiliares de construção: Desde a ata de início do seguro, até ao termo do período de construção;

Período de ensaios: 4 semanas, incluídos no período de montagem, por empreitada.

Todos os contratos com períodos superiores aos acima referidos ficam automaticamente cobertos ao abrigo desta apólice por um período máximo de 15 dias a partir da data de início dos trabalhos da respectiva empreitada e poderão ficar garantidos definitivamente mediante condições a estabelecer pela seguradora e mutuamente acordadas e aceites.

(…)

Outras condições aplicáveis

Independentemente da data de vencimento deste contrato de seguro, fica expressamente acordado que, em caso de anulação do mesmo, a cobertura em relação a qualquer empreitada segura continuará até ao termo inicialmente previsto, incluindo quaisquer prorrogações e períodos de manutenção, de acordo com o disposto nestas condições particulares.


22.2. Dos demais factos provados resultou ainda:

22. A empreitada em causa nos presentes autos foi comunicada pela Autora À Ré como tendo início em 07-11-2016 e a duração de 3 meses, com o seu termo em 07-02- 2017, e um valor previsto de € 807 000,00.

23. Na sequência de um email enviado pela Fidelidade, tendo como assunto “Apólice ...42 – renovação “, em que esta solicitou a previsão de facturação, por forma a apurar a anuidade de 2017, o corrector de seguros da Autora – HH da R... Lda. – referiu “O cliente não pretende renovar a apólice a partir de 01-01-2017, porque tem congénere, que com as mesmas coberturas, lhe aplica uma taxa de acerto bastante mais baixa”.

24. A Autora não dirigiu à Ré qualquer pedido prorrogação das garantias para além do prazo de execução da obra de 3 meses.


22.3. Cremos assim que assistiu razão à sentença quando decidiu que a acção devia improceder, justificando nos seguintes termos:

“3.2.3. Dos efeitos do contrato de seguro no tempo

O Seguro de obra é um seguro destinado a empreiteiros e subempreiteiros, donos de obra e entidades financiadoras (como forma de garantir os seus capitais), para cobertura dos riscos associados à execução de obras, que garante o pagamento das perdas e danos materiais causados aos trabalhos de construção civil (incluindo as montagens, instalações técnicas, acabamentos e equipamentos) quando seja necessária a sua reconstrução, reparação ou substituição.

Quando começa e acaba a cobertura deste tipo de contratos?

O contrato de seguro tem início na data prevista nas Condições particulares e tem a duração prevista na apólice. Quando for celebrado por um período de tempo determinado, os efeitos do contrato cessam conforme o estipulado no contrato:

Período de Construção

Início: assim que os bens são descarregados no local da obra ou nas áreas de armazenamento (estaleiro).

Termo: assim que ocorra 1 das 3 situações: entrega provisória formal da obra, entrada em serviço da mesma ou tomada de posse por parte do dono da obra.

Período de Manutenção

Começa a contar imediatamente após o fim do período de construção e pode ser de 6,12 ou 24 meses.

Período de Testes

Período de 4 semanas incluído no período de construção e que ocorre antes da data termo.

  Responsabilidade Civil Extracontratual

(…)

Este período coincide com o período de construção (salvo se contratada uma cobertura especifica que permita a extensão do período de manutenção).

Caso a obra segura não esteja concluída no prazo estabelecido, deverá ser solicitada a respetiva prorrogação, até 15 dias úteis antes da data termo do período de construção.

No caso em apreço estamos perante um evento ocorrido antes da obra terminada, durante o chamado período de construção.

Mas se o evento e dano na esfera da Autora ocorreu durante o período de construção e antes da obra terminada será que para efeitos de seguro podemos fazer a mesma afirmação?

Independentemente de o seguro se ter extinguido/cessado em Janeiro de 2017 os seus efeitos mantinham-se durante 24 meses.

Mas, na leitura que fazemos do contrato de seguro celebrado nos presentes autos, podemos concluir o seguinte:

- danos em obra serão aqueles ocorridos antes da obra terminada e concluída a mesma e que ocorram dentro da janela temporal do prazo de execução da obra formal e obrigatoriamente comunicado à seguradora, sem prejuízo de eventuais prorrogações e consequentes pagamentos do sobre prémio acrescido.

- danos de manutenção serão os ocorridos depois da obra terminada, independentemente de o contrato de manter em vigor, no prazo contratualmente estabelecido e que no caso foi de 24 meses.

Se estivéssemos no caso dos autos perante um dano de manutenção dúvidas não teríamos em afirmar que, independentemente de a causa do evento estar ou não abrangida pelo seguro – questão do aluimento versus precipitação e período de retorno –, as garantias do contrato de seguro seriam invocáveis perante a Ré.

A cobertura deste seguro- no que respeita a danos de obra - alcança, relativamente a cada uma das obras, o seu período de duração, sendo que em caso de alteração da duração cabe ao tomador de seguro, no caso a Autora, requerer a prorrogação do prazo /alargamento do período de seguro.

Daquilo que resultou do depoimento da testemunha HH à data do sinistro e do dano da construção a Autora já tinha subscrito um novo seguro de obra junto de uma congénere da Ré.

Assim, podemos afirmar que:

- o evento e o dano ocorreram antes da obra concluída, logo durante o período de construção;

- nos termos comunicados pela Autora à Ré, a coberto do clausulado no contrato de seguro, a obra em causa teria terminado no dia 07-02-2017, sendo certo que o Alvará tinha como data de validade 12 de Fevereiro de 2017;

- em 03-03-2017 – data em que ocorreu o sinistro – a obra ainda não havia terminado;

- a Autora não comunicou à Ré qualquer alteração ao período de duração da obra – nomeadamente para efeitos de alteração do risco – ao abrigo do disposto nas “outras condições aplicáveis” das condições particulares.

Não tendo a Autora comunicado esse alargamento do prazo de execução da obra – no qual estão garantidos os danos de construção – não poderá a mesma, em nosso entender, fazer-se valer do contrato de seguro que, sendo um contrato aberto relativamente às obras nele incluídas e ao prazo de duração das mesmas, não foi por ela alterado nos termos impostos contratualmente.

A derrapagem na execução de uma obra implica uma variável no risco decorrente da sua execução. O risco é directamente proporcional ao tempo de duração da obra, pelo que quanto maior a duração da obra, maior o risco inerente à mesma.

Por essa razão faz todo o sentido que o contrato de seguro celebrado entre as partes preveja: (i) a necessidade de comunicação do prazo de duração da obra e seu valor; (ii) a necessidade de comunicação desse pedido de prorrogação; (iii) aceitação pela seguradora e (iv) o pagamento de um prémio de alargamento.”

No mesmo sentido o acórdão recorrido também decidiu bem, justificando:

“O  contrato de seguro em  causa tinha  por  objeto a «construção/montagem» da obra e cobria, além do mais, também a «manutenção da obra».

Conforme decorre do facto dado como provado sob o n.º 5, o «período de montagem» poderia ir «até 24 (vinte e quatro) meses, por empreitada» e teria um «período de manutenção» de «24 (vinte e quatro) meses por empreitada, com início após a recepção provisória ou entrada em uso, o que ocorrer primeiro».

Ou seja, o contrato de seguro a que referem os autos cobria o período de construção em si mesmo, bem como os dois anos subsequentes à construção, contados desde a receção provisória da obra ou entrada em uso desta, conforme a data «que ocorrer primeiro».

In casu, o termo inicial e final do período de construção era indicado obra a obra pela ora Recorrente, conforme decorre das «condições particulares» do contrato de seguro em apreço e resulta do facto dado como provado sob o n.º 5: «O segurado obriga-se a comunicar ao Segurador antes do início dos trabalhos todas as empreitadas a garantir na apólice, indicando o valor dos trabalhos, local da realização e prazos de execução».

Claro que, por contingências várias, o prazo inicialmente previsto para a execução da obra poderá no decurso da mesma mostrar-se diminuto e, pois, ter que ser prorrogado.

Nesse caso, com recurso ao referido facto dado como provado sob o n.º 5, sempre antes do termo final inicialmente previsto para a execução da obra, incumbia à Recorrente informar a Recorrida do novo prazo estimado para a conclusão da obra.

Entender o contrário, seria desvirtuar a própria natureza do contrato de seguro, o qual cobre um «evento aleatório» ocorrido no prazo previamente contratualizado, conforme disposto no referido artigo 1.º da LCS.

Seria permitir que o Tomador do Seguro responsabilizasse a Seguradora por eventos ocorridos não contratualizados, onerando, assim, injustificadamente a posição da Seguradora.

Ora, na situação vertente, o sinistro ocorreu em data posterior ao termo final do prazo previsto para a execução da obra, ou seja, para além do denominado «período de montagem».

Com efeito, conforme decorre dos factos dados como provados sob os n.ºs 12, 22 e 24, o termo final de execução da obra em causa foi indicado para «07-02-2017» e o sinistro ocorreu em «03-03-2017», sem que a A. tenha dirigido «à R. qualquer pedido de prorrogação das garantias para além do prazo de execução da obra».

Na falta daquele pedido, urge entender que as garantias relativas a chamado «período de montagem» já tinham terminado aquando o sinistro, ocorrido em 03.03.2017, e que as garantias relativas ao denominado «período de manutenção» ainda não se tinham iniciado, pois ainda não tinha havido «recepção provisória ou entrada em uso» da obra, sendo que então esta ainda decorria, conforme decorre da conjugação dos factos dados como provados sob os n.ºs 9 e 28: a obra em causa compreendia «obras de condicionamento e desvio» de «uma linha de água antiga», a qual «à data do sinistro (…) não havia sido completamente desviada».

Nestes termos, o sinistro em causa não se mostra abrangido pelo contrato de seguro em apreciação, devendo, por isso, improceder o presente recurso.”

22.4. Não se considera procedente o argumento segundo o qual a falta de informação dos efeitos da extensão de duração da empreitada não poder ser a perda da garantia.

A indicação dos prazos de duração da empreitada com início e fim, no contexto do contrato, só poderiam redundar no enorme relevo das datas em causa, porquanto as mesmas balizariam os períodos de garantia, definidos genericamente até 24 meses, mas sempre moldados sobre a duração de cada obra.

O A. não podia ignorar este elemento essencial e específico do contrato em causa, sobretudo por se tratar de um empreiteiro geral com várias subempreitadas de elevado valor, e não se tratar de um sujeito sem experiência na actividade e riscos em causa.

Ao contrário do que propugna a recorrente, um declaratário normal colocado na posição de declaratário real no âmbito do contrato dos autos não poderia deduzir que o período de cobertura é de 24 meses, sem exceção, quando os elementos da apólice são claros no sentido de o período ir até 24 meses. Esta expressão tem necessariamente de ser interpretada como não incluindo sempre os 24 meses, mas podendo ir até lá (artigo 236º do Código Civil).

Do contrato resulta que o segurado tinha de comunicar o período de duração da obra, o que deve incluir igualmente qualquer alteração ao mesmo, para que se pudesse considerar a obra incluída na garantia, até ao limite dos 24 meses, sob pena de a garantia do período de montagem se reportar apenas ao período da obra comunicado.


23. Ficam prejudicadas as demais questões colocadas na revista.


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 24 de Maio de 2022


Fátima Gomes (relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira

_______

[1] Processo número 3805/04.0TBSXL.L1.S1, não publicado na “dgsi.”
[2] Processo número 156/16.0T8BCL.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2ce2ee5787ff982a8025840a0050ec20?OpenDocument
[3] Processo número 286/10.2TBLSB.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/857116e69aa1f4a78025803d005539fc?OpenDocument
[4] Processo número 8531/14.9T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1b13eba9c6324a64802583d9004fb16a?OpenDocument
[5] Processo n.º 286/10.2TBLSB.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/857116e69aa1f4a78025803d005539fc?OpenDocument
[6] Nossa autoria.