Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:0700/19.1BESNT
Data do Acordão:06/18/2025
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P33889
Nº do Documento:SAC202506180700
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:B... S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:

RELATÓRIO

“A..., S.A.” requereu em 24 de Setembro de 2018 uma injunção contra “B..., S.A.”, pedindo o pagamento da quantia de € 3.945,59, respeitantes a dívida, juros, despesas de cobrança e taxas de justiça, de facturas não pagas relativas ao fornecimento de água correspondente à diferença entre o total de água medido pelo conjunto dos contadores divisionários e o total de água medido por contador totalizador (vulgo, contador padrão), instalados em prédio da Rua ..., Aldeamento ..., ao abrigo de contrato celebrado.
A Requerida deduziu oposição e o processo foi enviado para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Cascais, Juiz 4 [Proc. n.º 104490/18.0YIPRT] que, por decisão de 25.01.2019, veio a declarar-se materialmente incompetente para conhecer do litígio por considerar que «[o]s serviços de fornecimento de água, de recolha e tratamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos são serviços públicos essenciais, aos quais é aplicável a Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, alterada pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro.
Os serviços nesta área são prestados pelas autarquias locais, pelas empresas públicas municipais ou por empresas concessionárias, cujas receitas, taxas e preços são da titularidade dos municípios, nos termos dos artigos 14.º, alínea 3), 20.º e 21.º da Lei n.º 73/2012, de 3 de Setembro, que aprovou o regime financeiro das autarquias locais e entidades intermunicipais.
Tais receitas, independentemente do nome que lhes seja atribuído, são receitas de natureza tributária, constando o seu regime na lei geral tributária, conjugado com a regulamentação específica da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, complementada por outros diploma, como o Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto, alterado pela Lei n.º 12/2014, de 6 de Março, que estabeleceu o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, modificando os regimes de facturação e contraordenacional, estabelecendo normas mínimas de facturação e conteúdos obrigatórios na factura.
Assim, confluem na análise deste tipo de contratos, normas privadas e normas públicas, sendo que as normas públicas assumem primazia, na forma como regulam o conteúdo mínimo da facturação, no confronto com as entidades gestoras, o que sucede mesmo nos casos de serviço concessionado.
Logo, nos casos em que a cobrança coerciva destas receitas não siga as regras do processo de execução fiscal, em virtude de a gestão das redes estar concessionada, nem por isso, o Tribunal competente deixa de ser o administrativo, na medida em que no dizer do Ac. do Tribunal de Conflitos de 24.04.2014, relatado por Victor Távora e disponível em http://www.dgsi.pt, “está aqui em causa mais do que um contrato de fornecimento de água regulado pelas normas de direito privado antes aquele se apresenta funcionalmente moldado por normas de direito público e sujeitas a preços que fogem ao controlo do mercado, já que em princípio não visam a obtenção de um lucro mas a satisfação de necessidades básicas, sendo à partida autoritariamente fixados por entidades públicas”.
(…) Nos presentes autos a relação jurídica que a autora pretende ver apreciada é de natureza pública/administrativa, no âmbito de um processo de natureza administrativa que corre termos naquela instituição de direito público.
Deste modo, não tem este tribunal competência material para apreciar o pedido efectuado nos autos, nos termos do disposto no artigo 64.º, do Código de Processo Civil, incompetência essa que, nos termos do disposto nos artigos 96.º, e 97º, do mesmo diploma legal, pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal».
A pedido da Requerente foram os autos remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Nesse Tribunal, a Requerente foi convidada a apresentar petição inicial corrigida e aperfeiçoada.
Apresentada nova petição e citada a Ré, esta defendeu-se por excepção, invocando a nulidade da cláusula segunda da adenda ao contrato, e por impugnação. Em sede de réplica, a Autora pugnou pela improcedência da excepção.
Por sentença proferida em 26 de Agosto de 2020 também o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra se considerou incompetente em razão da matéria por entender que «(…) a pretensão formulada nos autos de condenação ao pagamento daqueles serviços de fornecimento de água efectuados pelo A. enquanto prestador, sustenta-se no incumprimento por banda do R. enquanto consumidor ou utilizador final do correspondente contrato de fornecimento celebrado pelas partes, relativo ao preço devido por aquela prestação.
Ou seja, estamos aqui face a um contrato sinalagmático de que derivam obrigações de cumprimento das prestações por ambas as partes, o qual “...não é atingido por uma regulação de direito público...” nas doutas palavras do Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 21.01.14, proferido no Proc. n.º 044/13, que aqui se acolhe por entendermos de igual modo que a matéria de incumprimento de contrato de fornecimento de água não se insere numa relação jurídica administrativa-tributária, antes resulta numa relação de direito privado submetida aos Tribunais Comuns, ainda que a entidade fornecedora seja uma entidade pública ou uma concessionária. (…)
No referido Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 21.01.14, relativamente à questão de saber qual o tribunal competente para conhecer a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias na qual a Autora, concessionária da exploração e gestão dos serviços público municipais de distribuição de água, pede a condenação do Réu no pagamento de quantias relativas ao fornecimento de água objecto do referido contrato, decidiu-se pela competência dos tribunais judiciais.
Nesse mesmo sentido hoje, aliás, o legislador expressamente excluiu do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal «[a] apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva», como resulta do disposto na alínea e) do n.º 4 do art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 2.º da Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro».
A Autora interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por decisão sumária proferida em 20 de Dezembro de 2024, negou provimento ao recurso.
A pedido da Autora, os autos foram remetidos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Cascais, que em 17 de Fevereiro de 2025 proferiu despacho no qual decidiu «(…) no sentido de evitar delongas, tendo presente o disposto na Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, solicito ao Colendo Tribunal de Conflitos consulta no sentido de confirmar a competência ou a incompetência deste Tribunal, para apreciar o pedido formulado nos presentes autos».
Enviados os autos para o Supremo Tribunal de Justiça, Sua Excelência o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu em 19 de Março de 2025 que «[c]onsiderando a remessa do processo a este Tribunal, não como um indevido pedido de consulta, mas sim como uma suscitação oficiosa da situação de conflito, e tendo a última decisão sido proferida por um Tribunal da jurisdição administrativa, a presidência do Tribunal de Conflitos compete ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 2.º, n.º 2 da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro), pelo que os autos devem ser-lhe remetidos.
Pelo exposto determino a remessa dos presentes autos ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, na qualidade de Presidente do Tribunal de Conflitos».
Recebido o processo neste Tribunal dos Conflitos e determinada a sua distribuição, foram as partes notificadas para efeitos do disposto no art. 11.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, e nada disseram.
O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de «in casu, não ter aplicação a nova redacção dada pela Lei n.º 114/2019, de 12/09 ao artigo 4.º, n.º 4, alínea e) do ETAF, entrada em vigor em 12.11.2019, aplicando-se a redacção vigente à data de 24/09/2018, que foi o momento em que deu entrada o requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções, em respeito pelo estatuído no artigo 38.º, n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário - Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e porque a Lei n.º 114/2019, de 12/09 não contém uma norma de aplicação no tempo».

APRECIAÇÃO DA QUESTÃO

Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [art. 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), art. 64.º do Código de Processo Civil (CPC) e art. 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» [art. 212.º, n.º 3, da CRP e art. 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro].
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art. 4.º do ETAF, com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (n.ºs 3 e 4). Deste preceito importa reter o disposto na alínea e) do n.º 4 que excluí do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal os litígios «emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva» (redacção introduzida pela Lei n. º 114/2019, de 12.09).
A alínea e) do n.º 4 do art. 4.º do ETAF, que foi introduzida pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, veio excluir do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “[a] apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva”.
Na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 167/XIII, que deu origem à referida Lei n.º 114/2019, consta o seguinte: «A necessidade de clarificar determinados regimes, que originam inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição. Esclarece-se que fica excluída da jurisdição a competência para a apreciação de litígios decorrentes da prestação e fornecimento de serviços públicos essenciais. Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de Julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo» (disponível em https://www.parlamento.pt).
A Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente. De acordo com o art. 1.º, n.º 2, alínea a), da referida Lei, de entre os serviços públicos abrangidos encontra-se o serviço de fornecimento de água.
A Lei n.º 114/2019 entrou em vigor em 11 de Novembro de 2019 e não regula a sua própria aplicação no tempo. Assim, a alteração introduzida por esta Lei, no sentido de excluir do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação daqueles litígios, não abrange as acções pendentes, de acordo com o disposto no art. 5.º do ETAF (no mesmo sentido o art. 38.º da LOSJ).
Ora, o requerimento de injunção foi apresentado no Balcão Nacional de Injunções em 24 de Setembro de 2018, data esta que é a que releva como data de propositura da acção (Cfr., neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos deste Tribunal dos Conflitos:
- de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo n.º 1574/20.5T8CSC.S1, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/3feddf3d0e625a66802586950064c6ed;
- de 24 de Fevereiro de 2021, proferido no processo n.º 1573/20.7T8CSC.S1, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/f7ca858d9c69372a80258695006bc219;
- de 19 de Janeiro de 2022, proferido no processo n.º 35/21, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/5cbfe1aa01aa7f58802587d4003d14b0.), pelo que não é aplicável ao caso as alterações introduzidas pela Lei n.º 114/19, de 12 de Setembro.
A questão que está em causa nos autos é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar um litígio respeitante ao pagamento de facturas de fornecimento de água correspondente à diferença entre o total de água medido pelo conjunto dos contadores divisionários e o total de água medido por contador totalizador (vulgo, contador padrão), instalados em prédio, ao abrigo de contrato celebrado entre a Requerente, uma empresa concessionária do Sistema Municipal de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais do Município de Cascais, e um condomínio.
Questão que foi apreciada diversas vezes por este Tribunal dos Conflitos, em casos de contornos essencialmente iguais aos do presente, e em que concluiu tratar-se de questão da competência dos tribunais tributários (Cfr. os seguintes acórdãos do Tribunal de Conflitos:
- de 25 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 33/13, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/43b3e20278ae24cc80257c68004b7845;
- de 26 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 30/13, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/5c3b4e228b446ce380257c060033d8b5;
- de 5 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 39/13, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/c2044f856b011d4c80257c920042b61b;
- de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 38/13, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/8d02cb8af1ccb8dc80257c620035e6b1;
- de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 53/13, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/a5b9a5a0946b820180257c620035e6b2;
- de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo n.º 1574/20.5T8CSC.S1, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/3feddf3d0e625a66802586950064c6ed;
- de 24 de Fevereiro de 2021, proferido no processo n.º 1573/20.7T8CSC.S1, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/f7ca858d9c69372a80258695006bc219;
- de 15 de Setembro de 2021, proferido no processo n.º 27/20, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/2cba63bc32fb23a28025875200481235;
- de 15 de Setembro de 2021, proferido no processo n.º 1/21, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/b6eee1d094b13f3280258752004d03f8;
- de 15 de Setembro de 2021, proferido no processo n.º 7/21, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/40c22bdb9ff669e280258752004757fe;
- de 19 de Janeiro de 2022, proferido no processo n.º 35/21, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/5cbfe1aa01aa7f58802587d4003d14b0;
- de 1 de Junho de 2022, proferido no processo n.º 5/22, disponível em
https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/97844def2a98131a802588910035343f.).
Também o Supremo Tribunal Administrativo se tem pronunciado nesse sentido (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 10 de Abril de 2013, do Pleno, proferido no processo n.º 15/12, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/2e3543370a405cd080257b5900343163;
- de 4 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 124/14, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/2642fadcc7a4070c80257ef8004b4ccd;
- de 17 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1174/16, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/d8ec61de4f20e2308025812b003d94d4.).
Acompanhando o que se decidiu no já referido acórdão de 25 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 33/13, está em causa uma acção que «emerge do litígio provocado pela exigência ao condomínio, pela empresa concessionária do abastecimento de água, de um preço fixo por um contador totalizador que colocou no edifício, como contrapartida do serviço. A imposição deste encargo a estes contadores reveste a natureza de questão fiscal por resultar de “resolução autoritária que impõe aos cidadãos o pagamento de uma prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”. Igualmente a questão de saber se é devida a tarifa pela água contada por um contador totalizador colocado fora e antes do circuito dos contadores dos consumidores de um prédio em regime de propriedade horizontal releva de normas legais e regulamentares sobre a prestação deste serviço público que são normas de direito público e extravasam do regime comum dos contratos. Além disso são matérias que relevam da natureza fiscal segundo o critério que acaba de enunciar-se.
Aliás, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário parece aceitar esta competência tal como decorre do recente Acórdão de 10-04-2013, P. 015/12, onde se decidiu:
“No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.
No caso referido estava em apreciação a cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal, mas a cobrança de dívidas a uma concessionária parece poder ser vista no mesmo enquadramento e com a mesma solução, quando no Acórdão se inclui o próprio diferendo sobre o preço da água - fixado segundo regras de direito público em regime excluído da concorrência - como aspecto submetido à competência dos tribunais tributários, mesmo quando se reconhece que o concessionário não dispõe da possibilidade de recorrer à execução fiscal.
Podemos pois concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio, tal como se concluiu nos aludidos Conflitos 14/06 e 17/10, são os tribunais administrativos e fiscais através dos tribunais tributários, face ao disposto no artigo 49.º n.º 1 al. c) do ETAF».
Reiterando tal entendimento, e acolhendo-se os fundamentos constantes daqueles acórdãos, conclui-se que cabe à jurisdição administrativa e fiscal, concretamente aos tribunais tributários, a competência para apreciar o litígio em causa, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF.

DECISÃO

Em face do exposto, acorda-se em julgar competente para a apreciação da presente oposição o Juízo Tributário Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Sem custas (art. 5.º, n.º 2, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro).


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Lisboa, 18 de Junho de 2025. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Nuno António Gonçalves.