Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:033/13
Data do Acordão:06/25/2013
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ROSENDO JOSÉ
Descritores:PRÉ-CONFLITO
ABASTECIMENTO DE ÁGUA
CONCESSIONÁRIA
COBRANÇA COERCIVA
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Sumário:Compete aos tribunais tributários o conhecimento de acção em que uma empresa concessionária do serviço público municipal de abastecimento de água pretende cobrar «preço fixo» e consumos por um contador «totalizador» que precede os contadores das fracções e das partes comuns de um condomínio, por estarem em causa tarifas, taxas ou encargos como exigências impostas autoritariamente em contrapartida do serviço público prestado, relação jurídica que é regulada por normas de direito publico tributário.
Nº Convencional:JSTA00068318
Nº do Documento:SAC20130625033
Data de Entrada:05/06/2013
Recorrente:A……………………..., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FAFE E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TJFAFE - TAF
Decisão:DECL COMPETENTE TAF
Área Temática 1:DIR ADM CONT . REC JURISDICIONAL / CONFLITO COMPETENCIA.
Área Temática 2:DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional:ETAF02 ART4 N1 D ART49 N1 C.
DL 379/93 ART13 N2.
DL 88-A/97 DE 1997/07/25 N1 A.
DL 18/2008 DE 2008/01/29.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC015/12 DE 2013/04/10.
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 33/13

Acordam em conferência no Tribunal dos Conflitos:

I – Relatório.

A………………………………… S.A.
moveu no Tribunal Judicial de FAFE acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra
B…………………………. e
C…………………………………………, EM FAFE,
em que formulou o pedido de condenação dos Réus a pagar 1446,34 € e juros legais até integral pagamento.

Fundamentou a pretensão em ter fornecido água ao prédio, em regime de contrato celebrado no âmbito da concessão pelo Município do serviço de fornecimento de água, cujo preço não foi pago, apesar de ter emitido e entregue facturas relativas a esses consumos.

O 2.º R. contestou excepcionando a prescrição de parte da dívida pelo decurso de mais de seis meses sobre o vencimento de algumas das verbas reclamadas.
Defende-se também alegando abuso de direito porque entende que está em causa uma taxa fixa de aluguer de um contador totalizador que a A. coloca a montante da rede do prédio e de que o consumidor não retira qualquer proveito e, além disso, pretende cobrar consumos de que o condomínio não beneficia, já que estão colocados contadores para as fracções e um contador para as partes e serviços comuns do prédio.
E impugna a dívida, alegando que não há lugar a consumos para além dos das fracções e das partes comuns, pelo que não tem que pagar pelo contador totalizador, além de que nem lhe é facultado ou fornecido o acesso às leituras dos diversos contadores para transparência dos volumes de água debitados.

O Tribunal Judicial de Fafe entendeu e decidiu que a competência material para a causa cabe à jurisdição administrativa em virtude de a A., como concessionária do serviço, ao fixar, liquidar e cobrar tarifas ou taxas aos particulares estar a exercer poderes administrativos.
A A. apelou sem êxito para a Relação que negou provimento ao recurso e manteve a decisão sobre a competência.

A A. pediu a admissão de revista excepcional para o STJ, mas o recurso não foi admitido. No entanto, foi ordenada a remessa ao Tribunal de Conflitos, no entendimento de que o recurso que tinha cabimento na situação processual era o previsto para o Tribunal de Conflitos no n.º 2 do artigo 107.º do CPC e em aplicação da regra de aproveitamento dos recursos interpostos com erro sobre a espécie, que resulta da al. a) do n.º 2 do artigo 685-C do CPC.

Neste Tribunal o EMMP emitiu douto parecer em que conclui propondo que se julgue competente a jurisdição dos tribunais judiciais.

II – Apreciação.
1. A determinação da jurisdição a que a lei atribui a resolução de um litígio e no seio desta da competência do tribunal deve efectuar-se atendendo à configuração da causa tal como é apresentada na petição, tal como este Tribunal vem repetida e uniformemente decidindo.
As divergências surgem frequentemente, quando se passa a interpretar a causa apresentada pelo demandante, requerente ou A. porque aspectos significativos do litígio encontram-se na petição, mas em fase larvar e por vezes difícil de identificar, ou porque a petição é sucinta ou porque como sucede no caso presente o A. se apresenta a exercer o que diz ser um direito de crédito sem explicitar detalhadamente as suas componentes.
Esta acção começou com uma petição de injunção para pagamento de fornecimento de água no âmbito de contrato com a empresa concessionária de abastecimento domiciliário, em que o consumidor não pagou determinadas quantias de água fornecidas ao longo de meses.
A petição sustenta-se em documentos que são facturas e talões de controlo dos quais consta a verba « preço fixo – 4.42€ » e também a referencia « contador tipo totalizador ».
Um dos Requeridos opôs-se á Injunção defendendo, além da prescrição parcial da dívida, que aquele preço fixo é um consumo mínimo ou uma taxa que considera indevida e o contador totalizador é uma imposição unilateral da Requerente que não representa qualquer beneficio para o consumidor e não se justifica em termos de contagem de consumos, ale de que não tem base contratual nem legal.
Num litígio com esta configuração as questões suscitadas pela defesa são apenas explicitadas nesse momento, mas fazem parte do litígio tal como ele existia na vida real antes de ser colocado ao tribunal e consta também dos elementos apresentados como petição, embora apenas pelas referencias à dita verba fixa e ao tipo de contador de que provém o controverso consumo.
Daí que não possa afirmar-se que a causa se resume à cobrança de um crédito por água fornecida e não paga à empresa concessionária do serviço público municipal. O litígio compreende a questão relativa ao fundamento para a colocação de um contador totalizador e exigência, no âmbito do contrato e das normas aplicáveis, de pagamento de taxas e consumos relacionados com o respectivo contador totalizador.

2. Afirmou-se nos Ac. deste Tribunal proferidos nos Conf. 14/06 e 17/10, de 26.09.2006 e 9.11.2010, que a generalidade das alíneas do artigo 4.º n.º 1 do ETAF que enumeram exemplificativamente os litígios que são atribuídos à jurisdição especializada dos tribunais administrativos e fiscais, visam concretizar pela positiva o conceito de matriz constitucional de relações administrativas e fiscais.
É também o caso, como neles se referiu da al. d) nos termos da qual compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a fiscalização das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente por concessionários, no exercício de poderes administrativos.

3. Na espécie apreciada no Conflito 17/10 era A. o condomínio de um prédio e R. uma concessionária do Município de Gondomar. O A. pretendia ver a R. condenada a reconhecer a inadmissibilidade e ilegalidade da cobrança de consumos mínimos denominados tarifa de disponibilidade. O Acórdão entendeu que a concessionária tinha o poder conferido pelo art.º 13.º n.º 2 do DL 379/93 de, precedendo aprovação pelo concedente, fixar, liquidar e cobrar taxas aos utentes, portanto, um poder conferido por normas de direito administrativo.

4. No caso presente também não há dúvida de que a requerente é concessionária do serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público do Município de Fafe, actividade vedada a particulares, salvo quando concessionadas – n.º 1 al. a) do DL 88-A/97, de 25/7. Na verdade o art.º 407.º n.º 2 do DL n.º 18/2008, de 29/1, republicado pelo DL 278/2009, de 2/10, dispõe que se entende por concessão de serviço público o contrato pelo qual o co-contratante se obriga a gerir em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma actividade de serviço público durante um determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão, ou directamente pelo contraente público.

5. No âmbito do contrato celebrado entre a concessionária e o utente, no caso o 1.º R., (a fls. 48) este aceitou pagar as tarifas em vigor à data e as que venham a ser fixadas, as tabelas de aluguer de contadores e depósitos de garantia e sujeitar-se a todas demais condições de fornecimento fixados pela Câmara Municipal ou por Regulamento. Isto é, a fixação do tarifário em vigor estava fixado por acto de a autoridade da câmara tal como ficava dependente de futuros actos unilaterais de autoridade e as taxas dependem de aprovação segundo a Lei das finanças locais, isto é, fora do regime contratual baseado no acordo como expressão da vontade dos contratantes.
A colocação de um contador totalizador, para além dos contadores das fracções e das partes comuns, a cobrança de uma quantia fixa por este contador e os fins e a forma de cobrar encargos por este equipamento fazem também parte de disposições pré-existentes ou determinadas unilateralmente, fora do controlo da vontade do consumidor e portanto, uma imposição unilateral, mesmo que, no caso concreto tenham como referencial no texto do contrato a cláusula que refere: “os clientes são responsáveis por todo o gasto de água em fuga ou perdas nas canalizações da distribuição interior e dispositivos de utilização”.
Podemos assim concluir que a A. ao pedir a condenação dos RR a pagar as tarifas e encargos com fornecimento de água ao Condomínio estava a exigir e cobrar um crédito cuja formação assenta em tarifas, encargos e eventualmente taxas que são a final estabelecidas pelo detentor do exclusivo do serviço, o Município de Fafe, segundo poderes e normas de direito administrativo, pelo que a matéria cabe na previsão da al. d) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF como matéria submetida aos tribunais administrativos e fiscais.
Assim como cabe igualmente na al. f), visto da perspectiva do contrato em cujo âmbito surge a cobrança do serviço, já que como se viu, existem normas de direito público que regulam aspectos específicos do respectivo regime substantivo.


6. Como acabamos de ver a acção emerge do litígio provocado pela exigência ao condomínio, pela empresa concessionária do abastecimento de água, de um preço fixo por um contador totalizador que colocou no edifício, como contrapartida do serviço. A imposição deste encargo a estes contadores reveste a natureza de questão fiscal por resultar de “resolução autoritária que impõe aos cidadãos o pagamento de uma prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”. Igualmente a questão de saber se é devida a tarifa pela água contada por um contador totalizador colocado fora e antes do circuito dos contadores dos consumidores de um prédio em regime de propriedade horizontal releva de normas legais e regulamentares sobre a prestação deste serviço público que são normas de direito público e extravasam do regime comum dos contratos. Além disso são matérias que relevam da natureza fiscal segundo o critério que acaba de enunciar-se.
Aliás, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário parece aceitar esta competência tal como decorre do recente Acórdão de 10-04-2013, P. 015/12, onde se decidiu:
No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.
No caso referido estava em apreciação a cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal, mas a cobrança de dívidas a uma concessionária parece poder ser vista no mesmo enquadramento e com a mesma solução, quando no Acórdão se inclui o próprio diferendo sobre o preço da água - fixado segundo regras de direito público em regime excluído da concorrência - como aspecto submetido à competência dos tribunais tributários, mesmo quando se reconhece que o concessionário não dispõe da possibilidade de recorrer à execução fiscal.
Podemos pois concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio, tal como se concluiu nos aludidos Conflitos 14/06 e 17/10, são os tribunais administrativos e fiscais através dos tribunais tributários, face ao disposto no artigo 49.º n.º 1 al. c) do ETAF.

III – Decisão:
Atento o exposto nega-se provimento ao recurso e declaram-se competentes os tribunais tributários para conhecer da presente acção.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Junho de 2013. – Rosendo Dias José (relator) – Ana Paula Lopes Martins Boularot – António Políbio Ferreira Henriques – António Leones Dantas – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Maria Clara Pereira de Sousa Santiago Sottomayor.