Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2407/10.6TXPRT-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO RIBEIRO COELHO
Descritores: EXECUÇÃO SUCESSIVA DE VÁRIAS PENAS
REVOGAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL
REMANESCENTE DA PENA
CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA
Nº do Documento: RP201511112407/10.6TXPRT-E.P1
Data do Acordão: 11/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Decorrente da revogação da liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão integrada numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 2407/10.6TXPRT-E.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
Nos autos de execução de penas veio a ser proferida pelo 1.º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto decisão a ordenar que no final do cumprimento do remanescente da pena deveria iniciar-se, pelo recluso B…, o cumprimento de outra pena de prisão em que tinha sido condenado, assim se entendendo que o cumprimento do remanescente teria de ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional.
Inconformado, recorre o dito recluso, tendo desenvolvido a sua motivação pela forma seguinte:
1. O Condenado viu-lhe revogada a liberdade condicional concedida nos presentes autos e no âmbito da execução sucessiva de penas aplicadas no processo 1441/98.7PJPRT e no processo 766/05.1GCOVR, sendo certo que à data da concessão da liberdade condicional, tinha por cumprir 2 anos e 23 dias de prisão do último dos processos mencionados.
2. Após revogação da liberdade condicional, pela prática de novos crimes, foi o Recorrente condenado a cumprir o remanescente da sua pena então em regime de liberdade condicional.
3. Por despacho de 15 de Julho de 2015, notificado ao condenado em 22 de Julho do mesmo ano, foi ordenado que no final do cumprimento do remanescente da pena - 2 anos e 23 dias - cuja liberdade condicional havia sido revogada, dever-se-ia iniciar o cumprimento de uma outra pena de prisão na qual foi condenado ao abrigo do processo 149/11.4PFVNG, da antiga Vara Mista de Vila Nova de Gaia.
4. Por aplicação do disposto no artigo 63.º, n.º 4 do Código Penal, entendeu o tribunal a quo que o cumprimento do remanescente da pena será integral, sem poder beneficiar de mais nenhum dos dispositivos do supra mencionado artigo 63.º, que dispõe quanto ao cumprimento sucessivo de penas e regime de liberdade condicional das mesmas.
5. Não obstante a aplicação do mencionado dispositivo, a decisão ora recorrida peca por aplicação errada do artigo 64.º do Código Penal, mais precisamente pela sua não aplicação, dado que este último mecanismo dispõe pela concessão de liberdade condicional nos termos do artigo 61.º do CP, às penas ou remanescente das mesmas em execução por decorrência da revogação da liberdade condicional.
6. Assim, exige o Código Penal, na sua plena acepção quanto ao regime da liberdade condicional - artigos 61.º a 64.º do diploma - que se compatibilize o regime do artigo 63.º, incluindo o seu n.º 4, com o regime do artigo 64.º, n.º 3, do que resultará que na execução de penas sucessivas a cumprir pelo condenado, não poderá ser tomada em conta a pena remanescente do processo 766/05.1GCOVR, para o exercício de contagem previsto nos números 1, 2 e 3, do artigo 64.º;
7. Mas que, no entanto e sem qualquer prejuízo, permanece a pena de prisão efectiva e remanescente do processo 766/05.1GCOVR, sujeita ao regime do artigo 61.º, por imposição do número 3 do artigo 64.º, ambos do CP, pelo que há de se revogar o despacho proferido e substitui-lo por decisão que calculando e definindo os patamares relevantes nos termos do artigo 61.º do CP - in casu 2/3 e 5/6 da pena remanescente - ordene o desligamento da pena aplicada no processo 766 e cumprimento das demais penas da cumprir, nomeadamente a do processo 149/11.4PFVNG.
8. Entender o contrário, tal como fez o despacho ora recorrido, é negar ao condenado o legalmente consagrado regime de liberdade condicional, expressamente previsto para o cumprimento do remanescente de penas de prisão em função de revogação de liberdade condicional - cf. artigo 64.º, n.º 3 CP - e um afastamento absolutamente injustificado de dispositivo especial aplicável ao caso.
9. É aplicação errada da lei.
10. Nesse sentido a "Doutrina da Diferenciação" e a jurisprudência desta mesma relação, que de forma bastante hábil se lançou no Acórdão prolatado no processo 2373/10.8TXPRT-J.P1, do qual citamos (com sublinhado nosso):
"... Havendo lugar ao cumprimento de várias penas em execução sucessiva, a primeira regra a observar é a de que a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar se interrompe logo que se atinja metade do respectivo cumprimento, iniciando-se então o cumprimento da pena seguinte, e assim sucessivamente (art. 63°, n° 1 do C.P.)
Depois, o tribunal deve apreciar a concessão da liberdade condicional quando o possa fazer, em simultâneo, relativamente a todas as penas (art. 63°, n° 2 do C.P.), ou seja, quando todas elas tenham sido cumpridas em metade e no mínimo de seis meses, verificada que seja a previsão das alíneas a) e b) do n° 2 do art. 61° C.P., ou quando todas elas tenham sido cumpridas em dois terços e no mínimo de seis meses, verificada que seja a previsão da referida alínea a)
Porém, se o somatório das penas a cumprir sucessivamente exceder seis anos de prisão, o condenado é colocado em liberdade condicional, se ainda o não tiver sido, cumpridos que sejam cinco sextos daqueles somatório (art. 63a, n°3 do C.P.)
Mas sempre no pressuposto de que não ocorreu a revogação da liberdade condicional. Pois, se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação da liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma das penas que cabe cumprir, sendo que a ordem de sucessão de execução das penas é a ordem pela qual transitam as respectivas condenações
Note-se porém que o facto de se afirmar que a pena resultante da revogação da liberdade condicional "deve ser cumprida por inteiro" não significa que esse pena tenha obrigatoriamente de ser integralmente cumprida, não podendo o condenado vir a beneficiar de medida de flexibilização. O que se pretende com tal expressão é afastar essa pena do cômputo a que se referem os números 1 a 3 do mesmo preceito (ela não entra na soma das penas), já que só relativamente às penas de execução verdadeiramente sucessiva se verifica a possibilidade de interrupção da respectiva execução quando se encontrar cumprida metade da pena, para se iniciar o cumprimento subsequente.
Como se realça no Ac. de Relação do Porto de 26.3.2014, a respeito do n° 4 do art. 63° do C.P. " a situação em apreço não configura um cumprimento sucessivo de penas mas antes o restante de uma pena já cominada, que não é alterada, e que sofre um tratamento autónomo. É a lei que assim o determina ao consagrar um regime especial no n° 4 do art. 63° do C.P. Em face da regra especial prevista no artigo 63° n.° 4 do C.P., não é legalmente admissível proceder ao somatório das penas em causa no autos, nem efectuar uma apreciação conjunta (nos termos do n° 2 do citado artigo) para efeitos de eventual concessão de liberdade condicional."
11. No mesmo sentido e em situação tudo idêntica, o parágrafo do Acórdão proferido no processo 3242/10.7TXPRT-B.P1:
"Porém a circunstância de a pena ser resultante da revogação da liberdade condicional não podendo ser interrompida quando atinge o meio do respectivo cumprimento, não determina a impossibilidade de vir a beneficiar de eventual interrupção por força da concessão de nova liberdade condicional, em conformidade com a previsão do art. 64°, n° 3 do C. Penal".
12. Por não prever patamares indicados no artigo 61.º do CP, aplicável por força do artigo 64.º, n.º 3 CP, preceito injustificadamente afastado na decisão em recurso, deve o despacho proferido pelo tribunal a quo ser revogado e substituído por decisão que, respeitando os já amplamente mencionados preceitos do código penal atinentes à liberdade condicional, determine os 2/3 e os 5/6 da execução das penas em que foi condenado no âmbito dos processos 1441/98.7PJPRT e o 766/05.1GCOVR -- entretanto interrompidas e retomadas já só quanto ao 766/05.1GCOVR - ordenando o início do cumprimento da pena posteriormente aplicada no âmbito do processo 149/11.4PFVNG assim que seja de aplicar ao condenado a flexibilização do cumprimento da pena - lib. condicional - possível naqueles 2/3 ou obrigatória nos 5/6. JUSTIÇA!!!
Na resposta ao recurso o Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso, devendo a decisão proferida ser mantida na íntegra, concluindo nos seguintes termos:
1 - Cumpre uma pena de prisão, em cumprimento de remanescente de pena de prisão por revogação de liberdade condicional, de uma pena inicial de 7 anos (uma pena de 5 anos de prisão e outra de 2 anos), impondo-se cumprir 2 anos, 6 meses e 26 dias, cujo termo deverá ocorrer em 22/06/2017.
2 - Cumpriu 3 meses e 3 dias relativos ao processo n° 1441/98.7PJPRT, até 30/04/2015, e desde essa data está em cumprimento, ao mesmo titulo, de 2 anos e 23 dias, no processo n° 766/05.1GCOVR.
3 - No quadro da pena em execução [remanescente de pena de prisão por revogação de liberdade condicional] não se mostra aplicável a regra prevista no art. 61°, n°4, do C.P., uma vez que a execução da prisão foi interrompida pela liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas de liberdade, igualmente apontando naquele sentido o lugar paralelo em que se traduz o art. 63°, n°3, do mesmo diploma legal, ao introduzir a ressalva "se dela não se tiver antes aproveitado"
4 - A posição que assumimos está acobertada nas palavras do AC. STJ, proferido no âmbito do P. n° 3670/10.8TXPRT-C, e igualmente, do mesmo Supremo Tribunal, o lavrado pelo Ex° Relator Eduardo Maia Costa, no P. n° 490/09.6YFLSB.
Aí se refere, em síntese, que, uma vez que ao arguido já tinha sido concedida a liberdade condicional, que depois foi revogada por incumprimento dos deveres impostos naquela decisão, a lei não impõe a libertação obrigatória e imediata aos 5/6 da pena.
Ampara-se no disposto no n° 4 art. 63° do CP.
5 - Escreve-se no Acórdão citado que, uma vez que a pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de liberdade condicional, nos termos do art. 61° do mesmo código, significa que a pena de prisão remanescente revogação de liberdade condicional pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional, e muito claro no sentido de autonomizar o remanescente da pena em relação à pena global, dando-lhe um tratamento específico em termos de liberdade condicional. A restrição estabelecida no vocábulo "pode" afasta com clareza o regime automático do n° 4 do art. 61° do CP.
6 - Mais do que aceitável, aliás, como também aí se refere, uma vez que a referida revogação advém da violação pelo condenado das obrigações que lhe tinham sido impostas. E acrescentamos nós que, relativamente ao recorrente, não é a mera violação das injunções impostas, é o cometimento de novo crime em que é aplicada pena de prisão efectiva.
7 - Também com o mesmo sentido, o AC.do Tribunal da Relação de Coimbra, relatado pelo Ex° Sr. Desembargador Dr. Jorge Jacab, e relativo ao P. n° 444/96.OTXEVR-B.Cl e do mesmo Douto Tribunal, relatado pelo Ex° Sr. Desembargador Dr. Orlando Gonçalves, e relativo ao P. n° 3503/08.5TXCBR.C1. (www.dqsi.pU.
8 - Em jeito de síntese, não houve falta de qualquer exame crítico, valoração ou erro de apreciação da matéria de facto e de direito.
9 - Pelo exposto, e mantendo dessa forma a posição assumida processualmente, manifestamo-nos pela improcedência do recurso interposto.
Porém, V.Exas melhor decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA!
O Ex.mo Juiz a quo sustentou a decisão recorrida, nos moldes certificados neste apenso de recurso.
Nesta sede o Ex.mo Sr. Procurador-geral Adjunto reiterou a resposta do Ministério Público apresentada em 1.ª instância.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in BMJ. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente, a questão que importa resolver é a de saber se o tribunal de execução de penas decidiu bem ao ordenar que no final do cumprimento do remanescente da pena (relativo ao processo 766/05.1GCOVR) deveria iniciar-se o cumprimento da outra pena de prisão (149/11.4PFBNG) em que o recluso foi condenado, entendendo que o cumprimento daquele remanescente teria de ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional, ou se a mesma decisão deverá ser revogada, assegurando-se ao condenado o regime do Art.º 61.º do Código Penal, prevendo essa decisão os restantes patamares de cumprimento de pena para a prisão ordenada no âmbito do mencionado processo 766/05, com especial relevância para os 5/6 da pena cujo cumprimento remanescente se passou a cumprir.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Importa, num primeiro momento, atentar na decisão recorrida, que apresenta a seguinte fundamentação:
“CONCLUSÃO - 15-07-2015
(Termo eletrónico elaborado por Escrivão Adjunto C...)
=CLS=
Em resultado de revogação de liberdade condicional tem o condenado a cumprir 2 anos e 23 dias de prisão à ordem do processo n.° 766/05.1GCOVR, ao qual foi ligado em 30.05.2015.
Assim, o termo dessa pena ocorrerá em 22.06.2017.
Notifique o Ministério Público e o(a) condenado(a) e comunique, também, ao processo à ordem.

Encontra-se novamente em execução a pena de prisão no âmbito da qual foi aplicado a B…, identificado(a) nos autos, o regime de liberdade condicional, posteriormente revogado devido ao cometimento de novo(s) crime(s).
A nova condenação determinou a imposição de pena de prisão efectiva, da qual falta ainda cumprir mais de metade.
Em face da regra especial prevista no artigo 63.°, n.° 4, do Código Penal, não é legalmente admissível proceder ao somatório das penas em causa nos autos, nem efectuar uma apreciação conjunta (nos termos do n.° 2 do citado artigo) para efeitos de eventual concessão de liberdade condicional.
As penas em presença são, deste modo, alvo de tratamento separado (ou autónomo), o que configura uma situação distinta do cumprimento sucessivo de penas tratado nos n.° 1 a 3 do artigo em referência, previsto para os casos de sucessão de penas em que a execução de nenhuma delas resulta de revogação de liberdade condicional.
Tem assim de se concluir que, no caso dos autos, a pena ora (novamente) em execução, em resultado de revogação de liberdade condicional, há-de ser cumprida por inteiro, com o que, por força da realidade jurídica em causa, sofre limitação a regra consagrada no artigo 64.°, n.° 3, do Código Penal .
Neste sentido se pronunciou o acórdão do TRP de 26.03.2014 , o acórdão do TRE de 31 de Maio de 2011, publicado em www.dgsi.pt., bem como o acórdão do STJ de 03.08.2010, cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt.
De igual modo, Paulo Pinto de Albuquerque defende que "se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma de penas que cabe cumprir", devendo essa pena ser executada em primeiro lugar, pois "a ordem de sucessão de execução das penas é a ordem pela qual transitam [em julgado] as respectivas condenações.
Pelo exposto, entende-se não haver lugar a renovação da instância no âmbito da pena de prisão ora em execução, a qual será, em consequência, integralmente cumprida em regime de prisão efectiva.
Em conformidade, solicite ao processo n.° 766/05.1GCOVR que, no termo da pena (previsto para 22.06.2017), coloque o(a) condenado(a) em cumprimento da pena de prisão aplicada no processo n.° 149/11.4PFVNG, da antiga 1.a Vara Mista de Vila Nova de Gaia, ao qual será também remetida cópia do presente despacho.
Notifique, também o(a) recluso(a) e o seu defensor/mandatário, e comunique ao EP e à equipa de reinserção social.
*
Porto, d.s.”
O condenado viu-lhe revogada a liberdade condicional concedida nos autos principais e no âmbito da execução sucessiva de penas aplicadas no processo 1441/98.7PJPRT e neste processo 766/05.1GCOVR, sendo certo que à data da concessão da liberdade condicional tinha por cumprir os acima indicados 2 anos e 23 dias de prisão relativamente ao processo dos autos principais.
Após a revogação da liberdade condicional, pela prática de novos crimes, foi determinado ao mesmo condenado, aqui recorrente, o cumprimento do remanescente da sua pena.
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Importa analisar, agora, sobre os fundamentos suscitados pelo recorrente, em atenção à questão formulada de saber se o tribunal de execução de penas decidiu bem ao ordenar que no final do cumprimento do remanescente da pena (relativo ao processo 766/05.1GCOVR) deveria iniciar-se o cumprimento da outra pena de prisão (149/11.4PFBNG) em que o recluso foi condenado, entendendo que o cumprimento daquele remanescente teria de ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional, ou se a mesma decisão deverá ser revogada, assegurando-se ao condenado o regime do Art.º 61.º do Código Penal, prevendo essa decisão os restantes patamares de cumprimento de pena para a prisão ordenada no âmbito do mencionado processo 766/05, com especial relevância para os 5/6 da pena cujo cumprimento remanescente se passou a cumprir.
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Cumpre apreciar.
A liberdade condicional tem como principal objectivo criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. Este instituto tem, pois, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização.
O instituto consiste na libertação do condenado durante o tempo que faltar para o cumprimento da pena privativa da liberdade e vem consagrado, nomeadamente, nos Art.ºs 61.º a 64.º do Código Penal. O motivo para se enquadrar esta temática dentro da execução da pena de prisão deve-se ao facto da sua aplicação depender sempre do consentimento do condenado e ainda à certeza da liberdade condicional nunca ultrapassar o período de tempo de prisão que faltar cumprir ao condenado.
Segundo dita o Art.º 61.º do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão dessa liberdade condicional:
1) Que o recluso tenha cumprido 1/2 ou, no mínimo, 6 (seis) meses de prisão;
2) Que aceite ser libertado condicionalmente;
São, por outro lado, segundo o mesmo preceito legal, requisitos (substanciais) indispensáveis:
a) Que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Relativamente aos requisitos da liberdade condicional, parece líquido que o da alínea a) assegura uma finalidade de prevenção especial enquanto que o da alínea b) prossegue um escopo de prevenção geral.
Em resumo, esta liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa de boa conduta, mas algo que visa criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa reconhecer o sentimento de orientação social que se presume enfraquecido por causa da reclusão.
A liberdade condicional é, pois, uma medida de carácter excepcional que visa a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e quando se considerar que a libertação se irá revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
Como tivemos ocasião de afirmar anteriormente, a questão a apreciar consiste em saber se a decisão recorrida merece a censura apontada no recurso, mediante a interpretação dos preceitos legais invocados, dos Art.ºs 63.º, n.º 4, e 64.º, n.º 3, ambos do Código Penal.
E, quanto a nós, a decisão adoptada pelo tribunal a quo é a correcta.
A pena de prisão ora em execução (nos autos onde foi proferida a decisão recorrida), após revogação de liberdade condicional, tem a duração de 5 anos, não se inscrevendo, pois, na dimensão prevista no Art.º 61.º, n.º 4, do Código Penal. A outra pena abrangida pelo mesmo regime de liberdade condicional, entretanto revogado, tinha a duração de 2 anos, mostrando-se já integralmente cumprida.
No caso sub judice não se demonstra aplicável a regra prevista no Art.º 61.º, n.º 4, do Código Penal, uma vez que a execução da prisão foi interrompida pela liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas da liberdade, igualmente apontando neste sentido o lugar paralelo (para estes efeitos, por exemplo, nada distingue materialmente uma situação em que está em causa uma única pena de 6 anos e 6 meses de prisão, daquela em que duas penas autónomas, a cumprir em sucessão, perfazem, em soma, idêntico período temporal, situações que não devem impor um diferente tratamento jurídico) em que se traduz o Art.º 63.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, ao introduzir a ressalva “se dela não tiver antes aproveitado”.
Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado a decidir sobre a questão da aplicabilidade da regra de cinco sextos no quadro da execução de uma pena de prisão após revogação de liberdade condicional, tem decidido maioritariamente no sentido do seu afastamento enquanto momento de concessão obrigatória de nova liberdade condicional.
Assim, no acórdão do STJ proferido em 14/8/2009, processo n.º 514/00.2TXCBR, que "ao dispor pode, a lei está claramente a afastar o regime automático do n° 4 desse art. 61°, remetendo somente para as modalidades facultativas da liberdade condicional, previstas nos n°s 2 e 3 do mesmo artigo, (...) o que, aliás, se compreende pois a revogação da liberdade condicional resultou de uma violação, pelo condenado, das obrigações que lhe tinham sido impostas; (...) essa revogação significa que falhou por completo a aposta que o tribunal tinha feito na capacidade do condenado em viver liberdade de acordo com o direito"); do mesmo modo no acórdão do mesmo STJ, proferido em 3/8/2010, no processo n.º 3670/10.8TXPRT-C.
Por seu turno, no acórdão de 4/2/2010, também do STJ (proferido no processo n.° 2329/00.9TXLSB-A.S1), entendeu-se que no n.º 4 do Art.º 63.º do Código Penal se proíbe a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas no caso em que "a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional", partindo o legislador do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade de em liberdade se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial e que, cumprindo o condenado uma pena de 6 anos, 5 meses e 22 dias de prisão, resultante da revogação da liberdade condicional, está afastada a hipótese de lhe dever ser concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena conjunta – assim, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0534b84c5a25f05e802577110033e822?OpenDocument. Assim também, no Ac. de 2/12/2010, processo n.º 3564/10.7TXLSB-F.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/eb15b97899efb3538025788f004c7a42?OpenDocument.
Acresce que a jurisprudência do acórdão do STJ n.º 3/2006, de 23/11/2005, publicada no DR de 9/1/2006, n.º 6, Série I -A, pp. 175 e seg., não se mostra aplicável no caso, atenta a substancial diferença das situações em causa. Na verdade, nos presentes autos não se constituiu o condenado em ausência ilegítima (situação em que o condenado a prisão é um fugitivo, um acossado pelas autoridades, não possuindo condições para uma reinserção social em meio livre em harmonia com a ordem jurídica estabelecida, o que justifica que não seja quebrado o 'nexo' da privação da liberdade para efeitos da regra especial que se analisa), antes lhe tendo sido facultadas todas as condições, nomeadamente legais (através da aplicação do regime da liberdade condicional), em ordem à sua plena reinserção social, o que, todavia, não se conseguiu obter (o que justifica o tratamento legal diferenciado). Para ilustrar a questão em apreço atente-se no seguinte exemplo (outros seriam prefiguráveis, redundando até em superior incongruência): o condenado é colocado em liberdade condicional aos dois terços (que correspondem a 4 anos e 4 meses) de uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão, regime que é alvo de revogação; depois de retomado o cumprimento da pena é o condenado obrigatoriamente (ope legis, se se entender que vale a regra do Art.º 6.º, n.º 4, do Código Penal) colocado, novamente, em liberdade condicional, depois de cumprido o curto período de 1 ano e 1 mês de prisão (lapso temporal que, somado aos 4 anos e 4 meses anteriormente cumpridos, perfaz 5 anos e 5 meses, ou seja, cinco sextos da aplicada pena de 6 anos e 6 meses de prisão). Não estamos já, claramente, dentro da ratio legis que presidiu à consagração da 'válvula de segurança' subsequente a privações prolongadas da liberdade.
Diferentemente, uma tal solução é susceptível de colocar em causa a eficácia e a efectividade da pena imposta (sem prejuízo de, em casos justificados, ope judicis, poder ser concedida a liberdade condicional dita facultativa, em regime de renovação anual da instância – assim, nos Art.ºs 64.º, n.º 3, do Código Penal, e 180.º, n.º 1, do Código da Execução de Penas).
Uma vez que a pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de liberdade condicional, nos termos do Art.º 61.º do Código Penal, significa que a pena de prisão remanescente da revogação de liberdade condicional pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional, e muito claro no sentido de autonomizar o remanescente da pena em relação à pena global, dando-lhe um tratamento específico em termos de liberdade condicional. A restrição estabelecida no vocábulo "pode" afasta com clareza o regime automático do n.º 4 do Art.º 61.º do Código Penal.
Mais do que aceitável, aliás, como também aí se refere, uma vez que a referida revogação advém da violação pelo condenado das obrigações que lhe tinham sido impostas. E acrescentamos nós que, relativamente ao recorrente, não é a mera violação das injunções impostas, é o cometimento de novo crime em que é aplicada pena de prisão efectiva.
Também com o mesmo sentido, consultem-se os Acs. da RP de 26/3/2014, processo n.º 1236/11.4TXPRT-C.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/81aa5c92d381f61980257cc200375021?OpenDocument; da RC de 15/12/2010, processo n.º 444/96.0TXEVR-B.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/95a333c5298c45ab80257817003a6e10?OpenDocument; e da RE de 31/5/2011, processo n.º 1279/10.5TXEVR-F.E1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f06773ada1a8c4f080257de10056f559?OpenDocument.
De igual modo, Paulo Pinto de Albuquerque defende que "se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma de penas que cabe cumprir", devendo essa pena ser executada em primeiro lugar, pois "a ordem de sucessão de execução das penas é a ordem pela qual transitam [em julgado] as respectivas condenações” – assim, no Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, anotações 2. e 5. ao artigo 63.º. a pp. 217.
Em sentido contrário, mas na discordância com os argumentos acima expendidos, consultem-se os Acs. do STJ de 4/2/2015, em Acs. do STJ XIII, t1, pp. 162; desta RP de 3/10/2012, processo n.º 3944/10.8TXPRT.H.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/6163c4211628b04080257a9b0038b098?OpenDocument, e de 4/2/2015, processo n.º 3242/10.7TXPRT.B.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/26de9ea47794323b80257df7005ac35f?OpenDocument; e da RC de 7/4/2010, processo n.º 694/96.0TXPRT-C.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/8e764ac9997b11a280257707004aa924?OpenDocument.
Por outra parte, a solução que vem defendida no recurso interposto está expressamente afastada pela letra da lei no caso do cumprimento de penas de prisão de execução sucessiva, conforme decorre da redacção do Art.º 63.º, n.º 3, do Código Penal (inciso "se dela não tiver antes aproveitado"); ora, a situação material de cumprimento de uma pena de 7 anos de prisão ou de duas, cada uma delas com a duração de 5 anos, a outra com a duração de 2 anos, como é o caso, é em tudo idêntica para os fins que ora nos ocupam, não devendo, por isso, ser objecto de diferente tratamento jurídico.
Também assim, a solução sustentada na motivação do recurso tem, ela mesma, a virtualidade de descaracterizar a 'válvula de segurança' em que se traduz a regra de cinco sextos (prevista para privações prolongadas da liberdade), tal como ficou apontado na parte final da nota 1, já referida. Podem até configurar-se casos mais expressivos até do que os ali anotados. Por exemplo, o condenado que vê a sua situação apreciada somente a cerca de 3 ou 4 meses da data dos cinco sextos da pena (eventualmente, por tardia estabilização da sua situação jurídica): faz sentido que, revogada a liberdade condicional, venha ele a beneficiar de liberdade condicional obrigatória decorridos 3 ou 4 meses sobre o retomar da prisão efectiva, tal como aponta o tribunal a quo na sustentação do despacho recorrido.
Por último, anota-se que o Art.º 63.º, n.º 4, do Código Penal, afasta expressamente a possibilidade de ser concedido um unitário regime de liberdade condicional, abrangendo parte de uma pena em relação à qual operou revogação de liberdade condicional e parte de outra no quadro de cuja execução tal não tenha ocorrido (realidade jurídica que está subjacente ao despacho recorrido).
Pelo exposto, em concordância com a fundamentação expendida pela decisão recorrida, consideramos que a mesma deve ser mantida nos seus precisos termos.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar não provido o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida, proferida pelo Tribunal de Execução de Penas do Porto.
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Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC´s a taxa de justiça devida.
Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Porto, 11 de Novembro de 2015
Nuno Ribeiro Coelho
Renato Barroso