Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3242/10.7TXPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
EXECUÇÃO SUCESSIVA DE PENAS
REVOGAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL
Nº do Documento: RP201502043242/10.7TXPRT-B.P1
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Enquanto o artigo 63º nºs 1 a 3 do CP consagra uma «doutrina de soma» ou cômputo de penas, o art 63º nº 4 do CP consagra uma «doutrina de diferenciação» ou autonomia de penas.
II - O artigo 63º nº 3 do CP não exclui do direito à liberdade condicional o condenado que já dela beneficiou anteriormente.
III – O artigo 64º nº 3 do CP, ao dispor «pode», não visa afastar o regime automático do artigo 61º nº 4 do CP mas apenas esclarecer que nada obsta à concessão de liberdade condicional ao condenado que dela já beneficiou anteriormente.
IV – A Jurisprudência do AUJ 3/2006 abrange o condenado em cumprimento de pena após revogação da liberdade condicional concedida ao abrigo do artigo 61º nºs 2 e 3 do CP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso
Penal 3242/10.7TXPRT-B.P1 vindo do 1º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto

O Mmo Juiz a quo proferiu [1] o seguinte DESPACHO que foi objecto de Recurso:

«Vi o cômputo da pena, já homologado no quadro do processo da condenação [2].
*
Encontra-se novamente em execução a pena de prisão no âmbito da qual foi aplicado a B…, identificado(a) nos autos, o regime de liberdade condicional, posteriormente revogado devido ao cometimento de novo(s) crime(s).
A nova condenação determinou a imposição de pena de prisão efectiva, da qual falta ainda cumprir mais de metade.
Em face da regra especial prevista no artigo 63.º, n.º 4, do Código Penal, não é legalmente admissível proceder ao somatório das penas em causa nos autos, nem efectuar uma apreciação conjunta (nos termos do n.º 2 do citado artigo) para efeitos de eventual concessão de liberdade condicional.
As penas em presença são, deste modo, alvo de tratamento separado (ou autónomo), o que configura uma situação distinta do cumprimento sucessivo de penas tratado nos n.º 1 a 3 do artigo em referência, previsto para os casos de sucessão de penas em que a execução de nenhuma delas resulta de revogação de liberdade condicional [3].
Tem assim de se concluir que, no caso dos autos, a pena ora (novamente) em execução, em resultado de revogação de liberdade condicional, há-de ser cumprida por inteiro, com o que, por força da realidade jurídica em causa, sofre limitação a regra consagrada no artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal [4].
Neste sentido se pronunciou o acórdão do TRP de 26.03.2014 [5], o acórdão do TRE de 31 de Maio de 2011 [6], publicado em www.dgsi.pt., bem como o acórdão do STJ de 03.08.2010 [7], cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt.
De igual modo, Paulo Pinto de Albuquerque defende que “se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma de penas que cabe cumprir”, devendo essa pena ser executada em primeiro lugar, pois “a ordem de sucessão de execução das penas é a ordem pela qual transitam [em julgado] as respectivas condenações” [8].
Pelo exposto, entende-se não haver lugar a renovação da instância no âmbito da pena de prisão ora em execução, a qual será, em consequência, integralmente cumprida em regime de prisão efectiva [9].
Em conformidade, solicite ao processo n.º 22/07.0PUPRT, da 1.ª Vara Criminal do Porto, que, no termo da pena (previsto para 13.08.2016), recoloque o(a) condenado(a) em cumprimento da pena de prisão que vinha cumprindo anteriormente no processo n.º 1637/12.0PPPRT, da 1.ª Vara Criminal do Porto, ao qual será também remetida cópia do presente despacho.

Notifique, também o(a) recluso(a) e o seu defensor/mandatário, e comunique ao EP e à equipa de reinserção social» [10].

Inconformado, o CONDENADO tempestivamente interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com Motivação a fls 386-396 II, a qual rematou com as sgs 23 CONCLUSÕES [11]:

1. O arguido B… foi condenado nos presentes autos por decisão transitada em julgado ao cumprimento de uma pena única de 7 anos e 5 meses de prisão.
2. O arguido foi colocado em liberdade condicional em sede de dois terços da pena.
3. Ou seja, cumpriu 5 (cinco) anos e 1 (um) mês de prisão efectiva.
4. Estando por cumprir 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

5. Por decisão transitada em julgado em 14.05.2013, proferida no âmbito de outro processo com o nº 1637/12.0 PPPPT, que correu os seus termos também na 1ª Vara Criminal do Porto, foi o arguido condenado, por outros factos, ao cumprimento de uma pena de 3 anos de prisão efectiva, pela autoria de um crime de furto qualificado, agravado pela reincidência.

6. Do despacho de que se recorre não faz qualquer menção à fixação do tempo em que o arguido atingirá os 5/6 [12].

7. Não faz qualquer referência que nesta pena o arguido atingirá os 5/6 (cinco sextos) em 08.02. 2015, antes do termo da pena que ocorre em 13/08/2016.

8. O despacho de que se recorre também não diz que não é aplicável a regra do 61º, nº 4 do CP e por esta razão no entender do recorrente este “tempo” de pena deve ser consignado no despacho.

9. Entende o arguido que nos termos do artigo 61 nº 4 do Código Penal ...“o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”.

10. É obrigatória a concessão da liberdade condicional prevista no artigo 61 nº 4 do Código Penal, nas penas superiores a 6 anos de prisão em que o arguido já tenha cumprido 5/6 da pena.

11. O único requisito prevista é o prévio consentimento do condenado.

12. Já assim decidiu o acórdão do STJ, de 06.01.2005. (Acórdão do STJ, Xlll, 1, 162).

13.No presente caso, a pena inicial de 7 anos e 5 meses de prisão, na qual a liberdade condicional concedida foi revogada, está sujeita a ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 dessa pena, pois o único requisito exigível é o decurso do tempo e o consentimento do arguido B….

14. No nosso caso e porque existiu revogação da liberdade condicional, pois existem várias penas a cumprir, o regime da liberdade condicional deve ser aferido nos termos dos artigos 61 e 64 do Código Penal, relativamente a cada uma delas.

15. Segundo estes artigos, “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida” (artigo 64 nº 2 do C. Penal) e “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º” (nº 3 do artigo 64 C.Penal).

16. De acordo com o artigo 64 nº 3 C.Penal “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61”, isto significa que essa concessão há-de ser enquadrada em qualquer das modalidades aí previstas, incluindo por força da lei à que se refere o artigo 61 nº 4 do C. Penal.

17. Este foi o entendimento do acórdão nº 3944/10.8TXPRT-H.P1, proferido de 03.10.2012, do Tribunal da Relação do Porto e que estas alegações seguem a mesma posição.

18. Foi este o entendimento seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-06-2008, processo 08P2184, nos seguintes termos
“(…) Mas a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete. Ora, dispõe o art. 61.º, n.º 4 do C.Penal que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena». E se se compreende a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04- 01-2006, deste Tribunal, não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente. Com efeito, decidiu-se nesse aresto com valor reforçado que «nos termos dos números 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos ou de soma de penas sucessivas que exceda seis anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.» Ora se a descontinuidade do cumprimento da pena superior a 6 anos motivada a ausência ilegítima não obsta à concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, por maioria de razão, também a descontinuidade motivada pela a ausência legítima” que constitui a liberdade condicional posteriormente revogada não deverá obstar.

19. Entendimento também seguido no acórdão desta Relação, de 22-02-2006, proferido no processo 0640101, mostrando que a redacção do preceito em causa (n.º 3 do art. 64º) não pode ter o sentido de afastar a liberdade condicional “ope legis”, quanto tenha havido revogação da liberdade condicional:

20. “(...) É certo que a redacção do texto definitivo do preceito não é, nas palavras, rigorosamente coincidente com o Projecto. Neste, dizia-se que “relativamente à prisão que venha a executar-se, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 61.º”; o texto definitivo diz que “relativa mente à pena de prisão que vier a executar-se pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”

Mas não cremos que a diferença de redacção consinta a interpretação de que, no caso de revogação de liberdade condicional, só pode haver liberdade condicional “facultativa”, nos termos do n.º 3 e 4 do artigo 61º, ficando excluída a liberdade condicional “obrigatória”. É que o legislador já tinha optado no sentido da obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos mesmo para os condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional. Tendo conferido uma redacção 5 do artigo 61.º que não deixasse subsistir dúvidas interpretativas.

Por isso, o que restava dizer, no n.º 3 do artigo 64., era que a revogação da liberdade condicional não constitui causa impeditiva de nova liberdade condicional facultativa”, durante o cumprimento do remanescente da pena, se verificados os pressupostos de que ela depende.

De referir ainda que, do n.º 4 do artigo 62 do Código Penal, nenhum argumento se retira que contrarie validamente a interpretação que fizemos, uma vez que aquele artigo 62º respeita à liberdade condicional em caso de execução de penas sucessivas e essa situação não se verifica quando há que executar-se uma pena e o remanescente de uma pena em resultado de revogação da liberdade condicional.

A pena a executar-se no caso de revogação de liberdade condicional não é uma nova pena, mas o que ficou por cumprir de uma pena, uma parte de uma pena. (...)”.

21. Posição que também se defende.

22. Deve, pois, ser revogado o despacho, de que se recorre, só faz menção ao termo da pena e que sofre a limitação da regra consagrada no artigo nº 64 nº 3 do CP, o tempo em que o arguido atinge os 5/6 (cinco sextos) da pena em cumprimento e substituído por outro no qual se fixe o tempo em que o arguido atinge os 5/6 da pena em cumprimento.

23. Para que o arguido possa assim beneficiar dela.

● NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, revogando-se a o despacho de que se recorre, substituindo-o por outro onde se fixe, além do termo da pena em cumprimento, os 5/6 (cinco sextos) da pena em cumprimento …» [13].

ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo ex vi arts 235, 238 e 239 do CEP e 411-1 do CPP por Despacho a fls. 401 II notificado aos Sujeitos Processuais inclusive ao MINISTÉRIO PÚBLICO nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, RESPONDEU a fls. 405-409 II concluindo que:

1. Concordamos inteiramente com a posição assumida no douto despacho recorrido, ora em crise.
2. Na verdade, e citamos: “…[14] …”
3. Da mesma forma, e citando Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, anotações 2. e 5. ao artigo 63.°: “se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma de penas que cabe cumprir”, devendo essa pena ser executada em primeiro lugar, pois “a ordem de sucessão de execução das penas é a ordem pela qual transitam [em julgado] as respectivas condenações”.
4. Pelo exposto, somos de parecer que não deve haver lugar a renovação da instância no âmbito da pena de prisão em execução — a de remanescente por revogação de liberdade condicional - a qual será, necessariamente, integralmente cumprida em regime de prisão efectiva.
5. Termos em que nenhuma norma legal foi violada.
6. Assim, manifestamo-nos pela improcedência do recurso interposto» [15].

O Mmo Juiz do 1JZ do TEP do PRT proferiu o seguinte Despacho de SUSTENTAÇÃO:
«Mantenho, nos termos do artigo 414.°, n.° 4, do CPP, o despacho recorrido, com os seguintes aditamentos.

O Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado a decidir sobre a questão da aplicabilidade da regra de cinco sextos no quadro da execução de uma pena de prisão após revogação de liberdade condicional, tem sido uniforme no sentido do seu afastamento enquanto momento de concessão obrigatória de nova liberdade condicional, tal como resulta dos acórdãos mencionados na nota 7 do despacho recorrido.

Trata-se de uma situação que não se pode assimilar à de constituição de condenado em ausência ilegítima do estabelecimento prisional, conforme vem apontado na mesma nota 7.

Por outra parte, a solução que vem defendida no recurso interposto está expressamente afastada pela letra da lei no caso do cumprimento de penas de prisão de execução sucessiva, conforme decorre da redacção do artigo 63.°, n.° 3, do CP (inciso “se dela não tiver antes aproveitado”); ora, a situação material de cumprimento de, por hipótese, uma pena de 8 anos de prisão ou de duas, cada uma delas com a duração de 4 anos, é em tudo idêntica para os fins que ora nos ocupam, não devendo, por isso, ser objecto de diferente tratamento jurídico.

Por fim, a solução sustentada na motivação do recurso tem, ela mesma, a virtualidade de descaracterizar a ‘válvula de segurança’ em que se traduz a regra de cinco sextos (prevista para privações prolongadas da liberdade), tal como ficou apontado na parte final da nota 7, já referida. Podem até configurar-se casos mais expressivos até do que os ali anotados. Por exemplo, o condena do que vê a sua situação apreciada somente a cerca de 3 ou 4 meses da data dos cinco sextos da pena (eventualmente, por tardia estabilização da sua situação jurídica): faz sentido que, revogada a liberdade condicional, venha ele a beneficiar da liberdade condicional obrigatória decorridos 3 ou 4 meses sobre o retomar da prisão efectiva?

Em cumprimento do previsto no artigo 414.°, n.° 6, do CPP, extraia do processo de liberdade condicional (excepto onde diversamente anotado), por esta ordem, certidão de fls. 154-164, 335-371, 69-72 (estas do incidente de incumprimento — apenso H), 389, 391-393, 402, 403-405 (o despacho recorrido), 407, 415-425, 429-432, 434-438, bem como deste despacho, organizando apenso de recurso em separado» [16].

Em Vista ex vi art 416-11 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu a fls. 422 e VS o PARECER «... que o presente recurso não deverá proceder » por considerar que :

«Recorre o arguidodo despachoem que, nos termos e com os fundamentos nele expressos aqui dados por reproduzidos, a que não falta pertinente apoio doutrinário e jurisprudencial e que se prendem com o facto de, estando a cumprir pena de prisão efectiva, lhe ter sido revogada a liberdade condicional em relação a outra, a final se decidiu que “pelo exposto, entende-se não haver lugar a renovação da instância no âmbito da pena de prisão ora em execução, a qual será, em consequência, integralmente cumprida em regime de prisão efectiva” — fls. 375.
Pelas conclusões da respectiva motivação, consabidamente delimitadoras do objecto do recurso, infere-se que o Recorrente impugna a decisão, de direito, pretextando e procurando demonstrar, através de fundamentada argumentação com citação de jurisprudência alegadamente conforme, que a decisão recorrida viola, por incorrecta interpretação, o disposto nos arts. 61° n° 4 e 64° n°s 2 e 3 do CP, finalizando a referir que “deve, pois, ser revogado o despacho de que ora se recorre [porque] só faz menção ao termo da pena e que sofre a limitação da regra consagrada no artigo 64° n° 3 do CP, o tempo que o arguido atinge os 5/6 (cinco sextos) da pena em cumprimento e substituído por outro no qual se fixe o tempo em que o arguido atinge os 5/6 da pena em cumpri mento para que possa beneficiar [da liberdade condicional]”, o que impetra — fls. 393-396.

Respondeu oportunamente o M. P. junto do TEP, pronunciando-se fundamentadamente pela improcedência do recurso.

Apreciando, aderimos à essência de tal resposta, proficientemente sintetizada nas respectivas conclusões (fls. 407-409), que se subscreve e sufraga, mormente na parte em que, apoiando a decisão recorrida, reitera o entendimento de que à situação do Recorrente é inaplicável quer o estatuído no art. 61° n° 4 [17], quer o regime do cumprimento sucessivo de penas previsto no art. 63° do mesmo Código por força do n° 4 deste preceito, tendo-se em conta a situação processual e prisional do Recorrente, a cumprir actualmente o remanescente de uma pena de 7 anos e 5 meses de prisão por revogação de liberdade condicional anteriormente concedida, conforme melhor se apreende dos elementos constantes dos autos (cfr. fls. 154-164: despacho de concessão de liberdade condicional; 351 e 356: incidente de incumprimento/revogação [18] e 363-364: liquidação da pena após a revogação da liberdade condicional), que aqui se dão por reproduzidos e de que se realça que o Recorrente foi condenado no processo comum (T.Colectivo) n° 22/07.0PUPRT da 1ª Vara Criminal do Porto na pena de 7 anos e 5 meses de prisão, detido desde 22 de Janeiro de 2007, cumpriu tal pena até 10 de Fevereiro de 2012, data em que beneficiou de liberdade condicional; recolocado à ordem de tal processo em 01 de Abril de 2014 por revogação da liberdade condicional, reportando-se agora o termo da pena para 13 de Agosto de 2016, restando-lhe, assim, para cumprir daquela inicial pena de 7 anos e 5 meses de prisão, 2 anos, 4 meses e 12 dias.

Em defesa da decisão recorrida dir-se-á resultar inequivocamente das normas citadas, por um lado, que a imperativa concessão da liberdade condicional aos 5/6 do tempo de cumprimento de uma pena de prisão superior a 6 anos estatuída no n° 4 do art. 61° só opera se não tiver ocorrido prévia concessão ao abrigo do estatuído nos n°s 2 e 3 do referido preceito e, por outro, que o regime do cumprimento sucessivo, com as regras específicas de contagem do tempo para a concessão previsto no art. 63° n°s 1 a 3 do CP, está expressamente afastado no caso vertente, por força do n° 4 do mesmo preceito.

Assim como também se nos afigura não ter fundamento a pretensão de ver aplicado o regime do art. 64° n° 3 do CP, uma vez que nos parece indubitável incidir a possibilidade de aplicação de nova liberdade condicional aí prevista apenas ao tempo da pena que deva cumprir-se em consequência da revogação (“pena de prisão que vier a ser cumprida”), o que, desde logo afasta a impetrada consideração dos 5/6 da pena integral.
De resto, o Recorrente, terminado o cumprimento de tal remanescente, terá sempre que cumprir a outra pena de prisão em que está condenado (3 anos) e de que foi desligado, em cujo âmbito oportunamente concerteza será equacionada a concessão de liberdade condicional ao abrigo do disposto no art. 61° n° 2 do CP» [19].

NOTIFICADO o Il Defensor do Recluso para, querendo, responder em 10 dias seguidos ex vi art 417-2 do CPP, RESPONDEU a fls. 428-429 = 432-433 II que «…reiteramos o provimento do recurso apresentado» por considerar que:

1. Reitera as alegações já enunciadas no seu requerimento de recurso.
Realçando o seguinte:
2. Em nosso entender este caso concreto não se trata de um caso de cumprimento de penas sucessivas, pois o que existe é o remanescente de uma pena a cumprir, em virtude da revogação da liberdade condicional — De acordo com o artigo 63 nº 4 do Código Penal.
3. Se assim não fosse não poderia a liquidação ser feita como se esse remanescente constituísse uma nova pena separada da pena originária.
4. A liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos é obrigatória mesmo para os condenados que interromperam o cumprimento da pena, por terem beneficia do de liberdade condicional “ facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente da pena, em virtude da revogação.
5. Daí a redacção do artigo 61 nº 5 Código Penal.
6. Já foi esta a posição seguida por esta Secção no 3944/10.8TXPRT-H.P1 e ainda acrescentamos o acórdão…no âmbito do processo nº 694/96.0TXPRT-C.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra.
7. É verdade que após o cumprimento do remanescente o recorrente terá de cumprir uma pena de 3 anos no âmbito do processo nº 1637/12.0PPPPT proferido pela 1ª Vara Criminal do Porto. (Apesar de não relevar para os presentes autos refere-se que se encontra a correr um recurso extraordinário de revisão).
8. Os actos pelos quais o arguido está condenado, antes do crime mais recente, remontam a 2007, condenação anterior à Lei 115/2009 de 12 de Outubro.
9. Ao arguido deve ser sempre aplicável a lei que lhe seja mais favorável.
10. Que o Tribunal de Execução de Penas proceda a nova liquidação, tal como já se pronunciou a 1.ª Vara Criminal do Porto, no âmbito do processo 22/07.0PUPRT, que na sua liquidação já fixou como data para atingir os 5/6 o dia 16.05.2015, que proferiu a pena primitiva de 7 anos e 5 meses de prisão.
11. Em nosso entender deve o recorrente em 16.05.2015 ser desligado da pena 22/07.0PUPRT (a qual se encontra agora a cumprir) e no caso de ter de cumprir a pena proferida no processo nº 1637/12.0PPPPT ser nessa data a ela ligado» [20].

Em execução de Despacho do Relator a fls. 423 II apensado a título devolutivo a fls. 426 II o «Incidente de Incumprimento (Lei 115/2009) de Liberdade Condicional», certificado em 12.01. 2015 a fls. 440 II o pagamento no último dia do prazo em 26.12.2014 ex vi fls. 438 II da multa dos arts 139-6 do CPC e 107A-c do CPP e na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.
APRECIANDO

Do documentado no processo ressuma com interesse para decisão do Recurso que:

1. O Acórdão de 06 DEZ 2007 transitado em 28.4.2008 no PCC 22/07.0 PUPRT da 1VCPRT condenou o Arguido aqui recorrente B… na pena única de 7 anos 5 meses de prisão em cúmulo jurídico ut art 77 todos do CP das penas parcelares sofridas pela (co-)autoria entre 06 e 21 JAN 2007 de 8 crimes dolosos dos quais 2 roubos simples, 5 roubos agravados e 1 detenção de arma proibida [21]. Ininterruptamente privado da liberdade desde 22 JAN 2007, tal pena única foi liquidada com ½ a 07 OUT 2010, 2/3 a 01 JAN 2012, 5/6 a 27 MAR 2013 e termo a 22 JUN 2014 [22] mas o Despacho de 10 FEV 2012 concedeu Liberdade Condicional a contar da sua libertação em 10 FEV 2012 até à data do termo da pena única calculado para 22 JUN 2014 [23] por que B… não esteve recluso à ordem 2 anos 4 meses 12 dias.

2. O Acórdão de 09.4.2013 transitado em 14.5.2013 no PCC 1637/12.0PPPRT da 1VCPRT com o apensado INQ 1175/12.1PPPRT, condenou o Arguido aqui Recorrente B… em 3 anos de prisão efectiva pela co-autoria material com Marco pelas 02:20 de 22 JUL 2012 de um crime doloso de furto qualificado p.p. pelos arts 26, 203-1 e 204-2-e agravado pela reincidência ut arts 75 e 76 todos do CP [24]. Detido 2 dias à ordem daquele INQ 1175/… das 04:51 de 22 JUL às 15:40 de 23 JUL de 2012 quando foi libertado após I Interrogatório Judicial de Arguido Detido e interruptamente preso desde 12 JUL 2013, aquela pena foi liquidada com ½ a 10 DEZ 2014, 2/3 a 10 JUN 2015, 5/6 a 10 DEZ 2015 e termo para 10 JUN 2016 [25].

3. Como o Despacho de 15.12.2003 no GLC 532/99.1TXCBR do 3JZ do TEP de LSB revogou a Liberdade Condicional concedida em 28.9.2001 para o período de 28 SET 2001 a 20 JUL 2003 relativamente à pena única de 5 anos 10 meses de prisão exequenda desde 11 JUN 1998 no PCC 240/97.8PQPRT = 216/00 da 1VCPRT, este processo solicitou a emissão de Mandado de Detenção para cumprimento de 1 ano 9 meses 20 dias que lhe restava cumprir [26], porém, sem efeito porque a pena foi cumulada no PCC 37/97.5PUPRT da 3VCPRT à ordem do qual B… cumpriu até ao seu termo a pena única a que foi condenado [27] por que não interessa in casu.

4. Mercê da condenação no PCC 1637/… supra id, o Despacho de 15.10.2014 no Incidente de Incumprimento 3242/10.7TXPRT-H do 1JZ do TEP do PRT revogou a Liberdade Condicional e determinou a execução da pena ainda não cumprida no PCC 22/… supra id [28] à ordem do qual B… cumpre - após desligamento em 01.4.2014 - a remanescente prisão os sobreditos 2 anos 4 meses 12 dias calculados os 5/6 para 16.5.2015 e o termo para 13.8.2016 [29].
Como o Recluso interrompeu em 01.4.2014 o cumprimento de 3 anos de prisão à ordem do PCC 1637/… - quando faltavam 2 anos 2 meses 9 dias para o termo em 10.6.2016 da pena - para cumprir 2 anos 4 meses 12 dias da revogação da Liberdade Condicional com 5/6 para 16.5.2015 e termo para 13.8.2006 à ordem do PCC 22/…, a questão recorrida é saber da aplicação da «doutrina da diferenciação» do art 63-4 - tese do Despacho recorrido, da Resposta do MP a quo e do Parecer do MP ad quem ou da «doutrina da soma» do art 63-1-2-3 todos do CP tese da Motivação e da Resposta ao Parecer pelo Recorrente que pretende interrupção por Liberdade Condicional obrigatória dos 5/6 em 16.5.2015 do cumprimento de remanescentes 2 anos 4 meses 12 dias da pena única de 7 anos 5 meses de prisão, por que está em causa está a boa interpretação articulada que se deve fazer do funcionamento dos números 1 a 4 do art 63 epigrafado «Liberdade condicional em caso de execução sucessiva da várias penas» conforme o qual:

1. «Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.
2. Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
3. Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.
4. O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional».

Como as peças processuais recursórias recaídas sobre o Despacho recorrido sobejamente espelham a esclarecedora fundamentação de cada uma das posições consubstanciadoras da dita dissensão jurisprudencial, basta tomar posição pela «doutrina da diferenciação» pelo expendido no ARP de 28.7.2014 de Eduarda Lobo com José Eusébio de Almeida no processo 2373/10.8TX PRT-J.P1 vindo do 2JZ do TEP do PRT que se cita por não se ver como dizer mais e melhor:

«… havendo lugar ao cumprimento de várias penas em execução sucessiva, a primeira regra a observar é a de que a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar se interrompe logo que se atinja metade do respetivo cumprimento, iniciando-se então o cumprimento da pena seguinte, e assim sucessivamente (art. 63º, nº 1 do C…P…).

Depois, o tribunal deve apreciar a concessão da liberdade condicional quando o possa fazer, em simultâneo, relativamente a todas as penas (art. 63º, nº 2 do C…P…) ou seja, quando todas elas tenham sido cumpridas em metade e no mínimo de seis meses, verificada que seja a previsão das alíneas a) e b) do nº 2 do art. 61º do C…P…, ou quando todas elas tenham sido cumpridas em dois terços e no mínimo de seis meses, verificada que seja a previsão da referida alínea a).

Porém, se o somatório das penas a cumprir sucessivamente exceder seis anos de prisão, o condenado é colocado em liberdade condicional, se ainda o não tiver sido, cumpridos que sejam cinco sextos daquele somatório (art. 63º, nº 3 do C…P…).

Mas sempre no pressuposto de que não ocorreu a revogação da liberdade condicional. Pois, se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma das penas que cabe cumprir, sendo que a ordem de sucessão de execução das penas é a ordem pela qual transitam as respetivas condenações [30].

Note-se, porém, que o facto de se afirmar que a pena resultante da revogação da liberdade condicional “deve ser cumprida por inteiro” não significa que essa pena tenha obrigatoriamente de ser integralmente cumprida, não podendo o condenado vir a beneficiar de medidas de flexibilização. O que se pretende com tal expressão é afastar essa pena do cômputo a que se referem os números 1 a 3 do mesmo preceito (ela não entra na soma das penas), já que só relativamente às penas de execução verdadeiramente sucessiva se verifica a possibilidade de interrupção da respetiva execução quando se encontrar cumprida metade da pena, para se iniciar o cumprimento da subsequente.

Como se realça no Ac. desta Relação do Porto de 26.03.2014 [31], a respeito do nº 4 do artº 63º do C…P… “a situação em apreço não configura um cumprimento sucessivo de penas, mas antes o restante de uma pena já cominada, que não é alterada, e que sofre um tratamento autónomo. É a lei que assim o determina ao consagrar um regime especial no nº 4 do art. 63º do C…P…. Em face da regra especial prevista no artigo 63.º n.º 4 do C…P…, não é legalmente admissível proceder ao somatório das penas em causa nos autos, nem efetuar uma apreciação conjunta (nos termos do n.º 2 do citado artigo) para efeitos de eventual concessão de liberdade condicional”.

Porém, a circunstância de a pena resultante da revogação da liberdade condicional não poder ser interrompida quando atinge o meio do respetivo cumprimento, não determina a impossibilidade de vir a beneficiar de eventual interrupção por força da concessão de nova liberdade condicional, em conformidade com a previsão do artº 64º nº 3 do C.Penal.

Como escreve Maia Gonçalves[32] “se, porém, uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará, por razões óbvias, nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente”. Naturalmente, sem prejuízo do nº 3 do artº 64º que (na sequência da determinação da execução da pena de prisão ainda não cumprida, em caso de revogação da liberdade condicional) estabelece que, relativamente a essa pena, “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artº 61º”.

A este respeito, o Prof. Figueiredo Dias considera que a conclusão a extrair deverá ser a seguinte: “se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal haverá de efetuar” [33].
Contudo, a redação do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete.

Dispõe o art. 61.º, n.º 4 do C. Penal que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».

E se se compreende a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º.

Pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º. Assim, o cálculo das datas para a concessão da liberdade condicional deve ser feito tendo em conta igualmente a pena que esteve na sua origem nos termos do artº 479º nº 2 CPP, segundo o qual, quando a prisão não for cumprida continuamente, ao dia encontrado segundo os critérios do nº 1 acresce o tempo correspondente às interrupções [34].

E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, do STJ de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente. Com efeito, decidiu-se nesse aresto com valor reforçado que «nos termos dos números 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos ou de soma de penas sucessivas que exceda seis anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitima mente do estabelecimento prisional.»

Ora, se a descontinuidade do cumprimento da pena superior a 6 anos motivada por ausência ilegítima não obsta à concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, por maioria de razão, também a descontinuidade motivada pela “ausência legítima” que constitui a liberdade condicional posteriormente revogada não deverá obstar.

Por outro lado, como decidiu o STJ no acórdão de 06.01.2005 [35], «a liberdade condicional prevista no n.º 5 [atual n.º 4] do art. 61.º do CP (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana».

Como se refere no Ac. do STJ de 25.06.2008 [36] «sendo esta liberdade condicional um ónus para o Estado e a Sociedade, e não um prémio para o condenado, ela tem lugar mesmo quando, depois de beneficiar de liberdade condicional facultativa, volta à prisão para cumprir o remanescente da pena, em consequência da revogação dessa liberdade».

De acordo com o disposto no n.º 3 do art. 64.º do C.P., a revogação da liberdade condicional não constitui obstáculo à concessão de nova liberdade condicional.

Por outro lado, a circunstância de o citado preceito dispor “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional”, não visa afastar o regime automático do nº 4 do artigo 61º, mas tão só esclarecer que nada obsta a que, revogada a liberdade condicional, ela venha a ser novamente concedida, quer nos termos de ponderação efetuada conforme ao disposto nos nºs 2 e 3, quer após o cumprimento de 5/6 da pena, como previsto naquele nº 4. Com efeito, “ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus”. Nada, no texto legal, permite efetuar tal interpretação restritiva [37]» [38].

Considerando in casu que o Recluso ora Recorrente B… atinge em 16.5.2015 os 5/6 do cumprimento da pena única de 7 anos 5 meses de prisão que é data relevante ut arts 64-3 e 61-4 mas também que ainda não cumpriu metade da pena de 3 anos de prisão que é o tempo mínimo relevante ex vi art 61-2-a-b do CP, afigura-se que em 16.5.2015 deve ser colocado em Liberdade Condicional quanto ao cumprimento da pena única de 7 anos 5 meses de prisão ainda que o início da sua execução seja diferido para o termo da reclusão à ordem do PCC 1637/… porque em 16.5.2015 o B… tem de ser desligado do PCC 22/… para o PCC 1637/… a fim de continuar o cumprimento da pena de 3 anos de prisão pelo facto dele ter sido intempestivamente interrompido em 01.4.2014 antes de se atingir o ½ e assim os 2/3 que são os momentos temporais relevantes para concessão ou não de Liberdade Condicional facultativa ut art 61-2-a-b, todos do CP.
DECIDINDO
1. No provimento do Recurso do Recluso B… revoga-se o Des pacho recorrido que deve ser substituído por outro que, a seu tempo, decida sobre a flexibilização da execução de cada uma das penas, na consideração dos parâmetros supra expostos.

2. Sem tributação ex vi art 513-1 a contrario do CPP por não ter o Recorrente decaído in totum.

3. Notifique-se MP e Defensor ut art 425-6 do CPP aplicável ut art 239 do CEPMPL.

4. Transitado, remeta-se ao 1JZ do TEP do PRT para execução do decidido

Porto, 04 de Fevereiro de 2015
Castela Rio
Lígia Figueiredo
_____________
[1] Em 17.6.2014 a fls. 374-376.
[2] A fls. 363-364, com o teor seguinte:
«O arguido … foi condenado nos presentes autos [22/07.0PUPRT], por decisão já transitada em julgado na pena de 7 anos e 5 meses de prisão, cfr. fls. 812. | Foi detido à ordem dos presentes autos no dia 22/01 /2007 e uma vez presente a interrogatório judicial ficou a aguardar os ulteriores trâmites do processo em prisão preventiva, cfr. fls. 7 a 97. | Assim, o referido arguido cumpriu a pena à ordem dos presentes autos até dia 10/02/2012, altura em que foi libertado por lhe ter sido concedida a liberdade condicional, cfr. fls. 1277-A e 1283 a 1293. | Por decisão que revogou essa liberdade condicional, o arguido … voltou a ser colocado à ordem deste processo em 01/04/2014, cfr. fls. 1389 e 1380 a 1383. | Assim, o … arguido atingirá agora o termo da pena em que foi condenado nos presentes autos, no dia 13/08/2016».
Tais Promoção de 09.4.2014 e Despacho homologatório de 10.4.2014 foram complementados pelo Despacho de 13.6.2014 a fls. 385 com o teor:
«Na liquidação de pena que antecede, não se mencionou a data em que completam os 5/6 da pena. | Tal facto, não interfere minimamente com a aplicação ou não do disposto no art.° 61.°, nº 4 cuja competência não pertence a este Tribunal, mas sim ao TEP. | No entanto e para que dúvidas não haja relativa mente a essa data, corrige-se a liquidação de pena de fls. 1391 e 1392 ficando a constar a data em que o arguido atingirá os 5/6, nomeadamente no dia 16/05/2015. | Notifique, devendo esta data fazer parte integrante do despacho de fls. 1391, que remete para fls. 1390».
[3] «Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette falam a este propósito de doutrina da soma (para os casos regulados nos n.º 1 a 3 do artigo 63.º) e de doutrina da diferenciação (para a situação prevista no n.º 4 desse artigo) - in Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris?, 2008, anotações 5. e 8. ao artigo 63º (p. 203)».
[4] «Norma que, desde logo, emprega a expressão pode, a qual afasta uma ideia de obrigatoriedade».
[5] «Proferido no processo n.º 1236/11.4TXPRT-C.P1.».
[6] «Relatado por Sénio Manuel dos Reis Alves; escreveu-se neste acórdão que, “necessariamente, uma das penas há-de ser cumprida por inteiro” e que “o mais razoável é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, que mais não seja porque a pena inicial já foi objecto desse regime de excepção; mas também porque a impossibilidade de apreciação conjunta da liberdade condicional resulta, no caso, precisamente do facto de estarmos perante pena resultante de revogação de liberdade condicional – n.º 4 do art. 63.º do CP”.».
[7] «Relatado por Fernando Fróis; considerou-se neste acórdão, em segmento não incluído no sumário publicado, que “quando uma das penas a executar constitui o remanescente de pena resultante de revogação da liberdade condicional, ela não pode entrar na soma das penas, tendo de ser cumprida integralmente”».
[8] «Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, anotações 2. e 5. ao artigo 63.º (p. 217).».
[9] «Não se mostra aplicável in casu a regra prevista no artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal, uma vez que a execução da prisão foi interrompida pela liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas da liberdade, igualmente apontando neste sentido o lugar paralelo (para estes efeitos, por exemplo, nada distingue uma situação em que está em causa uma única pena de 6 anos e 6 meses de prisão, daquela em que duas penas autónomas, a cumprir em sucessão, perfazem, em soma, idêntico período temporal) em que se traduz o artigo 63.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, ao introduzir a ressalva “se dela não tiver antes aproveitado” – neste sentido também o acórdão do STJ proferido em 14.08.2009 no processo n.º 514/00.2TXCBR, do 2.º Juízo deste TEP do Porto, processo n.º 490/09.6YFLSB (neste acórdão escreveu-se, para além do mais, que “ao dispor pode, a lei está claramente a afastar o regime automático do nº 4 desse art. 61º, remetendo somente para as modalidades facultativas da liberdade condicional, previstas nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo”), e o acórdão do mesmo STJ, proferido em 03.08.2010, no processo n.º 3670/10.8TXPRT-C, do 1.º Juízo deste TEP.
Acresce que a jurisprudência do acórdão do STJ n.º 3/2006, de 23.11.2005, in DR de 09.01.2006, n.º 6, Série I - A, pp. 175 e seg., não se mostra aplicável no caso, atenta a substancial diferença das situações em causa. Na verdade, nos presentes autos não se constituiu o condenado em ausência ilegítima, antes lhe tendo sido facultadas todas as condições, nomeadamente legais (através da aplicação do regime da liberdade condicional), em ordem à sua plena reinserção social, o que, todavia, não se conseguiu obter.
Para ilustrar a questão em apreço atente-se no seguinte exemplo (outros seriam prefiguráveis, redundando até em superior incongruência): o condenado é colocado em liberdade condicional aos dois terços (que cor respondem a 4 anos e 4 meses) de uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão, regime que é alvo de revogação; depois de retomado o cumprimento da pena é o condenado obrigatoriamente (ope legis, se se entender que vale a regra do artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal) colocado, novamente, em liberdade condicional, depois de cumprido o curto período de 1 ano e 1 mês de prisão (lapso temporal que, somado aos 4 anos e 4 meses anteriormente cumpridos, perfaz 5 anos e 5 meses, ou seja, cinco sextos da aplicada pena de 6 anos e 6 meses de prisão). Não pode ser. Não estamos já, claramente, dentro da ratio legis que presidiu à consagração da ‘válvula de segurança’ subsequente a privações prolongadas da liberdade. Diferentemente, uma tal solução é susceptível de colocar em causa a eficácia e a efectividade da pena imposta (sem prejuízo de, em casos justificados, ope judicis, poder ser concedida a liberdade condicional dita facultativa, em regime de renovação anual da instância – artigos 64.º, n.º 3, do Código Penal, e 180.º, n.º 1, do C.E.P.)».
[10] Conforme scanerização pelo Relator.
[11] Delimitadoras de objecto de Recurso e poderes de cognição deste TRP ex vi consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual penal sem prejuízo do conhecimento de questão oficiosa vg JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ASTJ de 17.9.1997 in CJS 3/97, ASTJ de 13.5.1998 in BMJ 477 pág 263, ASTJ de 25.6.1998 in BMJ 478 pág 242, ASTJ de 03.2.1999 in BMJ 484 pág 271, ASTJ de 28.4.1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ASTJ de 01.11.2001 no processo 3408/00-5, SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Maio de 2008, pág 107.
[12] Nota do Relator – nem podia fazer porque, datando o Despacho recorrido de 17.6.2014, só em 23.6.2014 é que houve conhecimento no GLC 3242/…do Despacho de 13.6.2014 no PCC 22/… que indicou 16.5.2015 como data dos 5/6 da pena de prisão como citado na nota de rodapé 2 deste Acórdão.
[13] Conforme scanerização pelo Relator.
[14] Neste ponto não se repete - por desnecessidade - o teor dos §§ 1º e 2º da nota de rodapé 7 do Despacho recorrido que se mostram reproduzidos por citação na nota de rodapé 9 deste Acórdão.
[15] Conforme scanerização pelo Relator.
[16] Conforme scanerização pelo Relator do Despacho de 01.10.2014 a fls. 414-415 II.
[17] «Não tem razão o Recorrente no que afirma na conclusão VIII (fls. 393). Basta atentar na nota de pé-de página nº 7 do despacho recorrido (fls. 375)» reproduzida na nota de rodapé 9 deste Acórdão.
[18] «Processado por apenso que não se vislumbra ter acompanhado o processo à Relação».
[19] Conforme scanerização pelo Relator.
[20] Conforme scanerização pelo Relator
[21] Certidão do Acórdão a fls. 003-066.
[22] Liquidação homologada a fls. 67-68.
[23] Despacho a fls. 154-164 e certificação do Mandado de Libertação a fls. 171.
[24] Certidão a fls. 305-339.
[25] Liquidação homologada a fls. 341 VS e 342 e informação da Equipa Porto Penal 1 a fls. 350.
[26] Condensação das promoções e Despachos a fls. 183 a 192.
[27] Promoção e Despacho a fls. 286-287.
[28] Despacho a fls. 69-72 do apensado Incidente de Incumprimento 3242/10.7TXPRT-H.
[29] Promoção e Despachos a fls. 363-364 e 385 = 411.
[30] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, anotações 2. e 5. ao artigo 63.º, pág. 217.
[31] Proferido no Proc. nº 1236/11.4TXPRT-C.P1, Des. Elsa Paixão, disponível em www.dgsi.pt.
[32] In Código Penal Português, em anotação ao artº 63º.
[33] In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 550.
[34] Cfr., neste sentido, o Ac. Rel. Coimbra de 07.04.2010, proferido no Proc. nº 694/96.0TXPRT-C.C1, Des. Esteves Marques, disponível em www.dgsi.pt.
[35] In Acs. STJ, XIII, Tomo 1, pág. 162.
[36] Proferido no Proc. nº 08P2184, Cons. Simas Santos, disponível em www.dgsi.pt
[37] Neste sentido se pronunciaram ainda os Acs. desta Relação do Porto de 22.02.2006 (proferido no Proc. nº 0640101, Des. Isabel Pais Martins); de 03.02.2010 (proferido no Proc. nº 62/92.2TXPRT-B.P1, Des. Élia São Pedro) e de 15.09.2010 (proferido no Proc. nº 3670/10.8TXPRT-D.P1, Des. José Manuel Araújo de Barros), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Em sentido contrário, ou seja, no sentido de que “o art. 64.º não estabelece uma outorga automática de liberdade condicional, mas cria um poder-dever de concessão da liberdade condicional que tem subjacente uma decisão nesse sentido, não tendo o recluso direito à liberdade condicional automática prevista no n.º 4 do art. 61.º do CP., dependendo a sua concessão de um juízo de ponderação por parte do TEP, v. Ac. do STJ de 02.10.2010, Cons. Santos Cabral.
No sentido de que “o n.º 4 do art. 63.º do CP proíbe a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas no caso em que “a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, partindo o legislador do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade em liberdade de se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial”, cfr. Ac. do STJ de 04.02.2010, Cons. Armindo Monteiro.
[38] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital - do ARP de 28.7.2014 de Eduarda Lobo com José Eusébio Almeida no processo 2373/10.8TXPRT-J.P1 – que foi oportunamente disponibilizado pela Relatora.