Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1279/10.5TXEVR-F.E1
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: PENAS
CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 05/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I. Em caso de cumprimento sucessivo de penas de prisão em que não seja aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 63º do CP, por força do estatuído no nº 4 do mesmo dispositivo e onde, necessariamente, uma das penas há-de ser cumprida por inteiro, o mais razoável é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional.

II. Mas se assim deve ser a regra, nada obsta a que excepcionalmente se proceda de forma diversa, caso de tal resulte uma situação concretamente mais favorável ao recluso.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE COMPÕEM A 2ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

No processo que, com o nº 1279/10.5TXEVR, corre termos no Tribunal de Execução de Penas de Évora, o Digno Magistrado do MºPº promoveu que o recluso Francisco cumprisse até final (previsto para 12/7/2011) a pena de 2 anos de prisão em que foi condenado no Pr. ---/06.4PAAMD e, de seguida, o remanescente da pena de 9 anos de prisão e 240 dias de multa (a que correspondem 160 dias de prisão subsidiária) em que foi condenado no Pr. ---/99.2SULSB, decorrente da revogação da liberdade condicional que lhe havia sido concedida, consistindo tal remanescente em 3 anos, 5 meses e 10 dias de prisão.

Tal promoção não foi atendida pela Mª juíza, que assim decidiu:

“O recluso cumpre uma pena de 2 anos de prisão, conforme condenação proferida no Proc. ---/06.4PAAMD da 5ª Vara Criminal de Lisboa.

Tem ainda para cumprir o remanescente de 3 anos, 5 meses e 10 dias de prisão à ordem do Proc. ---/99.2SULSB da 4ª Vara Criminal de Lisboa, resultante da revogação da liberdade condicional, conforme decidido no apenso C.

Conjugando o disposto nos art.ºs 63 n.ºs 2 e 4 e 64 n.º 3 do Código Penal, concluímos que este remanescente de pena deve ser tratado juridicamente como se de uma pena autónoma se tratasse (cfr. neste sentido parece ir Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As consequências Jurídicas do Crime”, a p. 550, e ainda “Actas”, 1993, p. 157).

Ora, perante uma situação de penas de cumprimento sucessivo em que uma dessas penas resulta da revogação de liberdade condicional – como é o caso dos autos – é nosso entendimento que o remanescente de pena deve ser integralmente cumprido, não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional.

Neste sentido defende Paulo Pinto de Albuquerque, in Código Penal Anotado.

Também nesse sentido se deve ler a expressão “pode”[1] utilizada na norma contida no art.º 64 n.º 3, conjugada com a exclusão contida no n.º 4 do art.º 63, ambos normativos do Código Penal, não se devendo, a nosso ver, e a bem da segurança jurídica, proceder de modo diferente consoante o tempo de pena cumprido e por cumprir, seja da pena em execução, seja do remanescente de pena.

Pelo exposto, e discordando da promoção que antecede, determino que:

a) Se interrompa de imediato o cumprimento da pena em execução, passando recluso a cumprir até seu termo o remanescente de 3 anos, 5 meses e 10 dias de prisão à ordem do Proc. 151/99.2SULSB da 4ª Vara Criminal de Lisboa;

b) No termo deste remanescente o recluso será religado ao Proc. 251/06.4PAAMD da 5ª Vara Criminal de Lisboa.

A liberdade condicional será apreciada por referência a esta pena.

De imediato passe os competentes mandatos de desligamento/ligamento».

Inconformado com o teor desse despacho, o MºPº interpôs o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

«1ª - O recluso Francisco à data do despacho recorrido estava em cumprimento de uma pena de 02 anos de prisão cujo termo estava previsto para 12/07/2011 e cuja metade foi alcançada em 12/07/2010.

2a - Por revogação da liberdade condicional ficou obrigado a cumprir o remanescente de 03 anos, 05 meses e 10 dias de prisão sofrida no Proc. ---/99.2SULSB.

3a - Foi causa dessa revogação a condenação dele na pena referida na 1ª conclusão, por dois crimes de ofensa à integridade física simples e por factos ocorridos em 20/07/2006, ou seja em pleno período da liberdade condicional.

4a - Por despacho de 08/02/2011, ora recorrido, a Mma juíza “a quo" entendeu, erroneamente, com prejuízo, em nosso entender, para o condenado, interromper de imediato o cumprimento da pena dos 02 anos de prisão, passando a cumprir até ao seu termo o remanescente referido em 2ª e, no termo desse remanescente, ser religado ao Proc.--/99. 2SULSB, apreciando-se oportunamente a liberdade condicional, por referência ao que resta da pena de 02 anos.

5ª - No caso de estarem em execução duas ou mais penas de prisão autónomas a lei impõe a sua execução sucessiva, apreciando-se a liberdade condicional conjunta, no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas (art.63°, nº 2 do CP).

6a - Ora, por esta ordem de procedimentos, sabe-se exactamente quando chega o momento de se apreciar a liberdade condicional conjunta que abranja a totalidade das penas.

7a - Difícil é encontrar solução para os casos, como o dos autos, em que nos deparamos com o cumprimento sucessivo de penas, sendo uma delas o remanescente a cumprir na sequência de revogação da liberdade condicional, anteriormente concedida.

8ª - Numa situação destas, deparamo-nos com a ressalva do preceito do nº 4 do artigo 63° do CP que prescreve “o disposto nos nºs anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional”;

9a - E, como harmonizá-lo com o preceito constante do nº 3 do artigo 64º do CP que, ao tratar a pena remanescente com autonomia própria, nunca se confundindo com a pena inicial (original), admite que “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 610.

10a - Julgamos, porém, que a solução passa por aferirmos, caso a caso, qual o melhor procedimento, sem violarmos, por erro de interpretação, as normas em causa (art.s 63°,nºs 1, 2, e 3; 61°, nºs 2, 3 e 4; 64° nº3, todos do CP), e não deixará de se dar o mais justo tratamento ao recluso.

11a - Concretizando, no caso em apreço, o recluso, por força do artigo 61º do CP, teria direito a ver apreciada a sua liberdade condicional a metade da nova pena, o que já ocorreu em 12/07/2010 e numa 2a apreciação aos 2/3 que se alcançaram em 12/11/2010 e até agora nenhuma apreciação lhe foi feita, mostrando-se o termo dessa pena de 02 anos previsto para 12/07/2011.

12a - A nossa promoção vai no sentido de harmonizar os ditos normativos contraditórios entre si, e nela defendemos que “ponderando a aplicação do disposto no nº 4 do art. 63° do CP e as suas implicações na concessão de uma nova liberdade condicional, afigura-se-me ser mais vantajoso para o recluso (e não deixará de se presumir a sua vontade, maxime, quando o seu consentimento é exigido - n01 do artigo 61° do CP) que cumpra (porque só lhe resta cerca de 05 meses) integralmente a pena, ora em execução, e terminada esta (12/07/2011), inicie, então, o cumprimento do aludido remanescente para que, perfeita que seja metade deste, o que se prevê que seja em 02/04/2013, lhe possa ser apreciada e concedida uma nova liberdade condicional, conforme prevê o n0 3 do artigo 64° do CP”.

13a - Desta forma, vê antecipar a apreciação da liberdade condicional (direito que lhe assiste) em cerca de 01 ano e três meses.

14a - Por outro lado, parece não colher o argumentário que discorre em página de rodapé no despacho recorrido que "se depois de beneficiar de uma liberdade condicional, o condenado volta a delinquir, seja durante o período da liberdade condicional, seja depois, parece-nos evidente que as exigências de prevenção que estiveram na base da condenação e da própria concessão da liberdade condicional foram postas em causa de forma grave e o condenado frustrou o juízo positivo de prognose ... deverá, pois, cumprir por inteiro o remanescente da pena que lhe fora aplicada, não merecendo tratamento diferente" .

15a - Fica-se com a sensação que a Mmª Juíza "a quo" já se está a antecipar a uma decisão de mérito, ao entender que, neste caso, e de uma forma excessivamente "justiceira", não a merece, postergando o direito que ao recluso assiste de poder vir a beneficiar de nova liberdade condicional,

16a - Por conseguinte, impõe-se, que o recluso volte à situação anterior do despacho recorrido, continuando em cumprimento da pena de 02 anos do Proc.---/06.4PAAMD e, após atingir o seu fim (12/07/2011), ficar ligado ao Proc. nº ---/99.2SULSB para cumprimento do aludido remanescente e, no âmbito desta pena, poder vir a beneficiar facultativamente de nova liberdade condicional nos termos do nº 3 do artigo 64° e 61° do CP".

17a - Nesta conformidade, o despacho recorrido viola, por erro de interpretação, o disposto nos art°s 64° nº 3 e 61° nº 2 do C.P., conjugados com o art.° 63°, nº 4 do mesmo diploma, na medida em que a interpretação nele imanente resulta desvantagem para o recluso.

Assim, em obediência ao princípio da legalidade, deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que vá no sentido apontado no supra nº 16 desta conclusão».

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não houve resposta.

Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

As questões que se suscitam neste recurso consistem em saber se, revogada a liberdade condicional pelo facto de o arguido ter cometido crimes durante o período daquela por cuja autoria foi condenado em nova pena de prisão, a pena remanescente é susceptível de beneficiar de nova liberdade condicional e, em caso afirmativo, por que ordem devem ser cumpridas as duas penas.

Importa reter o seguinte factualismo:

1. No Pr. CC ---/99.2SULSB da 4ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido Francisco foi condenado na pena de 9 anos de prisão e 240 dias de multa (a que correspondem 160 dias de prisão subsidiária).

2. Aos 2/3 da pena (26/10/2005) foi colocado em liberdade condicional.

3. O período de tal liberdade condicional decorreria até 6/4/2009 (data prevista para o termo da execução da pena em cumprimento, incluindo a prisão subsidiária de 160 dias).

4. Por factos ocorridos em 20/7/2006 o arguido foi julgado e condenado (Pr. CC ---/06.4PAAMD da 5ª Vara Criminal de Lisboa) na pena de 2 anos de prisão, cujo cumprimento iniciou em 2/7/2010, tendo estado preso preventivamente de 20/7/2006 a 9/7/2007. O meio da pena foi, assim, fixado em 12/7/2010, os 2/3 em 12/11/2010 e o termo em 12/7/2011.

5. Por sentença do TEP de Évora de 15/12/2010 foi-lhe revogada a liberdade condicional referida em 2 e 3 supra e determinada a “execução da pena de prisão, na parte ainda não cumprida, imposta no processo CC nº ---/99.2SULSB da 4ª Vara Criminal de Lisboa”. Tem, pois, para cumprir o remanescente de 3 anos, 5 meses e 10 dias de prisão.

Posto isto:

Dispõe-se no artº 63º do Cod. Penal que (nº 1) se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena; nesse caso, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas (nº 2).

Não assim, porém, no caso – como o dos autos – em que a execução da pena resulta da revogação da liberdade condicional – nº 3 do mesmo artº 63º do CP.

Por força do disposto no nº 2 do artº 64º do CP “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”; sendo certo que (nº 3 do mesmo preceito), “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artº 61º”.

Entende a Mª juíza, na decisão ora sob recurso, que o remanescente da pena “deve ser integralmente cumprido, não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional”.

A dificuldade oposta a tal entendimento pelo estatuído no nº 3 do artº 64º do CP é afastada pela Mª juíza, em nota de rodapé: a expressão “pode” contida em tal normativo depende da verificação dos pressupostos formais e substantivos previstos no artº 61º (e até aqui todos estaremos seguramente de acordo); mas a possibilidade de concessão de nova liberdade condicional está reservada aos casos em que apenas está por cumprir o remanescente da pena (ou, para além dessa, outras por factos anteriores à concessão da liberdade condicional); é que, “se depois de beneficiar de uma liberdade condicional o condenado volta a delinquir (…) parece-nos evidente que as exigências de prevenção que estiveram na base da condenação e da própria concessão da liberdade condicional foram postas em causa de forma grave e o condenado frustrou o juízo positivo de prognose feito no sentido de que futuramente iria comportar-se (de) forma socialmente responsável, sem praticar crimes”.

Raciocínio interessante, sem dúvida, mas que esbarra numa dificuldade inultrapassável: nem no artº 64º (nº 3) nem em qualquer outra disposição legal se encontra normativo que permita fazer a distinção operada pela Mª juíza. E ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus.

Em qualquer dos casos, o raciocínio exposto é, em si mesmo, pouco convincente, salvo o devido respeito. Isto é: diz a Mª juíza que se o arguido volta a delinquir depois de lhe ser concedida a liberdade condicional, frustra o juízo de prognose positiva que a seu propósito foi formulado. Mas em que situações é que a liberdade condicional é revogada sem que, precisamente, o arguido cometa actos que frustram o tal juízo de prognose positiva? Então não é certo que a revogação da liberdade condicional opera nas mesmas situações em que se verifica a revogação da suspensão da pena de prisão (artº 56º, ex vi do artº 64º, nº 1, ambos do Cod. Penal)? E não é esta revogação uma ultima ratio, a lançar mão na insuficiência das medidas previstas nas als. a) a c) do artº 55º (mais uma vez, ex vi do artº 64º, nº 1) do CP)? Então se a revogação da liberdade condicional (como da suspensão da execução da pena) só ocorre quando se frustra o juízo de prognose favorável, porque razão se exclui a possibilidade de nova liberdade condicional no caso de a revogação ter ocorrido na sequência da prática de crimes e já não quando ocorre como consequência de infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social?

No plano do direito a constituir compreendemos, naturalmente, as reservas da Mª juíza, que não revelam uma postura “justiceira”, como pretende o Digno recorrente, antes natural perplexidade por uma solução legal que, porque o é, temos que acatar mas com cujos fundamentos não temos necessariamente que concordar.

Certo é que, nos termos do disposto no artº 64º, nº 3 do CP, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artº 61º”. E porque assim é, perde justificação a decisão proferida pela Mª juíza do TEP de Évora.

Aqui chegados:
Não constitui objecto do presente recurso saber se a pena a cumprir na sequência da revogação da liberdade condicional é uma nova pena, a encarar (e liquidar) de forma autónoma ou se, pelo contrário, constitui mera execução da pena inicial (a liquidar em conformidade, descontando-se o período em que o arguido esteve em liberdade condicional). O posicionamento que se tiver perante esta querela é, naturalmente, relevante (até porque, se se considerar que estamos perante mera execução da pena inicial [2], porque superior a 6 anos de prisão, sempre beneficiaria da liberdade condicional “obrigatória”, alcançados os 5/6 da mesma [3] – artº 61º, nº 4 do CP). Não constitui, porém e como dissemos, objecto deste recurso, razão pela qual nos não é permitido emitir pronúncia.

No caso em apreço temos, então, duas penas para cumprimento sucessivo, uma de 2 anos de prisão, outra de 3 anos, 5 meses e 10 dias de prisão. Com a particularidade de, não obstante serem de cumprimento sucessivo, não lhes ser aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 63º do CP, por força do estatuído no nº 4 do mesmo dispositivo.

Quer isto dizer que, necessariamente, uma das penas há-de ser cumprida por inteiro.

E o mais razoável é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, que mais não seja porque a pena inicial já foi objecto desse regime de excepção; mas também porque a impossibilidade de apreciação conjunta da liberdade condicional resulta, no caso, precisamente do facto de estarmos perante pena resultante de revogação de liberdade condicional – nº 4 do artº 63º do CP.

Mas se isto é assim – e se assim deve ser a regra – não nos custa aceitar que excepcionalmente se proceda de forma diversa, caso de tal resulte uma situação concretamente mais favorável ao recluso.

Dir-se-á (como o faz a Mª juíza na decisão recorrida) que “a bem da segurança jurídica” não se pode proceder de modo diverso “consoante o tempo de pena cumprido e por cumprir, seja da pena em execução, seja do remanescente da pena”.

Mas não nos parece que seja argumento de muito peso. A (in)segurança jurídica eventualmente decorrente da posição assumida pelo Digno recorrente (e que subscrevemos) não é, ao cabo e ao resto, distinta da que (não) resulta do facto de, em caso de sucessão de leis penais, o julgador se ver (legalmente) obrigado a optar por aquela que concretamente se mostra mais favorável ao arguido (artº 2º, nº 4 do CP).

Trata-se, ao cabo e ao resto, de assumir como bom um princípio geral em matéria de execução de penas de, em caso de dúvida, optar pela solução mais favorável ao recluso. É, em suma, aquilo a que António Manuel Beirão (“Questões práticas sobre contagem das penas de prisão”, in Revista do Ministério Público, ano 25º, nº 100, 171 e segs) denomina de in dubio pro recluso. Um princípio que esse Magistrado vê reflectido, por exemplo, no artº 479º, nº 1, al. a) do CPP “ao mandar libertar o condenado no último dia do mês, no caso de não existir dia correspondente”, ou na jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores quando manda descontar um dia no cômputo da pena, em caso de detenção por períodos inferiores a 24 horas [4].

No caso concreto, a solução preconizada pela Mª juíza fará com que o recluso não beneficie da liberdade condicional na pena remanescente (que manda cumprir na íntegra) e que, eventualmente, só beneficie de liberdade condicional nos 5 meses de pena que lhe resta por cumprir, por força da condenação sofrida no CC ---/06.4PAAMD da 5ª Vara Criminal de Lisboa (note-se que a metade da pena já foi alcançada em 12/7/2010 e os 2/3 em 12/11/2010).

A solução proposta pelo MºPº, ao invés, permite ao recluso beneficiar (ou, ao menos, ver apreciada essa possibilidade) de liberdade condicional a 1/2 e a 2/3 da pena remanescente (ou, no caso de se considerar que o arguido cumpre, então, a pena inicialmente fixada de 9 anos de prisão, aos 5/6 da pena, agora ope legis). Trata-se, portanto, de solução inequivocamente mais favorável ao recluso que, como tal, deverá ser seguida.

São termos em que acordam os juízes deste Tribunal em dar provimento ao recurso interposto pelo Magistrado do Ministério Público e, consequentemente, revogar o douto despacho recorrido, determinando que o mesmo seja substituído por outro que dê acolhimento à pretensão do recorrente, isto é, ordenando que o recluso cumpra até final a pena em que foi condenado no CC ---/06.4PAAMD da 5ª Vara Criminal de Lisboa e que, após, cumpra o remanescente da pena em que foi condenado no CC ---/99.2SULSB da 4ª Vara Criminal de Lisboa, aí se apreciando, quando for caso disso, a possibilidade de lhe ser concedida liberdade condicional.

Sem tributação.

Évora, 31 de Maio de 2011 (processado e revisto pelo relator)
Sénio Manuel dos Reis Alves

Fernando Ribeiro Cardoso

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[1] É certo que esta expressão “pode” deve ser interpretada no sentido de que a liberdade condicional a conceder dependerá sempre de prévio juízo e avaliação sobre a verificação em concreto dos respectivos pressupostos formais e substantivos, tal como previstos no art.º 61 do Código Penal. No entanto, a questão reside em saber quando é que cabe fazer esse juízo. Parece-nos que se devem distinguir duas situações: aquelas em que, a par de remanescente de pena resultante de revogação da liberdade condicional, existe uma ou mais penas de prisão por cumprir sucessivamente por factos ocorridos depois da concessão da liberdade condicional; e aquelas em que apenas está por cumprir o remanescente de pena (ou para além deste esteja ainda por cumprir outra(s) pena(s), mas por factos anteriores à concessão da liberdade condicional).

Na verdade, se depois de beneficiar de uma liberdade condicional o condenado volta a delinquir, seja durante o período da liberdade condicional, seja depois, parece-nos evidente que as exigências de prevenção que estiveram na base da condenação e da própria concessão da liberdade condicional foram postas em causa de forma grave e o condenado frustrou o juízo positivo de prognose feito no sentido de que futuramente iria comportar-se forma socialmente responsável, sem praticar crimes. Deverá, pois, cumprir por inteiro o remanescente da pena que lhe fora aplicada, não merecendo tratamento diferente.

[2] Assim, v.g. e a título meramente exemplificativo, os Acs. RC de 7/4/2010 (rel. Esteves Marques), RP de 12/9/2007 (rel. António Gama), www.dgsi.pt.

[3] Cfr., neste sentido, os Acs. STJ de 25/6/2008 (rel. Simas Santos), RP de 22/2/2006 (rel. Isabel Pais Martins), de 3/2/2010 (rel. Élia São Pedro) e de 15/9/2010 (rel. Araújo de Barros), todos in www.dgsi.pt.

[4] Cfr., a título meramente exemplificativo, os Acs. RP de 20/12/2006 (rel. Luís Gominho) e 2/12/2009 (rel. Coelho Vieira), da RC de 19/11/2009 (rel. Alberto Mira) e da RL de 23/10/2007 (rel. Filipa Macedo).