Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3564/10.7TXLSB-F.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
CASO JULGADO
LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 12/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário :
I - A providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso de actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis.
II - Na providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma determinada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, valendo os efeitos que em cada momento produzam no processo, e independentemente da discussão que aí possam suscitar e a decidir segundo o regime normal dos recursos, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no art. 222.º, n.º 2, do CPP.
III - A providência em causa assume, assim, uma natureza excepcional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação.
IV - O caso julgado, enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão. Com os conceitos de caso julgado formal e material descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. Com o conceito de caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de uma decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo) e converge com o efeito da exequibilidade da sentença (efeito executivo). Por seu turno, o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento.
V - No que concerne à extensão do caso julgado, pode distinguir-se entre caso julgado em sentido absoluto e relativo: no primeiro caso a decisão não pode ser impugnada em nenhuma das suas partes. O caso julgado é objectivamente relativo quando só uma parte da decisão se fixou e será subjectivamente relativo quando só pode ser impugnada por um dos sujeitos processuais.
VI - Há, pois, caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.
VII - Em processo penal, o caso julgado formal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo –, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic standibus aos pressupostos de conformação material da decisão. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.
VIII - No caso vertente, a decisão proferida na providência previamente deduzida pelo requerente afirma que no n.º 4 do art. 63.º do CP se proíbe a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas no caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional. A decisão definitiva sobre a materialidade de facto que consta da anterior decisão do STJ constitui caso julgado formal nos sobreditos termos, impedindo qualquer nova apreciação no segmento em que foi apreciada. Está precludida qualquer apreciação da mesma matéria, que se impõe agora como definitiva.
IX - Mas o requerente também pretende a aplicação do instituto da liberdade condicional à prisão remanescente, ou seja, àquela que está a ser cumprida nos termos do art. 64.º, n.º 3, do CP. Trata-se de questão controversa e que, de forma alguma, encerra aquela gritante ofensa do direito à liberdade que é pressuposto do deferimento do habeas corpus.
X - A primeira questão na concessão da liberdade condicional em função da pena aplicada, e da ultrapassagem dos 5/6 da mesma pena, consiste em saber se, estando o requerente a cumprir pena à ordem de um processo, e verificando-se a ultrapassagem do limite referido no art. 61.º do CP, pode tal facto suportar a providência de habeas corpus. Existe uma sedimentação jurisprudencial no STJ no sentido de que, mesmo quando verificados os pressupostos referidos no art. 61.º, n.º 2, do CP82, os presos não passam a ficar na situação de prisão ilegal, justificativa da providência do habeas corpus, pois que a libertação exige sempre a intervenção e julgamento do TEP.
XI - E estamos em crer que também na hipótese de concessão obrigatória de liberdade condicional aos 5/6 da pena, nunca se poderá afirmar existir uma gritante ofensa do direito à liberdade do arguido susceptível de fundamentar a providência de habeas corpus. Nessa hipótese o arguido está preso em função de uma sentença condenatória que legitima o cercear da sua liberdade e dentro dos limites que esta conforma.
XII - A concessão da liberdade condicional nesta, como em qualquer outra hipótese que respeite ao mesmo instituto, obedece ao procedimento estatuído no art. 477.º do CPP, bem como ao CEPMPL. A forma do processo de concessão da liberdade condicional é a que está definida neste diploma, pelo que só quando os prazos e regras procedimentais de concessão de liberdade condicional estiveram a ser violados de forma evidente é que se pode afirmar que a violação do direito à liberdade é por tal forma linear que pode fundamentar a concessão de habeas corpus.
XIII - Pode-se distinguir uma dicotomia na concessão de liberdade condicional por forma obrigatória: a primeira, na hipótese de o condenado estar a cumprir uma única pena de prisão superior a 6 anos, segundo o qual o condenado deve ser colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido 5/6 dessa pena (n.º 4 do art. 61.º do CP) e, a segunda, no caso de o condenado estar a cumprir sucessivamente várias penas de prisão, cuja soma exceda os 6 anos de prisão, segundo o qual o condenado deve ser colocado em liberdade condicional logo que se encontrarem cumpridos 5/6 da soma das penas (n.º 3 do art. 63.º).
IX - A pena de prisão remanescente da revogação da liberdade condicional pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional, nos termos gerais do art. 61.º. Sublinhe-se que, por contraposição ao art. 63.º em que está em causa a soma das penas, na hipótese do art. 64.º está em causa a pena de prisão que vier a ser cumprida, o que constitui uma diferença qualitativa.
X - Porém, para o que importa sublinhar no caso em apreço, e para além de autonomizar o remanescente da pena em relação à pena global, dando-lhe um tratamento específico em termos de liberdade condicional (o que significa que o segmento de pena cumprido antes da revogação não releva para tal efeito), o art. 64.º não estabelece uma outorga automática de liberdade condicional, mas cria um poder-dever de concessão da liberdade condicional que tem subjacente uma decisão nesse sentido. Nestes termos, o requerente não tem direito à liberdade condicional automática prevista no n.º 4 do art. 61.º do CP. A sua concessão dependerá de um juízo de ponderação por parte do TEP.

Decisão Texto Integral: