Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FILIPE CÉSAR OSÓRIO | ||
| Descritores: | CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS CONTRATO DE SEGURO DEVERES DE INFORMAÇÃO DO SEGURADO CLÁUSULA ABUSIVA PRINCÍPIO DA BOA-FÉ | ||
| Nº do Documento: | RP202511243171/22.1T8PNF.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/24/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Quando a impugnação da decisão da matéria de facto é irrelevante para o desfecho do litígio configura um acto inútil apreciá-la, impondo-se a sua rejeição. II - O tribunal de recurso pode conhecer oficiosamente da nulidade de cláusulas contratuais gerais, mesmo não invocadas no processo, desde que previamente tenha sido cumprido o contraditório. III - No momento do exercício da faculdade de reposição em vigor do contrato de seguro nas condições originais (cfr. art. 203.º, n.º 2, RJCS) não é legalmente exigível ao tomador do seguro ou segurado a prestação de deveres de informação, por isso, a declaração em causa prestada pelo Autor aquando da reposição do contrato de seguro deve considerar-se irrelevante. IV - Quando muito apenas são exigíveis ao tomador do seguro ou segurado deveres de informação e declaração de risco no que toca a novo risco (doença ou outra vicissitude) que tenha surgido entre o momento da “resolução” e o momento da “reposição” do contrato de seguro, portanto, excluindo riscos surgidos anteriormente a esses momentos durante o período normal de vigência do contrato de seguro (cfr. art. 190.º, RJCS). V - Uma cláusula contratual que estipule ainda como pressupostos para a reposição do contrato de seguro de vida o acordo do segurador e declaração de risco diferente da acima referida é nula por abusiva, de todo o modo, é relevante constatar que, independentemente dos pressupostos ali previstos, a seguradora aceitou a reposição do seguro nos termos em que ela ocorreu e sem necessidade de novo exame médico. VI - É nula a cláusula contratual na parte em que define a situação de invalidez absoluta e definitiva do segurado condicionada à necessidade de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para a satisfação das suas necessidades vitais cumulada ainda com a incapacidade total da pessoa segura para o exercício de qualquer actividade, por ser desproporcional e de atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido, violadora, nessa medida, do princípio da boa-fé. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 3171/22.1T8PNF.P1
(3.ª Secção Cível, 5.º Judicial) Comarca de Porto Este Juízo Local Cível de Penafiel – Juiz 2 Relator: Filipe César Osório 1.º Adjunto: Ana Olívia Loureiro 2.º Adjunto: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos Freitas Araújo
Sumário: ………………………………………………… ………………………………………………… …………………………………………………
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ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO *
I. RELATÓRIO Ação Declarativa, Processo Comum 1. As partes: Autor/Recorrente – AA Ré/Recorrida – A... - COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. * 2. Objecto do litígio – Responsabilidade civil contratual decorrente da falta de cumprimento do CONTRATO DE SEGURO DE VIDA (em caso de morte ou se verificados os pressupostos cumulativos da Invalidez Total e Definitiva o pagamento, ao beneficiário irrevogável, do valor em dívida no contrato de mútuo associado ao seguro de vida, até ao montante do capital seguro), titulado pela apólice ...70, na modalidade SOL.CRÉDITO VIDA A... 2V, por ocorrência do evento gerador da obrigação, consubstanciado no seguinte pedido: – “ser a Ré condenada a pagar à entidade bancária/mutuante a quantia do capital de seguro, no valor de €143.009,32 (cento e quarenta e três mil e nove euros e trinta e dois cêntimos) à data da fixação da Incapacidade Total e Permanente de 73%, atribuída ao Autor, bem como, em custas e demais encargos com o processo”. Em contraponto, a Ré pede a absolvição do pedido, invocando, para além do mais, a prestação pelo Autor de declarações falsas ou reticentes em sede de reposição/repristinação do contrato de seguro como factor gerador da anulabilidade do mesmo contrato, e, finalmente, faltam os pressupostos cumulativos exigidos previstos nas condições gerais, a saber: “necessitar de assistência de uma terceira pessoa para a satisfação das suas necessidades vitais, nomeadamente para a higiene pessoal, alimentação, mobilidade, vestir e despir ou que a sua situação clínica não é passível de melhorar”. * Realizada audiência final foi oportunamente proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgando-se a acção totalmente improcedente, decide-se absolver a Ré do pedido deduzido pelo Autor.». * 4. Recurso de apelação: Inconformado com esta sentença, o Autor interpôs recurso de apelação onde considera que deve ser alterada a matéria de facto provada e revogada a sentença absolutória, com as seguintes conclusões [transcrição]: (…) *
A Ré apresentou contra-alegações entendendo dever ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida. 6. Admissão do recurso. O recurso foi admitido. * 7. Exercício do contraditório Em 03/10/2025 pelo relator foi proferido o seguinte despacho: “Compulsados os autos constata-se ser possível, em abstrato, conhecer oficiosamente de eventual nulidade da cláusula 27.º (“reposição em vigor”) e da 1.º cláusula designada de “Cobertura Complementar Invalidez Total e Definitiva” do contrato de seguro em causa, por abusivas, nos termos dos artigos 15.º e 21.º, al. a), do DL 446/85, de 25/10. Deste modo, para evitar decisões surpresa, determina-se o cumprimento do contraditório, concedendo-se às partes o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciarem – cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC”. Correspondendo ao convite formulado, ambas as partes se pronunciaram por Requerimentos de 16/10/2025. * No exercício do contraditório que lhe foi concedido, a Recorrida entende que o tribunal não pode conhecer da eventual nulidade das apontadas cláusulas contratuais gerais para efeitos do DL 446/85, de 25/10, essencialmente porque entende que tais questões não foram suscitadas no processo nem em via de recurso. Com efeito, os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e que antes foram submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido e não a criar soluções sobre matéria nova, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso[1]. Condicionante desse conhecimento oficioso é apenas o dever do juiz, imposto pelos princípios do contraditório, na vertente proibitiva de decisão surpresa, e da igualdade das partes, consagrados no art. 3.º, nºs 3 e 4 e no art. 4.º, ambos do CPC, de convidar as partes a pronunciarem-se sobre a questão da nulidade da cláusula contratual geral[2]. Ora, a eventual nulidade de cláusulas contratuais gerais configura questão de conhecimento oficioso, precisamente a excepção àquela regra e por isso esta questão pode ser conhecida por este tribunal mesmo sem ter sido invocada, por se tratar de questão de conhecimento oficioso. Além disso, foi concedido previamente o contraditório à Recorrente e à Recorrida, tendo ambos correspondido ao convite e exercido efectivamente o contraditório. Deste modo, está o tribunal plenamente apto a conhecer oficiosamente a aludida questão, mesmo não invocada pelas partes. – Então, são essencialmente as seguintes as questões a decidir: 2.ª - Reapreciação jurídica da causa: reapreciação dos pressupostos para a Ré poder anular o contrato de seguro de vida, incluindo a verificação da validade de cláusulas contratuais gerais e pressupostos para a liquidação do sinistro. *
II. FUNDAMENTAÇÃO 9. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença recorrida: * Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os restantes factos, designadamente que: 1. Face ao problema de que padece, bem como às sequelas resultantes da patologia aliada à sua doença, na presente data o A. vê-se forçado ao recurso de uma terceira pessoa para a satisfação das suas necessidades quotidianas, nomeadamente para a higiene pessoal, alimentação, mobilidade, vestir e despir. 2. Está o A. incapacitado para o exercício de toda e qualquer actividade profissional. 3. Tendo o A. sido intervencionado à neoplasia da bexiga, entendeu, o que esteve na base da declaração em sede de reposição de contrato do seguro, de acordo com a informação médica que lhe foi prestada quanto à cirurgia a que havia sido submetido, que tal procedimento, havia eliminado qualquer risco de doença associado ao problema em questão. 4. Tendo-lhe sido comunicado que a neoplasia é uma proliferação desordenada de células no organismo, formando-se uma massa anormal de tecido e tendo a mesma sido retirada, podendo ser a sua classificação benigna ou maligna, apresentando a mesma limites definidos e porque foi objecto de extração, não teria qualquer problema futuro, uma vez que, a neoplasia maligna sim, é conhecida como cancerígena e objecto de tratamento de quimioterapia. 5. À data do pedido de reposição do contrato de seguro o A. apresentava situação clínica regularizada, tendo sido informado da sua recuperação relativa à extração da massa que tinha na bexiga, neoplasia vesical, tendo-lhe sido transmitido que tal situação seria benigna, até porque, nem sequer foi submetido a qualquer tratamento oncológico. 6. Só em 2015 foi ao A. detectado um tumor. 7. O valor em dívida do mútuo que o seguro em apreço nos autos se destinava a garantir ascendia, a 15.05.2019, a € 143.009,32 (cento e quarenta e três mil e nove euros e trinta e dois cêntimos).». * 10. Impugnação da decisão da matéria de facto O Recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos dos pontos 29, 30, 31, 32 e 33 dos factos provados e que a decisão de facto deve ser antes no seguinte sentido: Por fim, o Recorrente invoca a valoração dos meios de prova que no seu entender devem conduzir àquela decisão de facto. Deste modo, estão minimamente cumpridos os ónus exigidos no artigo 640.º do Código de Processo Civil. No entanto, para além disso, importa desde já adiantar que a factualidade impugnada pelo Recorrente e a versão alterativa que apresenta, para além de conter factualidade conclusiva e jurídica, também é indiferente para a decisão de mérito, para o desfecho do litígio, porque no domínio da reposição do contrato de seguro a lei (art. 203.º, da LCS) não exige o preenchimento de questionários ou a emissão de declarações de risco para a sua validade, como sucede na declaração inicial de risco prévia à celebração dos contratos de seguro (art. 24.º, da LCS), como se verá melhor infra na reapreciação jurídica da causa, configurando assim um acto inútil e por isso ilícito a impugnação da correspondente matéria de facto que deve ser considerada como irrelevante. Deste modo, pelos fundamentos expostos, porque a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela Recorrente é irrelevante e/ou conclusiva, configurando a prática de atos inúteis, por isso ilícitos (cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil), rejeita-se a mesma. * 11. Reapreciação jurídica da causa – Reapreciação dos pressupostos para a Ré poder anular o contrato de seguro de vida, incluindo a verificação da validade de cláusulas contratuais gerais e pressupostos para a liquidação do sinistro: 11.1. O Recorrente discorda da sentença recorrida argumentando essencialmente o seguinte: - A reposição da apólice de seguro, não pode ser considerada como a contratação de um novo contrato de seguro no ramo vida, como tal, além de observar todo o regime titulado no RJCS, nomeadamente, deveria também observar o disposto no seu artigo 190.º, que é explicito quando refere que: “…O regime do agravamento do risco previsto nos artigos 93.º e 94.º não é aplicável aos seguros de vida, nem, resultando o agravamento do estado de saúde da pessoa segura, às coberturas de acidente e de invalidez por acidente ou doença complementares de um seguro de vida…”; - O dever de informação de alterações de risco, são deveres pré-contratuais, sendo que, na vigência do contrato não se aplica aos seguros do ramo vida, dado que, as disposições relativas ao agravamento do risco, não lhe são aplicáveis; - Uma vez que não estamos perante a celebração de um novo contrato, mas a mera reposição em vigor do anterior contrato de seguro, o A., Recorrente, apenas teria que comunicar alterações do estado de saúde ocorridas entre Janeiro e 19 de Abril de 2012, alterações essas, que não existiram, porque a doença determinante da entrada do A. na condição de incapaz, global e permanentemente, não foi diagnosticada nesse período de “anulação”, mas só posteriormente; - Tendo por base o artigo 4º do RJCS, não tem aplicação na questão da reposição em vigor da apólice, o disposto no artigo 253º (dolo) e artigo 247º/251º do C.C. (erro); - Por outro lado, existiu um errado entendimento dos artigos 253º e 254º do Código Civil, dolo, uma vez que, o tomador não conhecia, nem podia razoavelmente contar com a essencialidade do alegado elemento sobre o qual incidiu o erro para a formação da vontade do declarante; - Por outro lado, houve violação do artigo 24º do RJCS, porque uma vez que não estamos perante a celebração de um novo contrato, mas a mera reposição em vigor do anterior contrato de seguro, o A., Recorrente, apenas teria que comunicar alterações do estado de saúde ocorridas entre Janeiro e 19 de Abril de 2012. Alterações essas, que não existiram, porque a doença determinante da entrada do A. na condição de incapaz, global e permanentemente, não foi diagnosticada nesse período de “anulação”, mas só posteriormente. Em contraponto, a Recorrida entende que deve ser mantido o decidido na sentença recorrida. * 11.2. É incontroverso que, no caso concreto, o contrato celebrado entre as partes em 20/09/2010 configura um contrato de seguro de pessoas, do “ramo vida”, na modalidade ou subtipo de seguro de vida, que tem por objecto a cobertura do risco de morte ou invalidez, associado a contrato de financiamento bancário (contrato de mútuo com a Banco 1..., S.A.), garantindo à entidade financiadora (beneficiário irrevogável) o capital que estiver em dívida à data em que se verifiquem tais eventos – morte (cobertura principal) e invalidez absoluta definitiva (cobertura complementar) da pessoa segura. Com efeito, o contrato de seguro de pessoas «compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou de um grupo de pessoas nele identificadas» (art. 175.º, n.º 1, RJCS) e na modalidade (ou subtipo) de seguro de vida, o «segurador cobre o risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa» (art. 183.º, n.º 1, RJCS). No seu âmbito, a lei aplica-se a «seguros complementares dos seguros de vida relativos a danos corporais, incluindo, nomeadamente, a incapacidade para o trabalho e a morte por acidente ou invalidez em consequência de acidente ou doença» (art. 184.º, n.º 1, a), RJCS). Para além do regime geral dos contratos, este contrato de seguro está sujeito ao regime legal previsto no DL 72/08, de 16 de Abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro – RJCS[4]), que entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2009 e às condições gerais, especiais e particulares desde que dentro dos limites da lei e cujo conteúdo não seja contrário à lei, à boa fé, à ordem pública ou aos bons costumes. Tratando-se igualmente de um contrato de adesão – na medida em que integra cláusulas contratuais gerais elaboradas prévia e unilateralmente (sem negociação individual) pelos seguradores e que os tomadores dos seguros ou segurados se limitam a aderir ou rejeitar em bloco a esse conjunto de cláusulas padronizadas – aplica-se-lhe o regime das cláusulas contratuais gerais previsto no DL 446/85, de 25 de Outubro e, porque o Autor é um mero consumidor, ainda a Lei de defesa do consumidor n.º 24/96, de 31 de julho (art. 3.º, do RJCS). O contrato de seguro do ramo vida, como o caso dos autos, tem especificidades próprias que o distinguem dos demais contratos de seguro, entre outras: - quanto às informações pré-contratuais do segurador: no seguro de vida, às informações previstas nos artigos 18.º a 21.º acrescem, quando seja o caso, ainda as informações previstas no longo elenco constante do art. 185.º, n.º 1, do RJCS, bem como, aos deveres de informação previstos no n.º 1 podem acrescer, caso se revelem necessários para a compreensão efectiva pelo tomador do seguro dos elementos essenciais do contrato, deveres de informação e de publicidade ajustados às características específicas do seguro, nos termos a regulamentar pela autoridade de supervisão competente (art. 185.º, n.º 3, do RJCS) e o segurador deve informar o tomador do seguro, de forma clara e compreensível, de que o espécime de cálculo constitui apenas um modelo de computação e de que o tomador do seguro não pode daí extrapolar quaisquer direitos contratuais (art. 185.º, n.º 6, do RJCS) - a exigência de outras informações a serem prestadas pelo segurador na vigência do contrato (art. 186.º); - quanto à apólice (art. 187.º): entre outros aspectos, além do disposto no artigo 37.º, a apólice de seguro de vida, quando seja o caso, deve indicar diversas informações, ali elencadas, entre as quais, o período máximo em que o tomador do seguro pode exercer a faculdade de repor em vigor o contrato de seguro após a respectiva resolução ou redução (al. d)); - quanto à incontestabilidade (art. 188.º, n.º 1); - quanto ao agravamento do risco (art. 190.º): o regime do agravamento do risco previsto nos artigos 93.º e 94.º não é aplicável aos seguros de vida, nem, resultando o agravamento do estado de saúde da pessoa segura, às coberturas de acidente e de invalidez por acidente ou doença complementares de um seguro de vida; - Quanto à redução e resgate (art. 194.º): o contrato deve regular os eventuais direitos de redução e de resgate de modo a que o respectivo titular se encontre apto, a todo o momento, a conhecer o respectivo valor; - quanto à cobertura, aviso de pagamento e pagamento do prémio dispõe o art. 58.º que o disposto nos artigos 59.º a 61.º não se aplica aos seguros e operações regulados no capítulo respeitante ao seguro de vida, aos seguros de colheitas e pecuário, aos seguros mútuos em que o prémio seja pago com o produto de receitas e aos seguros de cobertura de grandes riscos, salvo na medida em que essa aplicação decorra de estipulação das partes e não se oponha à natureza do vínculo; - quanto ao pagamento do prémio (art. 202.º); - quanto à falta de pagamento do prémio, resolução do contrato e faculdade de reposição em vigor (art. 203.º). Estas especificidades legais dos seguros de vida resultam de vincada preocupação do legislador na definição do seu regime, como se destaca no preâmbulo do DL 72/2008, de 16/04 (RJCS): “Além das especificidades quanto a informações e menções a incluir na apólice, importa atender ao regime particular de risco, nomeadamente a cláusula de incontestabilidade, o regime de agravamento do risco e a solução no caso de suicídio ou de homicídio. Foi consagrada a solução da cláusula de incontestabilidade de um ano a contar da celebração do contrato relativamente a inexactidões ou omissões negligentes, não sendo este regime aplicável às coberturas de acidentes e invalidez complementares do seguro de vida. Prescreveu-se a regra da não aplicação do regime do agravamento do risco nos seguros de vida, que sofre restrições relativamente às coberturas complementares de seguros de vida.». * 11.3. No caso concreto em apreciação, para julgar totalmente improcedente a presente acção e absolver a Ré-Recorrida do pedido deduzido pelo Autor-Recorrente, a sentença sob recurso convocou o disposto nos artigos 24.º, e 25.º do RJCS, conjugado com o n.º 4 da cláusula 9.ª 25.ª das Condições Gerais e o art. 253.º, do Código Civil e considerou essencialmente o seguinte: - foi celebrado um contrato de seguro de vida em 20/09/2010 e que, antes da emissão da apólice em causa e nos termos da mesma, o Autor preencheu um questionário médico composto por 35 perguntas que tinham o intuito de conhecer o historial clínico do Autor, nomeadamente as doenças que sofria ou que tinha sofrido e às questões sobre doenças que poderia sofrer ou ter sofrido o Autor respondeu negativamente a todas, sem qualquer ressalva ou comentário nas declarações eventuais; - a certo momento, em consequência do não pagamento do prémio, o contrato de seguro em causa cessou os seus efeitos em 20/01/2012; - em 14/04/2012 o Autor solicitou a reposição do contrato e declarou que não se verificavam alterações do seu estado de saúde e profissão; - aquando da participação do sinistro (21/02/2020), a Ré veio a constatar que afinal o Autor prestou falsas declarações sobre o seu estado de saúde (não declarou a existência de diagnóstico de neoplasia de 2011, que realizou cirurgia em 16/01/2012 e outra intervenção em 14/02/212, entre outros) no momento em que pediu a reposição da apólice (14/04/2012), violando o dever de informação que sobre si impendia e determinando a seguradora, por erro, a aceitar repor a vigência da apólice, quando, se fosse conhecedora do real estado de saúde do Autor, não o teria aceite em face do aumento do exponencial de risco; - apenas seria possível a reposição caso não tivesse ocorrido qualquer sinistro e fosse entregue uma declaração comprovativa do bom estado de saúde da pessoa segura – vide alínea a) e b) da clausula 27.º das Condições Gerais; - a Ré apenas tinha conhecimento da informação vertida no questionário médico de 2010 e a declaração de Abril de 2012, tendo concluído, de boa fé, que não havia qualquer alteração no estado de saúde do Autor, ou seja, não havia pré-existências ou de qualquer diagnóstico que pudesse agravar o risco que iria ser assumido; - porém, o Autor prestou, de forma consciente, falsas declarações, nomeadamente ao nada declarar quanto ao disgnóstico da neoplasia e, bem assim, às intervenções cirúrgicas realizadas em Janeiro e Fevereiro de 2012; - a aceitação do seguro, e bem assim da sua reposição, pressupõe um conhecimento exacto dos riscos a cobrir, tendo em consideração as informações e declarações prestadas pelo segurado na proposta de seguro ou em declaração posterior; - o Autor estava obrigado a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conhecesse sobre o seu estado de saúde, independentemente de as achar relevantes ou não, o que manifestamente não aconteceu. E a sentença recorrida conclui da seguinte forma: «Deste modo, o Autor violou o dever de informação que sobre si impendia, destruindo o equilíbrio contratual e induzindo a Ré em erro, levando-a a repor o contrato com a convicção de que o Autor apresentava um historial clínico sem qualquer doença pré-existente ou factor que pudesse potenciar o agravamento do risco, que, não fora as declarações falsas, nunca teria reposto. Ora, nos termos do n.º 3 do art. 25º da Lei do Contrato de Seguro, “o segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.” Face ao exposto a decisão da Ré em recusar o pagamento do sinistro e ao declarar junto do Autor a intenção de anular do contrato é legítima, porque se verificam os pressupostos, de facto e de direito, previstos nos artigos 24.º e 25º do RJCS, bem como nas Condições gerais do contrato – alínea b) n.º 1 da clausula 9.º; cláusula 12 º n.º 1 e 2 bem como do artigo 25.º das Condições Gerais do contrato de seguro.». Não podemos concordar com esta fundamentação, como se verá. * 11.4. No caso concreto em apreciação, em 14/04/2012, o Autor solicitou à Ré a reposição do contrato de seguro de vida e a Ré, em 24/05/2012 repôs em vigor o contrato de seguro com efeitos a 20/01/2012, o Autor procedeu ao pagamento dos correspondentes prémios em falta porque daqui resulta que no período compreendido entre 20/01/2012 e 14/04/2012 o contrato de seguro ficou como que “suspenso”[5] na sua eficácia e a partir de 24/05/2012 passou a ter novamente plena execução em toda a sua plenitude tendo sido reposto ou repristinado o contrato original retomando a sua vigência normal desde 20/01/2012. Aqui chegados, é incontroverso que o Autor, no seu pedido de reposição do seguro de 14/04/2012 (doc. 8 da Contestação) apresentou a seguinte declaração de ciência “Informo que não surgiu qualquer alteração, quer no meu estado de saúde, quer na minha profissão” (ponto 15 dos factos provados). Na sua Contestação a Ré traz à colação o questionário médico preenchido pelo Autor aquando da celebração do contrato de seguro de vida em 20/09/2010 quando refere na sua Contestação que “o 1º questionário médico permitiu à Ré avaliar o risco associado ao contrato de seguro solicitado, mediante as respostas do Autor, relativamente à existência ou preexistência de doenças, sintomatologia ou outras situações das quais pudesse derivar alguma debilidade física ou psicológica” e que “A declaração do Autor em Abril de 2012 assume ainda uma maior importância, pois visa obter a reposição do contrato de seguro com efeitos retroactivos, como se o contrato não tivesse chegado a cessar.” E, de seguida, a Ré entende que o Autor prestou falsas declarações, porque quando juntou o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso emitido em 17.05.2019 e que atribuía ao Autor uma incapacidade de 73% e que resultou de elementos clínicos que o Autor está reformado por invalidez desde 2014 “ situação que se verifica desde 2014 ano em que foi atribuída a reforma através da segurança social – por patologia neoplásica” e após a análise da documentação enviada a Ré concluiu que, face ao diagnostico da neoplasia vesical e, bem assim, às cirurgias a que foi sujeito em 2012 o Autor mentiu à Ré quando, com o intuito de solicitar a reposição da apólice, declarou que o seu estado de saúde não tinha sofrido alterações, ou seja, que à data do pedido de reposição da apólice – Abril de 2012 –, o Autor sabia e não podia ignorar a existência do diagnóstico da neoplasia vesical impondo-se que, quando solicitou a reposição da apólice, a tivesse referido. E, por isso, entende a Ré que foi motivo para, em 11.05.2020, declinar a responsabilidade pelo sinistro, como ainda comunicou a intenção de fazer cessar os efeitos do contrato, tudo nos termos e para os efeitos dos n.º 1 e 2 do artigo 24.º, n.ºs 1 e 3 do artigo 25.º, ambos do RJCS conjugado com o n.º 4 da cláusula 9.º e 25.ª clausula das Condições Gerais, aliás, como de igual modo se veio a considerar na sentença recorrida, como já vimos. No entanto, note-se que não se provou (nem a Ré jamais alegou) que a doença de que padece o Autor já existia antes da contratação do seguro em 20/09/2010, ou seja, que era uma “doença pré-existente” ao momento da celebração do contrato de seguro e que o Autor tivesse alguma vez prestado falsas declarações nessa sede. Com efeito, apenas estão em causa as declarações de ciência do Autor no momento temporal do exercício da faculdade de reposição do contrato de seguro de vida em 14/04/2012. Então, a questão a colocar é a seguinte: No momento do exercício da faculdade de reposição em vigor do contrato de seguro nas condições originais (cfr. art. 203.º, n.º 2, RJCS) é exigido ao tomador do seguro ou segurado algum dever de informação? É-lhe exigida alguma declaração de risco como sucede na o momento da formação do contrato (cfr. art. 24.º, RJCS)? Nos termos do disposto no art. 203.º, RJCS: 1 - A falta de pagamento do prémio na data de vencimento confere ao segurador, consoante a situação e o convencionado, o direito à resolução do contrato, com o consequente resgate obrigatório, o direito à redução do contrato ou o direito à transformação do seguro num contrato sem prémio. 2 - O período máximo em que o tomador do seguro pode exercer a faculdade de repor em vigor, nas condições originais e sem novo exame médico, o contrato de seguro reduzido ou resolvido deve constar das condições da apólice e ser fixado a contar da data de redução ou de resolução. Sobre a faculdade de reposição em vigor do contrato de seguro, para além do referido art. 203.º, n.º 2, é feita referência a esta figura ainda nos artigos 55.º, n.º 3 e 187.º, n.º 1, al. d), do RJCS. A norma do art. 203.º, n.º 2, não é inovadora, corresponde ao art. 10.º, n.º 7, do DL 176/95, de 26 de julho. Da citada norma resulta que, após ocorrer a resolução do contrato de seguro, por falta de pagamento do prémio na data de vencimento, ou outra causa, a reposição em vigor do contrato de seguro nas condições originais configura uma faculdade legal do tomador de seguro e concede ao segurador a possibilidade de fixar o período de tempo máximo em que o tomador de seguro pode exercer tal faculdade legal sem se sujeitar à realização de novo exame médico. Isto significa que a lei permite que as condições da apólice distingam dois períodos de tempo: - um período de tempo em que o tomador de seguro pode exercer a faculdade de reposição do contrato de seguro que fora resolvido nas condições originais e sem a exigência de qualquer outro requisito – Tratando-se assim de um direito potestativo do tomador do seguro não ficando dependente de quaisquer formalidades ou da necessidade de aceitação pelo segurador; - um período de tempo em que o tomador de seguro pode exercer a faculdade de reposição do contrato de seguro que fora resolvido mas apenas mediante a realização de exame médico – Tratando-se assim de uma mera faculdade do tomador do seguro propor ao segurador a reposição ficando dependente do resultado do exame médico e consequente direito potestativo de aceitação pelo segurador. Ora, não se desconhece que a proposta de reposição em vigor surge frequentemente associada a fenómenos de agravamento do risco: “No exemplo de um seguro de vida, o tomador deixa resolver (ou reduzir) o contrato e, perante um súbito diagnóstico de doença grave da pessoa segura que reduz drasticamente a esperança de vida desta, as novas circunstâncias despertam um renovado interesse pelo contrato, suscitando a proposta de reposição em vigor”[6], no entanto, precisamente por isso, a faculdade legal de reposição permite que o segurador estipule qual o prazo para o seu exercício pelo tomador do seguro sem a realização de exame médico, situação em que estão em causa prazos mais ou menos curtos, normalmente de apenas um ou dois meses. Significando isto que se, por desleixo ou dificuldades económicas do tomador do seguro ou segurado, este deixar de pagar o prémio, por se tratar de um seguro de vida, a lei permite a reposição em vigor, permitindo que o segurador fixe o prazo para o exercício dessa faculdade e, depois de decorrido esse prazo, exigir a realização de exame médico. Com efeito, na doutrina, Luís Poças[7], apesar de reconhecer que a reposição em vigor não se confunde com a conclusão de um novo contrato, portanto, de não estarmos perante um caso de declaração pré-contratual das circunstâncias do risco, advoga a aplicação analógica dos deveres de informação e declaração de risco previstos no art. 24.º para a formação do contrato, devendo permitir-se ao segurador a possibilidade de utilização dos mesmos meios de defesa, essencialmente pelos seguintes motivos: “apesar de a retoma do contrato ser do interesse comercial do segurador, a mesma suscita-lhe apreensões em tudo idênticas (ou até acrescidas) às verificadas em sede pré-contratual. A assimetria informativa, a relação de confiança, a necessidade de tutela da vontade contratual do segurador, o princípio da máxima boa fé, a necessária alea contratual – todos estes fundamentos concorrem analogamente no sentido de impor ao tomador do seguro ou ao segurado um novo dever de declaração do risco”. Contudo, na jurisprudência, no Ac. TRG de 11/01/2018[8] entende-se que não podem ser exigidos tais deveres de informação e declaração de risco, a não ser apenas relativamente a novo risco ou situações surgidas no período compreendido entre o momento da resolução do contrato e o momento da sua reposição, essencialmente pelos seguintes motivos, constantes do seguinte sumário: «I - O Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de Abril) é aplicável ao conteúdo dos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, nos termos previstos nos artºs 2º, 3º e 4º do Diploma que o aprovou. II - O RJCS, no caso de resolução do contrato por falta de pagamento de prémio, não faz depender a reposição em vigor da apólice da resposta do segurado a qualquer questionário da seguradora ou declaração sobre o seu estado de saúde, comtemplando apenas a possibilidade de ser submetido a novo exame. III - As respostas ao questionário da seguradora, subscritas pelo segurado, quando, quatro meses após a resolução, solicitou a reposição em vigor da apólice, devem considerar-se irrelevantes, por tal não ser condição legal ou contratual da reposição em vigor da apólice de seguro. V - De qualquer forma tal exigência só poderia abranger qualquer situação (novo risco) que tivesse ocorrido entre a “resolução” e a “reposição” – Janeiro a Maio de 2011. V - Não estaria nesta hipótese o segurado obrigado a prestar qualquer nova informação à ré, senão a que relevasse para o risco e se reportasse a qualquer doença diagnosticada nesse período (novo risco ou agravamento do risco), visto que, na vigência do contrato de seguro do ramo vida, o segurado não é obrigado a comunicar qualquer situação de agravamento do risco, por não ser aplicável e este contrato, ex vi art.º 190º do RJCS, as disposições relativas ao agravamento do risco. VI - Não é de equacionar a anulabilidade do contrato dos autos, celebrado em 2008, com fundamento na falsidade das informações prestadas em 2011, por não estarmos perante informação exigível ao segurado, e, no máximo, atento o princípio da Boa- Fé, competir-lhe apenas, informar de qualquer doença ocorrida durante o período em que o contrato esteve em “suspenso”». Com efeito, aderimos a esta última posição, ainda pelos seguintes motivos: A razão de ser do regime específico da resolução do contrato de seguro de vida e a sua reposição previstos no art. 203.º, do RJCS[9]: «Tradicionalmente, os seguros de vida, enquanto produtos vocacionados para a poupança e previdência a longo prazo, beneficiam de regime especial em matéria de consequências da falta de pagamento do prémio. Esta especialidade resulta de dois aspetos característicos dos contratos de seguro de vida por confronto com os restantes contratos de seguro. Por um lado, a qualificação do pagamento dos prémios periódicos na vigência do contrato como “facultativo”, no sentido de que o tomador do seguro pode, a qualquer momento, cessar o pagamento e que o segurador não o pode exigir. Caso contrário, dificilmente o tomador do seguro assumiria um compromisso contratual a longo prazo, quando pode perder o interesse contratual ou deixar de deter meios financeiros para o cumprir. Por outro lado, nos contratos de seguro de vida há lugar à constituição da provisão matemática que corresponde: «(...) ao valor actuarial estimado dos compromissos da empresa de seguros, incluindo as participações nos resultados já distribuídas e após dedução do valor actuarial dos prémios futuros.». A provisão matemática resulta de duas fontes. Nos seguros de vida em caso de morte de natureza não temporária, a correspondência direta entre o prémio e o risco conduziria ao aumento expressivo do prémio, à medida que o risco aumenta. Razão pela qual os seguradores optam por aplicar um prémio nivelado ao longo da vigência do contrato, calculado para ser equivalente ao risco global da vigência do contrato e distribuído por cada período, em regra, anual. Nestas modalidades de contratos, o prémio pago nas primeiras anuidades é superior ao risco suportado nessas anuidades, compensando o elevado prémio que teria que ser pago em anuidades mais avançadas em que o risco se torna estatisticamente mais provável. A parte do prémio de risco inferior ao risco estatístico constitui fonte da provisão matemática. Por outro lado, a parte do prémio que não cobre o risco de morte em cada ano, é acumulada e capitalizada, alimentando a provisão matemática. Nas situações em que o valor do prémio não é inteiramente consumido por corresponder ao risco suportado pelo segurador – em particular nas modalidades de contrato de seguro de vida em que os prémios periódicos não são equivalentes ao risco relativo ao respetivo período – e em que já foram satisfeitos os encargos inerentes à celebração do contrato (encargos de aquisição), a provisão matemática configura um “capital” sobre o qual o tomador do seguro poderá, em determinadas condições (cfr. infra), exercer os direitos de resgate, de redução ou de adiantamento (…) O n.º 2 da disposição sob anotação estabelece como elemento a constar das condições contratuais a identificação da existência da faculdade de o tomador do seguro repor o contrato de seguro reduzido ou resolvido nas condições originais e sem necessidade de novo exame médico, fixando o prazo máximo em que a pode exercer. Trata-se da repristinação do contrato original, restabelecendo a cobertura original (caso do resgate) ou o montante de capital seguro original (caso da redução).». Como já vimos supra, após a resolução do contrato de seguro de vida, a faculdade de reposição do contrato nas condições originais é uma especificidade própria dos seguros de vida. Para além desta, destaca-se ainda com relevância, outra especificidade dos seguros de vida: o regime do agravamento do risco previsto nos artigos 93.º e 94.º [que consistem essencialmente na obrigação do tomador do seguro ou do segurado, durante a execução do contrato de seguro, de “comunicar ao segurador todas as circunstâncias que agravem o risco”] não é aplicável aos seguros de vida, nem, resultando o agravamento do estado de saúde da pessoa segura, às coberturas de acidente e de invalidez por acidente ou doença complementares de um seguro de vida – cfr. art. 190.º, RJCS. Nesta sequência, considerando que durante a vigência ou execução do contrato de seguro de vida não é exigido qualquer dever de informação, significa que podem ocorrer várias vicissitudes na saúde do segurado que este não é obrigado a comunica-las ao segurador. Isto ao contrário do que sucede na celebração inicial do contrato, no período da sua formação. Com efeito, aspecto primordial no momento da formação do contrato de seguro são os amplos deveres de informação pré-contratuais que recaem sobre as partes contratantes – e impendem tanto sobre o tomador de seguro ou segurado como ainda sobre a seguradora. Por um lado, a lei consagra um dever geral de informação do segurador que tem por objecto a prestação de elementos informativos e esclarecimentos necessários à compreensão das condições do contrato de seguro por parte do tomador (art. 18.º, da LCS). Por outro lado, o legislador fez igualmente recair obrigações informativas pré-contratuais sobre o tomador de seguro ou o segurado, consubstanciadas na declaração inicial de risco (art. 24.º da LCS). Designa-se genericamente por “declaração do risco” o conjunto de informações e declarações unilateralmente prestadas pelo subscritor de uma proposta de seguro ou pelo segurado, que se destinam a permitir ao segurador, mediante uma correcta avaliação do risco a cobrir, do cálculo do prémio correspondente e dos termos contratuais em geral, aceitar ou recusar tal proposta[10]. O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador – art. 24.º, n.º 1, do RJCS. O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito – art. 24.º, n.º 2, do RJCS. O incumprimento deste dever informativo, cujo ónus de prova compete ao segurador, pode ser fonte de anulabilidade do contrato (em caso de inexactidões ou omissões dolosas: cf. art. 25.º, da LCS) ou de um mero direito potestativo do segurador propor a alteração do contrato ou provocar a sua cessação (em caso de inexactidões ou omissões negligentes: cf. art. 26.º, da LCS). Estão, daqui resulta que os deveres pré-contratuais estão em causa apenas no âmbito da formação do contrato de seguro e a lei rodeou de especiais cautelas estes deveres que, por isso, estão dependentes de um complexo regime de obrigações informativas para ambas as partes. As referidas obrigações de informação pré-contratual a cargo da seguradora e a cargo do tomador do seguro ou segurado (artigos 18.º e ss, e artigos 24.º, e ss., RJCS) cessam com a conclusão do contrato de seguro em causa. E durante a vigência ou execução do contrato de seguro, no caso do seguro de vida, não se exige a comunicação de eventual agravamento do risco, já que não é aplicável aos contratos de seguro vida o disposto no art. 93.º e 94.º, do RJCS (art. 190.º, do RJCS), como já vimos acima. Nesta sequência, no momento do exercício da faculdade de reposição em vigor do contrato de seguro nas condições originais (cfr. art. 203.º, n.º 2, RJCS) não é legalmente exigível ao tomador do seguro ou segurado a prestação de qualquer requisito adicional como a prestação de deveres de informação. Julgamos que, quando muito, apenas seriam exigíveis ao tomador do seguro ou segurado deveres de informação, em parte como advoga Luís Poças (acima citado), mas apenas no que toca a novo risco (doença ou outra vicissitude) que tenha surgido entre o momento da “resolução” e o momento da “reposição” do contrato de seguro, portanto, excluindo riscos surgidos anteriormente a esses momentos durante o período normal de vigência do contrato de seguro (cfr. art. 190.º, RJCS), como entende o acima citado Ac. TRG de 11/01/2018. Caso assim não se entendesse, ou seja, se fosse aplicável tout court o regime previsto nos artigos 24.º e ss., do RJCS, tudo se passava como se o tomador do seguro ou segurado celebrasse um contrato de seguro de vida totalmente novo – mas neste caso então a norma do art. 203.º, n.º 2, do RJCS, seria uma autêntica inutilidade, porque é patente que nos termos gerais, após a resolução de anterior contrato de seguro de vida, o tomador do seguro ou segurado pode sempre celebrar um novo contrato, aliás, até com um segurador diferente, sem necessidade de norma a permiti-lo, recomeçando o procedimento então pelos deveres de informação pré contratual. Por isso, salvo o devido respeito, não podemos concordar com a possibilidade de aplicação analógica do art. 24.º às situações do art. 203.º, n.º 2, do RJCS, desde logo porque julgamos não haver qualquer lacuna no RJCS a propósito da reposição em vigor do contrato de seguro nas condições originais, já que consideramos que o legislador quis expressamente conceder ao tomador de seguro ou segurado a faculdade de reposição daquele seguro, referindo claramente a possibilidade do segurador fixar prazo para o exercício dessa faculdade sem a realização de exame médico, portanto, depois desse prazo pode exigir a realização deste exame, ou seja, não fez qualquer ressalva nem fez qualquer remissão para qualquer dever de informação ou declaração de risco prevista no art. 24.º, do RJCS. * 11.5. Vejamos agora a cláusula do art. 27.º das condições gerais estipuladas: «O tomador do seguro tem a faculdade de repor em vigor, nas condições originais, o contrato resolvido dentro do prazo de um ano a contar da data da anulação, mediante acordo com a A..., sempre que se verifiquem as seguintes condições: a) Não ter ocorrido qualquer sinistro, coberto pelo presente contrato, desde a data da sua resolução até à data em que se pretende que o mesmo seja reposto em vigor; b) Entrega de declaração comprovativa do bom estado de saúde da pessoa segura, se o pedido do tomador do seguro for feito até ao máximo de dois meses após a data em que se processou tal operação ou, nova avaliação clínica do seu estado de saúde, se decorridos mais de dois meses após aquela data; c) O Pagamento dos prémios em atraso acrescidos dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, correspondentes a todo o período em dívida.». Trata-se sem dúvida de uma cláusula contratual geral, por verificação dos pressupostos previstos no art. 1.º, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro [RJCCG] (cfr. art. 3.º, do RJCS). São proibidas as cláusulas contratuais contrárias à boa fé – cfr. art. 15.º, do RJCCG. Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado – art. 16.º, do RCCG. A este propósito José Manuel de Araújo de Barros[11] refere que “o objectivo não é mais do que o interesse que a parte visa satisfazer com o contrato. A confiança reporta-se à legítima expectativa quanto a um equilíbrio desse interesse com o da contraparte. Há, assim, como que uma presunção jure de jure de que não actua de boa fé aquele que, iludindo a confiança depositada pela contraparte contratual, elegeu determinada cláusula da qual objectivamente para si resulta vantagem injustificável, tendo em conta os interesses dos contraentes. (…) Em suma, e procurando alguma materialidade no enunciado da lei, uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável.”. Aliás, é o preâmbulo do DL 72/2008, de 16 de Abril (RJCS), que salienta: “Nesta reforma foi dada particular atenção à tutela do tomador do seguro e do segurado - como parte contratual mais débil -, sem descurar a necessária ponderação das empresas de seguros.” Ora, a introdução da condição de necessidade de acordo com a seguradora (“mediante acordo com a A...”) implica que a seguradora possa ou não aceitar a reposição do seguro, o que não tem respaldo no art. 203.º, n.º 2, do RJCS, pois trata-se de uma faculdade do tomador de seguro. No que toca à condição de “Entrega de declaração comprovativa do bom estado de saúde da pessoa segura”, a lei não consente a exigência de uma “declaração de risco” na vigência do contrato de seguro de vida (cfr. art. 190.º, do RJCS), muito menos uma declaração tão vaga e genérica no âmbito da reposição do contrato de seguro previsto no art. 203.º, n.º 2, do RJCS. Aliás, se fosse possível defender a aplicabilidade do regime dos artigos 24.º e ss., aos casos de exercício da faculdade de reposição do contrato de seguro, então nesse caso, de igual modo teriam de ser exigidas todas as informações ali previstas tanto por parte da seguradora como por parte do tomador de seguro, porque tudo se passava como se estivesse a ser celebrado um contrato de seguro de vida totalmente novo e não é isso que a lei prevê e pretende. E pelos mesmos motivos não tem aqui aplicação o disposto no Código Civil quanto aos vícios da vontade, concretamente o dolo (art.º 253.º) e o erro (art.º 247.º ex vi art.º 251.º do CC) – art. 4.º, do RJCS. Deste modo, ponderada a confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por todos os elementos acima analisados e tendo em conta o objectivo que ambas as partes visam atingir negocialmente, as referidas exigências plasmadas na cláusula 27.º, das referidas condições gerais, como o “acordo da seguradora” e a “entrega de declaração comprovativa do bom estado de saúde da pessoa segura”, são nulas por serem abusivas, nos termos dos artigos 12.º, 15.º e 21.º, al. a), do DL 446/85, de 25/10, bem como ainda, contrariam frontalmente o regime previsto no art. 203.º, n.º 2, do RJCS. Em consequência, deve considerar-se válida a cláusula 27.º das condições gerais apenas na parte em que permite que o Autor possa exercer a faculdade de solicitar a reposição do contrato de seguro no prazo de dois meses e depois deste prazo e no prazo limite de um ano estará sujeito a exame médico e nada mais do que isso, em conformidade com o disposto no art. 203.º, n.º 2, do RJCS. * 11.6. Para uma melhor compreensão do caso concreto, vejamos mais de perto a sequência cronológica dos momentos mais relevantes, sinteticamente: - 20/09/2010: contratação pelo Autor do seguro de vida, declaração inicial de risco incluindo questionário médico (pontos 1 e 7 dos factos provados); - 2011: episódio de saúde que levou ao diagnóstico de neoplasia vesical (ponto 18 dos factos provados); - 16/01/2012: intervenção com exame que revelou “carcinoma células de transição” (ponto 19 dos factos provados); - 20/01/2012: resolução do contrato de seguro por falta de pagamento do prémio (ponto 13 dos factos provados); - 15/02/1012: submissão a intervenção em “leito tumoral” (ponto 20 dos factos provados); - 14/04/2012: o Autor exerce a faculdade de solicitar a reposição do contrato de seguro original (ponto 14 dos factos provados); - 24/05/2012: a Ré aceitou repor o contrato de seguro original com efeitos a 20/01/2012 (ponto 16 dos factos provados). - 22/10/2013: o Autor solicitou que o valor do capital seguro fosse reduzido de €124.413,70 para €108.248,35 e em 23/10/2013 a Ré aceitou (pontos 3 e 4 dos factos provados); - 17/05/2019: incapacidade de 73% do Autor (ponto 21 dos factos provados); - 21/02/2020: o Autor solicita a liquidação do seguro (ponto 21 dos factos provados); - 27/02/2020: a Ré solicita ao Autor informações adicionais (ponto 22 dos factos provados); - 06/05/2020: a Ré recebe vários relatórios clínicos (ponto 24 dos factos provados). Com efeito, já vimos que o contrato de seguro de vida em causa foi celebrado em 20/09/2010 e que, a certo momento da vigência desse contrato, o Autor (tomador do seguro e segurado) não pagou o prémio devido e por causa disso a Ré (seguradora) resolveu o contrato com efeitos a 20/01/2012, tudo como previsto no art. 203.º, n.º 1, do RJCS (acima mencionado). Sucede, no entanto, que no caso dos seguros de vida, como já vimos, o tomador do seguro pode exercer a faculdade de repor em vigor, nas condições originais e sem exame médico, o contrato de seguro resolvido, ao abrigo do disposto do art. 203.º, n.º 2, do RJCS, prevendo esta disposição que o prazo máximo em que o tomador de seguro pode exercer a referida faculdade sem necessidade de novo exame médico deve constar das condições da apólice e ser fixado a contar da data da resolução. Então, em 21 de Fevereiro de 2020, o Autor comunicou à A... que pretendia “acionar” o contrato de seguro tendo, para o efeito, junto o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso emitido em 17/05/2019 e que atribuía ao Autor uma incapacidade de 73%. Ficou provado que os problemas de saúde do Autor que vieram a dar origem à fixação de incapacidade de 73% em 17/05/2019 já tiveram início em 2011, dando origem à intervenção cirúrgica de 16 de janeiro de 2012 onde foi diagnosticado tumor, portanto, tudo teve origem em doença que ocorreu em data anterior à data da resolução do contrato de seguro (20/01/2012). Ou dito de outro modo, durante o período de tempo em que o contrato de seguro esteve “suspenso” – entre 20/01/2012 e 14/04/2012 – não surgiu qualquer doença nova nem ocorreu qualquer sinistro. Como já vimos, a propósito da impugnação da matéria de facto (quanto aos pontos 28 a 33 dos factos provados), a mesma seria inútil porque não tem qualquer relevância para o caso concreto a declaração de risco plasmada no doc. n.º 8 da Contestação (ponto de facto 15) no âmbito da reposição do contrato de seguro, de todo o modo, sempre se dirá que um ano depois da reposição do contrato de seguro (em 2013) foi o próprio segurado que solicitou a redução do valor do seguro de €124.413,70 para €108.248,35 (pontos 3 e 4 dos factos provados) e o segurado apenas oito anos depois (21/02/2020) é que acionou o seguro (ponto 21 dos factos provados). A partir do momento em que a seguradora aceita repor o contrato de seguro três meses depois da data da resolução sem exigir a realização de exame médico, significa que prescindiu do mesmo não podendo esta falta ser assacada ao segurado. Com efeito, todas as doenças que possam ter surgido ao Autor até ao dia 20/01/2012 (data da resolução do contrato) estão ainda abrangidas pelo original contrato de seguro, não se mostrando este obrigado a comunica-las – cfr. art. 190.º, do RJCS. Portanto, durante o período de tempo em que o contrato de seguro esteve suspenso, entre 20/01/2020 e 14/04/2012, não surgiu uma nova doença mas o Autor apenas fez intervenções e tratamentos à doença que já existia em 2011. Ora, não estando prevista legalmente para a reposição em vigor do contrato de seguro, a declaração de boa saúde nem o preenchimento de qualquer questionário médico, a declaração em causa prestada pelo Autor aquando da reposição do contrato de seguro deve considerar-se irrelevante, pois, quando muito, tal exigência só poderia abranger qualquer situação (novo risco) que tivesse ocorrido no período compreendido entre a resolução e a o pedido de reposição – 20/01/2012 a 14/04/2012 – por ser essa a ratio da norma que permite a reposição em caso de falta de pagamento de prémios, concedendo tal faculdade (direito) ao segurado, prevenindo apenas as hipóteses de novo risco surgido no interregno da vigência do contrato e só nessa medida protegendo os interesses da seguradora, ao abrigo da boa fé e equilíbrio das prestações. Caso contrário, não haveria qualquer diferença entre a reposição em vigor e a celebração de um novo contrato de seguro, nem razão para ser exigível o pagamento retroactivo dos prémios referentes ao período em que o contrato esteve resolvido. O Autor não está obrigado a prestar qualquer nova informação à Ré, senão a que relevasse para o risco e se reportasse a qualquer doença diagnosticada nesse período (novo risco ou agravamento do risco), visto que, como já vimos, na vigência do contrato de seguro do ramo vida o segurado não é obrigado a comunicar qualquer situação de agravamento do risco, por não ser aplicável e este contrato (art.º 190.º, do RJCS). Ora, no período de tempo em que o contrato de seguro esteve “suspenso” (entre a resolução e a reposição) nenhuma nova doença foi diagnosticada ao Autor. Nesta sequência, nem sequer é de equacionar a anulabilidade do contrato dos autos, celebrado em 20/09/2010, com fundamento na falsidade das informações prestadas em 14/14/2012 no âmbito da reposição do contrato de seguro inicial, por não estarmos perante informação exigível ao tomador de seguro/segurado, e, no máximo, atento o princípio da boa-fé, competir-lhe-ia apenas, informar de qualquer doença ocorrida durante o período em que o contrato esteve “suspenso”. Se a seguradora pretendia avaliar novamente o risco estava obrigada a exigir ao Autor a realização de exame médico, o que não fez, sendo irrelevante a declaração em causa prestada pelo Autor (doc. 8 da contestação) para a vigência e eficácia do contrato de seguro celebrado entre Autor e Ré em 2010. Além disso, é relevante constatar que, independentemente dos pressupostos ali previstos, a seguradora aceitou a reposição do seguro nos termos em que ela ocorreu e sem necessidade de novo exame médico. No mesmo sentido, em situação em tudo idêntica, decidiu-se no citado Ac. TRG de 11/01/2018[12], acima já sumariado. * 11.7. Deste modo, em suma, não se mostram assim preenchidos os pressupostos de que depende a anulação do contrato por violação do disposto no artigo 24.º do RJCS. * 11.8. Pressupostos para liquidação do sinistro: Designa-se por sinistro a verificação, total ou parcial, do evento ou eventos compreendidos no risco coberto pelo contrato de seguro. O conceito jussegurador de sinistro reporta-se assim genericamente à ocorrência daquele facto ou conjunto de factos que, desencadeando a garantia contratual de cobertura do risco, origina para o segurador o dever fundamental de realizar a prestação convencionada (…). Participado o sinistro pelo tomador, segurado, ou beneficiário, e apurada a obrigação do segurador (art. 102.º, da LCS), tem lugar a liquidação do sinistro[13]. Com interesse resultou provado que: Estabelece a Cláusula 1.ª das Condições Gerais da Cobertura Complementar Invalidez Total e Definitiva que esta depende da verificação cumulativa de: Essa incapacidade não é passível de melhorar – ponto 34 dos factos provados. Ficou ainda provada a seguinte factualidade, atinente às características da incapacidade de que padece o Autor: No mesmo sentido do decidido, a mais recente jurisprudência tem entendido que cláusulas contratuais gerais idênticas à dos presentes autos são nulas, precisamente por frustrarem os objectivos pretendidos com o contrato de seguro e, na prática, esvaziarem totalmente a protecção subjacente. A título meramente exemplificativo: - Ac. STJ de 31/10/2024[14]: «Uma cláusula que exige, para a verificação de situação de “invalidez total e permanente” – e, dessa forma, o segurado poder acionar o seguro e exigir a indemnização –, designadamente, que o segurado “seja portador de um grau de desvalorização superior a 66,6% segundo a Tabela Nacional de Incapacidades”, para se poder accionar o seguro de grupo, é desproporcionada, favorecendo, de forma excessiva, a posição contratual do predisponente e prejudicando inequitativa e danosamente a do aderente. Como tal, e porque é atentatória da boa fé, é abusiva.». - Ac. STJ de 14/02/2023[15]: «IV - Um segurado perante uma cláusula que preveja a incapacidade para o exercício da profissão, certamente apreende que terá direito ao seguro no caso de ficar incapacitado de forma permanente para trabalhar na sua “arte”, independentemente do grau geral de incapacidade que lhe venha a ser determinado. V - A cláusula que exige a incapacidade geral de 60% para se poder acionar o seguro de grupo, quando se verifica uma incapacidade total e definitiva para o exercício da profissão, é desproporcionada, favorecendo de forma excessiva, a posição contratual do predisponente e prejudicando inequitativa e danosamente a do aderente. VI - Sendo uma cláusula abusiva, terá de ser declarada a sua nulidade, nos termos gerais do direito, subsistindo obviamente a obrigação de cumprimento por parte da seguradora.». - Ac. STJ de 02/11/2023[16]: «IX- Na aplicação ao contrato de seguro do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, configura se como abusiva, enquanto atentatória da boa fé, como invalidez absoluta e definitiva exigir que ao aderente se imponha que seja obrigado à assistência permanente de uma pessoa, por introduzir um manifesto desequilíbrio contratual entre as partes, esvaziando largamente a utilidade do seguro, porquanto o fim que resulta do seguro é obrigar o segurador a pagar ao banco se o segurado ficar impossibilidade de o fazer por si, sendo que tal finalidade satisfaz-se com a impossibilidade, sem a necessidade de o segurado figurar dependente de assistência de outrem. X- A densificação do conceito relevante de invalidez absoluta e definitiva, no atendimento da formulação clausulada num contrato de seguro de vida (grupo) carece de linearidade, porquanto importa a ponderação de um conjunto de fatores diversificados, conforme a situação a analisar, e cuja articulação não pode deixar de levar a concluir que o segurado impossibilitado de trabalhar, ficará de igualmente impossibilitado de solver as obrigações contraídas junto da entidade bancária aquando da celebração do mútuo, cuja a superação constitui a razão última para a celebração do contrato de seguro, nos termos configurados, e que se entende dever-se perspetivar em moldes, não demasiado alargados, nem muito rígidos, mas de forma mais maleável e flexível, na necessária consideração casuística.». - Ac. STJ de 02/03/2021[17]: «I - O regime do DL n.º 446/85, de 25-10, a que o contrato de seguro, enquanto contrato de adesão, se encontra sujeito, sanciona com nulidade as cláusulas contratuais gerais nele contidas cujo conteúdo se mostre contrário à boa-fé. II - Na concretização desse princípio a lei aponta dois vectores cruciais de ponderação para expurgar os excessos da parte que pré-estabeleceu os termos do contrato, que se destinam a preservar o equilíbrio e integridade das prestações contratuais: o objectivo negocial visado pelas partes à luz do tipo de contrato utilizado; o critério da confiança em função do normal destinatário. III - Visando o segurado, ao celebrar o contrato de seguro de vida, colmatar os prejuízos decorrentes da perda (por acidente ou doença), total e definitiva, da capacidade de ganho, mostra-se contrária à boa fé e, como tal, ferida de nulidade, a estipulação ínsita no contrato que condiciona a cobertura por invalidez absoluta e definitiva à necessidade de o segurado recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos elementares da vida corrente e, cumulativamente, apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.». * 11.8. Deste modo, em suma, em face da verificação do evento compreendido no risco coberto pela cobertura complementar do contrato de seguro de vida em causa, a Ré está obrigada a proceder à liquidação do sinistro, mas apenas relativa ao montante de €108.248,35, em resultado da redução do capital (da iniciativa do Autor) datada de 22/10/2013 (ponto de facto 4 dos factos provados). * 11.9. Na sequência de todo o exposto, importa julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, revogar a sentença recorrida e, consequentemente, condenar a Ré a proceder ao pagamento ao beneficiário irrevogável Banco 1..., S.A., da quantia de €108.248,35 (cento e oito mil, duzentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), absolvendo-a do restante pedido. * 12. As custas são a cargo de Recorrente e Recorrida, na proporção do decaimento, que se fixa em 75% a cargo da Recorrida e 25% a cargo do Recorrente (cfr. art. 527.º, do CPC). *
Nos termos e fundamentos expostos, - Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, revogar a sentença recorrida e, consequentemente, condenar a Ré A... - COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A., a proceder ao pagamento ao beneficiário irrevogável Banco 1..., S.A., da quantia de €108.248,35 (cento e oito mil, duzentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), absolvendo-a do restante pedido. *
Data e assinaturas certificadas
Porto, 24/11/2025. Relator: Filipe César Osório 1.º Adjunto: Ana Olívia Loureiro 2.º Adjunto: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos Freitas Araújo
_________________________________ [11] José Manuel de Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, págs. 171-172. [14] Ac. STJ de 31/10/2024 (Fernando Baptista, proc. n.º 926/19.8T8PVZ.P1.S1, www.dgsi.pt) https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/070f14db16a8b08c80258bcb00650fbe?OpenDocument [15] Ac. STJ de 14/02/2023 (Jorge Dias, proc. n.º 1117/20.0T8VIS.C1.S1, www.dgsi.pt) https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fd3ee23a102275508025896400563221?OpenDocument [16] Ac. STJ de 02/11/2023 (Ana Resende, proc. n.º 5560/17.4T8VIS.C1.S1, www.dgsi.pt) https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/dadb3e78f9b463ee80258a5c00338750?OpenDocument [17] Ac. STJ de 02/03/2021 (Graça Amaral, proc. n.º 2615/18.1T8VRL.G1.S1, www.dgsi.pt) https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/29f22c695f3af2ea8025868c004f3211 |