Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,
I – Relatório
1. AA e BB propuseram (em Dezembro de 2018) acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra T – VIDA COMPANHIA DE SEGUROS, SA., deduzindo o seguinte pedido:
- declarar resolvido o contrato de seguro celebrado com a Ré com a condenação desta no pagamento de €75.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Fundamentaram a acção alegando:
- a celebração, em 27-03-2007, com a Ré, de um contrato de seguro - Contrato Universal Vida -, pelo prazo de 20 anos, mediante o qual a 1ª Autora, na qualidade de tomadora, segurou a segunda, sua filha, convencionando o capital garantido no montante de €75.000,00 em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva ou invalidez total e permanente desta.
- ter a segunda Autora sofrido um surto psicótico, tendo-lhe sido diagnosticada esquizofrenia paranóide, tendo-lhe sido deferida a pensão de invalidez, pelo Centro Nacional de Pensões, com início em 9 de abril de 2008.
- não terem obtido qualquer resposta da Ré ao pedido de accionar a cobertura de invalidez absoluta e definitiva da 2ª Autora não obstante terem remetido o processo de pensão de invalidez da mesma.
2. Regularmente citada a Ré não apresentou contestação no prazo legal, tendo sido proferido despacho considerando confessados os factos articulados pelas Autoras nos termos do disposto no artigo 567º n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante CPC).
3. As partes apresentaram alegações tendo a Ré arguido a irregularidade da sua citação.
4. Foi julgada improcedente a irregularidade da citação e mantido o despacho proferido que considerou confessados os factos articulados pelas Autoras. Entendendo que não se mostravam alegados factos suficientes para ser proferida decisão o tribunal convidou as Autoras a completar a petição inicial.
5. Concretizada a petição inicial a Ré veio pronunciar-se quanto aos novos factos alegados, concluindo pela improcedência da acção.
6. Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
7. As Autoras apelaram tendo o Tribunal da Relação …. proferido acórdão que dando procedência ao recurso decidiu:
a) declarar nula, por ser abusiva, a cláusula do artigo 4.1 das Condições Especiais dos Seguros Complementares do contrato de seguro na parte em que se exige a obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e à apresentação de um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor;
b) condenar a Ré a pagar à Autora BB a quantia de €75.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação e até efectivo pagamento.
8. Ré recorreu de revista concluindo (transcrição):
“1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que, julgando a apelação procedente, e em consequência: a) Declarou nula, por ser abusiva, a cláusula do artigo 4.1 das Condições Especiais dos Seguros Complementares do mencionado contrato de seguro, apenas na parte em que se exige a obrigação de recorrer a assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e à apresentação e um grau de incapacidade igual ou superior a 85%,de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais oficialmente em vigor b) Condenou a Ré Seguradora a pagar à Autora BB, a quantia de € 75.000,00 (Setenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação e até efectivo pagamento.
2. Salvo o devido respeito por melhor opinião, é entendimento da Seguradora recorrente que o douto acórdão recorrido opera uma desadequada interpretação e consequente desapropriada aplicação do direito, no que concretamente diz respeito à cláusula contratual referente às condições de verificação de um risco susceptível de fazer accionar a cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva (i.e. Condições Especiais, ponto 4.1).
3. Tal como infra se irá evidenciar, a Cláusula 4.1 das Condições Especiais da Apólice, e ao invés do que doutamente decidido, não padece do apontado vicio de nulidade, não se afigurando contrária à boa-fé.
4. Acresce que, perante a realidade fáctica do caso em apreço, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, urge considerar que, no caso sub judice, não está verificada uma situação de incapacidade/invalidez absoluta e definitiva, em termos de se poder fazer accionar a garantia contratada.
5. E como muito bem se ajuizou na 1.ª Instância, mediante douta decisão que se entende que deveria aqui ser repristinada.
6. Assim, a questão objecto da presente revista é a seguinte: A validade da cláusula contratual inserta no contrato de seguro do ramo vida na parte em que determina que, para que se verifique o risco susceptível de accionar a cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva (IAD), há que estar diante de uma situação em que se exige, para além de que o segurado fique, em consequência de acidente ou de doença, total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, simultaneamente “a obrigação de recorrer a assistência de terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e à apresentação de um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor” Cfr. Coberturas complementares, Condições especiais, cláusula 4.1) e a interpretação a conferir ao conceito de IAD, para efeito de accionamento da concreta garantia contratada. Isto posto,
7. Na sequência do recurso de apelação interposto, veio a ser proferido o douto acórdão aqui sindicado, que concluiu, a título oficioso, pela declaração de nulidade, ainda que parcialmente, da cláusula 4.1 das Condições Especiais do Seguro Complementar, por considerar que a mesma era contrária à boa-fé, e à luz do art.º 15.º, n.ºs 1 a 3 do Decreto-Lei n.º 446/85 são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé.
8. Questão essa que nunca havia sido suscitada anteriormente pelas partes, e que, portanto, redundou numa declaração de nulidade a título oficioso, e já em sede de apreciação do recurso de apelação.
9. Não se conforma a Seguradora recorrente com tal entendimento. Vejamos,
10. Do contrato de seguro em apreço nos presentes autos, decorre que entende-se por “Invalidez Absoluta e Definitiva”, para efeitos de atribuição da indemnização prevista na cláusula especial 4, quando “(...) o Segurado se encontrar incapaz de exercer a sua profissão, apresentar um grau de incapacidade igual superior a 85% de acordo com Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (…) e tiver que recorrer a uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os seguintes actos da vida corrente: lavar-se, alimentar-se, vestir-se e deslocar-se”, isto é, os chamados “actos essenciais da vida corrente” (cfr. “Nota informativa sobre as Condições Gerais”, pág. 4/8, e “Condições Especiais dos Seguros Completares”, pág.7/8, ambos juntos aos autos com as Alegações apresentadas com a ref.ª Citius n.º ….).
11. Cumpre referir desde logo que, de acordo com a jurisprudência e doutrina portuguesas, o conceito de invalidez absoluta e definitiva é entendido pelo homem médio, e independentemente de qualquer determinação legal ou contratual, como uma incapacidade generalizada para o exercício de qualquer profissão e, portanto, para auferir remuneração fruto do seu labor.
12. Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, em acórdão de 22.01.2009, publicado na CJ, STJ, Tomo I/2009, p. 78.
13. Ainda, citando o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.06.2013, proferido no âmbito do Processo n.º 933/07.3TBILH.C1: ”A apólice de seguro que tem por objecto o risco de incapacidade absoluta para toda e qualquer profissão ou actividade lucrativa e não a incapacidade para o desempenho da profissão que o segurado exercia, não abrange uma situação em que a incapacidade seja apenas para o exercício da profissão habitual.”
14. A Seguradora Recorrente está em crer, pois, a par de toda a jurisprudência predominante, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, que não resulta em lado algum dos factos provados que a incapacidade de que a Recorrida BB é portadora (ou, e em rigor, quer lhe foi atribuída pelo Instituto da Segurança Social) a impossibilite para o exercício de toda e qualquer profissão ou actividade remunerada.
15. Sendo igualmente certo que o que se demonstrou nos autos é que a Autora BB ora Recorrida é portadora de uma incapacidade de 70% (à luz da TNI aplicável, em sede de acidente de trabalho e doenças profissionais), que lhe conferiu o direito a uma pensão de invalidez providenciada pela Segurança Social.
16. De notar ainda que se consignou no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.03.2013, proferido no âmbito do Processo n.º 933/07.3TBILH.C1, disponível na íntegra em www.dgsi.pt, e cujo sumário aqui se destaca: “A apólice de seguro que tem por objecto o risco de incapacidade absoluta para toda e qualquer profissão ou actividade lucrativa e não a incapacidade para o desempenho da profissão que o segurado exercia, não abrange uma situação em que a incapacidade seja apenas para o exercício da profissão habitual”.
17. Dos factos provados, nada se refere à real abrangência da incapacidade de 70% de que a ora Recorrida BB estará afectada.
18. Na verdade, a única prova que existe nos autos quanto a esta questão é, apenas e só, o certificado multiusos emitido pelo Instituto da Segurança Social, do qual emerge que a Recorrida BB padece de incapacidade permanente global de 70%.
19. Circunstância que, à luz do contrato de seguro de vida em causa nos autos e, bem assim, de acordo com a definição de Invalidez absoluta e definitiva, e sempre com o máximo respeito, não é de todo suficiente para que se possa considerar que a recorrida se acha numa situação susceptível de fazer accionar a cobertura de invalidez absoluta e definitiva.
20. Desde logo porque, note-se, não lhe foi atribuída uma invalidez absoluta, mas uma incapacidade permanente global de 70%, sem que fosse, de forma alguma, fixado o seu correspectivo rebate profissional.
21. No caso em apreço, o Tribunal em 1.ª Instância entendeu, e bem, que atenta a incapacidade permanente global fixada de 70%, não preenchia a Autora ora Recorrente os requisitos necessários para accionar a cobertura de IAD, pois as Condições especiais 4.1 exigem que a mesma padeça de um grau de incapacidade igual ou superior a 85%.
22. E, portanto, salvo o devido respeito por entendimento diverso, claro está que, quer de acordo com o declaratário médio e medianamente sagaz quer de acordo com o que resulta expressamente da cláusula contratual colocada em crise, a situação de incapacidade demonstrada pela Autora/Recorrente não é susceptível de preencher a cobertura de IAD.
23. É este, pois, o único entendimento a retirar do acervo factual dos autos. Da validade de cláusula contratual 4.1 das Condições especiais e do conceito de invalidez absoluta e definitiva
24. Dispõem os art.os 15.º e 16.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, adiante, abreviadamente designada por “LCCG”) que são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé, ponderando-se: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.
25. Sendo que, tais cláusulas, podem considerar-se absoluta ou relativamente proibidas, nos termos previstos nos art.os 21.º e 22.º da LCCG.
26. Importa, antes de mais, ter em conta o que resulta das Condições Especiais da apólice a respeito da cláusula que foi julgada parcialmente nula: 4. Invalidez Absoluta e Definitiva Se o Segurado vier a invalidar-se absoluta e definitivamente em consequência de acidente ou doença não referida no ponto 5, a Seguradora garante a antecipação de 100% do Capital garantido pelo Seguro Principal, cessando automaticamente o Contrato.4.1. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva O Segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor. Entende-se por acto elementar da vida corrente:
• Lavar-se: significa efectuar todos os actos necessários à manutenção de um nível de higiene correcto.
• Alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa.
• Vestir-se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente.
• Deslocar-se no local de residência habitual.
Para o funcionamento desta cobertura não é considerada a concessão de reforma por Invalidez ou a classificação como “Grande Inválido” atribuídas pela Segurança Social ou por qualquer regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou complemente. Para o efeito do reconhecimento da Invalidez Absoluta e Definitiva esta deve ser constatada e reconhecida por um médico da Seguradora, na base de sinais médicos objectivos.
4.2. A este Seguro Complementar aplica-se, com as necessárias adaptações, o nº 2 destas Condições Especiais.
27. No âmbito da cláusula colocada em crise, verifica-se, apenas e tão-somente (e legitimamente) uma limitação do risco coberto pelo contrato de seguro.
28. Limitação essa que resulta expressa e inequivocamente, quer das condições gerais quer das condições especiais da apólice de seguro contratada pelas Autora ora Recorridas nos autos.
29. Limitação essa expressamente por estas aceites aquando da subscrição da apólice de seguro.
30. E, em consequência, não poderá a aludida cláusula ser considerada contrária à boa-fé.
31. O mesmo se entendeu, aliás, no douto acórdão do o Tribunal da Relação de Évora, de 30.06.2016, proferido no âmbito do processo n.º 649/15.7T8ENT.E1 (disponível em www.dgsi.pt).
32. Cuja tese se entende ser perfeitamente aplicável no caso dos autos, e expressamente se alega para todos e os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos de plena validade da cláusula sindicada.
33. De todo o modo, refira-se, em circunstância alguma se poderá declarar nula a cláusula na parte respeitante ao grau de incapacidade determinado para efeitos de accionamento da cobertura de IAD, conforme é entendimento jurisprudencial, nomeadamente:
• Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2010, 24.02.2015, 27.09.2016 e 14-12-2016;
• Acórdãos dos Tribunais da Relação do Porto (de 23.02.2017) e de Lisboa (de 01.06.2017).
Acresce que,
34. Mesmo que se entenda - o que se não concede – que o aludido segmento da cláusula 4.1 se mostra inquinado de nulidade, ainda assim, e atento o conceito jurídico de Invalidez Absoluta e Definitiva habitualmente seguido na nossa Jurisprudência, urge considerar que não estão, no caso sub judice, observados os requisitos de que depende a verificação de IAD:
35. Antes de mais, e relativamente à interpretação que tem sido conferida a este conceito de Invalidez Absoluta e Definitiva, salientamos novamente o vertido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em douto acórdão de 22.01.2009, publicado na CJ, STJ, Tomo I/2009, p. 78, onde se decidiu que “[sendo] o risco coberto, para além da morte, a invalidez absoluta definitiva, mesmo não havendo especificação do conceito dessa invalidez, o declaratário médio e medianamente sagaz, não pode deixar de entender que a mesma se refere a todo e qualquer trabalho que não apenas ao trabalho habitual do segurado”.
36. Igual entendimento foi perfilhado no douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 06.06.2013, no âmbito do processo 30077/08.7TBVCD.P1, disponível na íntegra em www.dgsi.pt, no qual se dispõe: “Uma invalidez absoluta e definitiva refere-se, segundo um declaratário normal, a um estado de incapacidade para todo e qualquer trabalho e para o resto da vida.”
37. Posto isto, e coligidos os presentes autos, o que se demonstrou – tão-somente – é que o Instituto da Segurança Social fixou à A/recorrida uma incapacidade permanente global de 70%, para efeitos de atribuição de pensão de invalidez.
38. Nada consta dos autos quanto ao facto de tal incapacidade impossibilitar a Autora BB de exercer a sua profissão - profissão essa que, aliás, nem foi aflorada nos autos nem figura do acervo dos factos provados.
39. E, muito menos, toda e qualquer profissão!
40. É que, e sempre com o máximo respeito, para efeitos de conceito de IAD susceptível de fazer accionar o contrato de seguro, não pode o Venerando Tribunal a quo, simplesmente, apelar ao critério utilizado para concessão de pensões pelo Instituto da Segurança Social.
41. Sendo certo que, mesmo com a expurgação de parte da cláusula em causa, o Meritíssimo Tribunal a quo manteve a sua redacção, na parte em que se estipula: “Para o funcionamento desta cobertura não é considerada a concessão de reforma por Invalidez ou a classificação como Grande Inválido, atribuídas pela Segurança Social ou por qualquer regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou complemente”.
42. Assim, a Seguradora aqui Recorrente está em crer, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, que não resulta em lado algum dos factos provados que a incapacidade de que a recorrida é portadora a impossibilite para o exercício de toda e qualquer profissão ou actividade remunerada.
43. Citando o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.06.2013, proferido no âmbito do Processo n.º 933/07.3TBILH.C1: ”A apólice de seguro que em por objecto o risco de incapacidade absoluta para toda e qualquer profissão ou actividade lucrativa e não a incapacidade para o desempenho da profissão que o segurado exercia, não abrange uma situação em que a incapacidade seja apenas para o exercício da profissão habitual”.
44. A este respeito, cumpre à Seguradora Recorrente ainda convocar o entendimento plasmado no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.06.2013, proferido no âmbito do processo n.º 30077/08.7TBVCD.P1.
45. Perante tal douto entendimento, temos para nós que urge considerar que no caso em apreço a situação de incapacidade demonstrada não é susceptível de preencher a cobertura de IAD (mesmo expurgada da parte que se julgou nula) Acresce ainda que,
46. A cláusula em apreço se não mostra afectada de qualquer nulidade e/ou desproporcionalidade.
47. Na verdade, se atendermos a que a Autora aqui Recorrida tinha à sua disposição a contratação da cobertura complementar de Invalidez total e permanente – modalidade esta que exigia a fixação de Incapacidade de um mínimo de 66,6%, carece de qualquer sentido, retirar-se o requisito da incapacidade mínima de 85% para a verificação de uma total e absoluta incapacidade para desempenhar qualquer profissão.
48. Seria manifestamente injusto conceder-se requisitos mais apertados para o accionamento da cobertura de invalidez total e permanente, do que para a situação de Invalidez Absoluta e definitiva.
49. Pelo que a solução jurídica que o Venerando Tribunal a quo confere, ao declarar nula a cláusula em questão, dá lugar a interpretação totalmente desconforme a unidade do contrato de seguro celebrado e, bem assim, a própria vontade das partes – note-se que a Autora ora Recorrida contratou as duas garantias e não apenas uma, pois saberia, certamente, a diferença entre elas.
50. Chamando aqui novamente à colação o já citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.06.2013, temos que no mesmo se verteu ainda o entendimento de acordo com o qual uma cláusula que estabeleça a necessidade da verificação de uma incapacidade para toda e qualquer profissão, em ordem ao accionamento da cobertura de IAD não é desproporcional nem inválida à luz do diploma regulador das cláusulas contratuais gerais, sumariando tal entendimento do seguinte modo: “III – Mas já não padece daquele vicio a cláusula que considera a pessoa segura em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão. (…)
51. Salienta-se, ainda, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 19/06/2018, processo n.º 2300/15.6T8PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi,pt, com o seguinte sumário: ”Uma incapacidade absoluta e definitiva - enquanto risco coberto por contrato de seguro de vida. Individual, celebrado entre a autora, como tomador e a pessoa segura, e a ré, como seguradora, em que ficou designado beneficiário irrevogável , o banco, com quem aquela e o marido haviam celebrado contrato de mútuo para aquisição de imóvel – refere-se, segundo um declaratário normal , a uma incapacidade para todo e qualquer trabalho e para o resto da vida, ao que não se equipara uma IPP de 80%.”.
52. Por fim, veja-se o vertido no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.12.2019, proferido no processo 634/13.3TVPRT.P1.S1, disponível na íntegra em www.dgsi.pt: “I - No contrato de seguro do ramo vida associado a um crédito à habitação, em regra, é a seguradora quem exclusivamente estabelece as cláusulas a que o contrato de seguro há-de obedecer, vertendo-as na respectiva apólice, à qual os segurados se subordinarão, caso queiram aderir à sua subscrição, e daí que o mesmo seja, tipicamente, um contrato de adesão que, enquanto tal, está sujeito ao regime previsto no DL n.º 446/85, de 25-10. II - A etiologia fundamental da figura das cláusulas contratuais gerais decorre da constatação de que, sem a preservação de um mínimo de igualdade, não é possível falar em liberdade das partes na conformação da vontade negocial. A consagração do princípio geral da boa-fé – com um alcance muito mais vasto do que os limites clássicos ao princípio da liberdade contratual impostos pelas tradicionais normas protectoras ou pela consagração de proibições relativas – visa repor a igualdade nas relações jurídico-negociais, face a uma desigualdade que axiomaticamente se pressupõe. III - Serão abusivas, à luz dos critérios enunciados no art. 16.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), por opostas à boa-fé e como tal proibidas: (i) as cláusulas que ofendam a confiança legítima provocada pelos factores enunciados na lei (o sentido global das cláusulas, o processo de formação do contrato singular e o teor deste); e (ii) as cláusulas que, sem justificação legítima, contrariem, dificultem ou impeçam os objectivos prosseguidos pelas partes com o contrato. IV - Para decidir da conformidade à boa-fé, mister se torna fazer um juízo comparativo entre a ordenação levada a cabo pelas cláusulas contratuais gerais e a que resultaria de uma equilibrada ponderação de interesses. V - Para aferir da natureza abusiva de uma cláusula no domínio do contrato de seguro, deve ponderar-se a finalidade do contrato e quando, em resultado de cláusulas de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquela que o tomador podia de boa-fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato, devem tais cláusulas ser consideradas nulas. VI - Uma cláusula constante das condições especiais de uma apólice de seguro, como a que está em causa nos autos, na qual se explicita o que deve entender-se por invalidez total e permanente e se definem as condições cumulativas de que depende a indemnização contratada, reconduzindo a mencionada invalidez ao estado daquele que, por força de doença ou acidente, fique total e irreversivelmente incapacitado de exercer a sua profissão ou actividade compatível com as suas habilitações, conhecimentos e experiência, e que, em consequência desse estado, tenha uma perda da capacidade de ganho de, pelo menos, 2/3, deixando, como tal, de poder auferir rendimentos que lhe permitam pagar a dívida, não contraria a boa-fé e o princípio da confiança, nem confere à seguradora uma vantagem injustificada e desproporcionada. VII - Limitando-se tal cláusula a clarificar o conceito de invalidez total e permanente – ou, dito de outro modo, a clarificar o risco coberto pelo seguro (sendo que era com essa cobertura que os segurados, tendo em conta a finalidade do contrato, podiam razoavelmente contar) – não se verifica qualquer redução, desproporcionada ou drástica, do risco coberto pelo seguro que favoreça injustificadamente a seguradora em detrimento dos aderentes, não podendo essa estipulação, como tal, ser considerada abusiva nos termos dos arts. 15.º e 16.º do RJCCG. VIII - Ainda que assim não fosse, a pretensão dos recorrentes sempre estaria votada ao insucesso, porquanto, mesmo que se declarasse a nulidade da cláusula em questão, a solução passaria por determinar, por via interpretativa, qual o conteúdo e sentido da expressão “invalidez total e permanente” coberta pelo contrato de seguro, a qual não poderia deixar de ser entendida por um declaratário normal, colocado na posição dos recorrentes, senão como uma situação em que a pessoa afectada se encontrasse num estado que a deixasse total e irremediavelmente incapaz de exercer uma actividade laboral, em termos de lhe ser inviável obter meios de subsistência. (…)
53. Pois bem, é na senda do entendimento vertido no supra citado aresto – que se corrobora – que urgirá considerar que a clausula 4.1 vertida no contrato de seguro dos autos, não padece de qualquer nulidade que a inquine, mormente, por se mostrar desconforme a boa-fé.
54. Sendo certo que, na hipótese de se considerar que nenhum reparo merece o acórdão recorrido quando expurgou a clausula em apreço de parte do seu conteúdo (o que por mero dever de patrocínio se cogita), sempre se dirá que atento o acervo factual dos autos e apelando ao critério e noção que um declaratário comum teria do conceito de Incapacidade absoluta e definitiva, sempre a autora/recorrida não estaria em condições de fazer accionar esta garantia da apólice.
55. Pelo que sempre se imporia negar provimento à sua pretensão indemnizatória.
56. Ao decidir diferentemente, andou mal o Venerando Tribunal a quo, violando, entre o demais, o vertido nos art.os 9.º e 236.º e seguintes do Código Civil e 15.º do Decreto-Lei n.º 445/85, de 25 de Outubro.
57. Por tal motivo, deverá o douto acórdão recorrido ser revogado, e substituído por outro que, à semelhança do que sucedeu com a decisão da 1.ª Instância, julgue a acção improcedente e, consequentemente, absolva a Seguradora ora recorrente.
11. Em contra-alegações a Autora defende a improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido, concluindo (transcrição):
“1 – A cláusula 4.1 das condições especiais dos seguros complementares do contrato de seguro dos autos foi declarada nula, por abusiva, e atentatória da boa-fé, oficiosamente pelo tribunal, situação permitida pela Diretiva 93/13/CEE, e artigo 286º do Cód. Civil.
2 - As Autoras aderem ao conteúdo e fundamentação do Douto despacho, nenhum reparo a fazer ao despacho proferido.
3 – Na verdade como emerge das conclusões do recurso, nos pontos 35º, 36º e 37º, e comparativamente com as CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS, juntas aos autos pelas Autoras, constata-se que a cláusula 4.1., mormente, ao fazer depender a INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA, da segurada BB, de um grau de incapacidade igual ou superior de 85%, bem como do recurso a terceira pessoa para efetuar atos diários da vida corrente, foi adulterada e feita à medida, já depois da celebração do contrato de Seguro Vida.
4 – Por maioria de razão, tal cláusula é abusiva por atentatória do vetor da boa-fé, pelo que proibida e nula, uma vez que, feita a pesquisa na Internet, no ano de 2007, quando foi celebrado o contrato de seguro vida, a caraterização do estado de INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA, não fazia depender a segurada de qualquer grau de invalidez, muito menos de um grau de incapacidade igual ou superior a 85%.
5 – Por outro lado, sempre será de ser declarada nula a dita cláusula, por abusiva, uma vez que exige à segurada BB, que apresente uma situação total e definitiva de incapacidade para exercer qualquer atividade remunerada e, simultaneamente, a obrigação de recorrer a assistência permanente de uma terceira pessoa, para efetuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente.
6 – Atento o exposto, as Autoras sentem-se defraudadas, porque não foi isso que contrataram, ficando desprotegidas com esta cláusula surpresa, uma vez que desconheciam a sua inclusão no contrato de seguro, previamente negociado entre Autoras e Ré, resultando para esta, uma vantagem injustificada.
7 – As Autoras, aquando da celebração do contrato de seguro vida, ficaram cientes que, em caso de INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA, que era este risco que o seguro visou prevenir e que pretenderam contratar, de modo a poder acionar a cobertura do seguro.
8 - Na verdade, se as aderentes tivessem conhecimento da dita cláusula, nunca teriam celebrado o sobredito contrato, uma vez que, a referida cláusula introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes que na prática não tem qualquer utilidade tal seguro, porque as aderentes nos termos da dita cláusula, apenas podem acionar o seguro vida, quando a segurada BB, se encontrar morta ou às “portas da morte.”
9 – De referir que, a jurisprudência e a doutrina que a Ré alude nas suas conclusões, salvo melhor opinião por entendimento diferente, não tem a interpretação que a Ré lhe quer dar.
10 – Na verdade, conforme decorre dos autos foi atribuída à Autora BB uma Pensão de Invalidez Absoluta com início em 09/04/2008 por se encontrar com uma incapacidade permanente global de 70% segundo a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro (cfr. documentos de fls. 9 e 10).
11 – A invalidez absoluta para efeitos de atribuição de uma pensão por Invalidez Absoluta é a situação de incapacidade permanente e definitiva para toda e qualquer profissão ou trabalho em que o beneficiário não apresente capacidades de ganho remanescentes, nem se presuma que venha a recuperar, até à idade legal de acesso à pensão de velhice, a capacidade de obter quaisquer meios de subsistência (http:/www.seg-social.pt/pensão-de-invalidez).
12 - A invalidez absoluta ocorre quando o beneficiário apresenta uma incapacidade definitiva e permanente para todo e qualquer trabalho ou profissão e não tem capacidade para desempenhar qualquer profissão e não apenas para o exercício de profissão habitual.
13 – Ora, tal situação de invalidez absoluta e definitiva, com uma incapacidade permanente global de 70% segundo a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, foi invocada pelas Autoras, aliás com expressa menção nos presentes autos, não tendo sido contestada pela Ré.
14 – Atento o exposto a Ré violou, além de outra legislação, o disposto nos artigos 15º nºs 1 a 3, e art.º16º do Decreto-Lei nº 446/85, pelo que, é nula a cláusula 4.1, da Condições Especiais dos Seguros Complementares, por abusiva por exceder os limites da boa-fé”.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO
De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC), impõe-se conhecer as seguintes questões:
Ø Da validade da cláusula de seguro
Ø Da (in)existência dos pressupostos para cobertura
1 Os factos provados
1º- Por Contrato Universal Vida, n.º …., celebrado por escrito, datado de 27-03-2007, a 1.ª Autora, tomadora do seguro, segurou a 2.ª Autora, sua filha BB.
2º O sobredito contrato foi celebrado pelo prazo de vinte anos, com início em 27-03-2007, e términus em 27-03-2027.
3º As partes convencionaram o capital garantido em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva (IAD), ou invalidez total e permanente (ITP), o montante de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
4º Tal montante deveria ser pago durante vinte anos, em prestações trimestrais.
5º As prestações trimestrais, relativas ao primeiro ano, foram fraccionadas no valor de €58,36 (cinquenta e oito euros e trinta e seis cêntimos) e, actualmente, cifram-se no valor de €117,54 (cento e dezassete euros e cinquenta e quatro cêntimos), por aumento progressivo anual.
6º Em 10-10-2007, a beneficiária BB, 2.ª Autora, teve um surto psicótico e foi internada no serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar …., desde o dia 10-10-2007, até ao dia 30-10-2007, onde lhe foi diagnosticado os primeiros sintomas de esquizofrenia paranóide.
7º Em Novembro de 2007, a 1.ª Autora requereu ao Instituto da Segurança Social, Centro Nacional de Pensões, a pensão de invalidez da beneficiária BB, 2.ª Autora, tendo-lhe a mesma sido deferida com início em 09-04-2008.
8º Em 12-07-2018, o processo de pensão de invalidez da 2ª Autora, foi remetido para a sede da Ré, com o pedido de acionamento da cobertura de invalidez absoluta e definitiva, ao abrigo do referido contrato, para pagamento do montante de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
9º A Ré não instaurou processo (sinistro de invalidez), nem deu qualquer resposta ao requerimento apresentando pelas Autoras.
2. O direito
Insurge-se a Ré relativamente ao acórdão que, revogando a sentença que a havia absolvido, determinou a sua condenação no pagamento do capital garantido nos termos do contrato de seguro celebrado, por considerar verificado o risco que as Autoras quiseram ver assegurado através do referido contrato.
O tribunal recorrido, na análise feita ao contrato de seguro estabelecido entre as partes, partindo da sua natureza de contrato de adesão[1], sujeito ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais (aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25-10), invocando o disposto nos artigos 15.º e 16.º, do DL 446/85, e 3.º, n.º 1, da Directiva 93/13/CEE, de 05-04, declarou nula, porque violadora da boa-fé contratual (por prever uma limitação de cobertura muito aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa-fé contar), a cláusula do artigo 4.1 das Condições Especiais do contrato de seguro na parte em que faz incluir na definição do estado de Invalidez Absoluta e Definitiva do segurado (decorrente de doença ou acidente fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada) dois pressupostos:
- apresentar o segurado um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor;
- necessitar o segurado de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente.
Apoiando-se em jurisprudência reportada a situações que assumem similitude à dos presentes autos, mostra-se ponderado no acórdão recorrido quanto à nulidade (parcial) da cláusula:
“(…) as prestações essenciais caracterizadoras deste contrato de seguro consistem, do lado da seguradora, no pagamento do capital no caso de ocorrência de um risco (morte ou incapacidade absoluta definitiva) e a prestação, por parte dos segurados, de um prémio com carácter periódico.
(…) A exigência adicional da obrigação de recorrer à assistência permanente de terceira pessoa para efectuar os actos elementares da vida corrente não constitui, por isso, uma característica essencial do contrato de seguro mas apenas uma condição especial e meramente acessória a que ficou sujeito o pagamento do capital mutuado.
Na verdade, o risco que este contrato de seguro acautela é a incapacidade absoluta e definitiva em consequência de acidente ou doença; o que se pretendeu acautelar foi a situação em que a pessoa segura (in caso a Autora BB) ficasse definitivamente impedida de exercer uma actividade remunerada.
Tal como se afirma no citado acórdão desta Relação de 25/02/2016 “o conceito de desequilíbrio significativo deve ser apreciado pelo juiz nacional através de uma análise das regras nacionais aplicáveis na falta de acordo entre as partes, para avaliar, se e em que medida, o contrato coloca o consumidor numa situação menos favorável de que a prevista no direito nacional. E para apurar se o desequilíbrio foi criado a despeito da boa-fé, o tribunal deverá verificar se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa o consumidor, podia razoavelmente esperar que ele aceitaria essa cláusula, na sequência de uma negociação individual.
No Acórdão Kásler (C-26/13), o TJUE desenvolveu aquele conceito esclarecendo que um desequilíbrio significativo pode resultar simplesmente de uma lesão suficientemente grave da situação jurídica na qual o consumidor, enquanto parte no contrato em causa, é colocado, por força das disposições nacionais aplicáveis, seja ela sob a forma de uma restrição do conteúdo dos direitos que, segundo essas disposições, para ele resultam desse contrato, ou de um entrave ao exercício dos mesmos ou ainda do facto de lhe ser imposta uma obrigação suplementar, não prevista pelas regras nacionais”.
De salientar ainda que na ordem jurídica interna o legislador (seja na jurisdição laboral seja na civil) não exige quanto ao conceito de incapacidade total e definitiva que nesta se integre a necessidade de recurso permanente a terceira pessoa para executar os actos elementares da vida corrente.
Como se refere no acórdão de 30/11/2017, deste Tribunal (Relatora Desembargadora Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha, disponível em www.dgsi.pt), a propósito de contrato de seguro celebrado na sequência da contratação de um mútuo “A cláusula da exigência do requisito da necessidade de terceira pessoa, verificada que seja a invalidez absoluta e definitiva por doença para o exercício da profissão, sempre deveria considerar-se nula por abusiva e desproporcionada, no contexto negocial em que é celebrado este contrato de seguro sub iudice: o mesmo aparece na sequência da contratação de um mútuo e como exigência da entidade mutuária, sendo que o risco que se pretende segurar (interesse quer por parte do mutuante, quer por parte do mutuário) é precisamente a incapacidade definitiva e absoluta para o exercício de actividade profissional que lhe permitiria obter rendimentos para honrar o cumprimento do referido mútuo!”
Verificando-se a incapacidade absoluta e definitiva e encontrando-se a pessoa segura total e definitivamente incapaz de exercer actividade remunerada entendemos também que a exigência do requisito da necessidade de recorrer à assistência permanente de terceira pessoa para realização dos actos da vida quotidiana é manifestamente abusiva, excedendo os limites da boa-fé.
Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 27/9/2016 (Relator Conselheiro José Rainho, disponível em www.dgsi.pt) que: “(…) IV É abusiva (por atentatória do vetor da boa-fé), proibida e nula a cláusula especial constante das condições de contrato de seguro de grupo destinado ao pagamento do saldo de um empréstimo por crédito à habitação em caso de invalidez absoluta e definitiva do aderente, que exige acrescidamente para a caracterização desse estado de invalidez que o aderente fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente. V Tal cláusula introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes (na prática esvazia largamente a utilidade do seguro), na medida em que o fim precípuo do dito seguro é obrigar o segurador a pagar ao banco mutuante no caso do aderente ficar impossibilitado de o fazer por si, e esta finalidade satisfaz-se com a própria impossibilidade e sem necessidade do aderente ficar também dependente da referida assistência permanente”.
A exigência do requisito da necessidade de recorrer à assistência permanente de terceira pessoa para realização dos actos da vida quotidiana é não só alheia ao risco principal que se pretende acautelar com a celebração do contrato de seguro, como importa ainda salientar que a Ré Seguradora nem sequer podia razoavelmente esperar que as Autoras incluíssem uma tal cláusula no contrato se o mesmo fosse celebrado na sequência de uma negociação individual; é que tal significaria dar como boa a hipótese (desrazoável) de que aceitariam proceder ao pagamento de um prémio mesmo ficando a pessoa segura desprotegida na maioria das situações de invalidez, considerada grave, como é a invalidez absoluta e definitiva em que estaria definitivamente incapaz de trabalhar e exercer qualquer actividade remunerada.
Uma tal cláusula, por não ser normal a sua inclusão num contrato previamente negociado entre contraentes com a finalidade de acautelar a hipótese de se ficar impossibilitado de auferir rendimentos, por se estar definitivamente incapaz de trabalhar e exercer qualquer actividade remunerada, é manifestamente contrária ao princípio da boa-fé.
É por isso de concluir que o desequilíbrio contratual entre as partes é significativo, por colocar o consumidor/aderente do contrato deste seguro numa posição em que, ao invés de acautelar uma situação de eventual impossibilidade de obter rendimentos do trabalho, o deixa, na generalidade dos casos, numa situação como se não existisse contrato de seguro.
Ao estabelecer-se a necessidade de recorrer à assistência de terceira pessoa, como condição para que a pessoa segura seja considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva, está a ser frustrado o objectivo visado com a celebração do contrato que é da seguradora vir a proceder ao pagamento quando a pessoa segura quando ela esteja absolutamente incapaz.
No mesmo sentido se tem de considerar o facto de, para além do recurso à assistência de terceira pessoa ainda se exigir um grau de incapacidade igual ou superior a 85%.
De facto, exigir tal grau de incapacidade quando com grau inferior a pessoa se encontra já em situação de invalidez absoluta e definitiva, isto é total e definitivamente incapaz de exercer actividade remunerada seria da mesma forma frustrar o objectivo visado que é da seguradora vir a proceder ao pagamento quando a pessoa segura quando ela esteja absolutamente incapaz.
Daí ser de concluir que a exigência de um estado que implique o recurso à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos elementares da vida corrente e um grau de incapacidade igual ou superior a 85% não é justificada, sendo desproporcionada à caracterização do estado de invalidez absoluta e definitiva que o seguro visou prevenir e que as Autoras pretenderam contratar.
De facto, conforme decorre da Proposta de Subscrição (fls. 56) assinada pelas Autoras estas pretenderam contratar a opção de Invalidez Absoluta e Definitiva (para além da Invalidez Total e Permanente por Acidente).
Assim, sendo tal cláusula abusiva por exceder os limites da boa-fé terá de ser declarada a sua nulidade, na parte em que alude à necessidade de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor, eliminando-se da mesma tal segmento.”.
Pugnando no sentido de não se verificarem, no caso, os requisitos necessários para fazer accionar a garantia contratada, a Ré defende a validade da referida cláusula e a falta de demonstração de uma situação de incapacidade/invalidez absoluta e definitiva por parte da 2ª Autora.
2.1 Recordemos os contornos da acção.
A pretensão das Autoras tem por base um contrato de seguro do ramo vida celebrado com a Ré, com início em 27-03-2007, sendo segurada a 2ª Autora (filha da 1ª Autora, tomadora do seguro) em que os riscos cobertos se reportavam à morte da segurada, bem como à sua invalidez absoluta e definitiva ou a invalidez total e permanente, com capital garantido equivalente a € 75.000,00, a ser pago durante vinte anos, em prestações trimestrais.
Na sequência da 2.ª Autora (a segurada) ter sido acometida por um surto psicótico (em 10-10-2007, que lhe determinou internamento no serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar ….) e de lhe ter sido diagnosticado esquizofrenia paranoide, o Centro Nacional de Pensões atribuiu-lhe uma pensão por invalidez absoluta, com início em 09-04-2008 (nos termos do documento n.º4 junto com a petição).
Resulta também apurado que o processo de pensão de invalidez da 2.ª Autora foi remetido, em 12-07-2018, para a Ré para fazer accionar o contrato de seguro com fundamento na invalidez absoluta e definitiva da segurada, não tendo a Seguradora instaurado processo nem dado qualquer resposta ao requerimento apresentando.
Decorre ainda dos autos que, em Julho de 2008, a 2.ª Autora foi submetida a uma junta médica, que lhe atribuiu uma IPP de 70%.
Cabe realçar que a factualidade apurada tida em conta pelas instâncias, em consequência da falta de contestação por parte da Ré, resultou do alegado pelas Autoras na petição e no requerimento que a completou e dos elementos documentais juntos pelas mesmas.
2.2 Não merece controvérsia nos autos a qualificação do contrato, a sua natureza e o regime legal aplicável à data da sua celebração (contrato de seguro do ramo vida, formal, de adesão e sujeito ao disposto nos artigos 425.º e seguintes do Código Comercial e 405.º, do Código Civil).
Sendo pacífico que o contrato de seguro em causa está sujeito ao regime do DL n.º 446/85, de 25-10, há que ter em conta o que nele se estabelece relativamente às cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé (artigo 15.º) e às que limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante (artigo 21.º, alínea a)), sancionando a lei com nulidade[2] as cláusulas contidas em contrato de adesão através das quais a entidade ofertante, violando o princípio da boa-fé, frustrem a garantia que as partes visaram atingir com o tipo de contrato utilizado.
Consequentemente, serão feridas com nulidade as cláusulas ínsitas nos contratos que se traduzam numa excessiva limitação do risco coberto pelo contrato por forma a que redundem no esvaziamento do seu objecto.
No caso dos autos, o facto das Autoras não terem invocado que a cláusula 4.1 das Condições Especiais do contrato se mostrava contrária à boa-fé[3], não obstou à apreciação e conhecimento por parte do tribunal a quo por se tratar de questão de conhecimento oficioso.
A cláusula 4 do contrato prescreve que “Se o Segurado vier a invalidar-se absoluta e definitivamente em consequência de acidente ou doença não referida no ponto 5, a Seguradora garante a antecipação de 100% do Capital garantido pelo Seguro Principal, cessando automaticamente o Contrato.”
Reportada à Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva, dispõe a cláusula 4.1:
«O Segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando em consequência de doença ou acidente fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor. Entende-se por ato elementar da vida corrente:
• Lavar-se: significa efectuar todos os actos necessários à manutenção de um nível de higiene correcto.
• Alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa.
• Vestir-se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente.
• Deslocar-se no local de residência habitual.
Para o funcionamento desta cobertura não é considerada a concessão de reforma por Invalidez ou a classificação como “Grande Inválido” atribuídas pela Segurança Social ou por qualquer regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou complemente.
Para o efeito do reconhecimento da Invalidez Absoluta e Definitiva esta deve ser constatada e reconhecida por um médico da Seguradora, na base de sinais médicos objectivos».
A avaliação feita pelo tribunal a quo quanto à natureza proibida da referida cláusula no que se reporta às condições determinantes do estado de invalidez absoluta e definitiva (reportadas à necessidade de recorrer à assistência de terceira pessoa e da exigência de um grau de incapacidade igual ou superior a 85%) tem subjacente o entendimento de que as mesmas redundam, na prática, na própria frustração do objectivo visado com a celebração do contrato de seguro desta natureza.
Refuta tal entendimento a Ré defendendo que a referida cláusula estabelece legitimamente tais limitações do risco coberto pelo contrato de seguro as quais resultam expressa e inequivocamente das condições gerais e especiais da apólice de seguro contratada pelas Autora e foram aceites pelas mesmas quando da subscrição do contrato.
A defesa da Recorrente em prole da validade das referidas limitações do risco põe acento tónico no facto de se estar perante um seguro voluntário, regido pela liberdade de fixação dos riscos cobertos aceites pelas partes contratantes, descurando o facto de se estar no domínio dos contratos de adesão cujo regime jurídico tem por preocupação garantir um controlo não só ao nível da formação do acordo de vontades (prevenindo a possibilidade de desconhecimento de elementos cruciais do regime do contrato, regulados em cláusulas gerais, atento o facto do acordo não se encontrar sujeito a negociação prévia, completando-se por simples adesão, em bloco, às cláusulas prefixadas[4]), mas também, muito particularmente, ao nível do conteúdo contratual tendo por subjacente o recurso a padrões valorativos destinados a manter o equilíbrio e integridade das prestações contratuais, aspecto que, no que se refere aos contratos de seguro, se condensa na necessidade de zelar pela preservação do conteúdo funcional do seguro, expurgando (em obediência à boa-fé, segurança e confiança jurídicas enquanto princípios gerais orientadores) condições impostas que retirem a garantia de protecção do risco que o contrato cabe assegurar.
Nesta ordem de ideias, não podemos deixar de concordar com a análise levada a cabo pelo tribunal recorrido ao concluir pela nulidade (parcial) da referida cláusula 4.1 (na parte em que condiciona a situação de invalidez absoluta e definitiva do segurado para efeitos de lhe ser atribuída pela Seguradora, nos termos da cláusula 4ª, a antecipação de 100% do Capital garantido pelo Seguro Principal, à necessidade de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais) por exceder os limites da boa-fé.
Com efeito, na concretização do princípio da boa-fé, a lei aponta dois vectores cruciais de ponderação para expurgar os excessos da parte que pré-estabeleceu os termos do contrato,[5] e que terão de ser apreciados em função da relação contratual a constituir. São eles:
- o objectivo negocial visado pelas partes à luz do tipo de contrato utilizado;
- o critério da confiança em função do normal destinatário[6].
Por isso, na apreciação do controlo do equilíbrio das estipulações contratuais no domínio dos contratos de seguro, a ponderação dos interesses contrapostos das partes terá de ser feita partindo do conteúdo contratual referente aos elementos essenciais do tipo contratual (os definidores da respectiva função económico-social), que tem de permanecer intocado, devendo expurgar-se o clausulado limitativo da protecção dos segurados (em termos de tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos visados com a celebração do contrato atenta a finalidade do mesmo). Ou seja, apenas deverão/poderão ser consideradas afectadas as cláusulas (de exclusão ou limitativas do risco e da consequente responsabilidade/obrigação da seguradora) em função das quais a cobertura do seguro fique aquém daquela que o tomador podia, de boa-fé, contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato[7]
E é, sem dúvida, o caso da presente cláusula.
A finalidade específica do seguro celebrado (seguro de vida relativamente à situação decorrente da incapacidade de trabalhar por parte da segurada) é a de garantir que a segurada possa usufruir de um determinado montante compensatório (100% do capital garantido, ou seja, €75.000,00) na situação de privação de auferir rendimentos (do trabalho) perante a perda total e definitiva da capacidade de trabalhar.
Nesta ordem de ideias, a cláusula 4.1 ao definir as condições para que a segurada seja considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva, porque radicadas na necessidade de assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar actos elementares da vida corrente e, cumulativamente, apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, retira do respectivo âmbito de protecção a grande maioria das situações de invalidez que deixam a pessoa totalmente impossibilitada de trabalhar.
Sendo a intencionalidade dos contraentes ao celebrar este tipo de seguro o de colmatar[8] os prejuízos na sua capacidade económico-financeira perante a perda (por acidente ou doença), total e definitiva, da capacidade de ganho, não há dúvida de que a verificação das condições impostas deixaria gorado o objectivo visado com a celebração do contrato.
Seguindo o raciocínio do acórdão, através da referida cláusula a Ré Seguradora fez introduzir uma limitação que esvazia quase totalmente a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar.
Por conseguinte, a referida cláusula 4.1, nessa parte, não pode deixar de ser entendida como desproporcional e de atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido, violadora, nessa medida, do princípio da boa-fé.
Consequentemente, há que confirmar o que nesse sentido se mostra decidido no acórdão recorrido ao declarar a nulidade da citada cláusula na parte em que define a situação de invalidez absoluta e definitiva do segurado condicionada à necessidade de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos elementares da vida corrente e, cumulativamente, apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor.
Ao eliminar-se tal segmento da referida cláusula a definição de invalidez absoluta e definitiva para efeitos do contrato reconduz-se às situações em que, como consequência de doença, o segurado fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada[9].
2.3 Pugnando a alteração do sentido da decisão recorrida objecta ainda a Ré a falta de demonstração da situação de incapacidade/invalidez absoluta e definitiva por parte da 2ª Autora.
Alega para tal efeito, neste âmbito, que dos factos provados não decorre que a incapacidade da Autora que lhe foi atribuída pelo Instituto da Segurança Social a impossibilite para o exercício de toda e qualquer profissão ou actividade remunerada.
Invoca que a única prova que existe nos autos quanto à questão é a decorrente do certificado multiusos emitido pelo Instituto da Segurança Social que atribuiu à 2.ª Autora uma IPP de 70%, pelo que defende a improcedência da acção tal como decidido em 1ª instância, por inverificação de situação susceptível de fazer accionar a cobertura de invalidez absoluta e definitiva.
Ainda quanto a este aspecto não podemos dar razão à Recorrente.
Com efeito, para além do que consta do certificado multiusos (conferindo à 2:ª Autora uma IPP de 70%), está documentado nos autos que o Instituto da Segurança Social – Centro Nacional de Pensões atribuiu à 2.ª Autora pensão por invalidez absoluta com início em 09-04-2008 (nos termos do documento n.º4 junto com a petição) .
Assim, resultando também dos autos que as Autoras remeteram à Seguradora, para fazer accionar o seguro, todo o processo de atribuição da pensão pela Segurança Social[10], encontra-se inviabilizada a possibilidade de a Recorrente exigir nos autos um reforço na demonstração do requisito de invalidez da segurada por forma a ver obtidos os efeitos da impugnação fáctica que em tempo oportuno (designadamente no âmbito dos autos) não levou a cabo.
Improcedem, assim, totalmente, as conclusões do recurso.
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas a cargo da Ré.
Lisboa, 2 de Março de 2021
Graça Amaral (Relatora)
Henrique Araújo
Maria Olinda Garcia
Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
_______________________________________________________
[1] Contendo cláusulas não sujeitas a negociação, mas apresentadas como um formulário que o destinatário do seguro se limita a subscrever.
[2] Independentemente de ter sido ou não invocado pela parte.
[3] Cabe salientar que em sede de alegações da apelação, perante os fundamentos da decisão de improcedência da acção concluída pela sentença, as Autoras vieram suscitar a questão da falta de comunicação da referida cláusula, a qual não foi objecto de conhecimento pelo tribunal a quo por estar em causa questão nova não passível de conhecimento oficioso.
[4] Garantindo que o aderente tome um efectivo conhecimento do clausulado pré-estabelecido pela parte ofertante ao qual se subordina e tenha plena consciência das obrigações que assume em pleno exercício da sua liberdade contratual.
[5] O artigo 16.º, do RJCCG, preceitua a tal respeito: “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.
[6] A este propósito refere José Manuel de Araújo de Barros “o objectivo não é mais do que o interesse que a parte visa satisfazer com o contrato. A confiança reporta-se à legítima expectativa quanto a um equilíbrio desse interesse com o da contraparte. Há, assim, como que uma presunção jure de jure de que não actua de boa fé aquele que, iludindo a confiança depositada pela contraparte contratual, elegeu determinada cláusula da qual objectivamente para si resulta vantagem injustificável, tendo em conta os interesses dos contraentes. (…) Em suma, e procurando alguma materialidade no enunciado da lei, uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável.” - Cláusulas Contratuais Gerais, Wolters Kluwer / Coimbra Editora, pp171/172.
[7] Cfr. neste sentido Moutinho de Almeida, página 98-100.
[8] Com o pagamento do capital por parte da seguradora.
[9] Trata-se, aliás, de conceito que, na ausência da sua definição contratual, a jurisprudência tem vindo pacificamente a considerar – cfr. acórdão deste STJ de 29—03-2011, proferido no processo n.º 313/07.0TBSJM.P1.S1 (acessível através das Bases Documentais do ITIJ), onde se mostra referido “uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente a laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.”.
[10] E, assim, muito antes da entrada da acção em tribunal, a Seguradora teve, sem dúvida, oportunidade de ficar inteirada de todos os elementos relativos à situação da incapacidade da 2.ª Autora para o exercício de actividade laboral.
Tratam-se, pois, de condições que ultrapassam a fronteira dos padrões valorativos relativos ao equilíbrio e integridade das prestações neste tipo contratual, porquanto redundam em fazer perder o próprio sentido da vinculação por parte do aderente,