Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO AFONSO LUCAS | ||
Descritores: | CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMPORTAMENTO DA VÍTIMA MEDIDA DA PENA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20231025330/22.0GBAND.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO. | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - É absolutamente improcedente, por inaceitável, o argumento de que o comportamento da pessoa ofendida em contexto de violência doméstica, ao decidir reatar ou continuar o relacionamento com a pessoa agressora depois de ser vítima de agressões físicas ou morais da parte deste que determinaram a sua condenação criminal, contribui de alguma forma para a reiteração e repetição dessas agressões. II - Em tal perspetiva, esse argumento está ao nível do “pôs–se a jeito” ou do “estava a pedi–las” tantas vezes utilizado como tentativa de exculpação do agressor em situações de violência e abuso sexual apenas e só porque a pessoa agredida (por exemplo) usava determinadas roupas ou frequentava certos ambientes. III - Ora, não só tal circunstância (aquele reatamento do relacionamento ou prosseguimento do mesmo) não pode servir para atenuar a culpa da pessoa agressora, como, muito pelo contrário, a acentua e agrava; na verdade, ao reiterar o seu comportamento maltratante sobre uma pessoa que, apesar de já antes agredida, ainda assim concede uma oportunidade de prosseguir o relacionamento, o agressor denota uma personalidade especialmente mal preparada para respeitar os direitos pessoais e o bem–estar da sua vítima. IV – No caso em apreço, resulta de forma clara que o arguido não interiorizou o desvalor de toda a sua conduta, quando se constata que o mesmo já havia sido anteriormente condenado pela prática de factos integrantes também de um crime de violência doméstica, em que era vítima a mesma sua companheira ofendida nestes autos, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução por igual período (com regime de prova) por sentença transitada em julgado apenas alguns meses antes do início do período a que se reportam os factos dos presentes autos, mostrando–se assim inquinado o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro, tornando o ‘risco’ que, nesta perspetiva, sempre envolve a ponderação pelo tribunal da suspensão da pena de prisão, num risco que não se revela ‘prudente’. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 330/22.0GBAND.P1 Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 330/22.0GBAND que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo e Competência Genérica de Anadia, em 13/07/2023 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor: «Decisão 1. Em face do exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência, decido: a) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; d) Condenar o arguido AA nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima BB (que inclui o afastamento da residência ou do local de trabalho desta) e proibição de uso e porte de arma, pelo período de 3 (três) anos, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal); e) Condenar o arguido AA no pagamento à ofendida BB da quantia de €1.500,00 (mil quinhentos euros) a título de reparação da vítima em casos especiais, nos termos do artigo 82.º-A do Código do Processo Penal; 2. Mais decido condenar o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3. UC (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e artigo 8º, n.º 9, com referência à tabela III do Regulamento das Custas Processuais).» Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 18/08/2023, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões: I. Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de direito e de facto, nos termos do do artigo 412º do Código de Processo Penal. II. Entende-se que quanto aos factos provados, factos há que devem ser dados como não provados e outros alterados. III. Assim como se entende, ao decidir outros factos com base nas regras de experiencia comum, foi para além do que permite o principio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do C.Penal. IV. Do Depoimento do filho da Ofendida, CC, e do companheiro da Ofendida, DD; o ponto 6 terá de ser dado como não provado, ponto 11 terá de ser alterado para não provado, o ponto 15 deve ser alterado para: Quando a ofendida ia para lhe dizer que parasse com tal comportamento, o arguido desferiu-lhe um pontapé que a atingiu na perna esquerda, ao nível da coxa; o 16. deve ser eliminado in fine, onde se diz: cortando o cabo de ligação à habitação; V. Os pontos 19 a 24 terão também de ser enquadrados e analisados sempre em concorrência com o facto de estar alcoolizado e em que naturalmente as suas capacidades cognitivas, de reacção estão afectadas, já para não falar da sua lucidez, pelo que no caso concreto, não se pode dizer que o Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, o que constituem elementos típicos subjectivos do crime, pois, reafirma-se, tais capacidades estavam retiradas, ou pelo menos diminuídas ao ponto delas não ter percepção o Arguido. VI. A Ofendida não receou pela sua vida, não deixou de fazer o seu dia-a–dia, não teve dor emocional pelas injurias proferidas, (pontos 13 e 14 dos factos provados) nem a agressão física apontada em 15. causou dores físicas, pois que nos dias imediatamente a seguir, e em todos os dias, se dirigiu à festa, ao mesmo local onde foi agredida e injuriada – pelo que o Tribunal agiu na medida da pena em excesso de zelo pela Ofendida. VII. A sentença recorrida violou o artigo 50º do Código Penal, já que deveria ter suspendido a execução da pena em que o arguido foi condenado, ainda que sujeitando tal suspensão à observância de regras de conduta e/ou a regime de prova, para além das penas acessórias que foram aplicadas. VIII. De facto, atenta a personalidade do arguido, as condições da sua vida e a sua conduta posterior à prática do crime, bem como às circunstâncias deste, tal suspensão era (como é) um poder-dever que se impunha (como impõe) ao julgador. IX. Com efeito tal permite concluir que a ameaça de prisão e censura do facto realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. X. Merece o arguido um verdadeiro juízo de prognose favorável, ao contrário do que pugna a sentença. XI. A conduta da Ofendida não pode ser tida por inócua, pois após a 1ª condenação, continuou a viver com o agressor, e após as agressões e injurias dos dias 17 a 19 de Julho de 2022, e aos cortes de energia, continuou todos os dias a ir à festa com o seu companheiro, o que revela então que não pretendia a tutela do direito ou a protecção do sistema judicial com uma condenação, fazendo assim mau uso do direito e dos Tribunais, não tendo por sua vez o Tribunal atendido ao artigo 72º, alínea b) do C.Penal. XII. Toda a factualidade descrita, a ser tida como provado pelos Venerandos Desembargadores, radica na forte dependência do álcool da qual padece o Arguido, o que foi atestado quer pela Ofendida, quer pelo seu filho, quer pelo próprio Arguido. XIII. Tal condição, tal Doença, há que dizê-lo condiciona a sua perceção da realidade e as suas reacções, logo, o seu comportamento socialmente e mormente com a Ofendida. XIV. Não se pode dizer que uma pessoa embriagada está “consciente” dos actos que está a praticar enquanto os pratica. XV. Nem do mesmo modo, se pode dizer que pudesse voluntariamente decidir não fazer algo de determinada maneira, ou fazer de outra. XVI. O álcool é uma adição que condiciona todas as vertentes da vida do seu adito, e é aqui que se encontra o Recorrente. XVII. O Tribunal destituiu-se da função ressocializadora que as penas têm também e sobrepôs unicamente a função punitiva, de uma pena de prisão. XVIII. A medida da pena foi excessiva para os factos que constam no libelo acusatório e considerando o trajecto do Arguido desde o inquérito, o seu relatório social, o cumprimento das medidas de coação ; encontrasse integrado socialmente, tem trabalho regular, tem uma companheira com quem reside e com quem partilha as despesas, e alem disso, é uma ajuda vital para acompanhar o seu pai, já de idade avançada (pois que o visita regularmente e ali pernoita para atender às suas necessidades). XIX. Pelo que foram violados os artigos 40, 50º, 71º, 72, alínea b), e 127º do C.Penal. XX. A pena de prisão efectiva de 3 anos, deve ser suspensa na sua execução, por se verificarem os pressupostos da sua aplicação; acrescida das demais penas acessórias aplicadas; e ainda com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia, XXI. Ou, em alternativa, reduzida para 2 anos - e porque nem sequer foi equacionado a possibilidade da (com grande sacrifício do Recorrente, mas mesmo assim menor do que a pena de prisão efectiva), nos termos do artigo 43º do C.Penal, a utilização de Vigilância Electrónica, vulgo pulseira electrónica, ou prisão domici1iária, substituindo-se a pena de prisão efectiva, dando já o Arguido o necessário consentimento aplicando-lhe ainda, em conjunto com as demais penas acessórias, as de obrigatoriedade de frequência de consultas em unidade de alcoologia, pugnando pela ressocialização do arguido tendo em atenção a recuperação do arguido como pessoa útil à sociedade. O recurso foi admitido. A este recurso respondeu o Ministério Público, consignando da seguinte forma: Inconformado, interpôs o arguido recurso da sentença proferida, delimitando nas conclusões apresentadas na respectiva motivação o âmbito do mesmo. Assim, o objecto do presente recurso, tal como é configurado pelo recorrente, abrange matéria de direito e de facto, pretendendo quanto a esta última (e, diga-se, de forma ilegítima) o arguido ver o seu juízo prevalecer sobre o livre juízo apreciativo da prova formulado pelo julgador, substituindo a convicção formada pelo tribunal a quo pela sua própria interpretação da prova produzida. Todavia, pelas razões explanadas na motivação da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e subsequente subsunção jurídica da mesma, às quais nesta sede não podemos deixar de aderir (em face da posição assumida pelo Ministério Público em sede de audiência de discussão e julgamento, onde pugnou pela respectiva condenação do arguido recorrente nos exactos termos em que a mesma veio a ser proferida e tendo o arguido demonstrado com a prática dos novos factos pela qual veio a ser condenado a ineficácia de todas as penas ao mesmo já anteriormente aplicadas), e não se verificando a violação de qualquer dos preceitos legais invocados pelo recorrente ou a ocorrência de qualquer dos vícios a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal (de resto, também não suscitados), entende-se que não merece o presente recurso provimento. Motivo pelo qual, não deverá o recurso a que ora se responde merecer provimento, mais devendo a sentença recorrida ser confirmada e integralmente mantida. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu propugna pela improcedência do recurso. Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada veio a ser acrescentado de relevante no processo. * Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir. * II. APRECIAÇÃO DO RECURSO O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal. São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[1], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[2]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões». A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre: 1. saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal; 2. saber se a medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido é excessiva; 3. saber se a pena de prisão em que o arguido vem condenado deveria ser declarada suspensa na respectiva execução. * Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância: «Factos provados: O Tribunal tem como provados os seguintes factos: 1. O arguido AA e a ofendida BB viveram um com o outro em condições análogas às dos cônjuges desde o ano de 2010 e até inícios de abril de 2022 – residindo juntos, sendo que nos últimos cinco anos, na Rua ..., ..., ... de ..., .... 2. Por factos integradores do crime de violência doméstica, tendo igualmente como vítima a aqui ofendida, foi o arguido condenado, por sentença proferida em 20.12.2019 e transitada em julgado em 21.01.2020, no âmbito do processo nº 24/19.4GBAND, numa pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova. 3. Não obstante, o arguido e a ofendida mantiveram a relação e a residir juntos, sendo que a partir de meados de 2020, o arguido retomou as condutas maltratantes para com a ofendida. 4. Nesse âmbito, e enquanto residiram juntos, o arguido envolvia-se em discussões com a ofendida, com frequência quase diária, na sequência das quais a insultava, chamando-a de puta, vaca, porca, bêbeda, bem como dizendo-lhe andas com uns e com outros, andas no putedo, andas a meter homens em casa e outras expressões de teor semelhante, o que fazia com intenção de a atingir na sua honra e consideração pessoal. 5. Durante tais discussões, foram várias as vezes em que o arguido acabou por agredir a ofendida, desferindo-lhe bofetadas e murros na face e na cabeça, atirando objetos em direção da ofendida, com o que lhe causava hematomas, dores e lesões físicas nas partes do corpo atingidas. 6. No ano de 2021, o arguido dirigiu-se à ofendida quando esta se encontrava a chegar à porta de casa, e após ter pedido esclarecimentos porque esta estaria a falar com o irmão do arguido, sem que nada o fizesse prever, desferiu um murro na cabeça da ofendida, provocando hematoma, dores e lesões. 7. Em diversas ocasiões, pretendendo manter relações sexuais de cópula com a ofendida e tendo a mesma recusado, o arguido, perante tais recusas, insultava a ofendida nos termos descritos. 8. Por mais de duas vezes, após a recusa da ofendida e desta se encontrar a dormir, o arguido ainda assim usava o corpo da ofendida para sua satisfação sexual, acordando a ofendida suja com o esperma do arguido. 9. Assim como, também em várias outras ocasiões, perante as insistências do arguido em manterem relações sexuais, a ofendida, apesar de não o desejar, acedeu à vontade daquele por ter receio que o mesmo voltasse a insultá-la e a agredi-la. 10. Face a tais comportamentos do arguido, em inícios de abril de 2022, a ofendida separou- se do mesmo, continuando ela a residir na predita morada e ele indo residir para outra habitação, mas na mesma localidade. 11. Desde então, o arguido passou a telefonar insistentemente para a ofendida, tanto de dia como de noite, bem como passou a procura-la em locais pela mesma frequentados. 12. Nesses telefonemas, o arguido dizia à ofendida que qualquer dia apanho-te e mato-te, se eu for para a cadeia quando sair mato-te, e em quatro desses telefonemas disse dou-te dois tiros, além de a insultar com as expressões acima descritas de puta, vaca e bêbada, pelo que a ofendida pediu ao seu filho CC para bloquear o número do arguido para não ser importunada com tais contactos. 13. No dia 17 de julho de 2022, pelas 22 horas, estando a ofendida acompanhada do namorado EE e de outros colegas, no recinto da festa da..., o arguido dirigiu-se à mesma e disse-lhe sua puta, sua porca, eu vou-te foder, eu mato-vos – o que fez com o intuito de a atingir na sua honra e consideração pessoal, bem como de lhe causar medo de que venha a atentar contra a vida da mesma. 14. Pouco tempo após, já no dia 18 de julho de 2022, pouco depois da meia-noite, o arguido voltou a abeirar-se a ofendida, e perante todas as pessoas ali presentes no recinto da festa, voltou a dizer-lhe que era uma puta e vaca. 15. Quando a ofendida ia para lhe dizer que parasse com tal comportamento, o arguido desferiu-lhe um pontapé que a atingiu na perna esquerda, ao nível da coxa, com o que lhe causou dores e lesões físicas. 16. Com o intuito de perturbar a ofendida, o arguido por várias vezes se dirigiu, à noite, à casa da mesma, cortando o fornecimento de eletricidade de tal habitação, o que fez no dia 17 de julho de 2022 por duas vezes - desligando a corrente no quadro que dá para o exterior; e nos dias 18 e 19 de julho de 2022 - cortando o cabo de ligação à habitação. 17. O arguido no dia 18 de julho de 2022, à noite, após ter cortado o cabo de ligação elétrica, e ainda na posse da machada que usou para o efeito, deslocou-se ao recinto da festa da..., tendo dito ao FF que estava à procura da ofendida e que a ia matar com a machada. 18. O arguido, ao dirigir as expressões acima mencionadas a BB, fê-lo com o propósito de lhe provocar medo e inquietação e de lhe prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu, pois acreditou que aquele tivesse a intenção de a agredir ou de a matar. 19. Mais agiu o arguido com o propósito concretizado de perturbar a vida privada, a paz e o sossego da ofendida, ao telefonar-lhe e enviar-lhe mensagens, resultado esse que representou e quis. 20. O arguido atuou, igualmente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de BB, e de lhe provocar dores. 21. Atuou, também, o arguido com o propósito concretizado de perseguir a ofendida, controlando os seus movimentos, bem sabendo que tal conduta era adequada a causar receio, medo e inquietação naquela, como efetivamente provocou. 22. Mais ainda, o arguido atuou visando e conseguindo satisfazer os seus instintos e intentos libidinosos, o que representou, quis e conseguiu, sabendo que assim agindo atentava contra a liberdade e autodeterminação sexual da ofendida. 23. O arguido, em todas as circunstâncias descritas, previu, quis e conseguiu molestar física e psicologicamente a ofendida, bem como provocar-lhe medo, de molde a prejudicar a sua liberdade de determinação, para além de lhe causar sofrimento físico e psíquico, ofendendo a sua dignidade e sensibilidade, sabendo que, enquanto seu ex-companheiro, devia tratá-la com respeito e consideração, não se abstendo de adotar tais condutas na residência da ofendida. 24. O arguido, em todas as ocasiões, agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 25. O arguido AA encontrava-se já separado de BB, com quem mantido uma relação análoga à de cônjuges durante cerca de 12 anos 26. Nessa data, residia com o seu o progenitor, numa habitação localizada numa aldeia pertencente à freguesia .... 27. Em janeiro de 2023 passou a residir com a atual companheira, GG, (55 anos, empregada de padaria), em habitação arrendada pela mesma, na localidade de ..., .... 28. Durante alguns dias da semana, pernoita na casa do seu progenitor, na localidade da ... de ..., do concelho ..., onde também reside a sua filha de 21 anos de idade, atualmente na fase final de gravidez. 29. AA é natural do concelho de Anadia, oriundo de uma família de modesta condição sócio económica, sendo o mais novo de três irmãos, tendo um destes já falecido vítima de acidente de viação. 30. O seu processo educativo e de socialização surge associado a consumos excessivos de bebidas alcoólicas, por parte do seu progenitor, na sequência dos quais adotava comportamentos agressivos para com o cônjuge e filhos. 31. Iniciou o percurso escolar em idade própria, tendo concluído apenas o 4º ano de escolaridade, num processo associado a dificuldades de aprendizagem, desmotivação e desvalorização da frequência escolar por parte da família, que lhe impunha a execução de tarefas agrícolas em paralelo com a frequência escolar, facto que no seu entender terá sido determinante para as várias retenções e consequente abandono precoce do sistema de ensino. 32. Iniciou a trajetória laboral com cerca de 14 anos de idade, como servente, na área da construção civil, passando algum tempo depois a executar funções de pedreiro. 33. Aos 22 anos de idade sofreu acidente de viação do qual resultaram sequelas que ainda mantém e que têm concionado a sua integração laboral. Ao longo dos anos, tem vindo a registar várias experiências indiferenciadas em áreas diversas (construção civil, silvicultura, agricultura e outras conexas). 34. Presentemente, trabalha à hora ou à jorna, consoante seja na construção civil ou na agricultura, quantificando em cerca de 35€/dia acrescida da refeição do almoço, totalizando um valor mensal próximo do salário minino nacional. 35. Aos dezanove anos de idade estabeleceu união conjugal com a mãe da sua única filha, que tem atualmente vinte e um anos de idade. Separou-se quando esta tinha apenas onze anos, num contexto de instabilidade familiar, pautado por vários afastamentos e outras tantas reconciliações. 36. Reconhece que os hábitos alcoólicos que iniciou precocemente (na adolescência), e que foi acentuando ao longo dos anos, contribuíram decisivamente para a intensificação dos conflitos conjugais. 37. Em 2010, iniciou nova relação afetiva com BB, ofendida nos presentes autos, de quem se separou agosto de 2022, em situação de conflitos influenciados pelos consumos abusivos de álcool de ambas as partes, tendo sido, neste período, acompanhado na consulta de alcoologia na Unidade de Saúde Familiar em .... 38. Presentemente, a par com os trabalhos que executa, o arguido cultiva a horta da companheira e também faz criação de animais domésticos para consumo próprio, complementando o orçamento familiar. 39. Perceciona o seu quotidiano de forma gratificante, reconhecendo o apoio da sua atual companheira. 40. Identifica como principal encargo a renda de casa (200€ mensais) que partilha com a companheira. 41. Encontra-se desde 05ago2022, sujeito à medida de coação de proibição de contactos com BB, fiscalizada por vigilância eletrónica, que tem decorrido sem incidentes relevantes. 42. AA denota incapacidade, ainda que em abstrato, de refletir criticamente acerca da problemática da violência doméstica. Pese embora já tenha sido alvo de condenação pela prática do mesmo crime, adota um discurso que deixa inferir défices de juízo de censura, deixando transparecer ressentimentos em relação a BB, desconsiderando-a como pessoa e mulher. 43. O arguido foi condenado: - No processo n.º 458/11.2GBAND, por decisão de 20-04-2012, transitada em julgado a 20-04-2012, pela prática no dia 17-09-2011, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa à razão diária de €5,00, declarada extinta pelo cumprimento; e - No processo n.º 1/13.9GBAND, por decisão de 10-05-2013, transitada em julgado a 27-05-2013, pela prática, no dia 11-11-2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 meses; - No processo n.º 10/13.8T8VGS, por decisão de 27-05-2014, transitada em julgado a 26-06-2014, pela prática, no dia 30-01-2012, de um crime de falsidade de testemunho, perícia, tradução ou interpretação, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00; - No processo n.º 27/16.0GDAND, por decisão de 30-03-2016, transitada em julgado a 2-05-2016, pela prática, no dia 24-02-2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses; - No processo n.º 144/16.7T9AND, por decisão de 06-07-2017, transitada em julgado a 06-07-2017, pela prática, no dia 14-03-2017, de um crime de desobediência, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de €5,50; - No processo n.º 24/19.4GBAND, por decisão de 20-12-2019, transitada em julgado a 21-01-2020, pela prática, no dia 12-01-2019, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.1, al. a), do CP, na pena de 2 anos e 11 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia; - No processo n.º 108/20.6GDND, por decisão de 24-06-2020, transitada em julgado a 14-09-2020, pela prática, no dia 12-06-2020, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia, declarada extinta pelo cumprimento. * Factos não provados:A. Nos dias 25 e 26 de julho de 2022, o arguido ateou pequenos fogos junto da casa de habitação da ofendida, com uma distância máxima de 300 (trezentos) metros, com o intuito de atingir a sua casa, só não tendo ocorrido pela prontidão no controlo dos mesmos.» b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância : (…) c. É como segue a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à determinação das consequências penais no caso: «Escolha e determinação da medida concreta da pena. Determinado o enquadramento jurídico da situação em apreço, cumpre agora determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido. Como vimos, o crime de violência doméstica, quando praticado sobre pessoa com quem o agente tenha mantido relação análoga à dos cônjuges, é punido, em abstrato, com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, nos termos do art.º 152.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal. A finalidade visada pela pena será, prima facie, a tutela necessária e suficiente dos bens jurídico-penais, no caso concreto, traduzida pela necessidade de garantir a confiança e as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada – e a prevenção geral positiva ou de integração, a qual decorre do princípio da necessidade da pena, princípio esse consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da C.R.P (Cfr. artigo 40.º, n.º1, do Código Penal). A determinação da medida concreta da pena, efetua-se nos termos do artigo 71º, n.º 1, do Código Penal. Prescreve aquele normativo o seguinte: “A determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Assim, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do agente. O princípio da culpa dispõe que não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa – artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal -, consistindo esta no limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas. Para além disso, na determinação da medida concreta da pena, balizada por estes limites, deve o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime. Entre outras circunstâncias, deve o tribunal atender ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, à motivação do agente, às condições pessoais e económicas do agente, à conduta anterior e posterior ao facto, e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal). Ora, partindo da análise da factualidade apurada, no que concerne ao crime de violência doméstica temos que as exigências de prevenção geral se revestem de particular acuidade, pois trata-se de um crime que se vem vulgarizando e que tem, por vezes, consequências gravíssimas, indo frequentemente até ao atentado à própria vida da vítima, e quando assim não é, as consequências ao nível da saúde e estabilidade mental da vítima podem ser devastadoras. Com efeito, estamos perante um tipo de crime (violência doméstica) cuja gravidade assume contornos inaceitáveis e tem assumido proporções assustadoras a nível social, decorrentes quer da frequência da prática deste tipo de crime, quer do sentimento de impunidade que impera na mente dos agentes do mesmo pelas reticências das vítimas em denunciar os factos e pela dificuldade de demonstração da prática dos mesmos (em regra, praticados no seio do lar e apenas conhecidos do próprio agente e das vítimas). Por outro lado, ainda ao nível da prevenção geral, os bens jurídicos protegidos, enquadrando-se na dignidade humana, são bens jurídicos com assento constitucional, e que constituem a base do Estado de Direito. Assim, urge reafirmar, perante a comunidade, a vigência da norma que censura e pune este tipo de conduta desvaliosa. Por sua vez, o grau de ilicitude das condutas do arguido é de situar em patamar grave, depondo contra o arguido a ilicitude do facto e o grau de violação dos deveres que lhe eram impostos, uma vez que, enquanto marido da ofendida estava obrigado a um especial dever de respeito para com a mesma. Acresce ainda referir que as condutas perpetradas pelo arguido e supra descritas certamente provocaram na vítima danos no foro psicológico irreparáveis. As necessidades de prevenção especial são, in casu, muito elevadas, considerando, por um lado, que o arguido não apresenta apreciação crítica total sobre a sua conduta, “justificando” o injustificável, ou seja, que as condutas que reconheceu ter praticado se devem ao “álcool”, descartando, desta forma sua auto-responsabilização. Por outro lado, depõe contra o arguido os seus antecedentes criminais. com efeito, o arguido foi já condenado: (…) A intensidade do dolo é elevada, pois o arguido atuou na modalidade mais forte – dolo direto. Por último, importa atentar que as consequências da conduta do arguido no foro físico e psicológico da ofendida relevantes. Assim sendo, sopesando as referidas circunstâncias, tendo em mente a moldura penal aplicável ao crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, de entre 2 (dois) e 5 (cinco) anos de prisão, o Tribunal considera adequado e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena de 3 (três) anos de prisão. * Da suspensão da execução da pena de prisão.Cumpre ainda ponderar, de harmonia com o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, a suspensão da execução daquela pena de prisão, uma vez que a mesma se cifra em número de anos inferior a cinco. Dispõe o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, que “o tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Este é, pois, um poder-dever do tribunal, o qual suspenderá a execução da pena de prisão sempre que, atentos os fatores preceituados por aquele normativo, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, ou seja, sempre que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarem para afastar o delinquente da criminalidade. A este propósito convém reiterar que o arguido conta já com vários antecedentes criminais, a saber: (…) O próprio passado criminal do arguido inculca a sua reconhecida problemática aditiva de bebidas alcoólicas, considerando as várias condenações que já sofreu pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez. Mas, mais relevante na ponderação da verificação dos pressupostos para a suspensão da execução da pena prisão é a condenação do arguido no âmbito do processo n.º 24/19.4GBAND. Com efeito, naqueles autos, por decisão de 20-12-2019, transitada em julgado a 21-01-2020, o arguido foi condenado pela prática, no dia 12-01-2019, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.1, al. a), do CP, na pena de 2 anos e 11 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia. Naqueles autos, era também ofendida BB. Ali foi-lhe aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia. Não obstante, o arguido volta a cometer o mesmo crime, perpetrado contra a mesma vítima, o que demonstra que o regime de prova e a ameaça da execução da pena de prisão que ali lhe foi aplicada, e bem assim a sua frequência de consultas em unidade alcoologia, não surtiram qualquer efeito. Por outro lado, o arguido denota falta de apreciação crítica sobre as suas condutas, o que demonstra que o regime de prova a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão que naqueles autos lhe foi aplicada não surtiu efeito na sua personalidade. Tal revela que o arguido não assimilou a censura jurídico-penal do desvalor das suas condutas, desprezando de modo expresso e inequívoco o valor do direito e do dever ser jurídico-penal. Entende-se, por isso, que impreterível consciencializar o arguido de modo mais impressivo que os factos por si praticados revestem-se de gravidade. Parece-nos evidente que o arguido apresenta necessidade de interiorizar um conjunto de regras e valores conformes com os comandos normativos e a vida em sociedade que até aqui, apesar das várias condenações já sofridas e oportunidades dadas, o mesmo não aproveitou. Não podemos, pois, ignorar que as condenações anteriormente sofridas não moldaram a personalidade do arguido de modo a obviar a que o mesmo pratique crimes. Tudo conjugado e apreciado globalmente permite-nos concluir que o arguido mantém uma personalidade muito renitente à adoção de condutas conformes os ditames do Direito. Por tudo o exposto, tudo devidamente ponderado, o Tribunal considera que a simples censura dos factos e a ameaça de execução da pena já não é suficiente para afastar o arguido da prática de futuros crimes, como não foi na anterior condenação que sofreu no processo n.º 24/19.4GBAND, não vislumbrando, in casu, possível fazer um juízo de prognose favorável. Assim, julga-se que a suspensão da pena de prisão não é adequada, entendendo-se que apenas a pena de prisão efetiva satisfará as finalidades da punição. * Das penas acessóriasConforme decorre do atrás exposto, o Ministério Público acusou o arguido pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e fez alusão aos n.ºs 4 e 5 do predito artigo. Preceitua o n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal que “nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de arma, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”. Refere, ainda, o n.º 5 do aludido artigo que “a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”. Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, dispõe que “1. O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 2 - O controlo à distância é efetuado, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados. 3 - O controlo à distância cabe aos serviços de reinserção social e é executado em estreita articulação com os serviços de apoio à vítima, sem prejuízo do uso dos sistemas complementares de teleassistência referidos no n.º 5 do artigo 20.º 4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o juiz solicita prévia informação aos serviços encarregados do controlo à distância sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou do agente.” Por sua vez, prescreve o artigo 36.º da mesma Lei que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta, acrescentando o n.º 2 que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local. Por sua vez, o consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto, não sendo necessário o consentimento do arguido sempre que que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima. (n.º 7 do citado preceito legal) Por último, as vítimas e as pessoas referidas no n.º 2 do citado preceito prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz. Na situação sub judice, considerando o que ficou provado entendemos que é necessário, para tutela dos interesses da vítima, a imposição da pena de proibição de contacto com aquela ao arguido, sem necessidade de recolha do consentimento deste, nos termos do preceituado 35.º da Lei n.º 112/2009. Tal garantirá, por um lado e em primeira linha, a proteção da integridade, da tranquilidade e da dignidade da vítima e, por outro, igualmente permitirá ao próprio arguido, durante o respetivo período, interiorizar a necessidade de respeitar os interesses e direitos de terceiros, sobretudo das pessoas às quais se mostrou ligado por laços que demandavam especial consideração. Mais se afigura adequado atenta natureza da factualidade em apreço nos autos aplicar igualmente ao arguido a pena acessória de proibição de uso e porte de arma. Em face das circunstâncias do caso e tendo em conta as razões expendidas, temos por ajustada a fixação das penas acessórias indicadas por período igual ao da pena principal imposta. Pelos motivos aduzidos, por ser imprescindível à tutela dos interesses da vítima, determino a aplicação ao arguido das penas acessórias de proibição de uso e porte de arma e de proibição de contacto com a vítima BB, por qualquer meio, a qual abrange o afastamento da residência daquela e do seu local de trabalho, pelo período de 3 (três) anos, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. » * 1. De saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal. (…) Em conclusão, não se considera verificado qualquer erro de julgamento quanto aos nesta parte do recurso invocados pontos da matéria de facto da sentença recorrida. Não se determina, pois, qualquer modificação nos aludidos pontos da matéria de facto provada. * (…)2. De saber se a medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido é excessiva. Vem seguidamente o recorrente alegar que em face dos critérios de determinação da medida da pena, e das razões explanadas pelo tribunal a quo que sustentam a medida concreta da pena aplicada ao arguido, se impõe decisão diversa da que vem adoptada, pois que, considera, essa pena se mostra desproporcionada por exagerada. Defende, em sustento da sua pretensão, que naquela determinação não foram tidos em devida consideração vários factores que deverão funcionar em sentido favorável ao arguido. Vejamos. Começa por recordar–se que nos autos vem o arguido condenado pela prática, como autor material de um crime de violência doméstica agravada, previsto nos termos do art. 152º1/b)/2 do Cód. Penal (punível com pena de prisão de 2 a 5 anos), na pena de 3 anos de prisão. De acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite. Como factores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal. A primeira dessas disposições determina que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – disposição que não releva no caso, pois que ao crime aqui em causa é aplicável apenas pena de prisão. Por sua vez o art. 71º do Cód. Penal estabelece que a aludida determinação da medida concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido. Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar ; ao mesmo tempo, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite máximo da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares. Por fim, entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente Nesta tarefa de individualização, o tribunal dispõe dos critérios de vinculação na escolha da medida da pena constantes do já citado art. 71.º do Código Penal, designadamente os susceptíveis de “contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 242). Ora, na sentença recorrida elencaram–se elementos com relevo na determinação da medida concreta da pena, e que não se devem considerar já valorados na tipificação dos crimes objecto de punição. Assim, ali se consignou nos seguintes termos: «Ora, partindo da análise da factualidade apurada, no que concerne ao crime de violência doméstica temos que as exigências de prevenção geral se revestem de particular acuidade, pois trata-se de um crime que se vem vulgarizando e que tem, por vezes, consequências gravíssimas, indo frequentemente até ao atentado à própria vida da vítima, e quando assim não é, as consequências ao nível da saúde e estabilidade mental da vítima podem ser devastadoras. Com efeito, estamos perante um tipo de crime (violência doméstica) cuja gravidade assume contornos inaceitáveis e tem assumido proporções assustadoras a nível social, decorrentes quer da frequência da prática deste tipo de crime, quer do sentimento de impunidade que impera na mente dos agentes do mesmo pelas reticências das vítimas em denunciar os factos e pela dificuldade de demonstração da prática dos mesmos (em regra, praticados no seio do lar e apenas conhecidos do próprio agente e das vítimas). Por outro lado, ainda ao nível da prevenção geral, os bens jurídicos protegidos, enquadrando-se na dignidade humana, são bens jurídicos com assento constitucional, e que constituem a base do Estado de Direito. Assim, urge reafirmar, perante a comunidade, a vigência da norma que censura e pune este tipo de conduta desvaliosa. Por sua vez, o grau de ilicitude das condutas do arguido é de situar em patamar grave, depondo contra o arguido a ilicitude do facto e o grau de violação dos deveres que lhe eram impostos, uma vez que, enquanto marido da ofendida estava obrigado a um especial dever de respeito para com a mesma. Acresce ainda referir que as condutas perpetradas pelo arguido e supra descritas certamente provocaram na vítima danos no foro psicológico irreparáveis. As necessidades de prevenção especial são, in casu, muito elevadas, considerando, por um lado, que o arguido não apresenta apreciação crítica total sobre a sua conduta, “justificando” o injustificável, ou seja, que as condutas que reconheceu ter praticado se devem ao “álcool”, descartando, desta forma sua auto-responsabilização. Por outro lado, depõe contra o arguido os seus antecedentes criminais. com efeito, o arguido foi já condenado: - No processo n.º 458/11.2GBAND, por decisão de 20-04-2012, transitada em julgado a 20-04-2012, pela prática no dia 17-09-2011, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa à razão diária de €5,00, declarada extinta pelo cumprimento; e - No processo n.º 1/13.9GBAND, por decisão de 10-05-2013, transitada em julgado a 27-05-2013, pela prática, no dia 11-11-2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 meses; - No processo n.º 10/13.8T8VGS, por decisão de 27-05-2014, transitada em julgado a 26-06-2014, pela prática, no dia 30-01-2012, de um crime de falsidade de testemunho, perícia, tradução ou interpretação, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00; - No processo n.º 27/16.0GDAND, por decisão de 30-03-2016, transitada em julgado a 02-05-2016, pela prática, no dia 24-02-2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses; - No processo n.º 144/16.7T9AND, por decisão de 6-07-2017, transitada em julgado a 06-07-2017, pela prática, no dia 14-03-2017, de um crime de desobediência, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 5,50; - No processo n.º 24/19.4GBAND, por decisão de 20-12-2019, transitada em julgado a 21-01-2020, pela prática, no dia 12-01-2019, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.1, al. a), do CP, na pena de 2 anos e 11 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia; - No processo n.º 108/20.6GDND, por decisão de 24-06-2020, transitada em julgado a 14-09-2020, pela prática, no dia 12-06-2020, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia, declarada extinta pelo cumprimento. A intensidade do dolo é elevada, pois o arguido atuou na modalidade mais forte – dolo direto. Por último, importa atentar que as consequências da conduta do arguido no foro físico e psicológico da ofendida relevantes.» Desde logo se assinala que, desta leitura da decisão recorrida, se retira que o tribunal a quo teve em atenção as essenciais circunstâncias pertinentes na presente situação. E crê–se que esse exercício se mostra, apesar da critica do recorrente, razoável, revelando acima de tudo a necessidade de salvaguardar a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, e emanando um apropriado juízo na prevenção e na segurança dos valores que as normas penais visam resguardar e que o arguido feriu com a sua actuação criminosa multifacetada. Uma nota antes de prosseguir, para salientar que, como resulta de pacífico critério jurisprudencial, o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Donde, e em tal sede, a intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada. Neste sentido, citem–se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/10/2013 (proc. 180/11.0GAVLP.P1)[3] onde se escreve que «o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso», o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/07/2017 (proc. 17/16.3PAAMD.L1-9)[4], ou o recente acórdão do S.T.J. de 18/05/2022 (proc. 1537/20.0GLSNT.L1.S1)[5], que consigna que «A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”». Pois bem, no caso, e como se assinalou, considera–se que o tribunal a quo considerou de forma ajustada os factores primordiais a considerar nesta sede, com destaque (isto é, sem de todo excluir o relevo de outras ali assinaladas) para as seguintes circunstâncias: – o facto de o arguido não ser delinquente primário, registando no seu percurso de vida, desde 2012 e sempre anteriormente aos factos dos presentes autos, variadas condenações criminais, uma delas inclusive pela prática também de crime de violência doméstica, sendo, aliás, os presentes factos praticados em pleno período de suspensão de uma pena de prisão em que fora oportunamente condenado pelo cometimento de outro crime de violência doméstica, e perpetrado sobre a mesma aqui ofendida, – os actos dirigidos contra a sua esposa foram de variada natureza, traduzindo–se em reiteradas agressões de natureza física, verbal, e inclusive à sua autodeterminação sexual (cfr. ponto 8. da matéria de facto provada), e bem assim em actos persecutórios posteriores à separação definitiva do casal, – as exigências de prevenção de ordem geral e especial que a conduta do arguido suscita são, pois, elevadas, atenta a natureza dos factos e os variados valores jurídico–penais que ofendeu, e a correspondência valoração comunitária muito acentuadamente negativa que suscitam. É certo que a valoração destes e de outros factores assinalados em sede de sentença se mostra efectuada essencialmente numa perspectiva de desfavor relativamente à conduta do arguido. Nesta perspectiva, compreende–se à partida a crítica do recorrente de não haverem sido especificados e expressos na decisão algumas circunstâncias que poderiam eventualmente funcionar a seu favor. Porém, não se crê que tal crítica, e mesmo a consideração dos factores em causa, seja suficiente para determinar a alteração da pena aplicada ao arguido no sentido por este propugnado. E assim se julga por duas ordens de razões : primeiro, porque a ponderação de alguns dos factores de graduação penal agora realçados pelo recorrente suscita marcadas reservas no que ao seu propalado peso atenuativo diz respeito (circunstância que, diga–se, se crê terá estado na base da sua não expressividade em sede de sentença) ; e, por outro lado, porque ao contrário do que alega o recorrente, se julga que se a pena parcelar concretamente fixada de alguma forma poderia ter–se por desajustada, não seria por excesso – donde, o propalado peso atenuativo das circunstâncias agora invocadas mostrar–se–ia sempre diluído. Em concretização do que fica dito, percorramos aquelas que são as mais substanciais circunstâncias invocadas pelo recorrente e que, no seu entender, deveriam determinar o abaixamento da medida punitiva concreta cominada no caso. Temos desde logo o apelo à circunstância de o arguido se encontrar alcoolizado no momento da prática pelo menos de grande parte dos factos. Trata–se de factor a que o tribunal a quo aludiu nesta sede, contextualizando–o, contudo, enquanto factor desculpabilizante utilizado pelo arguido para justificar a sua actuação, e mais considerando por essa via acentuada a sua culpa. É consideração (a do tribunal recorrido) que, como já acima se assinalou, se subscreve, atentas as circunstâncias do caso, o percurso do arguido, e o teor da sua postura nomeadamente em audiência de julgamento – isto é, a de se refugiar na convicção de que o seu estado alcoolizado, se não justifica a sua actuação típica e ilícita, permitirá uma larga margem de compreensão e atenuação da mesma. Como já se mencionou, o estado alcoolizado do arguido sempre lhe seria exclusivamente imputável, e mostra–se por si, aliás, desvalorizado mesmo depois do solene aviso contido na relativamente recente condenação criminal anterior por factos similares e praticados em circunstâncias semelhantes. Nesta perspectiva, diga–se, mesmo a muito parcelar assunção de alguns dos factos pelo arguido é pouco relevante, face ao contexto desculpabilizante que permanentemente usa no seu discurso – e em que, aliás, insiste nos termos do presente recurso –, imputando ao consumo de álcool as suas condutas, o que, em nosso entendimento, até agrava a sua culpa. Não pode deixar também de se referir que de forma nenhuma pode ser considerado no sentido atenuante da responsabilidade do arguido quanto o mesmo refere ao alegar que «A verdade é que pese embora a 1ª condenação em pena suspensa, em 2020, nem o Arguido nem a Ofendida deixaram de coabitar nessa altura, só o vindo a fazer em Abril de 2022, e por tal também é de responsabilizar a Ofendida», vindo mesmo a acrescentar que «havendo já uma condenação anterior por violência doméstica e não tendo a Ofendida terminado o relacionamento e continuado a viver com o Arguido, também propiciou que a situação se mantivesse». Não obstante tratar–se de alegação recorrente em petições recursórias no âmbito de situações similares à dos presentes autos, é absolutamente improcedente, por inaceitável, o argumento de que o comportamento da pessoa ofendida em contexto de violência doméstica, ao decidir reatar ou continuar o relacionamento com a pessoa agressora depois de ser vítima de agressões físicas ou morais da parte deste que inclusive determinaram a sua condenação criminal, contribui de alguma forma para a reiteração e repetição dessas agressões. Em tal perspectiva, esse argumento está ao nível do “pôs–se a jeito” ou do “estava a pedi–las” tantas vezes utilizado como exculpação do agressor em situações de violência e abuso sexual apenas e só porque a pessoa agredida por exemplo usava determinadas roupas ou frequentava certos ambientes. Ora, não só tal circunstância (aquele reatamento do relacionamento ou prosseguimento do mesmo) pode servir para atenuar a culpa da pessoa agressora, como, muito pelo contrário, a acentua e agrava. Na verdade, ao reiterar no seu comportamento maltratante sobre uma pessoa que, apesar de já antes agredida, ainda assim concede na oportunidade de prosseguir o relacionamento, o agressor denota uma personalidade especialmente mal preparada para respeitar os direitos pessoais e o bem–estar da sua vítima. Outra conclusão não pode extrair–se do comportamento de quem não hesita em repetir tais agressões mesmo depois de lhe ser pela mesma vítima concedida a oportunidade de corrigir o seu comportamento e reatar uma normal convivência em comum. Quanto às demais circunstâncias assinaladas pelo arguido (ligadas nomeadamente aos seus hábitos de trabalho ao longo da vida e a sua integração familiar e falta de contactos actuais com a ofendida) em favor do arguido, a verdade é que, como se assinalou, nos termos do art. 71º/2 do Cód. Penal a sindicância sobre a concreta determinação da medida da pena aplicada não se reconduz a um mero exercício aritmético, em que a consideração de uma outra circunstância em especial tenha de necessariamente traduzir–se na correlativa adição ou subtracção quantitativa de qualquer período temporal à pena que vem fixada. O que está ainda e sempre em causa não é mera aritmética, mas sim um juízo de adequação da pena concreta aplicada ao condenado, aos fins que devem presidir à respectiva determinação, nos termos e com base nos pressupostos legalmente impostos e que supra se recordaram. O que significa que, pese embora o relativo peso, em favor do arguido, de algumas das circunstâncias assinaladas pelo recorrente, e mesmo ponderando–as agora em termos expressos, se considera que a medida concreta encontrada para a pena aplicada ao arguido no presente caso se mostra ajustada e adequada às exigências de prevenção do caso, não ultrapassando os limites da sua culpa, manifestada nos seus actos e na respectiva gravidade, e bem assim na sua conduta anterior e posterior aos mesmos. Em conclusão, não merece censura a concretização na medida de (3 (três) anos da pena aplicada ao crime de violência doméstica agravado pelo qual o arguido vem condenado, confirmando–se assim a mesma. Em tais termos, improcede esta parte do recurso. * E em consonância, diga–se, prejudicada fica a eventual – e propugnada pelo recorrente – ponderação sobre a viabilidade de ser determinado o cumprimento da pena de prisão concretamente fixada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pois que, nos termos do disposto no art. 43º/1/a) do Cód. Penal, tal possibilidade somente pode ser equacionada estando em causa uma condenação em pena de prisão concretamente fixada em medida não superior a dois anos.3. De saber se a pena de prisão em que o arguido vem condenado deveria ser declarada suspensa na respectiva execução. Na derradeira parte do seu recurso, propugna o arguido dever ser determinada a suspensão da pena de prisão aplicada. Adentrando na apreciação desta derradeira questão suscitada no recurso, comece por se recordar que, de acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite. Fixada ao agente dos factos, de acordo com os parâmetros previstos em especial nos arts. 70º e 71º do Cód. Penal, uma pena de prisão em medida concreta não superior a 5 anos, poderá a mesma ser suspensa na respectiva execução nos termos do disposto no art. 50º/1 do Cód. Penal, onde exactamente se prevê que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Não são, pois, considerações de culpa que devem presidir na decisão sobre a decisão de suspensão da execução da pena ou não – mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial, sendo que na ponderação das segundas não pode nunca perder-se de vista a salvaguarda das primeiras. Como refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 518), «pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente ; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade», acrescentando «para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto». Adverte ainda o citado Professor (ob. citada, § 520) que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa». Conforme se pode ler no acórdão do S.T.J. de 25-06-2003 (proc. 2131/03)[6], o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas » Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente, atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade de a socialização poder ter êxito sem o cumprimento efectivo daquela pena – o que significa ser necessário que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas e ainda que a pena de substituição não coloque em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos. Em suma, pressuposto material de aplicação da suspensão da pena é, pois, que o Tribunal, em face dos factos provados, conclua, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do seu facto e do seu percurso de vida, por um prognóstico favorável com relação ao seu comportamento - mas deve ter-se em consideração sempre em última análise que a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção criminal, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa e garantia de eficácia do ordenamento jurídico-penal. Ou seja, o pensamento ressocializador não esquece a necessidade de as soluções penais serem suficientemente dissuasoras da criminalidade, impondo-se, consequentemente, que a comunidade não encare a suspensão da execução da pena como um caso de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal – para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é necessário que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Donde, só quando que as exigências de prevenção fiquem asseguradas, a pena de prisão poderá ser suspensa na sua execução. Revertendo ao caso dos autos, constata–se, pois, ir o arguido condenado, pela prática do crime acima enunciado, na pena de 3 anos de prisão. Vem o recorrente pleitear pela aplicação do regime em causa, requerendo dever se suspensa na respectiva execução a pena de prisão, ainda que acompanhada de deveres e/ou regras de conduta tendentes a um apoio especializado e adequado à continuação de tratamento à dependência alcoólica. Em síntese, invoca a actual total ausência de confrontos ou conflitos entre a ofendida e o arguido o que permite concluir por um juízo de prognose favorável em relação ao recorrente, no sentido de estar convicto da conduta conforme ao direito que tem de assumir perante a ofendida e conduzir a sua vida pessoal e profissional como o tem feito desde Abril de 2022 até ao presente. Adianta–se que não assiste razão ao recorrente, à luz daquilo que se julga ser, no caso concreto, a falência dos pressupostos de que deveria depender a aplicação da suspensão de pena peticionada. Vejamos. Começando desde logo pela ponderação daquele que já se indicou como o limite aquém do qual não é permitida a aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão, entende–se que no caso é assaz elevada a necessidade de tutela dos bens jurídicos que aqui foram materialmente lesados pelo comportamento criminoso do arguido, sendo que as circunstâncias em que se desenvolveu a sua actuação – factor também preponderante nos termos do art. 50º/1 do Cód. Penal, como vimos – exacerbam não apenas o sentimento de reprovação social do crime, como também o sentimento jurídico da comunidade. Ou seja, a gravidade da conduta do arguido não pode deixar de ser objecto de ponderação na medida do respectivo reflexo nas exigências de prevenção geral que aqui se colocam – porque é disto que agora se trata. Quanto fica já dito, releva desde logo também no que tange à avaliação da personalidade do arguido, factor também preponderante na decisão aqui a adoptar. O recorrente surge nesta fase dos autos, e considerando toda a matéria de facto tida como assente, como alguém que, tendo adoptado a conduta censurável que adoptou, revela uma atitude desculpabilizante, imputando ao seu abuso do consumo de álcool as condutas criminalmente típicas e ilícitas empreendidas, e como se esse não fosse um factor autónomo e imponderável, de que pudesse extrair–se um afastamento da sua culpa desde logo no mesmo. De forma clara, portanto, se entende que o arguido não interiorizou o desvalor de toda a sua conduta, não se divisando o juízo de auto–crítica, pelo menos em termos proficientes, que vem propalado. Nesta exacta perspectiva, é especialmente de realçar – como acertadamente se faz na sentença recorrida – que o arguido não era, já, à data dos factos, delinquente primário, registando, além de várias outras condenações, em particular também uma condenação, pela prática, em 2019, de factos integrantes precisamente também de um crime de violência doméstica em que a sua companheira, BB, era igualmente vítima, tendo sido condenado na pena de 2 anos e 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia – tudo por sentença proferida em 20/12/2019 (e transitada em julgado em 21/01/2020). Isto é, apenas alguns meses antes do início do período a que se reportam os factos dos presentes autos. Ora, nem essa recentíssima e solene ameaça de cumprimento de pena privativa da liberdade, nem a concomitante mensagem de ser imperiosa uma alteração da sua conduta no que ao abuso de consumo de bebidas alcoólicas diz respeito, proporcionando a oportunidade para o efeito com manutenção da sua liberdade, foram suficientes dissuasores da prática, em pleno período de suspensão daquela pena de prisão, de novos factos da mesma natureza, e novamente contra a pessoa da mesma ofendida. O que não pode deixar de acentuar numa perspectiva desfavorável a avaliação que se faz sobre a personalidade do arguido, que assim denota uma deficiente preparação para assumir o respeito pelos valores jurídicos básicos que aqui estão em causa, o que inquina à partida o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro, tornando o ‘risco’ que, nesta perspectiva, sempre envolve a ponderação pelo tribunal da suspensão da pena de prisão, num risco que não se revela ‘prudente’. Inclusive, e pelas circunstâncias expostas, a conduta do arguido é de molde a frustrar de forma suficientemente acentuada a expectativa de que, mantendo–se a sua situação de liberdade mesmo com a reiteração da cominação de deveres de conduta tendentes a um apoio especializado e adequado à continuação de tratamento à dependência alcoólica, tal seja suficiente para prevenir aquele aludido risco. Perante toda esta configuração das circunstâncias concretas do caso, cumprirá, e por reporte aos factores invocados pelo recorrente em abono do peticionado, reiterar quanto acima se disse quanto à concreta relatividade dos mesmos. Concluindo, estamos perante a prática pelo arguido de ilícito em que a ofensa a valores jurídicos de ordem pessoal e comunitária assumem acentuado relevo, e, como já sobejamente se assinalou, muito claramente a necessidade de tutela das exigências de prevenção verificadas sobrepõe-se aqui a qualquer prognóstico favorável que pudesse ser feito relativamente aos seus comportamentos futuros. Na verdade, a resposta que o ordenamento jurídico exige por forma a tutelar todas estas circunstâncias, impõe que o sistema de justiça penal saiba reagir-lhes de forma incisiva, de maneira a obviar ou pelo menos a não se permitir qualquer forma de pactuação, sequer por omissão, no que à prevenção de tais condutas diz respeito. Donde entender–se que não se mostram reunidos aqui os necessários requisitos que possibilitam a suspensão da pena de prisão do arguido, e que se mostram previstos no art. 50º do Cód. Penal. Improcede, assim o recurso, mantendo–se a efectividade do cumprimento da pena de prisão em que o arguido/recorrente foi condenado. * III. DECISÃO Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em não conceder provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último). * Porto, 25 de Outubro de 2023 Pedro Afonso Lucas Maria Luísa Arantes Lígia Trovão (Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página) ______________ [1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt [3] Relatado por Joaquim Gomes, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf [4] Relatado por Filipa Costa Lourenço, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf [5] Relatado por Ana Barata de Brito, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [6] Relatado por Henriques Gaspar, disponível em Col. Jurisprudência – STJ, 2003, tomo II, pág. 221. |