Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
288/15.2T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
ACIDENTE
SOCIEDADE ANÓNIMA DE CAPITAIS EXCLUSIVAMENTE PÚBLICOS
CTT
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Nº do Documento: RP20160201288/15.2T8VFR.P1
Data do Acordão: 02/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 234, FLS.349-354)
Área Temática: .
Sumário: Os tribunais do trabalho são materialmente incompetentes para conhecer e decidir de acções emergentes de acidentes de serviço ocorridos no âmbito de uma relação de trabalho entre os CTT e um trabalhador subordinado dessa empresa que já o era à data da sua conversão em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e que é subscritor da Caixa Geral de Aposentações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 288/15.2T8VFR.P1

Sinistrado: B…
Entidade Patronal: CTT, Correios de Portugal, SA.

Relator: Jorge Manuel Loureiro
1º adjunto: Joaquim Jerónimo Freitas
2º adjunto: Eduardo Petersen Silva
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

Invocando um acidente por si sofrido em 1/3/2013, no tempo e local de trabalho, em pleno exercício das suas funções, ao serviço da sua entidade patronal, pretende o sinistrado, subscritor da Caixa Geral de Aposentações e trabalhador da empregadora desde ../../1985, que lhe seja reconhecido o direito à correspondente protecção infortunística, em acção a decorrer em tribunal do trabalho, uma vez que a referida Caixa recusou assumir a responsabilidade por essa reparação, imputando-a aos CTT - participação de 22/1/2015, referência Citius 838061.
A fls. 26 e 27 dos autos, a entidade empregadora suscitou a questão da qualificação do acidente relatado pelo sinistrado como sendo de serviço e, reflexamente, a questão da competência material dos tribunais do trabalho para conhecer e decidir desta acção.
Acolhendo-se parecer nesse sentido emitido pelo Ministério Público, no dia 29/5/2015 o tribunal recorrido proferiu decisão do seguinte teor:
Face ao exposto, atendendo às disposições legais aplicáveis e à jurisprudência dominante, declara-se materialmente incompetente esta 4.ª Secção do Trabalho da Instância Central de Santa Maria da Feira e, em consequência, ordena-se o arquivamento dos presentes autos.
Não se conformando com o assim decidido, recorreu o sinistrado, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
1. No despacho recorrido declarou-se que a secção do trabalho é materialmente incompetente para conhecer dos acidentes de trabalho dos trabalhadores dos CTT admitidos antes de 19 de maio de 1992 por força das disposições conjugadas do art. 2º do DL nº 503/99 de 20 de novembro (com a redação introduzida pela Lei nº 59/2008 de 11 de Setembro) com o art. 9º do DL nº 87/92 de 14 de maio, uma vez que a responsável pela reparação infortunística é a CGA sendo, por isso, competentes os tribunais administrativos para conhecerem dos respetivos litígios.
2. Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
3. As relações de trabalho entre os CTT e os seus trabalhadores, independentemente de terem sido admitidos antes ou depois de 19 de maio de 1992, são de natureza estritamente privada, regulando-se atualmente pelo Código do Trabalho e pelos IRCT negociados entre a empresa e os respetivos sindicatos.
4. Pelo que, ficaram expressamente excluídos do âmbito de aplicação do D.L. nº 503/99, por força das disposições conjugadas dos nºs 2 e 4 do seu art. 2º com a redação introduzida pela Lei nº 59/2009.
5. Donde resulta que tal regime jurídico só é aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação e de contrato de trabalho em funções públicas (nº 2);
6. ficando expressamente excluídos os trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores, a quem é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, devendo as respectivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho (nº 4).
7. A que não obsta o que se estabelece no art. 9º do DL nº 87/92 de 14 de maio e, em particular, no seu nº 2 e isto porquanto, salvo o devido respeito, daqui não se pode retirar que esses regimes sejam imutáveis no tempo, como parece decorrer do despacho recorrido.
8. Alterados os regimes legais aplicáveis, como aconteceu com o dos acidentes em serviço (DL nº 503/99), serão os novos regimes a regular tais relações.
9. Assim sendo, aplicando-se aos acidentes de trabalho dos trabalhadores dos CTT o Código do Trabalho, demais legislação dele emergente e IRCT aplicáveis, as secções de trabalho são as competentes para conhecer os litígios emergentes dos acidentes do trabalho, por força do disposto na al. c) do nº 1 do art. 126º da Lei nº 62/2013 (Lei da organização do sistema judiciário).
10. Pelo que, ao ter decidido como decidiu, violou o despacho recorrido as normas do art. 2º do DL nº 503/99, na redação introduzida pela Lei nº 59/2009 e a al. c) do nº 1 do art. 126º da Lei nº 62/2013 (Lei da organização do sistema judiciário);”.
Contra-alegou o Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta Relação, o Ministério Público não emitiu parecer – fls. 102.
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II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se os tribunais do trabalho têm competência material para conhecer e decidir desta acção.
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III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

Os factos provados são os que resultam do relatório desta decisão.
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B) De Direito

Questão única: saber se os tribunais do trabalho têm competência material para conhecer e decidir desta acção

A competência material dos tribunais deve ser aferida em função do pedido deduzido pelo autor na sua petição inicial, devidamente enquadrado pela respectiva causa de pedir – v.g., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 91; acórdãos do Tribunal de Conflitos de 11/7/2000 (Conflito n.º 318[1]), de 3/10/2000 (Conflito n.º 356[2]), e de 5/2/2003 (Conflito n.º 6/02[3]); acórdãos do STJ de 16/11/2010 e de 30/3/2011, proferidos, respectivamente, no âmbito dos processos 981/07.3TTBRG.S1 e 492/09.2TTPRT.P1.S1.
Assim sendo, pretende o sinistrado que lhe seja reconhecido o direito à protecção infortunística emergente de um acidente por si sofrido em 1/3/2013, no tempo e local de trabalho, em pleno exercício das suas funções ao serviço da empregadora.
Importa, assim e admitindo para o efeito que o mesmo tenha ocorrido, determinar a qualificação a conferir ao aludido acidente, ou seja, se o mesmo deve ser qualificado como acidente de trabalho ou se, ao invés, deve ser qualificado como de serviço.
É ponto assente nos autos que o sinistrado era, à data do acidente e desde 25/7/1985, trabalhador subordinado dos CTT, SA, e beneficiário da Caixa Geral de Aposentações.
Os CTT foram transformados numa Administração-Geral, dotada de autonomia administrativa e de autonomia financeira, sob a autoridade directa do Ministro da pasta competente - decreto de 24/05/1911.
A partir de 1/1/1970, a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones passou a constituir uma empresa pública do Estado, denominada “Correios e Telecomunicações de Portugal”, com estatuto próprio anexo ao DL 49368, de 10/11/1969, tendo mantido a abreviatura tradicional de CTT (art. 1 do DL 49368 e art. 1º/1 do Estatuto dos Correios e Telecomunicações de Portugal anexo esse DL).
Nos termos do art. 2º/2 desse Estatuto os CTT são dotados de personalidade jurídica de direito público, possuem autonomia administrativa e financeira e têm a sua sede em Lisboa.
Portanto, à data da sua contratação e até à data da entrada em vigor do DL 87/1992, de 14/05 (19/5/1992 – art. 2º/2 da Lei 74/1998, de 11/11,), o sinistrado era trabalhador subordinado de uma empresa pública e estava inscrito na Caixa Geral de Aposentações.
Como assim, inequívoco era que até 19/5/1992 o sinistrado estava sujeito, enquanto servidor público[4], ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 38.523, de 23/11/1951, que disciplinava a responsabilidade do Estado pelos acidentes em serviço dos seus servidores civis subscritores na Caixa Geral de Aposentações, sendo por isso titular dos direitos e das obrigações decorrentes desse regime de protecção infortunística concedida pelo Estado aos ditos servidores públicos.
Porém, mais tarde a empresa CTT foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (DL 87/92, de 14/05), sendo essa a natureza que os CTT assumiam à data do acidente.
Desde então e até, pelo menos, ao início do seu processo de privatização, que os CTT se mantiveram como sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos[5].
Por isso mesmo, ainda que discutivelmente, sempre poderia sustentar-se que os CTT integravam, até à sua privatização, a denominada administração indirecta do Estado que, como é sabido, integra: a) as pessoas colectivas de estatuto público, nas quais se integram os institutos públicos[6] [de prestação (v.g. hospitais públicos não empresariais, Instituto Nacional de Estatística), reguladores (v.g. INTF, I.P. - transportes ferroviários; InIR, I.P. – infra-estruturas rodoviárias; INAC, I.P. – aviação civil; IMOPPI, I.P. – mercados de obras públicas e particulares e do imobiliário; ERSAR, I.P. – serviços de águas e resíduos), fiscalizadores (v.g. Autoridade da Concorrência, Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar) e de infra-estruturas (v.g. Instituto Marítimo-Portuário)], e as entidades públicas empresariais[7]; b) as pessoas colectivas de estatuto privado[8], nas quais se integram as empresas públicas sob a forma societária, as fundações e as associações - João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Editora Âncora, pp. 123 e ss.
Mesmo a entender-se assim, o que de todo não é pacífico[9], não pode deixar de considerar-se que a relação de trabalho entre o sinistrado e os CTT não era, à data do acidente, uma relação de natureza público-administrativa, sendo-lhe antes aplicável, para além das normas específicas a que estava sujeita, o regime do contrato individual do trabalho, ou seja, a LCT (DL 49.408, de 24/11/69)[10].
Apesar disso, seria aplicável o regime do DL 503/99, de 20/11, na sua redacção originária, aplicável, designadamente, “… aos funcionários, agentes e outros trabalhadores que sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações e exerçam funções na administração central, local e regional, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos e ainda nos serviços e organismos que estejam na dependência orgânica e funcional da Presidência da República e da Assembleia da República.” – art. 2º/1.
Com efeito, como decorre na norma acabada de transcrever, o referido diploma era aplicável aos funcionários, agentes e outros trabalhadores ao serviço da Administração Pública e que fossem subscritores da Caixa Geral de Aposentações, sendo que nos termos do nº 2 desse mesmo artigo, ao pessoal contratado e inscrito no regime geral de segurança social, era aplicado o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da LAT/1997.
O elemento diferenciador deste sistema tinha como fundamento a inscrição ou não na Caixa Geral de Aposentações.
A considerar-se que as sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos não integram a administração pública, sendo antes entidades administrativas privadas ou entidades privadas de mão pública, então a situação ajuizada nos autos não poderia ser subsumida ao regime DL 503/99, de 20/11, aplicável apenas, como visto, aos funcionários, agentes e outros trabalhadores ao serviço da Administração Pública que, neste entendimento, não compreende aquele tipo de sociedades.
Assim, neste último entendimento, a partir de 19/5/1992, o sinistrado deixaria de beneficiar do regime infortunístico concedido pelo Estado aos servidores públicos, passando a estar abrangido pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da LAT/1997.
Como quer que seja relativamente ao enquadramento da situação até 19/5/1992 e independentemente da qualificação da natureza jurídica das sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos no âmbito e para efeitos da versão originária do DL 503/99, de 20/11, importa reter que deixou de haver inscrições na Caixa Geral de Aposentações a partir de Janeiro de 2006, por força do disposto no artigo 2º/2 da Lei n.º 60/2005, de 29/12, deixando de fazer sentido, a partir de então, o sistema dualista que decorria do DL 503/99 e assente no elemento diferenciador supra referido.
Exactamente por isso, a Lei n.º 59/2008, de 11/9, deu nova redacção ao artigo 2º DL 503/99, o qual passou a rezar assim:
O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração directa e indirecta do Estado.” – nº 1.
O disposto no presente decreto-lei é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.” – nº 2.
O disposto no presente decreto-lei é ainda aplicável aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos no número anterior.” – nº 3
Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respectivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código.” – nº 4
O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação do regime de protecção social na eventualidade de doença profissional aos trabalhadores inscritos nas instituições de segurança social.” – nº 5.
As referências legais feitas a acidentes em serviço consideram-se feitas a acidentes de trabalho.” – nº 6.
Ora, não estando o sinistrado em exercício de funções públicas nas modalidades de nomeação e/ou contrato de trabalho em funções públicas, e não estando o mesmo abrangido pelo estatuído nos números 2 e 3 acabados de transcrever, daí resultaria, por exclusão, o seu enquadramento no regime do número 4 também transcrito, com a consequente aplicação da LAT/2009 e exclusão do regime do DL 503/99.
Simplesmente, a solução não é tão simples assim, pois que para lá do até agora considerado em termos de normativos aplicáveis importa ainda ter em conta as normas transitórias garantísticas constantes do próprio diploma que converteu os CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, entre as quais se conta o art. 9º/2 do DL 87/1992, de 14/5, que assegurou a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes e aplicáveis ao pessoal da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, sendo que esse normativo legal não foi até ao momento objecto de qualquer revogação, expressa ou tácita.
Resulta desse normativo, com relevo para a situação em apreço, que o legislador pretendeu expressamente que os aludidos trabalhadores dos CTT continuassem sujeitos aos regimes jurídicos então em vigor para os mesmos, entre os quais, como visto, o decorrente do DL 38.523, de 23/11/1951, que disciplinava a responsabilidade do Estado pelos acidentes em serviço dos seus servidores civis subscritores na Caixa Geral de Aposentações.
Como assim, por via do referido art. 9º/2 e enquanto o mesmo se mantiver em vigor, conjugado com o corpo do art. 1.º do DL 38.523, de 23/11/1951, ficou assente que os acidentes sofridos pelos então trabalhadores dos CTT ao serviço dessa empresa devem ser sujeitos ao regime jurídico próprio dos acidentes em serviço no âmbito da Administração Pública (na altura o DL 38.523; depois, o DL 503/99, nas redacções que sucessivamente lhe foram sendo conferidas).
Por outra palavras, a restrição do âmbito subjectivo de aplicação operada pela nova redacção dada ao artigo 2º/1/2 do DL 503/99 pela Lei 59/2008, deve ser objecto ela própria de uma interpretação restritiva decorrente daquele art. 9º/2, em termos de serem excluída daquela restrição aqueles que, em 19/5/1992, sendo subscritores da CGA, fossem também trabalhadores dos CTT.
Como assim, os acidentes sofridos por esses trabalhadores ao serviço dessa sociedade devem continuar a submeter-se ao regime do DL 503/99, nas redacções que sucessivamente lhe foram sendo conferidas.
Aqui chegados, importa concluir que o acidente a que os autos se reportam deve ser qualificado como acidente de serviço, nos termos e para os efeitos do DL 503/1999, de 20/11, na redacção em vigor à data do acidente (Lei 64-A/2008, de 31/12, e Lei 59/2008, de 11/09.
Ora, Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais" (art. 211º/1 da Constituição da República Portuguesa – CRP – onde se consagra o princípio da plenitude da jurisdição comum).
Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.” – art. 40º/1 da Lei 62/2013, de 26/8 (LOSJ); no mesmíssimo sentido estatuiu o art. 64º do NCPC.
Do estatuído nas normas antecedentemente aludidas resulta que a competência dos tribunais judiciais é definida por exclusão ou residualmente, no sentido de que a mesma só se regista se e quando as normas disciplinadoras da competência dos demais órgãos jurisdicionais lhes não determinarem o conhecimento da questão que estiver concretamente em equação.
Ora, nos termos da LOSJ, compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, estando por isso afastada a respectiva competência para conhecer das questões referentes aos acidentes de serviço – art. 126º/1/c.
Aos tribunais administrativos compete o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas - art. 212º/3 CRP.
Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – art. 1º/1 do ETAF (Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, na versão actual); cfr., também, art. 144º/1 da LOSJ.
Compete-lhes, designadamente, a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas à tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais – art. 4º/1/a do ETAF.
A significar que os tribunais administrativos são os tribunais ordinários da jurisdição administrativa, competindo-lhes o exercício da justiça administrativa, ou seja, o julgamento dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, não podendo, em princípio, os litígios emergentes de relações dessa natureza ser dirimidos por outros tribunais (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., p. 814).
Segundo Fernandes Cadilha “Por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem”[11].
As relações jurídicas administrativas são as reguladas por normas de direito administrativo, ou seja, “normas que regulam as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares no desempenho da atividade administrativa de gestão pública” (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, p. 134), ou, segundo a jurisprudência do Pleno do STA e do Tribunal dos Conflitos, “os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) emergentes do exercício da função administrativa” (acórdão do Pleno do STA de 16/4/97, proferido no recurso 31.873, e acórdão do Tribunal dos Conflitos de 28/11/2000, proferido no processo 345).
A reparação devida pelos acidentes em serviço é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações – arts. 34º e ss do DL 503/1999, de 20/11.
Como assim, devendo o acidente a que os autos se reportam sujeitar-se ao regime de reparação infortunística dos acidentes em serviço, tal reparação deve ser exigida da Caixa Geral de Aposentações.
A Caixa Geral de Aposentações é um instituto público de regime especial, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio (art. 1º/1 do DL 131/2012, de 25/6), exercendo, pois e no âmbito daquela reparação infortunística, uma função de natureza tipicamente administrativa.
De tudo flui, pois, que a relação jurídica com fundamento na qual o sinistrado pretende ver reconhecido o direito à reparação infortunística a que se arroga deve qualificar-se como tendo natureza jurídico-administrativa intersubjectiva.
A tutela desse direito é, pois, da competência dos tribunais administrativos e fiscais (art. 4º/1/a do ETAF), tal como decidido pelo tribunal recorrido, sem razões para censura[12].
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IV - Decisão

Acordam os juízes que integram esta secção social do Tribunal da Relação do Porto no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o sinistrado.

Porto, 1/2/2016.
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
________
[1] http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3e2a269de39b31fc8025713b003b5a53?OpenDocument.
[2] http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cf567db4e6d860028025713b003b5a44?OpenDocument.
[3] http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1676ba5eeb0106a88025713b003b5a5a?OpenDocument.
[4] Como tal devendo considerar-se todos aqueles que, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, tenham sido providos num cargo público ou chamados por qualquer modo a desempenhar ou a participar no desempenho da actividade incluída nas atribuições de uma pessoa colectiva de direito público – cfr. parecer do Conselho Consultivo da PGR, de 7/6/1984, proferido no processo 39/94, publicado no DR, II, n.º 187, de 13/12/1985.
[5] O processo de privatização dos CTT foi aprovado pelo Decreto-Lei 129/2013, de 6 de setembro, e complementado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 62-A/2013, de 11 de outubro, que autorizou a Parpública a alienar até 70% do capital social dos CTT mediante uma oferta pública de venda e/ou uma venda direta institucional, reservando para os trabalhadores até 5% do capital social dos CTT, e pela Resolução do Conselho de Ministros nº 72-B/2013 de 18 de novembro, que precisou os termos do processo de privatização, designadamente determinando os lotes para cada tipo de investidor (21.000.000 de ações em oferta pública de venda e 84.000.000 de ações em venda direta institucional) e o intervalo de preços das ações a alienar entre €4,10 e €5,52.
[6] Os institutos públicos podem revestir diferentes modalidades organizativas:
a) Serviços Personalizados (v.g. IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; IVV - Instituto da Vinha e do Vinho; ISS - Instituto da Segurança Social; ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde; Instituto dos Registos e do Notariado; ICNB –Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade; INFARMED (medicamentos); Turismo de Portugal; Instituto de Reinserção Social; Administrações das Regiões Hidrográficas; Autoridades Metropolitanas de Transportes (AMT/Lisboa e AMT /Porto); INA – Instituto Nacional de Administração; AMA - Agência de Modernização Administrativa);
b) Estabelecimentos Públicos (v.g. Universidades e Institutos Politécnicos públicos, Centros de Investigação Científica, Hospitais públicos não empresarializados);
c) Fundações Públicas – Fundação para a Ciência e Tecnologia, Centro Cultural de Belém, Fundação CEFA (formação autárquica).
Os Institutos públicos (I.P.) são actualmente objecto de regulação-quadro pela Lei 3/2004, de 15/1, alterada e republicada pelo DL 105/07, de 3/4, embora alguns estejam sujeitos a regimes específicos, nos termos do artigo 48.º da Lei, como as universidades e institutos politécnicos, as instituições públicas de solidariedade social, os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, as regiões de turismo, o Banco de Portugal e as entidades administrativas independentes.
[7] As entidades públicas empresariais (EPEs) são pessoas colectivas de direito público e de regime privado, que foram autonomizadas do conceito de institutos públicos. Embora sujeitas a regimes de direito privado, dispõem, em regra, de poderes públicos de autoridade e estão submetidas a superintendência e a tutela mais ou menos intensa. Exemplos: na área dos transportes [REFER, CP, API, NAV, Metropolitano de Lisboa]; na área da gestão de recursos públicos [GERAP (Gestão Partilhada de Recursos na Administração Pública), ANCP (Agência Nacional de Compras Públicas), SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde), Agência para o Investimento e Comércio Externo, Parque Escolar]; na área cultural [Teatro Nacional D. Maria II, Teatro Nacional de S. João, OPART (Organismo de Produção Artística – CNB e TNSC)]; na área da saúde [alguns Hospitais (CHUC, Curry Cabral, etc.), Centros Hospitalares (Barreiro Montijo, etc.) e Unidades Locais de Saúde (Alto Minho, Baixo Alentejo, Guarda)].
As Entidades Públicas Empresariais são reguladas por diplomas específicos, bem como pelo Capítulo III do Decreto-lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro (alterado pelo Decreto-lei n.º 300/2007, de 23 de Agosto).
[8] Estão aqui incluídas a generalidade das empresas públicas, que são sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, instituídas para finalidades públicas sob a forma de sociedades comerciais, como, entre muitas, a PARPÚBLICA, a SIEV- Sistema de Identificação Electrónica de Veículos, SA, etc.
Excepcionalmente, estas empresas podem ser detentoras de poderes públicos de autoridade, como é o caso das várias Administrações Portuárias.
O sector empresarial do Estado (que inclui, além das empresas públicas, as empresas participadas) é regulado pelo DL 558/99, de 17/12 (alterado pelo DL 300/07, de 23/8)
Há ainda as fundações (públicas) de direito privado que são objecto de criação estadual (Fundações universitárias, nos termos do RJIES: U. Porto, U. Aveiro, ISCTE), que tem de ser autorizada por diploma legal, nos termos do artigo 3º/4 da Lei 3/04.
[9] Cfr. Pedro Gonçalves, Natureza jurídica das sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, Cadernos de Justiça Administrativa n.º 84, novembro/dezembro 2010, pág. 14 e segs; Pinto Duarte, Notas sobre o Conceito e o Regime Jurídico das Empresas Públicas Estaduais, in Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, Coimbra, 2000; Eduardo Ferreira, Aspectos Gerais do Novo regime do Sector Empresarial do Estado, in Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, Coimbra, 2000;
[10] Neste sentido, acórdão do Tribunal de Conflitos de 21/2/1985, BMJ 374, p. 264, e de 30/5/2000, proferido no âmbito do processo 399; acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 4/2/1999, proferido no âmbito do processo 01070/98; acórdão do STJ de 10/2/1993, proferido no âmbito do processo 003607; acórdãos do pleno da secção do contencioso do STA de 28/10/2003, de 22/1/02, de 21/2/02 e de 18/4/02, proferidos no âmbito dos processos 47895, 46476, 40766 e 45834; acórdão da 1ª secção do STA de 12/6/1980, proferido no âmbito do processo 014329.
[11] Dicionário de Contencioso Administrativo, Coimbra, 2007, pp. 117-118.
[12] Neste sentido, por consultar-se, também, acórdãos da Relação de Coimbra de 17/7/2008, proferido no processo 452/07.8TTAGD.C1, e de 29/5/2008, proferido no processo 280/07.0TTCBR.C1
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Sumário:
Os tribunais do trabalho são materialmente incompetentes para conhecer e decidir de acções emergentes de acidentes de serviço ocorridos no âmbito de uma relação de trabalho entre os CTT e um trabalhador subordinado dessa empresa que já o era à data da sua conversão em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e que é subscritor da Caixa Geral de Aposentações.

Jorge Loureiro