Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1630/12.3JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO RIBEIRO COELHO
Descritores: DESISTÊNCIA DA QUEIXA
CO-AUTORIA
CRIME PARTICULAR
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RP201602101630/12.3JAPRT.P1
Data do Acordão: 02/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 985, FLS.51-72)
Área Temática: .
Sumário: I – A Lei consagra o princípio de indivisibilidade do exercício do direito de queixa e da sua desistência [art. 115.º, n.º 3 e 116.º, n.º 3, do Cód. Penal].
II – Em caso de comparticipação em crime particular, se a acusação é deduzida só contra algum ou alguns dos comparticipantes, deve entender-se que a desistência da queixa relativamente a um deles se alarga a todos.
III – Constitui irregularidade o facto de um coautor não ter sido notificado para, querendo, se opor à desistência da queixa apresentada relativamente a outro coautor.
IV – Porém, uma vez que o processo prosseguiu os seus termos com a homologação da desistência da queixa relativamente a um dos coautores e a realização da audiência de julgamento do outro coautor, posterior sentença condenatória e interposição de recurso pelo arguido, entende-se que o envolvimento, o conhecimento e a prática de atos processuais relevantes por parte deste justifica que se considere sanada a referida irregularidade.
V – O conhecimento oficioso da irregularidade não prevalece sobre o interesse do titular do direito protegido pela norma violada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1630/12.3JAPRT.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
Nestes autos foi o (1) arguido, B…, condenado pela prática do crime de difamação agravado, p. e p. pelos Art.ºs 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, num total de €1.200,00, ficando absolvendo quanto à agravação do n.º 2, do Art.º 183.º do Código Penal. Mais foi condenado, o mesmo arguido, no pagamento pagar ao assistente/demandante, C…, na quantia indemnizatória de € 3.000,00, a que acresceram juros de mora, contados desde a data do trânsito da sentença, à taxa legal, até integral pagamento, improcedendo quanto ao restante pedido de indemnização civil.
No decurso da audiência de julgamento o identificado assistente declarou pretender desistir da queixa apresentada quanto à co-arguida (2) D… e efectuaram transacção quanto ao pedido cível (cfr. fls. 436 e ss.).
A referida desistência de queixa e transacção foram homologadas quanto à referida arguida, conforme consta da acta de fls. 441 e ss..
Não se conformando com esta sentença, o (1) arguido, B…, recorreu para este tribunal da Relação, concluindo na sua motivação que:
1- O Arguido B… foi condenado na pena 120 dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (no total de € 1.200,00) pela prática de um crime de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos arts. 180º nº 1 e 183º nº 1 alínea a) do Código Penal e ao pagamento a título de indemnização cível da quantia de € 3.000,00 a que acrescem juros de mora contados desde a data do trânsito da sentença, à taxa legal, até integral pagamento;
2- Salvo o devido respeito por melhor opinião, a pena em que o Recorrente foi condenado, carece de sustentação de facto concordante com o grau de ilicitude e culpa do mesmo, assim como não valorou devidamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento;
3- A sentença ora recorrida, decidiu mal, porque incorreu em erro notório na apreciação da prova - (art. 410º nº 2 alínea c) do CPP);
4- Violou, ainda, o principio in dubio pro reo, assim como, os arts.º 355º e 374 nº 2 do C.P.P., o art.º 32 da Constituição da República Portuguesa, os arts.º 352º, 364º e 392º do Código Civil, o art.º 75º nº 1 do Código do Registo Comercial, o art.º 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
5- A douta sentença recorrida deve ser declarada nula por não ter sido feito o exame crítico das provas, em violação do que impõe o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Civil;
6 - No que diz respeito ao facto provado sob o nº 1, este deveria ter sido considerado como NÃO provado.
7- Não existe no processo nenhum documento que comprove que o assistente é de facto o administrador da sociedade comercial E….
8- Tal facto, apenas poderia ser provado por Certidão emitida pelo Instituto dos Registos e Notariado;
9- Nem tão pouco, poderá ser vir de argumento a “hipotética confissão” por parte do assistente, uma vez que, tal facto não lhe é desfavorável e como tal não tem aplicação o disposto no art.º 352 do Código Civil;
10- Não poderia o Tribunal a quo considerar como provado o facto nº1, uma vez que viola o disposto nos arts.º 352º, 364º e 392º do Código Civil e o art.º 75º nº 1 do Código do Registo Comercial;
11- Não se provando que o assistente é o administrador da sociedade “E…”, também, não se poderia considerar que as expressões e dizeres constantes dos documentos juntos aos autos eram dirigidos e visavam atingir o assistente;
12- Designadamente os factos dado como provados sob os nºs 10, 11, 7, 8, 9, 12, 13, 14 e 16, que deveriam ter sido considerados como NÃO PROVADOS.
13- Foram incorretamente julgados como provados os factos nº 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 21. O Tribunal a quo ao considerar como provados os factos referidos apreciou erradamente a prova que foi produzida não só em sede de audiência e discussão de julgamento, mas, também, aquela que resulta de documentos juntos aos autos;
14- A convicção do Tribunal assentou, no essencial, na prova documental junta aos autos e da prova produzida em audiência de julgamento;
15- No que diz respeito ao factos considerados como provados sob os nºs 6, 10 e 11: Atualmente, vivemos numa sociedade permanente ligada à internet, às novas tecnologias e às redes sociais. Com essa permanente conectividade com o mundo, designadamente, na rede social Facebook, surgem os chamados fenómenos de criação de perfis falsos de “Facebook jacking” (terceiro que se apodera e utiliza a conta de Facebook alheia, sem autorização do seu titular);
16- Junto do processo não existe qualquer informação documental sobre quem terá sido o autor dos comentários, publicações, nem através de que dispositivo com acesso à internet, foi criado e disponibilizado na internet o referido texto;
17- Tal informação apenas poderia ter sido disponibilizada através do endereço IP, ou seja, da identificação existente no dispositivo, que corresponde a um número que os dispositivos utilizam para comunicar entre si e na Internet;
18- Cabia à acusação juntar ao processo a tal identificação do IP;
19- Nenhuma das testemunhas arroladas pela acusação conhecia ou conhece o Arguido, conforme consta da Sentença proferida pelo Tribunal a quo;
20- Desconhecem em absoluto quem terá sido o criador do perfil do Arguido, ou da tal página “F…”;
21- Prova que poderia apenas ser efetuada através da identificação do referido IP;
22- Assim, o Tribunal a quo não poderia considerar o depoimento das testemunhas arroladas pela acusação, para provar que aquele era/é o perfil do Arguido e que terá sido ele o criador e a colocar o texto disponível na Internet;
23- Ao fazê-lo violou o disposto no art.º 392º do Código Civil: uma vez que, a prova testemunhal é indiretamente afastada, já que a identificação do utilizador e criador do perfil apenas poderia ser efetuada através da identificação de um IP e da titularidade do dispositivo utilizado para aceder à internet;
24- Também, não ficou provado que era o arguido o criador, gestor/administrador da página do Facebook do “H…”, estabelecimento explorado pela sociedade comercial, na qual o Arguido é sócio gerente, sendo que a referida página poderia ser gerida pela co-arguida D… relações públicas do referido estabelecimento;
25- É do conhecimento geral, que determinados espaços abertos ao público, nomeadamente, restaurantes, bares, discotecas, têm por norma indivíduos que exercem as funções de relações públicas com o propósito de promoverem o espaço e fazem-no muitas das vezes através da internet, das suas páginas pessoais e através das páginas dos referidos estabelecimentos;
26- Em momento algum, no decurso da audiência de discussão e julgamento se provou que teria sido o arguido a efetuar tal publicação. Prova que só poderia ter sido efetuada através do endereço do IP e da titularidade do dispositivo utilizado para aceder à internet;
27- O Tribunal a quo ao considerar que terá sido o Arguido a efetuar as referidas publicações, violou o principio in dúbio pro reo e o dispostos nos arts.º 364º e 392º do Código Civil
28- Também, deveriam ter sido considerados como NÃO provados os factos nº 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15 e 16;
29- Da documentação junta ao processo NÃO EXISTE qualquer identificação sobre quem terá sido o criador/autor e o gestor/administrador da referida página “F…”;
30- Nem quem terá tido o autor dos textos publicitados;
31- Não existe em momento, nem lado algum da referida página o nome do Arguido associado como seu criador ou gestor da página;
32- Tal informação apenas poderia ter sido fornecida através do endereço IP, ou por testemunhas que tivessem estado presentes no momento em que se criou a página;
33- A página até poderia ter sido criada pela Arguida D… ou até por um outro trabalhador ou colaborador do espaço explorado pelo Arguido, ou até, por alguém pertencente a outro estabelecimento comercial do G…, que estivesse a ser prejudicado pelo facto de os navios explorados pela sociedade comercial do Assistente ancorarem naquele cais;
34- Das provas produzidas em sede da audiência de discussão e julgamento e das provas documentais que se encontram juntas aos presentes autos o Tribunal “a quo” não se poderia ter inferido que foi o Recorrente que criou a página “F….”;
35- A sentença que ora se recorre ao considerar os factos supra mencionados como provados violou o disposto nos arts.º 355º e 374º nº 2 do C.P.P. e nos arts.º 364º e 392º do Código Civil;
36- No que diz respeito ao factos considerados como provados sob os nºs 17, 18, 19, 21 e 22, também, estes deveriam ter sido considerados como não provados;
37- Tendo em consideração que não se provou que foi o Arguido que publicou as afirmações que lhe foram imputadas e que foi quem criou a tal página, no FACEBOOK, também, estes deveriam ter sido considerados como não provados;
38- Para além do mais violam o disposto no art. 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o direito à liberdade de expressão e de opinião;
39- A página “F…” teve 126 gostos e não existe no processo uma contabilização da visualização da referida página ou do seu conteúdo;
40- A níveis “Facebookianos” isso é praticamente zero, já que 126 gostos num universo de cinco milhões e meio de utilizadores em Portugal, não tem qualquer expressão, correspondendo a uma percentagem de %0,000022909, ou seja, na prática corresponde a NADA, ZERO;
41- O eventual impacto da página foi NULO ou NENHUM;
42- Nem os tais comentários, ou expressões/insultos/injúrias utilizados na página foram comentados por quem quer que seja, conforme consta dos documentos junto ao processo;
43- O Assistente é uma figura pública da vida empresarial portuguesa e como tal, sujeito a criticas e a comentários diferentes do resto da população;
44- Todos os comentários e posts do FACEBOOK são imputados ao assistente enquanto eventual presidente da E…, e não como cidadão comum. Situando-se, por isso, no domínio das relações empresariais e de interesse público;
45- Uma das manifestações da liberdade de expressão é precisamente o direito que cada pessoa tem de divulgar a sua opinião e de exercer a crítica, no fundo, de participar e tomar posição na discussão de todas as questões de interesse público;
46- Os escritos apresentam conteúdo e expressões que forma no usadas no exercício de um dos mais elementares direitos: A LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
47- O assistente não foi diminuído na sua honra e consideração, continuando essa honra e consideração a não estar em perigo; Proc nº 54/11.4TASVC.L1 – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães relativo ao processo nº 696/09.8TAGMR.G1 em www.dgsi.pt;
48- A este respeito urge referir que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem reiteradamente sublinhado o caráter essencial da liberdade de expressão na sociedade democrática, válido para as informações e ideias que ferem, chocam ou inquietam, sendo os limites da crítica admissível mais latos relativamente àqueles que se destacam como figuras públicas, do que para um simples cidadão;
49- O assistente continua a ser pessoa prestigiada a nível nacional, tanto que fez parte de um programa televisivo que o destacou como um dos grandes empresários portugueses, o que só pode significar que o assistente não foi diminuído na sua honra e consideração, continuando essa honra e consideração a não estar em perigo;
50- E igual conclusão se atesta atualmente, na medida em que, este assunto – retirada dos barcos … - tem sido discutido pelas autarquias do … e de …, e em momento algum, nem mesmo por parte da própria comunicação social que já publicou vários artigos sobre o mesmo, terá sido feita alusão a esta página “F…” em virtude de uma eventual mediatização de que tivesse usufruído;
51- Por tudo o que foi exposto, deverá o Recorrente ser absolvido do crime de difamação agravado que lhe é imputado, assim como do pedido cível, pois não se provou que tivesse sido o Arguido a publicar os tais comentários, nem a criar a referida página de Facebook.
O Ministério Público e o assistente C…, nas suas alegações de resposta, pronunciaram-se pela improcedência do recurso.
Na sua resposta, o Ministério Público, concluiu da seguinte forma:
1ª - A sentença recorrida não enferma dos vícios apontados pelo Recorrente;
2ª - Já que nela se faz uma correcta apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, tendo a Mmª Juíz feito uma análise crítica da prova e fundamentado quais os depoimentos que lhe mereceram maior credibilidade, tudo em conformidade com o preceituado nos artsº 374º e 127º do CPP.
3ª - A matéria de facto dada como provada foi suficiente para a condenação do arguido.
4ª - Confirmando a decisão recorrida nos seus precisos termos, farão Vossas Excelências, Justiça.
Por seu turno, o assistente respondeu com as seguintes conclusões:
1a) Nos termos das disposições combinadas dos n°s. 3 e 4 do artigo 472°, n° 3, do C. P. Penal são requisitos da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto a indicação das " concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida", bem como as concretas passagens, por referência à gravação áudio, em que se funda a impugnação.
2a) O recorrente não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, por recurso ao regime da norma citada anteriormente, pelo que a mesma se tem por firmada definitivamente na ordem jurídica, em tudo o que lhe diga respeito.
3a) No demais, não assiste razão ao recorrente ao impugnar a factualidade dada como provada no ponto n°l, porquanto o artigo 364°, n°l, do C. Civil, apenas, regula em abstracto a exigência legal de documento escrito para prova de certo facto, nem com base no artigo 392°, do mesmo código, por o mesmo, apenas, definir, em abstracto, os limites da admissibilidade da prova testemunhal, sem que, em qualquer dos casos, os ditos preceitos contenham previsão para a situação concreta dos autos.
4a) Para justificação da mesma pretensão, o recorrente lança mão do artigo 75°, n.°l, do C. R. Comercial, que contém o regime de prova de registo e a a sua validade, o que não tutela, de forma alguma, a teses do recorrente neste pormenor.
5a) E irrelevante a qualidade de administrador do assistente da "E…, Lda", porquanto as ofensas foram-lhe dirigidas na sua condição de pessoa humana, merecedor da tutela prevista pelas disposições combinadas do artigo 26°, da Constituição da República Portuguesa, 70° do C. Civil, e 180°, n.° 1, e 183°, n°. 1, al, a) ambos do C. Penal.
6a) Assim sendo, é irrelevante o argumento do recorrente consistente na não prova dos demais factos, por carência de demonstração do exercício, por parte do assistente, do supra mencionado cargo.
7a) Ademais, o artigo 127°, do C. P. Penal consagra o princípio da livre apreciação da prova, segundo a qual esta é apreciada de acordo com as regras da experiência e livre convicção do julgador, desde que a lei não disponha de modo diverso. Ora, no caso em apreço, inexiste qualquer comando legal que impunha o abandono da prova testemunhal produzida em julgamento, a substituir, imperativamente, por qualquer tipo de documento.
8a) Por outro lado, a sentença justifica, exaustivamente, de fls 8 a 20, a apreciação e valoração da prova produzida em sede de julgamento.
9a) O recorrente, numa táctica desesperada do vale tudo, e para tentar justificar o injustificável chega ao ponto de lançar suspeitas sobre a co-arguida D…, relativamente à autoria do ilícito, numa atitude de total desprezo pelas regras jurídico-penais dos recursos.
10a) Acresce, ainda, que o doc. n.° 3, constantes dos autos, consiste numa página pessoal do arguido, com a sua fotografia, nunca por ele posta em causa e com uma mensagem, de 1 de Setembro de 2012, expressamente, dirigida ao assistente, com a notícia de ser sua intenção fazer crescer a página onde foram proferidas as ofensas.
11a) Não se verifica qualquer violação do princípio «in dubio pro reo», já que à Mma Juíza «a quo» nenhuma dúvida a assaltou após a apreciação e valoração da prova sobre a autoria do ilícito penai, como registado ficou na conclusão 8a), única situação susceptível de integrar a violação daquele princípio.
12a) Também, não acontece, a violação do artigo 355°, do C. P. Penal, sendo que o recorrente nem sequer esclareceu quais as provas que contribuíram para a formação do tribunal e que não foram examinadas em julgamento, pela simples razão de a provas que formaram a convicção do tribunal, consistente nos documentos juntos aos autos e nas declarações e depoimentos prestados, terem sido produzidas em julgamento, com análise e discussão.
13a) A sentença preenche todos os requisitos ínsitos no artigo 372, do C. P. Penal, nomeadamente, no que concerne à sua fundamentação de facto e fundamentação de direito, com o exame crítico das provas, usadas para a formação da convicção do tribunal,
14a) A sentença não viola o regime do artigo 32°, da Constituição da República Portuguesa e 392°, do C. Civil, sendo que o recorrente nem sequer aduziu em que consistiram tais violações.
15a) O recorrente lança mão de factos não constantes da matéria provada, tais como, os " gostos" e " não gostos" da página, a "doença" do assistente, a " participação num programa televisivo do assistente", " a desvalorização dos danos morais conferidos pelo assistente", em plena violação do regime do artigo 374°, n.° 1, e 412°, do C. P. Penal, tal como já se praticava no direito romano com o princípio " quod non est in actis non est in mundo". 16a) A sentença não enferma de qualquer vício jurídico-penal, nomeadamente à luz de Código de Processo Penal e faz uma correcta operação logico-subsuntiva dos factos provados ao regime legal aplicável, não merecendo qualquer censura.
Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se decisão recorrida, com as legais consequências.
Nesta sede a Ex.mo Procurador-geral Adjunto, para além de acompanhar o Ministério Público em 1.ª instância, advoga que os autos deverão retornar à primeira instância para confronto do 1.º arguido com a desistência da queixa homologada quanto à 2.ª arguida, sabendo-se que o procedimento prosseguiu contra aquele 1.º arguido sem que o mesmo tivesse sido notificado para manifestar ou não a sua oposição, sendo certo que, como resulta da respetiva ata, o arguido B… nem sequer esteve presente na sessão da audiência em que se tomou conhecimento da aludida desistência (cfr. fls. 440). Advoga que a desistência de queixa sempre seria extensível ao 1.º arguido, uma vez que vinham ambos acusados da co-autoria da prática do crime em causa. Nessa medida, considera o mesmo PGA, tal omissão constitui irregularidade processual, de conhecimento oficioso, porque contende com a verificação dos pressupostos da validade do procedimento criminal, e que, por isso, não poderá deixar de ser reparada, nos termos e com as consequências previstas no Art.º 123.º, n.º 2, do C. P. Penal.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente, as questões que importa decidir sustentam-se: (i) na questão prévia suscitada pelo Ex.mo PGA no seu parecer, respeitante à irregularidade processual consistente na ausência de audição do 1.º arguido no que respeita à desistência de queixa homologada quanto à 2.ª arguida; (ii) na alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação (ausência de exame crítico); (iii) na impugnação estrita da matéria de facto por erro notório na apreciação da prova; (iv) na impugnação alargada da matéria de facto com reapreciação dos meios de prova; (v) na violação do princípio do in dubio pro reo; e (vi) na impugnação de direito por não verificação dos elementos típicos do crime em causa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e de direito, incluindo a determinação e a medida da pena, dessa sentença que é a seguinte:
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Cumpre agora, nesta sede, analisar cada um dos fundamentos de recurso.
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(i) Na questão prévia suscitada pelo Ex.mo PGA no seu parecer, respeitante à irregularidade processual consistente na ausência de audição do 1.º arguido no que respeita à desistência de queixa homologada quanto à 2.ª arguida.
A questão suscitada pelo Ministério Público nesta instância tem a ver com o alcance do exercício de desistência de queixa realizada pelo assistente, neste autos, que foi apenas dirigida à 2.ª arguida, D…, que foi aceite assim pelo tribunal a quo e como tal homologada.
E, na verdade, a questão suscitada pelo Ex.mo Procurador-geral adjunto nesta instância de recurso não deixa de ser pertinente, pois não foi bem resolvida a questão da comparticipação e o exercício da desistência de queixa.
O Art.º 117.º do Código Penal manda aplicar o disposto nos artigos anteriores “aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular”. Por seu turno o Art.º 115.º, n.º 3 do mesmo Código, diz-nos que “o não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa.” Também o Art.º 116.º, n.º 3, do mesmo Código, preceitua que “A desistência da queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, salvo oposição destes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa”.
Destes preceitos resulta, efectivamente, um princípio de indivisibilidade do exercício do direito de queixa e da sua desistência.
Este princípio admite excepções, mas a situação conformada nos autos não se insere nesse grupo, pois quanto ao grupo de comparticipantes relativamente aos quais é necessária a queixa é que a extinção do respectivo direito relativamente a um gera a extinção do direito relativamente a todos.
O ofendido não pode escolher queixar-se de uns e não de outros, mas tal regra vale apenas para os comparticipantes cuja queixa é um pressuposto indispensável para a perseguição criminal.
Nos crimes particulares, o ofendido não pode excluir da queixa, por mera opção sua, qualquer dos comparticipantes na infracção denunciada, sob pena de a mesma não poder ter seguimento.
A apresentação de queixa contra um dos comparticipantes torna o procedimento extensivo aos restantes. A renúncia ao direito de queixa é irretractável e pode ser tácita, aproveitando, tal como a desistência, a todos os agentes. Não pode ter seguimento, por "contraditio in terminus", uma queixa da qual se exclua um dos co-autores da infracção, por meio de renúncia ao exercício do direito de queixa quanto a ele.
Mantém-se válida a doutrina do Ac. da RL de 8/5/1996, processo n.º 0001683, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c3a18877a533ddd580256803000449c1?OpenDocument.
O princípio da indivisibilidade do exercício do direito de queixa funciona assim relativamente aos comparticipantes que estão na mesma situação jurídica.
Havendo comparticipação, em caso de crime particular, se a acusação particular é deduzida só contra alguns dos arguidos, deve entender-se que a desistência da queixa se alarga a todos os comparticipantes (isto é, autor, co-autor, instigador ou cúmplice).
Por sua vez, o Art.º 51.º, n.º 3, do CPPenal, estabelece que, conhecida a desistência, a autoridade judiciária processualmente competente, notifica o arguido para declarar se se opõe à mesma, correspondendo o silêncio à não oposição. Caso se oponha, portanto, o arguido deve declarar expressamente a sua oposição, pessoalmente ou, quando menos, por representante munido de poderes especiais para o efeito.
Neste sentido, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2008, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 325, e os Acs. da RG de 2/12/2002, CJ t5, 291; da RP de 5/7/2006, processo n.º 0642892, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/15945808e6e6d793802571ab004745ff?OpenDocument, e de 1/2/2012, processo n.º 728/08.7TAAMT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/6a681d64bbc6f432802579a60054cf7e?OpenDocument.
Trata-se da hipótese clara dos presentes autos, tal como se pode inferir da própria leitura da acusação particular apresentada pelos assistentes, que conclui pela figura jurídico-criminal da co-autoria na imputação do crime particular em presença.
A acusação particular, constante de fls. 190-198, imputa aos arguidos C… e D… a prática de factos integradores do crime de difamação com publicidade, p. e p. pelos Art.ºs 180.º, nº 1, e 183.º, nº 1 al. a) e nº 2, do Código Penal, por aqueles cometido em co-autoria.
Resulta, com efeito, de forma inequívoca, do teor da acusação, designadamente, dos artigos 17º, 18º, 19º e 20º, que os arguidos executaram os factos que lhes são imputados de forma “previamente, reflectida e imaginada”, “em comunhão de esforços e vontades”. E, na acepção da mesma acusação, não existiria, também, dúvidas de que ambos os arguidos participaram activamente na execução do facto criminoso, como claramente se afirma, designadamente, no artigo 6º da acusação.
Verifica-se, portanto, face aos termos da acusação particular, que os arguidos agiram movidos por uma decisão conjunta, visando a produção de um determinado resultado, e desenvolveram uma execução igualmente conjunta, configurando-se, assim, uma situação de co-autoria (Art.º 26.º, do Código Penal), claramente distinta de uma actuação paralela.
Também é certo que a sentença homologatória de 20 de Maio de 2015, proferida no decurso da audiência de julgamento e exarada na respectiva acta (a fls. 441), que – considerando válida e relevante a desistência da queixa apresentada pelo assistente C… – julgou extinto o procedimento criminal respeitante à arguida D…, tendo os autos prosseguido apenas quanto ao arguido B….
Como tratar da situação vertente? Faz algum sentido conhecer oficiosamente desta irregularidade processual, declarando-a, agora, e fazendo retornar os autos à primeira instância para confrontar o 1.º arguido com a mesma desistência e saber se esse arguido a ela se opõe, para legitimar o percurso processual até agora traçado, por força do disposto no n.º 3 do Art.º 116.º do Código Penal?
Pensamos que não.
Sabemos que o juiz pode declarar oficiosamente a irregularidade processual, quando ela puder afectar o valor do acto praticado – assim, no n.º 2 do Art.º 123.º do CPPenal.
Mas esta faculdade está limitada pelo interesse do aqui 1.º arguido, cujo direito é protegido pela norma violada. O direito à oposição à desistência de queixa e à extinção do procedimento criminal encontra-se aqui pura e simplesmente ultrapassado, uma vez que nem o procedimento criminal terminou para o mesmo arguido como se desenvolveu actividade processual concludente, não só a sentença homologatória e a extinção do procedimento criminal contra a 2.ª arguida, como também a audiência de julgamento, o proferimento da sentença condenatória e o recurso interposto pelo próprio arguido, titular do direito em causa.
Tudo isto com a envolvência do mesmo 1.º arguido, o seu conhecimento e a prática de actos processuais relevantes, que nos termos do Art.º 121.º, n.º 1, do CPPenal, aqui aplicável por maioria de razão, ficando sanada a respectiva irregularidade processual.
O conhecimento oficioso da irregularidade não prevalece sobre o interesse do titular do direito protegido pela norma violada – neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2007, Lisboa: Universidade Católica Editora, em anotação ao Art.º 123.º, pp. 320.
Neste sentido, improcede esta aventada irregularidade processual, suscitada pelo Ministério Público nesta fase de recurso.
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Estabelece o Art.º 180.º, n.º1, do Código Penal que «Quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juizo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, será punido com prisão até seis meses ou com multa até 240 dias».
A honra é um direito constitucionalmente consagrado no Art.º 26.º da Constituição, onde expressamente se alude ao direito ao bom nome e reputação.
Na síntese conhecida de José Beleza dos Santos, in R.L.J ano 92º pg 164, “a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral que são razoavelmente consideradas essenciais para que o individuo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale”. Segundo Gomez De La Torre, Honor Y Libertad de Expression, Tecnos, Madrid, 1987 pg 57, a honra “é constituida pelas relações de reconhecimento entre os distintos membros da comunidade, que emanam da dignidade e do livre desenvolvimento da personalidade, actuando estas relações como pressupostos da participação do individuo no sistema social sendo que parte do seu conteúdo será consequência directa da sua participação no sistema”.
A tutela jurídico-penal da honra, como bem jurídico constitucionalmente protegido, quando a mesma é questionada por actos não dirigidos directa e pessoalmente ao lesado, exige a imputação de factos ou a formulação de juízos de valor sobre uma pessoa ofensivos da sua honra e consideração.
Importa referir que, “difamação” é a atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social, que sejam ofensivos da reputação do visado; “honra” será a dignidade subjectiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, respeitando ao património pessoal e intenso de cada um e “consideração” o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, a forma como a sociedade vê cada cidadão, a opinião pública.
Ora, as expressões proferidas pela arguida, atento o contexto onde foram proferidas (no decurso de uma audiência de julgamento) são de molde a lesar a honra e dignidade profissional do assistente.
O recorrente invoca que em última análise proferiu as expressões indicadas no exercício do seu direito constitucional de liberdade de expressão face à actuação de uma figura pública que face a essa posição pode ser criticada e adjectivada de uma forma mais intensa que o cidadão comum.
Sabe-se, todavia, que a matéria de facto veio a ser integralmente confirmada, pelo que a mesma demonstra à saciedade que a conduta do arguido nela patente não pode ser penalmente irrelevante, mesmo tendo actuado a coberto de um suposto direito de liberdade de expressão e de opinião.
Com efeito, sendo certo que a liberdade de expressão se insere no âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais com consagração constitucional (Art.º 37.º, da CRPortuguesa), é igualmente certo que não se trata de um direito absoluto, mas sim limitado, nos termos da lei e da própria Constituição, pela necessidade de salvaguardar outros direitos e interesses, também, constitucionalmente protegidos.
O direito à honra, alicerçado que está no princípio da dignidade da pessoa humana – também ele com consagração constitucional (no mencionado Art.º 26.º, n.º 1, da CRP) – é, em regra, absoluto e constitui-se como um dos direitos limitadores da liberdade de expressão, que não pode ser violado, salvo quando estiver em causa um interesse público que a ele se sobreponha.
E mesmo sendo figura pública, a pessoa visada tem o direito de não ser publicamente vilipendiada ou amesquinhada e de ver o seu valor, a sua consideração e o seu bom nome preservados aos olhos da sociedade.
Ora, no caso concreto, as imputações veiculadas através da internet – que, como se provou, não têm qualquer correspondência com a realidade – atingiram de forma gratuita o bom nome e a consideração social do assistente, não se vislumbrando, em face da matéria provada, que possam ser julgadas justificadas, seja por um qualquer interesse público, seja pela notoriedade do assistente ou mesmo por uma qualquer actividade lúdica ou artística do arguido, pelo que, manifestamente, improcede a alegada irrelevância penal da conduta do recorrente.
Por último, como se sabe, a prática destes ilícitos não exclui a aplicação, em geral, do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do Art.º 31.º do Código Penal.
Ou seja, ou bem que estamos na presença do exercício de um direito, no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legitima da autoridade ou haja consentimento do titular do interesse jurídico lesado, caso em que a funcionará uma causa de exclusão de ilicitude, ou pura e simplesmente não funciona a excepcio veritatis estabelecida no n.º 2 do Art.º 180.º do mesmo Código Penal quando estão em causa imputações ou formulações de juízos relativos a «factos relativos à intimidade da vida privada e familiar», o que não é caso.
Todavia, para além de se ter realizado a prova da não verdade dos factos ou juízos imputados, a verdade é que o contexto em que as expressões difamatórias foram produzidas pelo aqui arguido, não afasta a possibilidade do preenchimento do tipo de difamação na sua dimensão de ilicitude.
Assim, por tudo o expendido, entendemos também que não procedem estes últimos fundamentos do recurso interposto pelo arguido.
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Em face da improcedência de todos os fundamentos de recurso, considerar-se-á o mesmo como totalmente improcedente, com a inerente confirmação da condenação do arguido, tal como determinada pelo tribunal a quo.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar não provido o recurso interposto pelo arguido B…, bem como não provida a irregularidade processual suscitada pelo Ministério Pública nesta instância de recurso, porque improcedentes todos os seus fundamentos, confirmando-se a sentença condenatória recorrida.
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Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 4 UC’s.
Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Porto, 10 de Fevereiro de 2016
Nuno Ribeiro Coelho
Renato Barroso