Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
728/08.7TAAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: DIREITO DE QUEIXA
COMPARTICIPANTE
CRIME PARTICULAR
CRIME SEMI-PÚBLICO
ACUSAÇÃO PARTICULAR
Nº do Documento: RP20120201728/08.7TAAMT.P1
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O princípio da indivisibilidade do exercício do direito de queixa funciona apenas relativamente aos comparticipantes que estão na mesma situação jurídica.
II - No âmbito da extinção do direito de queixa e da desistência da queixa, a lei prevê expressamente a hipótese de crimes em que o estatuto jurídico dos comparticipantes não é igual entre si, ao admitir que alguns comparticipantes possam ser perseguidos sem queixa [art. 115º, n.º 3 e 116º, n.º 3, do Cód. Penal].
III - Assim, a omissão de acusação particular quanto ao comparticipante relativamente ao qual o crime é particular não aproveita ao comparticipante cujo procedimento pode prosseguir sem ela.
IV - O requerimento para abertura da instrução [RAI] não pode ser qualificado como acusação particular.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 728/08.7TAAMT.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B…, assistente nos autos acima identificados, em que são arguidos C… e D…, não se conformando com o despacho de não pronúncia, por inadmissibilidade legal, recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
“1- O Assistente, na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, requereu tempestivamente a Abertura de Instrução, na qual narrou os factos plenamente censuráveis dando indicações tendentes à identificação de quem os cometeu. e para tal apresentou e requereu a correspondente produção de prova.
II - Tal requerimento, admitido em despacho de abertura de instrução, foi posteriormente rejeitado pelo Exmo. Juiz de Instrução a quo, em despacho de não pronúncia por inadmissibilidade legal da Instrução, atento o preceituado no n.º 3 do art. 287 do Cód. Processo Penal, em síntese, com os seguintes fundamentos:
“... o ilícito pressupunha acusação particular e não do M.P ...”:
"não tinha qualquer lógica jurídico-processual, que sendo a sua mulher a queixar-se, pelo mesmo tipo de dano e perante os mesmos agentes, estaríamos perante um crime de natureza particular, e no caso de ser o próprio, apesar de serem os mesmos danos e agentes, o crime já teria natureza semi-pública quanto ao arguido C…, mas natureza particular contra a arguida D…”
III - Com tal veneranda decisão, não se pode de todo concordar.
IV - Desde logo, como bem aponta o Exmo. Juiz de Instrução a quo, no seu despacho recorrido, “o assistente é afim, na 2ª linha colateral da irmã da sua mulher.”
V - Logo, relativamente ao marido da irmã da sua mulher, ora arguido e seu concunhado, esta “relação familiar” - em sentido comum, não jurídico – existente, não é, nem de parentesco, nem de afinidade, sendo que nos termos do art. 1576º do Cód. Civil, esta situação não configura uma fonte da relação jurídica familiar. Nas insignes palavras de PEREIRA COELHO: Afinidade não gera afinidade. Dando o exemplo, dos concunhados, como não sendo afins (in Família,1969,1º -51). Tal é o que decorre da nossa lei substantiva civil, e é nestes autos, o caso em apreço.
VI - Neste sentido, face ao teor da al. a) do art. 207ºdo Cód. Penal, que consagra o regime de procedibilidade dos crimes particulares, aplicável ao Crime de Dano, por força do nº.4 do art. 212" do Cód. Penal e que está cm causa nestes autos, quanto ao arguido C…, não está preenchido este pressuposto processual de procedibilidade do regime dos crimes particulares, aplicando-se subsidiariamente, o regime dos crimes de natureza semi-pública, que apenas depende de apresentação tempestiva de queixa, o que efectivamente sucedeu (art. 113º do Cód. Penal).
VII - O assistente B… tem, nos termos da alínea h), do nº.1 do art. 287º do Cód. Processo Penal, legitimidade para requerer a abertura de instrução, na medida em que o ilícito, que se espera provar relativamente ao arguido C…, pressupunha apenas a apresentação de queixa.
VIII - Não há fundamentação legal para o tratamento similar, nem entre os ofendidos, nem entre os dois arguidos, o que nem sequer decorre da lei substantiva civil, que no presente caso, considera uma das relações corno fonte da relação jurídica familiar e, quanto a outra, já não o prevê, pelo que importa invocar a presunção legal de que o legislador “... soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (art. 9º n.º3 do C. Civil), tendo de observar-se os preceitos em causa na sua pura literalidade.
IX - Querer interpretar-se extensivamente ou por recurso à analogia, este preceito, é chamar ao Direito a mais profunda indeterminabilidade e arbitrariedade quanto aos procedimentos aplicáveis em processos pluri subjectivos, coroando dessa forma a incerteza jurídica, a insegurança. Ora, a previsibilidade. a certeza e, lato sensus, a segurança jurídicas, são, mais do que um direito do assistente, uma finalidade do Direito que urge salvaguardar.
X - No despacho recorrido, o Exmo. Juiz de Instrução a quo fundamentou também a sua decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução, com assento no fundamento que se extrai dos seguintes excertos:
“... são próprios os bens que advierem aos cônjuges por sucessão ou doação, ou seja, a titulo gratuito (art. 1722°/1-b CC (...)”
“Por seu lodo, dispõe o artigo l340º do C. Civil que “se alguém de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeiro ou plantação, e o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno .... n.º1 e 3 do artigo 1340º do CC "
XI - Concluindo, o Exmo. Sr. Dr. Juiz de Instrução a quo, que: “Em suma, numa primeira linha, era a ofendida que tinha o direito de queixo ...”
XII - Ora, quanto a esta questão, e salvo melhor opinião, já se pronunciou claramente o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de fixação de jurisprudência nº. 7/2011, publicado no Diário da República I-A. de 31-05-2011, fixando a seguinte jurisprudência: “No crime de dano, previsto e punido no artigo 212º nº.1 do Código Penal. é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixo, nos termos do artigo 113º n.º1, do mesmo diploma, o proprietário da coisa destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada, e quem, estando por titulo legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição”
XIII - O Tribunal a quo rejeitou o requerimento de abertura de instrução sem diligenciar no sentido de apurar a veracidade dos factos descritos no requerimento e o interesse directo e imediato que o assistente teria sobre a propriedade em causa, bem como sobre a vedação que por ele lá foi construída, não obstante a prova produzida e as declarações, prestadas em inquérito pelos arguidos, em violação do estatuído no nº. 1 do art. 286º e no n.º 1 do art. 292º, ambos do Cód. Processo Penal, e do princípio da Investigação ou da Verdade Material.
XIV - Atento o disposto no ano 1584º do Cód. Civil, “afinidade é o vinculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro”, pelo que entre o assistente e a arguida. há uma relação familiar de afinidade em 2º grau.
XV- A relação familiar entre o assistente e a arguida, configura uma das situações previstas na al. a) do art. l07" do Cód. Penal, implicando desse modo que fosse observado o procedimento criminal de acusação particular.
XVI - Mau grado, como ressalta do douto despacho de não pronúncia, o assistente e a ofendida, não foram notificados nos termos do art. 285" do CPP.
XVII - Todavia, conforme proferido no venerando Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de Março de 2010, no âmbito do processo n" 279/04.9TA.MGR.C2, em que é Relator o Mº. Juiz Desembargador Paulo Guerra: “A falta de notificação do assistente para deduzir acusação particular em crime de natureza particular constitui insuficiência de inquérito por não ter sido praticado acto legalmente obrigatório”
XVIII - O assistente acabou por suprir a referida omissão, apresentando a sua acusação, uma vez que, ao requerer a abertura de instrução contra a arguida/cunhada D…, apresentou para tal, uma verdadeira acusação, diga-se, acusação particular.
XIX - Quanto a esta questão, formou-se caso julgado formal, porquanto no douto despacho do Exmo. Sr. Dr. Juiz de Instrução a quo, proferido em 01-06-2011, ficou determinado que estavam reunidos os pressupostos legais que, in casu, permitem que tal acusação possa ser submetida à fase de julgamento.
XX - Não obstante este Venerando Tribunal não poder conhecer do seu conteúdo material, devera ser considerada a apresentação formal de uma acusação particular formulada pelo assistente contra a arguida D…, mau grado, infortunadamente, na sequência da nulidade supra invocada, imputada ao douto Ministério Público, ter o assistente apresentado tal peça sob a forma de requerimento de abertura de instrução, quando. a mesma, consubstancia uma verdadeira acusação particular, que deverá seguir os ulteriores termos legais. o que desde já se requer.
XXI - Por todo o exposto, o douto despacho recorrido. ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da Instrução, atento o preceituado no n.º 3 do art. 287º do Cód. Processo Penal, padece de fundamento legal quanto à sua rejeição, em clara violação dos artigos 287º n.º 1 al. b) do Cód Proc. Penal e 113º e 207º, al. a), ambos do Cód. Penal.
Termos em que e nos demais de direito, face aos concretos fundamentos invocados deve ser dado provimento ao recurso, e por via dele, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que:
a) Admita a legitimidade do assistente em requerer a abertura de instrução e a pronúncia do arguido C…, por quanto a ele se estar cm causa a prática de um crime de dano de natureza semi-pública, tendo sido dado cumprimento aos respectivos procedimentos legais:
b) Admita a legitimidade do assistente para iniciar o procedimento criminal de natureza semi-pública em causa, contra o arguido C…, com a apresentação de queixa, como fez, na qualidade de possuidor do terreno onde ocorreu o facto ilícito que pretende ver apreciado;
c) Admita que quanto à arguida D…, por estar já sanada a nulidade decorrente de o assistente e a ofendida não terem sido notificados, nos termos do art. 285º do CPP, pelo Ministério Público, deve o Tribunal a quo declarar-se incompetente, por o requerimento apresentado contra a arguida constituir uma verdadeira acusação particular, a qual não pode apreciar, remetendo nessa parte o processo para Julgamento,
Tudo com as legais consequências”.

Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal “a quo”, concluindo:

1- O que está em causa nestes autos é a prática de um crime particular, pelos arguidos C… e D… contra, além do mais, o assistente B…;

2 - Assim, o assistente não tem legitimidade para requerer a abertura da instrução, à luz da regra estabelecida na alínea a) do n.º 1 do art. 287º do CPP, razão pelo qual não devem os arguidos ser pronunciados;

Os arguidos C… e D… responderam também à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.

Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, 2 do CPP, não houve resposta.

Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência, para julgamento.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

O despacho recorrido é do seguinte teor:
“(…)
I – Relatório
A Digna Procuradora Adjunta, findo o inquérito, proferiu despacho de arquivamentos dos autos por considerar não existirem quaisquer indícios da prática de factos susceptíveis de configurarem um crime de dano ou usurpação de coisa móvel, p.º e p.º, pelos artigos 212.º, n.º1 e 215.º, ambos do Código Penal, nos termos constantes de fls. 220 a 224 que aqui se dão por reproduzidas.

Inconformado, o assistente requereu a abertura da instrução sustentando, em síntese, que independentemente das questões relacionadas com as co-propriedades confinantes entre assistente e arguidos, existem indícios da prática de um crime de dano por parte dos arguidos, p.º e p.º, pelo artigo 212.º do Código Penal, tanto mais que a vedação, constituída por rede e esteios em cimento, numa extensão de aproximada de 60 metros de comprimento, os quais se encontravam apoiados num pequeno muro de pedras e em algumas partes de betão, foi constituída e paga por ordem e com os meios do assistente e da ofendida, tendo para tal sido dispendido tempo e trabalho de ambos – cfr. fls. 237 e ss. que aqui se dão por reproduzidas.

II – Diligências efectuadas no âmbito da Instrução
Declarada aberta a instrução, procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelo assistente, juntou-se aos autos duas certidões de nascimento, tendo-se realizado o respectivo debate instrutório, conforme resulta da respectiva acta;

III- Saneamento
O Tribunal é o competente.
Dispõe o n.º 3 do artigo 308.º do CPP, que no despacho referido no n.º1, o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.
No presente caso, no âmbito do respectivo debate instrutório, foi suscitado a ilegitimidade do assistente requerer a abertura da instrução por factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de dano, porquanto, sendo a mulher do assistente e a arguida irmãs, careciam os factos e respectivo ilícito, para além da respectiva queixa, que tivesse sido deduzida acusação particular, por parte do assistente, o que não aconteceu.
Vejamos.
O assistente, B… é casado com a ofendida E…, em comunhão de adquiridos.
O arguido C… é casado, sob o regime de comunhão de adquiridos, com a arguida D…, sendo esta, respectivamente, irmã da ofendida E… e cunhada do assistente B….
C…, por seu lado, é cunhado da ofendida E….
Em face dos elementos constantes do requerimento de abertura da instrução, como se sabe, o assistente e a ofendida sustentam que são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico, denominado “F…”, anexo um espigueiro, cultura e mato, sito no …, freguesia de …, concelho de Amarante, a confrontar do Norte com caminho (se bem que na matriz por lapso/erro consta como sendo caminho público, apesar de nunca ter havido transmissão da propriedade à entidade pública), poente e sul com caminho público e Nascente com ribeiro, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5.115, e descrito na Conservatória do Registo Predial como fazendo parte da descrição n.º 8.116 a folhas 2 verso do livro B – 25 (cfr. certidão de registo predial já junta aos autos);
Tal prédio veio à posse do assistente e da ofendida por escritura de habilitações e partilha lavrada no dia 09 de Agosto de 1990, no cartório Notarial de Marco de Canaveses, tal como resulta de fls. 15 a 19 que aqui se dá por reproduzida.
No âmbito dessa mesma escritura de habilitações e partilha, aos arguidos adveio a posse do prédio rústico denominado de “G…”, que inclui palheiros, cultura e mato, sito no referido …, freguesia de …, concelho de Amarante, a confrontar de Nascente com o Ribeiro, Norte e Poente com caminho público, Sul com caminho (se bem que na matriz por lapso/erro consta com sendo caminho público), inscrito na matriz sob o artigo 5.114, e descrito na Conservatória do Registo Predial, como fazendo parta da descrição n.º 8.116 a folhas 2 verso do livro B-25 (cf. Certidão de registo predial já junta aos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais).
O prédio dos arguidos pertencia aos mesmos antepassados comuns, pais da ofendida e arguida mulheres, tendo o mesmo sido transmitidos aos arguidos pela mesma supra mencionada escritura de habilitações e partilha lavrado no dia 9 de Agosto de 1990.
B… e mulher E… apresentaram a queixa constante de fls. 2 e ss.
B…, a fls. 237 e ss., requereu a sua constituição como assistente e pretende a pronúncia dos arguidos C… e D… pela prática de um crime de dano, p.º e p.º, pelo artigo 212.º do Código Penal, em virtude de considerar que, no dia 14 de Outubro de 2008, por volta das 8 horas e 30 minutos, os arguidos com a ajuda de máquinas e trabalhadores que agiam sob as suas ordens, direcção e fiscalização, começaram a abrir fundações junto à vedação em rede plastificada que os ofendidos há muito tinham efectuado, prosseguindo a construção dos alicerces de um muro em betão.
Nessas circunstâncias, denuncia que os arguidos destruíram todos os pilares de cimento que lá se encontravam, num total de catorze, e destruíram toda a rede plastificada que existia como vedação aos animais.
Façamos a análise da questão suscitada.
Como se sabe, o exercício do direito de queixa insere-se numa das manifestações processuais do direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, contemplado no art. 20.º da C. Rep., que constitui uma das vertentes essenciais de um Estado de Direito Democrático.
A propósito e na parte que aqui releva estabelece o art. 49.º, do Código Processo Penal, no seu n.º 1 que “Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”, acrescentando o seu n.º 2 que “Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele”.
Por sua vez, o ofendido é que, em regra, tem legitimidade para apresentar queixa, considerando-se como tal e segundo o preceituado no art. 113.º, n.º 1, do Código Penal “o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”, tendo para o efeito, nos crimes de natureza particular e semi-pública, um prazo de seis meses para o exercício desse direito, sob pena do mesmo se extinguir [115.º Código Penal].
O exercício do direito de queixa encontra-se processualmente regulado no instituto da denúncia (241.º e ss.), precisando-se no art. 246.º, a sua forma e o seu conteúdo do seguinte modo:
- n.º 1 “A denúncia pode ser feita verbalmente ou por escrito e não está sujeita a formalidades especiais.”
- n.º 2 “A denúncia verbal é reduzida a escrito e assinada pela entidade que a receber e pelo denunciante, devidamente identificado. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 95.º, n.º 3”.
- n.º 3 “A denúncia contém, na medida possível, a indicação dos elementos referidos nas alíneas do nº 1 do artigo 243.º”.
Em suma, a queixa é o «requerimento («feito por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por um certo facto») através do qual o titular do respectivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele» (Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão, 2005, págs. 665 (§ 1063) e 675 (§ 1086).
A queixa constitui-se como notícia de um crime cujo procedimento criminal dependa dela e como manifestação de vontade, de quem estiver legitimado para tal, no sentido da instauração de um processo para que o respectivo agente seja, por ele, processado (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, revista e actualizada, 2000, pág. 59).
A incriminação no crime de dano protege a propriedade contra agressões que atingem directamente a existência ou a integridade do estado da coisa. Há quem defenda que, em alguns casos, o direito de queixa não cabe apenas ao proprietário, também assistindo às pessoas legitimadas a deter, usar e fruir a coisa (v.g. o inquilino) e como tais prejudicadas pela acção de destruição, danificação, deformação ou inutilização – v. Comentário Conimbricense, tomo II, pag.. 236. Porém, em nenhuma das orientações conhecidas, o proprietário é excluído do direito de queixa, porque tal implicaria uma alteração do bem jurídico protegido pela incriminação.
No âmbito da instrução, o tribunal apurou, pelos documentos junto aos autos, que as propriedades referenciadas como sendo dos ofendidos e arguidos, advieram à posse de E… e D… por sucessão dos respectivos pais.
Estão casadas, respectivamente, com o assistente e arguido, ambas no regime de comunhão de adquiridos.
No regime de comunhão de adquiridos, a regra geral é a de que são comuns todos os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento, e são próprios de cada um dos cônjuges os bens levados por ele para o casamento ou adquiridos a título gratuito depois do casamento.
São próprios os bens que os cônjuges levam para o casamento (art. 1722º/1-a CC); bens adquiridos com base em título anterior à data do casamento.
Também são próprios os bens que advirem aos cônjuges por sucessão ou doação, ou seja, a título gratuito (art. 1722º/1-b CC). Estão aqui compreendidos os bens adquiridos através de liberalidades de uso.

Nestes termos, a propriedade do imóvel e dos bens nele incorporados, estes últimos provavelmente por acessão imobiliária (artigo 1339.º do C. Civil) são pertença, desde logo, da ofendida E….
Note-se que dispõe o artigo 1339.º do C.Civil que aquele que em terreno seu construir obra ou fizer sementeira ou plantação com materiais, sementes ou plantas alheais adquire os materiais, sementes ou plantas que utilizou, pagando o respectivo valor…”.
Por seu lado, dispõe o artigo 1340.º do C.Civil que “se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, …n.º1 e 3.º do artigo 1340.º do CC.
Em suma, numa primeira linha, era a ofendida que tinha o direito de queixa, o direito de se constituir como assistente e de deduzir acusação particular pelo crime de dano, p.º e p.º, pelo artigo 212.º, n.º1 e 4, e 207.º, ambos do CP, na medida que é irmã da arguida e cunhada do arguido C….
E, mesmo considerando que o arguido tinha o direito de exercer a respectiva queixa em virtude dos bens ou obra incorporada no terreno serem ou poderem ser considerados bens comuns do casal, a verdade é que se deve aplicar os mesmos normativos a este ofendido.
Desde logo, o assistente é afim, na 2ª linha colateral da irmã da sua mulher.
Por outro lado, não tinha qualquer lógica jurídico-processual, que sendo a sua mulher a queixar-se, pelo mesmo tipo de dano e perante os mesmos agentes, estaríamos perante um crime de natureza particular; e no caso de ser o próprio, apesar de serem os mesmos danos e agentes, o crime já teria natureza semi-pública quanto ao arguido C…, mas natureza particular contra a arguida D….
Em nosso entender, quer num caso ou no outro, impõe-se a dedução de acusação particular.
Nesta medida, competiria aos ofendidos/assistentes terem deduzido acusação particular contra os arguidos e não, como fez o assistente B…, requerer a instrução por crime de natureza particular, para o qual não tem legitimidade – alínea b), do n.º1 do artigo 286.º do CPP
É certo que o assistente pode alegar que nunca foi notificado nos termos do artigo 285º do CPP, contudo a referida notificação só se justificava caso este fosse, à data, assistente nos autos, o que não sucedia.
Poderia também alegar que não foi dado cumprimento ao n.º 4 do artigo 246.º do CPP, porém, como resulta dos autos, também não o fez.
Neste momento, quaisquer das questões, não configuram nulidade susceptível de conhecimento oficioso.
Por todo o exposto, dado o assistente carecer de legitimidade para requerer a abertura da instrução – alínea b), do n.º1 do artigo 287º do CPP, na medida que o ilícito pressuponha acusação particular e não do M.P, o tribunal não pronuncia os arguidos por inadmissibilidade legal.
Custas pelo assistente, que se fixa em 2 UC, nos termos do artigo 515º e do CPP e artigo 8º do RCP.
Notifique, tendo em conta o n.º5 do artigo 307º do CPP.
*
Extraia cópia certificada desta decisão e entregue-me.”

2.2. Matéria de direito
As questões a decidir no presente recurso resumem-se à questão fundamental de saber se, efectivamente, o assistente tem (ou não) legitimidade para requerer a abertura de instrução, tendo em conta que o crime imputado à arguida D… (irmã da mulher do assistente) tem natureza particular, nos termos do art. 207º, a) do C.Penal, aplicável ao crime de dano por força do art.212º, n.º 4 do mesmo Código, e semi-público quanto ao arguido C… (casado com a co-arguida).

Deve, antes de mais, afastar-se a tese do despacho recorrido, segundo a qual há falta de legitimidade do assistente, por não ser proprietário do terreno onde estava a vedação destruída (terreno esse que tinha sido adquirido, via sucessão, por sua mulher, com quem estava casado no regime da comunhão de adquiridos e que, por isso, não entrou na comunhão).Na verdade, o assistente estava, por titulo legítimo, na posse da coisa e foi afectado no seu (direito de) uso. Tal entendimento resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2011, DR 1ª Série, n.º 105, de 31/05/2011 (citado pelo Ex.º Procurador-Geral-Adjunto nesta Relação e pelo assistente, na motivação do seu recurso) que fixou jurisprudência no seguinte sentido: “No crime de dano, previsto e punido no art. 212º, n.º1 do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa, nos termos do art. 113º, nº.1 do mesmo diploma, o proprietário da coisa destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição”.

Mais complexa é, sem dúvida, a outra razão pela qual o despacho recorrido entendeu que não havia lugar a instrução (omissão de dedução de acusação particular contra a arguida D…), com a seguinte fundamentação.
“(…)
E, mesmo considerando que o arguido tinha o direito de exercer a respectiva queixa em virtude dos bens ou obra incorporada no terreno serem ou poderem ser considerados bens comuns do casal, a verdade é que se deve aplicar os mesmos normativos a este ofendido.
Desde logo, o assistente é afim, na 2ª linha colateral da irmã da sua mulher.
Por outro lado, não tinha qualquer lógica jurídico-processual, que sendo a sua mulher a queixar-se, pelo mesmo tipo de dano e perante os mesmos agentes, estaríamos perante um crime de natureza particular; e no caso de ser o próprio, apesar de serem os mesmos danos e agentes, o crime já teria natureza semi-pública quanto ao arguido C…, mas natureza particular contra a arguida D….
Em nosso entender, quer num caso ou no outro, impõe-se a dedução de acusação particular.
Nesta medida, competiria aos ofendidos/assistentes terem deduzido acusação particular contra os arguidos e não, como fez o assistente B…, requerer a instrução por crime de natureza particular, para o qual não tem legitimidade – alínea b), do n.º1 do artigo 286.º do CPP.
(…)”

O Ex.º Procurador-Geral-Adjunto nesta Relação entendeu também que o recorrente (assistente) não tinha razão, referindo:
“(…) Neste enquadramento e na esteira do que nos parece ser a melhor doutrina quanto a esta matéria, entendemos que, numa situação de comparticipação criminosa “se o titular do direito não deduzir acusação contra um dos comparticipantes, essa omissão aproveita aos demais e o processo criminal não poderá prosseguir por renúncia tácita do titular do direito, ressalvando-se os casos em que a omissão do assistente seja expressamente justificada pela circunstância de ele concluir pela inexistência de indícios suficientes para deduzir acusação contra essa pessoa”. E será assim – pensamos nós e salvo o devido respeito por diferente opinião – tanto nos caos em que o procedimento criminal dependa de acusação particular relativamente a todos os comparticipantes como nos casos em que dependa, para uns de acusação particular e para outros de mera queixa.”
Concluiu assim que o efeito processual preclusivo, resultante da omissão de acusação particular contra a arguida D…, aproveita ao comparticipante e co-arguido C….

Vejamos a questão.

O art. 117º do C. Penal manda aplicar o disposto nos artigos anteriores “aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular”. O art. 115º, n.º 3 do mesmo código, por seu turno, diz-nos que “o não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa.” Também o art. 116º, n.º 3 do CP nos diz que “A desistência da queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, salvo oposição destes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa”.

Destes preceitos resulta, efectivamente, um princípio de indivisibilidade do exercício do direito de queixa e da sua desistência.
Contudo, tal princípio encontra, desde logo, as excepções previstas nos referidos preceitos legais, nomeadamente a circunstância de haver arguidos que podem ser perseguidos sem queixa. Quanto a estes, como decorre dos artigos 115º, n.º 3 e 116º, n.º 6 do CP, o não exercício tempestivo e a desistência da queixa não produzem quaisquer efeitos, o que é facilmente compreensível: se relativamente a eles não havia necessidade de queixa, a sua situação é a mesma com ou sem queixa, com ou sem desistência de queixa.

Mas da leitura de tais preceitos decorre ainda outra coisa.
Decorre que o legislador previu a hipótese de haver crimes em que o estatuto jurídico dos comparticipantes não é igual, pois admite expressa e literalmente casos em que os comparticipantes possam ser perseguidos sem queixa. Ao ressalvar estes casos (comparticipantes que podem ser perseguidos sem queixa), o legislador consagrou, é certo, uma regra sobre a indivisibilidade do direito de queixa, mas apenas relativamente aos comparticipantes que estão na mesma situação jurídica. Só quanto ao grupo de comparticipantes relativamente aos quais é necessária a queixa é que a extinção do respectivo direito relativamente a um gera a extinção do direito relativamente a todos. O ofendido não pode escolher queixar-se de uns e não de outros, mas tal regra vale apenas para os comparticipantes cuja queixa é um pressuposto indispensável para a perseguição criminal.

Este regime é válido, por força do art. 117º do C. Penal, para os casos em que o procedimento criminal dependa de acusação particular. Portanto, e tendo em atenção o caso dos autos, a omissão de acusação particular quanto ao comparticipante relativamente ao qual o crime é particular, não aproveita ao comparticipante cujo procedimento pode prosseguir sem ela.

A primeira consequência é, assim, a de que relativamente ao arguido C…, o despacho recorrido não pode manter-se, pois quanto a ele o crime é semi-publico e o MP não deduziu acusação. O assistente podia requerer a abertura de instrução, nos termos do art. 287º, 1, b) do CPP, segundo o qual o assistente pode requerer a abertura de instrução, quando o procedimento não dependa de acusação particular e o MP não tenha deduzido acusação.

Deste modo, e quanto ao arguido C…, o despacho recorrido não pode manter-se, devendo ser substituído por outro que, de acordo com os fundamentos acima expostos, não considere a instrução inadmissível, por falta de acusação particular.

A segunda consequência do regime exposto, é a de que, relativamente à arguida D…, deve manter-se o despacho recorrido. Na verdade, é indiscutível que, quanto a ela, o procedimento criminal carecia de acusação particular, pois é irmã da mulher do ofendido.

Com efeito e quanto a esta arguida, não procede a tese do arguido segundo a qual o requerimento para abertura de instrução deve ser qualificado como acusação particular. Neste ponto, concordamos com o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto quanto afirma que “tal pretensão postergaria de forma incontornável os direitos processuais e de defesa conferidos à arguida (desde logo o direito de requerer a instrução – art. 287º, 1, al. a) do CPP, o que tanto bastaria para a considerar inviável; e, de forma que temos por insustentável, afectaria a intervenção processual do MP – art. 285º, n.º 4 do CPP, e colocaria nas mãos do juiz de instrução uma decisão completamente fora do âmbito da decisão instrutória, definido nos artigos 307º e 308º do mesmo diploma legal.”.

Na verdade, não se pode aproveitar, para valer como acusação particular, o requerimento de abertura de instrução onde se pede a realização de diligências e, finalmente, a pronúncia da arguida, ao arrepio das regras processuais penais relativas ao regime dos crimes particulares: acusação particular, possibilidade de o MP acompanhar ou não essa acusação e possibilidade de o arguido requerer a abertura de instrução.

Assim, e quanto à comparticipante D…, o despacho recorrido deve manter-se, uma vez que, estando em causa um crime particular e não tendo havido acusação do assistente, não é admissível o pedido de abertura de instrução.

Deve ainda manter-se o despacho recorrido quanto a esta comparticipante, no que diz respeito à eventual nulidade decorrente da falta de notificação para ser deduzida acusação particular. Com efeito, e como se decidiu, esta nulidade está sanada, por não ter sido tempestivamente arguida. Estavam em causa actos a praticar no inquérito e, portanto, cominados com nulidade pelo artigo 120º, 2, d) do CPP, o que implicava a respectiva arguição, nos termos do art. 120º, 3, c) do mesmo código. Dado que tal nulidade não foi tempestivamente arguida, a mesma deve considerar-se sanada.

3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam:
a) Conceder parcial provimento ao recurso;
b) Revogar a decisão recorrida, relativamente ao co-arguido C…;
c) Manter a decisão recorrida quanto à co-arguida D….

Custas pelo recorrente e pelo arguido C…, fixando a cada um deles a taxa de justiça de 3 UC.

Porto, 1/02/2012
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando