Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0642892
Nº Convencional: JTRP00039370
Relator: CUSTÓDIO SILVA
Descritores: CRIME PARTICULAR
COMPARTICIPAÇÃO
ACUSAÇÃO
Nº do Documento: RP200607050642892
Data do Acordão: 07/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 228 - FLS 28.
Área Temática: .
Sumário: Havendo comparticipação, em caso de crime particular, se a acusação particular é deduzida só contra alguns dos arguidos, deve entender-se que há falta de acusação contra todos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão elaborado no processo n.º 2892/06 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)
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1. Relatório
Do despacho de 7 de Fevereiro de 2.006 (dado a conhecer na audiência) consta o seguinte:
“A arguida B………. veio, na sua douta contestação, pugnar pela extinção do presente procedimento criminal, alegando que não foi deduzida acusação contra todos os presumíveis coautores do crime em questão e que foram denunciados pelo queixoso/assistente.
Notificado o arguido para se pronunciar sobre tal questão, o mesmo disse que se opunha ao requerido.
O Ministério Público promoveu que se indeferisse o requerido por não encontrar aplicação, o Código Penal, para a situação em causa.
Cumpre decidir.
Pensamos que assiste razão à arguida B………. . Na realidade, e sem grande delonga jurídica, de acordo com a alegação/acusação do assistente C………., um conjunto de pessoas teria praticado um crime de difamação e injúria na sua pessoa. Tal conjunto de pessoas, por força da actuação processual do assistente, e que assume a posição de arguidos, são D……… e todos aqueles indicados, por remissão, a fls. 191, pelo assistente, na sequência de uma notificação ordenada pelo Ministério Público nesse sentido e no seguimento da informação aos autos da possível identificação de todos os autores da carta feita por D………. a fls. 157/160.
Ora, há que entender, e sem dúvidas na nossa opinião, que o queixoso/assistente manifestou, através de queixa, intenção de exercer acção penal contra todos os denunciados. Mas, verifica-se que na sua douta acusação particular não estão inscritos nomes de denunciados, a saber: E………., F………., G………., H………., I………., pessoas estas todas elas identificadas na carta de fls. 157/160, e contra quem o queixoso declarou pretender exercer procedimento criminal, mas que não foram por si acusadas.
Além destas pessoas, existem outras que estão identificadas a fls. 443, que também não mereceram acusação por parte do assistente, mas que não constam da referida lista.
É certo que se está perante um crime de natureza particular, pelo que só ao assistente cabe o poder de acusar ou não acusar, sendo reservado ao Ministério Público o poder de acusar ‘acompanhando’, ou não, a acusação particular – art. 285º do C. de Processo Penal.
Ora, conforme vem sendo entendido de forma que pensamos ser unânime, caso o assistente não deduza acusação particular em relação a um dos comparticipantes, havendo comparticipação, tal falta de acusação é extensiva aos restantes e o processo deve ser extinto. Tal encontra aplicação por força do disposto no art. 115º, n.º 2, ex vi art. 117º do C. Penal, que determina a extinção do processo criminal quando não for exercido o direito de queixa em relação a um dos comparticipantes e, no caso, e por força de tal remissão, quando não for deduzida acusação particular em relação a um dos comparticipantes, tal falta de acusação tem de aproveitar aos restantes comparticipantes. No fundo, trata-se de definir que ao assistente não cabe o direito de escolha de quem deve ser perseguido criminalmente (ou são todos, ou não é nenhum, como se refere no ac. da Relação de Porto, de 5 de Março de 2003, in www.dgsi.pt; neste sentido, também os acs. da Relação de Lisboa, de 4 de Maio de 1990, 26 de Novembro de 1996 e de 7 de Fevereiro de 2001, e da Relação de Coimbra, de 6 de Abril de 2005, todos recolhidos naquele sítio).
E nem se pode afirmar que o assistente criteriosamente escolheu arguidos contra os quais não havia indícios, já que, por exemplo, E………. confessa a prática do crime (fls. 206), G………. admite que assinou a carta quase sem a ler (fls. 396), H………. admite que assinou a carta (fls. 405), pelo que, em relação aos mesmos, havia indícios fortes de terem praticado os crimes em causa. E dúvidas não há de que não sendo imputado a um conjunto de pessoas a elaboração e assinatura de uma carta difamatória e injuriosa, todos os que nela intervêm são comparticipantes na forma de coautoria, pelo menos, e no mínimo, na forma indiciária, já que, eventualmente, poder-se-ia provar (no julgamento) que alguns arguidos haviam assinado sem saber o que estavam a assinar, fosse por que motivo fosse, mas em sede de acusação, tanto difama e/ou injuria quem escreve a carta, como quem a assina, pois este, indiciariamente, concorda com o que leu e, por isso, a assina – art. 26º do C. Penal.
Pelo exposto, ao abrigo dos arts. 115º, n.º 2, ex vi art. 117º do C. Penal, julga-se extinto o presente procedimento criminal em relação a todos os arguidos.
Julga-se extinta a instância dos pedidos de indemnização civil por impossibilidade superveniente da mesma, atenta a falta de dedução de acusação pelo assistente”.
Ministério Público e o arguido (C……….) vieram interpor recurso, tendo terminado a motivação pela formulação das seguintes conclusões:
“1ª - A falta de acusação particular contra alguns dos arguidos não pode significar, por si só, uma desistência de queixa em relação a esses arguidos.
2ª - Nos presentes autos, o queixoso/assistente deduziu queixa-crime contra todos os que eventualmente pudessem ter praticado o crime em questão.
3ª - Não existindo elementos/indícios suficientes para deduzir acusação contra todos os arguidos, ao assistente não lhe compete deduzir despacho de arquivamento, mas, tão-só, de acusação em relação àqueles de que efectivamente tem indícios suficientes.
4ª - Competindo tão-só ao Ministério Público deduzir despacho de arquivamento em relação a tais arguidos.
5ª - O Juiz a quo violou as normas processuais penais ao considerar existirem indícios suficientes em relação a outros arguidos, além daqueles para os quais foi deduzida acusação particular, pois que o fez numa fase processual legalmente inadmissível.
6ª - Ao juiz só é permitido controlar um despacho de arquivamento pela via da instrução.
7ª - Ora, não tendo sido requerida a instrução, parece-nos que sé em fase de julgamento poderia o juiz concluir pela existência de prova quanto a outros denunciados, ou não, pois de matéria probatória tratar-se.
8ª - Ainda que assim não se entenda, e sem prescindir, o facto de alguém assinar uma carta com um conteúdo menos próprio não é suficiente para concluir pela prática de um crime de injúria.
9ª - Foram assim violadas, na decisão recorrida, as normas contidas nos arts. 115º, n.º 2, ex vi art. 117º, ambos do C. Penal, uma vez que foram aplicadas no sentido da não dedução de acusação particular contra alguns dos arguidos significar sem mais uma desistência de queixa em relação aos mesmos, o que aproveitaria aos restantes.
10ª - Ora, salvo melhor opinião, as normas mencionadas no ponto imediatamente anterior não devem ser interpretadas dessa forma, mas, sim, que as regras da desistência de queixa, referentes aos crimes semi-públicos, são aplicáveis com as devidas adaptações (e não automaticamente) aos crimes particulares.
11ª - Mais foram violados, na decisão recorrida, os arts. 286º, 287º, n.º 1, ambos do C. de Processo Penal, uma vez que não foram acatados.
12ª - Em face do exposto, a douta decisão recorrida deve ser revogada, devendo ser ordenado ao M.mo Juiz que profira nova decisão, na qual indefira o requerido pelo arguido e designe novo dia para a audiência de discussão e julgamento”.
“1ª - Ao contrário daquilo que foi defendido na decisão recorrida, a remissão que o art. 117º do C. Penal faz para o art. 115º do C. Penal apenas se refere ao regime a que está sujeito o direito de queixa dos crimes particulares e não ao direito de acusação particular.
2ª - O disposto no n.º 1 do art. 115º impede que se conclua que a remissão feita pelo art. 117º esteja a referir-se ao direito de acusar. Na verdade, se a remissão do art. 117º para o art. 115º do C. Penal estivesse a referir-se ao exercício do direito de acusar, como é defendido na decisão recorrida, então, nesse caso, em coerência, o direito de acusar extinguia-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tivesse conhecimento do facto (art. 115º/1), o que não fazia qualquer tipo de sentido.
3ª - Limitando-se a referida remissão legal a versar sobre o direito de queixa, então, a argumentação desenvolvida na decisão recorrida cai imediatamente por terra, não existindo qualquer justificação para a extinção do procedimento criminal, uma vez que o recorrente exerceu o seu direito de queixa em relação a todos os arguidos.
4ª - O ofendido de um crime de natureza particular, mesmo que cometido em comparticipação, tem direito a avaliar a prova produzida durante o inquérito, à semelhança daquilo que acontece com o Ministério Público nos crimes de natureza semi-pública e pública e de agir livremente em relação a cada um dos arguidos, deduzindo, ou não, acusação, conforme entenda que estão, ou não, verificados indícios suficientes da prática do crime.
5ª - O recorrente consultou os autos e decidiu não acusar F………., E………., G………., I………. e H………., porque entendeu que o inquérito não continha indícios suficientes para que eles fossem a julgamento.
6ª - A remissão que o art. 117º do C. Penal faz para o art. 116º do C. Penal apenas estabelece que o regime da renúncia e da desistência da queixa dos crimes particulares é o mesmo que está consagrado para os crimes semi-públicos ( art. 116º do C. Penal ).
7ª - A propósito da referida remissão legal, não faz qualquer sentido estar a falar de uma renúncia ou de uma desistência do direito de acusação particular, uma vez que tais ‘figuras’ não têm qualquer consagração ao nível do direito processual penal.
8ª - A remissão que o art. 117º do C. Penal faz para o art. 116º do C. Penal não justifica a extinção do presente procedimento criminal, uma vez que o recorrente não renunciou à queixa, nem desistiu da queixa, em relação aos arguidos.
9ª - Mesmo que se entenda que a remissão do art. 117º para o art. 116º do C. Penal consagra a possibilidade de existir renúncia e uma desistência do direito de acusação particular, então, mesmo nesse caso, continua a não existir qualquer justificação para extinguir o presente procedimento criminal, uma vez que a decisão de não acusar os arguidos F………., E………., G………., I………. e H………. não significa uma renúncia ou uma desistência do direito de acusação particular.
10ª - Por último, e sem conceder, mesmo que estivéssemos perante uma desistência, o presente procedimento sempre teria de prosseguir em relação à arguida D………., uma vez que esta se opôs à desistência da queixa (cfr. fls. 77 dos autos).
11ª - A seguir-se à risca a posição defendida na decisão recorrida, qualquer vítima de um crime cometido em comparticipação teria que acusar todas aquelas pessoas em relação às quais os indícios fossem insuficientes, para garantir o direito de acusar aqueles que estavam verdadeiramente envolvidos na prática do facto criminoso. Esta posição é inaceitável num Estado de Direito Democrático, uma vez que viola o princípio constitucional da presunção de inocência, e, por tal razão, não deverá ser acolhida.
12ª - A decisão recorrida violou as normas constantes dos arts. 115º, 116º e 117º, todos do C. Penal, e a norma constante do art. 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”.
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2. Fundamentação
O objecto do recurso é parametrizado pelas conclusões (resumo das razões do pedido) formuladas quando termina a motivação, isto em conformidade com o que dispõe o art. 412º, n.º 1, de C. de Processo Penal – v., ainda, o ac. de S. T. J., de 15 de Dezembro de 2.004, C. J., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 179, ano XII, t. III/2.004, Agosto/Setembro/Outubro/Novembro/Dezembro, pág. 246.
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Há que, então, definir qual a questão que se coloca para apreciação e que é a seguinte: face a um crime particular, sob a forma de comparticipação, a acusação particular tem de ser deduzida contra todos os arguidos contra quem a queixa foi apresentada?
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Eis os elementos (de facto) que, por relevantes, estão assentes:
C………. (ora assistente) veio apresentar queixa contra D………., tendo, a final, concluído no sentido seguinte: “o comportamento do participado integra a prática do crime de injúrias (p. e p. nos arts. 181º, 182º e 183º, n.º 2, do C. Penal) e do crime de difamação (p. e p. nos arts. 180º, 182º e 183º, n.º 2, do C. Penal).
Posteriormente, veio dizer que pretendia procedimento criminal contra todos os subscritores (restantes) da carta que se encontra junta a fls. 11/13, e que foram os seguintes: L………., B………., M………., N………., O………., P………., Q………., S………., T………., U………., V………., W………., X………., F………., H………., E………., G………., I………. (foram estes, bem como aquela, constituídos arguidos), Y………. e Z……… (não foram constituídos arguidos).
O assistente veio a deduzir acusação particular contra todos aqueles arguidos, com excepção de F………., E………., G………., I………. e H………., bem como dos que não haviam sido constituídos arguidos, imputando-lhes, com base, em termos de apertada síntese, naquela carta, a prática de um crime de injúria (arts. 181º, 182º e 183º, n.º 2, do C. Penal) e de um crime de difamação (arts. 180º, 182º e 183º, n.º 2, do C. Penal).
Ministério Público acompanhou essa acusação particular, com excepção da imputação do crime de injúria, sendo que, em relação aos arguidos não acusados, determinou o arquivamento do inquérito “por falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal”.
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Apreciemos, então, a questão que o recurso convoca.
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Os crimes imputados aos arguidos segundo a acusação particular têm o respectivo procedimento criminal dependente de acusação particular (art. 188º, n.º 1, do C. Penal).
Segundo Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão, pág. 666 (§ 1064), «acusação particular é, nos casos em que esta depende do prosseguimento do processo, a acusação deduzida pelo queixoso, findo o inquérito e disso notificado aquele (o qual, entretanto, deverá ter-se constituído como assistente), independentemente do MP e da posição que este venha a tomar na matéria (CPP, art. 285º)».
Dito isto, porém, não está tudo dito, pois indispensável (por razões óbvias: para que se dê início ao procedimento criminal com a realização do inquérito ...) é que, a montante, tenha havido uma relevante queixa – v. o art. 50º, n.º 1, do C. de Processo Penal.
Ora, por imposição do art. 117º do C. Penal, «o disposto nos artigos deste título (os relativos, então, à queixa) é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular».
Como interpretar esta norma?
Dois podiam ser os sentidos a acolher (o litígio “convertido” neste recurso o indica): o primeiro é o de que as normas que regem a queixa se devem aplicar, com as necessárias adaptações («correspondentemente», nos dizeres da lei), à acusação particular; o segundo é o de que o regime legal da queixa se aplica, tal como para os crimes semipúblicos, aos crimes particulares, em sentido estrito.
Temos para nós, liminarmente, que este segundo sentido não tem correspondência, decisivamente, com o que é a letra da lei, pois se assim fosse certamente que desse art. 117º não constava a expressão «correspondentemente», que, usualmente, equivale àquela que igualmente tem legal utilização, qual seja a «com as necessárias adaptações».
É, aliás, Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão, págs. 681/682 (§§ 1097 e 1098), quem fornece subsídios para o que se veio de dizer, designadamente quando ensina com base no outro entendimento (o da correspondência, digamos assim) e escreve expressamente: «não deve, de resto, esquecer-se que, quando o preceito correspondente ao art. 116º (de C. Penal de 1982) foi discutido na Comissão Revisora do ProjPG de 1963, José Osório “fez notar que o artigo podia dar a entender que o regime da queixa se aplica à acusação particular, quando a ideia parece ser outra: a de que o regime da queixa é o mesmo, quer se trate de um crime particular quer de um crime semipúblico; e a proposta correspondente a este seu parecer foi aprovada por unanimidade!; a proposta era, na verdade, bem fundada; mas a redacção do art. 116º voltou à ideia que se continha no art. 122º do ProjPG de 1963».
Restando, portanto, o primeiro desses sentidos, há que dar mais um passo na senda da decisão que o caso justifica.
Sigamos os ensinamentos do Mestre (Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão, págs. 681/682 (§§ 1097 e 1098), que são os seguintes:
«Isto significa que, dentro das específicas funções cabidas à acusação particular nos crimes estritamente particulares, é o mesmo que na queixa o círculo de titulares do direito de acusação, como é o mesmo o regime a que fica submetida a desistência da acusação. Já, porém, terá pouco sentido falar-se de uma «renúncia» ao direito de acusação, tudo se resumindo em o titular do direito o exercer ou não dentro dos prazos e sob a forma para o efeito especificamente previstos pela lei processual penal (CPP, art. 285º, 1 e 2).
Susceptível de alguma dúvida é saber se devem considerar-se correspondentemente aplicáveis à acusação particular as normas e princípios que vimos ... aplicar-se à queixa em matéria do seu alcance ou da extensão dos seus efeitos (art. 113º). Parece, tudo ponderado, dever negar-se uma tal aplicabilidade e considerar-se que o titular do direito de acusação pode exercê-lo só contra algum ou alguns dos comparticipantes; até por aquele entender, mesmo discordando do MP, que só quanto a esse ou esses existem indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem é (são) o(s) seu(s) agente(s). Já todavia se compreenderá que, uma vez deduzida acusação contra certos arguidos, a desistência dela relativamente a um aproveite aos restantes que também não poderiam ser perseguidos sem acusação particular (art. 114º, n.º 3)».
Mas é exactamente numa situação de comparticipação (como aquela que ora nos ocupa) que começamos por ter muitíssimas dúvidas (que podemos e devemos esclarecer, isto sem prejuízo da humildade que devemos ostentar e do respeito por quem diversamente pensa).
Atentemos, em primeira via, no que em relação à queixa dispõe o art. 115º, n.º 2, do C. Penal: «o não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa».
E, em segunda, nas razões que terão presidido a esta forma de regular esse particular aspecto do direito de queixa, para o que nos vamos socorrer dos ensinamentos de Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão, págs. 676 (§ 1088):
A nossa lei considera «inadmissível que fique no arbítrio do queixoso a escolha dos comparticipantes contra os quais haverá de ter lugar o processo penal: em caso de pluralidade de factos, ele pode escolher aqueles que quer ver processados; em caso de pluralidade de agentes, porém, vale o princípio contido no art. 113º, segundo o qual “a apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes”.
Não é impossível afirmar-se que, caso a opção da lei tivesse sido outra, ela seria ainda compatível com alguma das funções acima assinaladas à queixa, nomeadamente com a de salvaguardar as relações pessoais entre o ofendido e alguns dos agentes. (Ex.: no caso do art. 196º, o ofendido pretenderia procedimento criminal contra o sogro, mas já não contra o pai ou a mãe da criança, comparticipantes no crime). Todas as contas feitas, porém, a lei ter-se-á deixado conduzir pela consideração de que uma tal escolha dos agentes abriria a porta à intervenção, possível ou mesmo provável, de considerações absolutamente estranhas às razões político-criminais que dão fundamento ao instituto».
Ora, assim sendo para a queixa, qual a razão, relevante (que não permitisse, então, essa ilegítima “escolha” ...), que obstava a que não fosse para a acusação particular?
Não vemos qual possa ser.
Parece-nos algo paradoxal exigir para a queixa aquela abrangência e, não, para a acusação particular, certo sendo que em termos processuais esta não deixa de ter uma valia substancial de maior significado; mas ainda que essa diversidade de valia se não devesse afirmar, o que se nos afigura seguro é que se assim fosse se estaria a dar guarida a uma espécie de conflito de valorações; ao cabo e ao resto, o que a abrangência da queixa pretendia obviar era afastado pela não abrangência da acusação particular, assim se fazendo com que, a final, somente os “escolhidos” fossem alvo da efectiva perseguição criminal.
Uma única razão (legítima) podia determinar que a acusação particular não fosse deduzida contra todos os comparticipantes: a da inexistência de comparticipação, obviamente sustentada na inexistência de seus indícios (como o intuiu mui claramente o Mestre, como se disse acima ...).
A lei processual, no entanto, somente ao Ministério Público confere a possibilidade de análise da prova produzida em inquérito, de molde a sustentar a afirmação da existência ou da inexistência de indícios, com o sentido de arquivar o inquérito ou deduzir a acusação (arts. 277º, n.ºs 1 e 2, e 283º, n.ºs 1 e 2, do C. de Processo Penal); ao assistente, no caso de acusação particular, tal já lhe não é permitido, somente lhe sendo conferida a possibilidade de a deduzir, querendo (art. 285º, n.º 1, do C. de Processo Penal).
Mas se inexistissem indícios, era ao arguido, acusado, que competia reagir, querendo, pelo requerimento de instrução (art. 287º, n.º 1, al. a), do C. de Processo Penal).
Daqui que qualquer juízo sobre a existência (para a afirmação da situação de comparticipação) ou a inexistência (para a afirmação da situação de não comparticipação) de indícios, fora daqueles parâmetros, de nada possa valer, designadamente para sustentar ou infirmar a indispensabilidade, ou não, da descrita abrangência na dedução da acusação particular.
Assim sendo, somente a correspondência, perfeita, digamos assim, entre a queixa e a acusação particular se justifica por força do que impõe o art. 117º do C. Penal, de forma a afirmar-se a extensão dos efeitos daquela relativamente a esta, cabendo realçar que se não logra encontrar razão ou motivo para se sustentar, como este entendimento, qualquer violação do art. 32º, n.º 2, do C. de Processo Penal.
Ora, e como no caso essa correspondência não se mostra feita, por força da extensão dos efeitos da queixa, temos que o processo não pode prosseguir.
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Eis a conclusão: os recursos não merecem provimento.
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3. Dispositivo
Nega-se provimento aos recursos.
Condena-se o assistente, por ter decaído totalmente no recurso que interpôs, em 3 UC de taxa de justiça (a situação económica do assistente é desconhecida; é algo reduzida complexidade do processo) – arts. 515º, n.º 1, al. b), de C. de Processo Penal, 82º, n.º 1, e 87º, n.ºs 1, al. b), e 3, de C. das Custas Judiciais.
Porto, 5 de Julho de 2006
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Arlindo Martins Oliveira
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob