Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
105/20.1T9CPV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO AFONSO LUCAS
Descritores: CRIME DE OFENSA A PESSOA COLECTIVA
ORGANISMO OU SERVIÇO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO
CONFISSÃO
Nº do Documento: RP20230503105/20.1T9CPC.P1
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: REENVIO DO PROCESSO PARA JULGAMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - O tipo legal do crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, previsto no artigo 187.º, n.º 1, do Código Penal, não restringe a execução dos factos a uma forma vinculada, reportando às abrangentes expressões «afirmar ou propalar», pelo que nele se abrange quer o uso da verbalização, quer da palavra escrita, quer de qualquer outra forma de divulgação apreensível e compreensível pelos respetivos destinatários.
II - Incorre no vício de contradição insanável da fundamentação, nos termos do artigo 410,º, n.º 2, b), do Código de Processo Penal, a sentença que, do mesmo passo que consigna haver o arguido procedido a uma confissão livre, integral e sem reservas, vem a consignar que a prova sobre factos relevantes para o preenchimento dos elementos típicos objetivos e subjetivos dos crimes imputados emerge das declarações do assistente e de testemunhas, não permitindo a fundamentação da decisão percecionar com a devida segurança e delimitar o alcance daquela confissão e destes outros meios probatórios.
III - Incorre ainda a sentença em apreço no vício de contradição insanável da fundamentação, quando, apesar de consignar a existência de uma confissão livre, integral e sem reservas, vem a considerar como não provados factos de sentido contrário à inveracidade das imputações efetuadas pelo arguido no âmbito dos crimes de difamação e ofensa à pessoa coletiva pelos quais vem condenado, o que afastaria a possibilidade de o arguido admitir estar consciente da respetiva falsidade
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 105/20.1T9CPV.P1

Tribunal de origem:
Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro


Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 105/20.1T9CPV que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva, em 02/11/2022 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor :
« VI – Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de difamação com publicidade e calúnia, p. p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
b) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, com publicidade e calúnia, p. e p. nos termos dos artigos 187.º e 183.º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão;
c) Realizar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, nos termos do artigo 77.º, do Código Penal, assim determinando a aplicação de uma pena única de 1 ano e 1 mês de prisão;
d) Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA pelo período de 1 ano e 6 meses, subordinando-a a regime de prova, direcionado para a sensibilização o respeito pela honra e bom nome alheios, e ao cumprimento dos deveres de apagar a publicação em 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão e de manter procura ativa de emprego durante o período da suspensão;
e) condenar o arguido AA a publicar, a expensas suas, no Jornal de Notícias, o teor da presente decisão, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado;
f) Julgar improcedente, por legalmente inadmissível, o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do disposto na al. precedente;
g) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente BB, e, em consequência, condenar o arguido/demandando AA, a pagar àquele a quantia de €2.000,00 (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal em vigor, desde a data da notificação desta sentença, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
h) Determinar que o pagamento da indemnização que compõe a al. precedente seja feito, pelo arguido, ao Centro de Acolhimento Residencial para crianças e jovens em risco, denominado «A...» no lugar de ... – e gerido pela Associação dos Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios, com sede na Rua – ... da União de Freguesias ..., ... e ... – Castelo de Paiva;
i) Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente B..., Lda., e, em consequência, absolver o arguido do pedido.

Custas criminais do processo a cargo do arguido, reduzidas a metade, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – artigo 344.º, n.º 2, c), do Código de Processo Penal.
Custas na parte cível, referentes ao pedido deduzido pelo assistente, a dividir por ambas as partes, quanto ao pedido do assistente BB, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em 36,36% para o arguido/demandado e em 63,64% assistente/demandante – artigos 446.º, n.ºs 1 e 2, 527.º do Código de Processo Civil, e 523.º, do Código de Processo Penal.
Sem custas na parte cível, referente ao pedido deduzido pela assistente B..., Lda. – cf. o artigo 4.º, n.º 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais»

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 02/12/2022, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.
2. Face à confissão do arguido foram indevidamente dados como provados factos que não resultam daquela confissão.
3. Mas outrossim da prova feita em sede de Pedido de Indemnização Cível (PIC).
4. Entre outros, os factos insertos nos pontos 6., 7. e 12. dos factos provados.
5. Tanto mais que, resulta do elenco dos factos dados como provados, mas também da explanação da MM Juiz a quo quanto ao modo de formação da sua “Convicção sobre a matéria de Facto”, que para o efeito os factos provados entre os pontos 1. e 20. resultaram entre outros, das declarações do assistente e dos depoimentos das testemunhas.
6. Sendo que o assistente, BB (ficheiro 2022/026/03454_4174087_2870300 da gravação da 1ª sessão de julgamento) e duas das testemunhas indicadas no PIC, CC, amigo do assistente (ficheiro 2022/026/04718 da gravação da 1ª sessão de julgamento) e, DD, gestora financeira da assistente, B..., Lda (ficheiro 2022/026/05435 da gravação da 1ª sessão de julgamento.), foram ouvidos para prova do PIC.
7. Não tendo o arguido beneficiado da mesma possibilidade de ouvir as suas testemunhas.
8. Face á sua confissão.
9. Ora, a decisão penal, tal como consta até da sentença recorrida, deve ser suportada na confissão do arguido e na prova documental junta aos autos, nomeadamente na publicação feita por este na plataforma Facebook em 20.04.2020, a que acresce o certificado de registo criminal do arguido.
10. O que in casu não aconteceu.
11. Tendo relevado os referidos depoimentos, donde resultou uma clara valorização de alegadas repercussões dos actos do arguido na esfera dos assistentes, assim como juízos de valor quanto ás intenções do arguido, que foram mencionadas por aqueles três intervenientes (assistente e testemunhas do PIC), sem que a este tivesse sido dado o direito ao contraditório.
12. Vide também, entre outros, no ponto 6. e 12. do elenco dos factos provados e a fls 22, 23 e 24 da sentença a quo sob a epigrafe, “Analisando o caso concreto”.
13. A que acresce que também se dá como provado no ponto 6. dos factos provados que o arguido teve “… o objetivo de rebaixar, humilhar e denegrir o assistente … por cisma e rancor aos assistentes, …”
14. Sendo que, a ..., a cisma e o rancor são estados de alma, sentimentos, que não consubstanciam factos.
15. Logo, não são passíveis de integrar a confissão realizada nos termos do artº 344º do CPP.
16. E ainda assim a MM Juiz a quo não se inibiu de os incluir no elenco dos factos provados que consubstanciam a sua decisão nos presentes autos.
17. Denunciando a referida tendência penalizadora que resulta da valorização – em nosso entendimento, indevida – das declarações e depoimentos supra referidos, fazendo-os repercutir na condenação penal.
18. Por outro lado, ainda que confessando os factos, ou seja, de que fez a publicação em crise nos autos, o arguido desde logo ressalvou que o fazia na convicção de que o que escreveu na referida publicação correspondia á verdade.
19. E ainda assim no ponto 6. in fine dos factos provados refere-se que este usou as expressões insertas na referida publicação “… mesmo sabendo que as mesmas eram inverídicas.”.
20. Quando, este apesar da sua confissão dos factos, nunca afirmou não estar convencido da veracidade do teor daquela publicação ou das informações que estariam na origem da mesma.
O que resulta claro, das suas declarações – que constam da gravação da primeira sessão de julgamento no ficheiro 2022/026/0812-4174087-2870300 – quando a MM Juíz a quo lhe pergunta: “então se assume as consequências do que fez então está a dizer que é verdade aquilo que lhe é imputado, é isso? Aquela publicação?
A sua resposta é: “É verdade, fui eu que a fiz, fi-la porque tive acesso a informação que em parte é pública na região e outra parte é privada por causa do meu relacionamento com trabalhadoras daquela fábrica. Há um enquadramento que leva a essa publicação, ou seja, há uma transposição de uma fábrica antiga para uma nova mediante um incêndio. Nessa transposição, trabalhadoras da fábrica antiga para a fábrica nova perdem as antiguidades e direitos. Foi aí que algumas trabalhadoras que me são conhecidas e até são minhas amigas contactaram-me em termos pessoais.
E de novo a instâncias da MM Juíz a quo que lhe pergunta se “… tudo aquilo que ali está, é verdade?
A sua resposta é clara: “Sim”.
21. Donde resulta que a confissão do arguido, foi no sentido de assumir os factos de que vinha acusado mas não, a inveracidade das suas afirmações. – cf. resulta das suas declarações supra transcritas.
22. Tanto mais que, cf. alínea K) dos factos não provados, face às respostas da ACT que referem a existência de procedimentos contra a assistente e/ou as empresas do mesmo grupo empresarial, não ficou provado que “A assistente cumpre com os horários de descanso e períodos máximos de trabalho diário e anual, não tendo qualquer procedimento contraordenacional registado na ACT e na IGSS, Comissão da Igualdade de Género, etc.” .
23. O que confirma, nessa parte, a veracidade da publicação do arguido.
24. Sendo que a referida valorização – em nosso entendimento, indevida – dos depoimentos supra referidos, culmina com uma condenação que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não valorizou a confissão do arguido.
25. Pois que, deveria a MM Juiz a quo – tal como refere na sentença recorrida – ter formado a sua convicção cingindo-se às declarações do arguido acompanhadas dos documentos juntos aos autos e do seu registo criminal.
26. O que reitera-se, acabou por não acontecer.
27. A que acresce que, a ser valorizado, como foi, o número de comentários feitos àquela publicação, vide ponto 7. dos factos provados, também deveria ter sido levado em conta seu teor, nomeadamente que na sua maioria diziam respeito temas genéricos como a exploração laboral e não aos assistentes.
28. E, que pese embora não tenha apagado a publicação em questão (cf ponto 11. dos factos provados), o arguido há muito que se inibiu praticar qualquer acto ou alteração que pudesse renová-la fazendo-a aparecer no seu mural, pelo que à data do julgamento há muito que não estava sequer visível.
29. Quanto ao demais, nomeadamente, os pontos 12. e seguintes dos factos provados, apenas relevam – ou deviam relevar – para efeito de apreciação do PIC.
30. Vícios que, nos termos do artº 410º do CPP, consubstanciam, entre outros, erro notório na apreciação da prova.
31. O que leva á nulidade da sentença penal recorrida por in casu ter conhecido de questões de que não podia ter tido conhecimento para efeitos penais.
32. Foi o arguido condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de difamação com publicidade e calúnia, p. p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, com publicidade e calúnia, p. e p. nos termos dos artigos 187.º e 183.º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, donde resultou em cúmulo jurídico daquelas penas a aplicação de uma pena única de 1 ano e 1 mês de prisão.
33. Pena cuja execução foi suspensa pelo período de 1 ano e 6 meses, subordinada a regime de prova direcionado para a sensibilização o respeito pela honra e bom nome alheios, e ao cumprimento dos deveres de apagar a publicação em 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão e de manter procura ativa de emprego durante o período da suspensão.
34. E ainda a publicar, a expensas suas, no Jornal de Notícias, o teor da presente decisão, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado.
35. Ora, o arguido entende que a pena que, em cúmulo jurídico, lhe foi aplicada é manifestamente desproporcionada.
36. Pois que como supra se o arguido confirmou os factos que recaem sobre si, tendo-os confessado.
37. Confissão que deveria ter sido levada em consideração acima de qualquer outra circunstância pela MM Juiz a quo, para determinar a medida da pena a aplicar.
38. Assim como, deveria na formação da sua convicção ter-se restringido aos factos – sem levar em conta, quer as declarações do assistente, quer os depoimentos de duas testemunhas indicadas por este para prova da matéria do PIC.
39. Sendo que não o fazendo, houve por parte da MM Juiz a quo uma tendência penalizadora do comportamento do arguido que se repercute na(s) pena(s) aplicada(s), o qual, apesar da sua confissão, em nosso entendimento, teve uma “pena pesada”.
40. Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração todas as circunstâncias que do julgamento resultaram a seu favor, mas principalmente as que foram a seu desfavor, em consequência se violando os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no artº 71º do CP.
41. Entre outros, na determinação concreta da pena deve o Tribunal, atender ao modo de execução do crime bem como aos fins ou motivos que determinaram o seu cometimento e os sentimentos manifestados as condições pessoais e económicas do agente.
42. In casu é de realçar que o arguido é uma pessoa com um elevado sentido de justiça social, que perante relatos que ouviu de pessoas próximas entendeu expressar a sua opinião, usando da liberdade de expressão e do direito à critica que assiste aos cidadãos em gera através deu ma publicação na sua página do Facebook.
43. Tendo confessado os factos – com a ressalva (tal como resulta das suas declarações em audiência de julgamento supra transcritas), de que não preconizava a inveracidade da publicação em questão.
44. Tanto mais que, pelo menos parcialmente, face aos ofícios juntos aos autos pela ACT aos autos, não ficou provado que “A assistente cumpre com os horários de descanso e períodos máximos de trabalho diário e anual, não tendo qualquer procedimento contraordenacional registado na ACT e na IGSS, Comissão da Igualdade de Género, etc.”
45. Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no artº 71º do CP.
46. Tanto mais que, tal como consta do seu Registo Criminal, os 3 crimes anteriores, foram todos praticados em 2017, e tiveram todos na sua génese situação dos trabalhadores das empresas que exploram comercialmente o Rio ... – cujas penas já foram devidamente cumpridas pelo arguido, encontrando-se extintas.
47. O que também deveria relevar a seu favor e não apenas amenizar o seu historial – como consta da douta sentença a quo.
48. Sendo seu entendimento que o Tribunal deverá condená-lo em penas mais harmoniosas, proporcionais e justas face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no artº 71º do CP, que não deverão ultrapassar os 8 (oito) meses para o crime de difamação e 6 (seis) meses para o crime de ofensa a pessoa colectiva.
49. E, em cúmulo, aplicar-lhe a pena única de, no máximo, 10 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período ou outro que entenderem conveniente.
50. Por se entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade.
51. Como tal, deve ser revogada a decisão recorrida e arguido ser condenado nos termos supra, ou seja, a uma pena, em cúmulo jurídico, de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
52. Por outro lado, veio também o arguido condenado a publicar a sentença no Jornal de Notícias.
53. Estando nós perante um crime cuja execução se consubstanciou numa publicação feita numa rede social, concretamente, o Facebook, com um público alvo e alcance, bem diferente de um jornal de alcance nacional do Jornal de Notícias.
54. Estando nós em concreto perante uma publicação que apesar de constar de um perfil publico se não for deliberadamente feita uma pesquisa para a encontrar, apenas é visível para os “amigos” do seu autor, podendo ainda sê-lo para os “amigos” daqueles que á mesma reagirem mediante um “gosto”, um comentário, etc.
55. Estando nós em concreto perante uma publicação cujo alcance, tal como resulta da própria sentença a quo, se limitou á população laboral da freguesia e ... e .... – cf. ponto 12. dos factos provados.
56. Estando nós perante uma extensa sentença com 42 fls.
57. Estando nós perante um jornal, o Jornal de Notícias, que pratica elevados preços de publicações.
58. Estando nós perante um arguido que, tal como consta dos autos, tem uma situação financeira precária, – cf. pontos 23. a 24. dos factos provados – a execução da referida pena acessória impõe-lhe um esforço financeiro muito elevado, quiçá incomportável.
59. Havendo assim uma clara desconformidade entre o acto com base no qual o arguido foi condenado – uma mera publicação no Facebook - e a obrigação de publicação da sentença no referido órgão de comunicação social de alcance nacional.
60. O qual, face ao custo que essa condenação acessória acarreta para o arguido ser muito superior ao benefício que da mesma resultaria para os assistente, se nos afigura inadequado para tal fim - em violação do que prevê o artº 189º do Código Penal.
61. Em clara violação pelo artº 71º nº 2 alíneas a) e d) do Código Penal.
62. Devendo, em consequência, a referida pena acessória ser anulada e o arguido absolvido da pena acessória em questão por esta se revelar inadequada para o fim a que se propõe, exagerada e desproporcional, não tendo em consideração as condições pessoais do arguido, incluindo a sua situação económica.
Termina requerendo dever ser concedido provimento ao recurso e, por via dele, ser declarada nula a sentença recorrida com as inerentes consequências legais ; ou, caso assim não se entenda, ser revogada a sentença na parte em que condenou o arguido na pena única de prisão (suspensa na sua execução) na medida que vem fixada, por ser desproporcionada às finalidades da punição, e ser aplicada ao recorrente, em cúmulo, uma pena não superior a 10 (dez) meses de prisão (sempre suspensa na sua execução por igual período ou outro que se entenda conveniente).
Mais propugna que, sempre por via do provimento do presente recurso, seja revogada a pena assessória de publicação da sentença no “Jornal de Noticias”, por ser inadequada para o fim a que se propõe, exagerada e desproporcional.

O recurso, em 05/12/2022, foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, em 05/01/2023, propugnando pela respectiva improcedência, concluindo da seguinte forma:
1.O arguido AA (no que tange a matéria penal) foi condenado nos presentes autos pela pratica, em autoria material, de um crime de difamação com publicidade e calúnia, p. p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 2 do Código Penal e de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, com publicidade e calúnia, p. e p. nos termos dos artigos 187.º e 183.º do Código Penal, na pena única de l ano e 1 mês de prisão, pena essa suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, subordinando-a a regime de prova, direcionado para a sensibilização o respeito pela honra e bom nome alheios, e ao cumprimento dos deveres de apagar a publicação em 10 dias a contar do transito em julgado da presente decisão e de manter procura ativa de emprego durante o período da suspensão.
2.Foi, ainda, o arguido AA condenado a publicar, a expensas suas, no Jornal de Noticias, o teor da presente decisão, no prazo de 10 dias ap6s o trânsito em julgado.
3. O arguido não se conformando com a douta sentença veio dela interpor recurso, alegando a nulidade da sentença, nos termos do art.º 379.º n.º 1, al. c) do CPP e a violação dos normativos correspondentes a determinação da medida das penas principal e acessória, em especial, a violação dos artigos 71.º e 189.º ambos do Código Penal, contudo, não assiste razão ao mesmo, devendo improceder ambos os pedidos.
4. Vem o arguido alegar que o Tribunal a quo não valorizou a confissão do arguido como deveria e que os depoimentos do assistente e de duas testemunhas indicadas no PIC influenciaram a formação da convicção da Mm Juiz.
5. Não assiste razão ao arguido, porquanto tanto o assistente como as duas referidas testemunhas foram ouvidas apenas para efeitos do PIC deduzido pelo primeiro. Alias, resulta da própria sentença, em especifico, da motivação, uma divisão clara entre a matéria penal que foi dada como provada e cuja convicção assentou quer na prova documental junta aos autos, quer na confissão integral e sem reservas do arguido, e a matéria cível.
6. Ademais, o arguido foi questionado mais do que uma vez pelo Tribunal a quo se queria confessar integralmente e sem reservas os factos pelos quais veio acusado, sendo alertado que a confissão abrangia todos os factos da acusação e que, assim renunciava a restante produção de prova, ao que o mesmo respondeu e renovou a sua resposta sempre em sentido afirmativo.
7. Por outro lado, se atentarmos ao elemento objetivo do tipo do crime de difamação, verifica-se, nos termos do art.º 180.º, n.º 2, al. b) do CP que "A conduta não e punível quando: (...); b) 0 agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira".
8. Logo, se o arguido quis confessar integralmente e sem reservas todos os factos pelos quais foi acusado, sabendo que renunciava a restante produção de prova, não pode agora alegar que o Tribunal a quo deveria ter valorado a confissão de outra forma por considerar que os factos constantes da sua publicação no Facebook são verdadeiros, quando para isso teria de provar a verdade de tal imputação, ao que renunciou expressamente.
9. Relativamente a alegada violação do normativos correspondentes a determinação da medida da pena, entendemos que não assiste razão ao arguido, porquanto a determinação da medida da pena efectuada pelo Tribunal a quo observou os critérios legalmente estabelecidos no art.º 71.º do CP.
10. De facto, a opção entre a punição com uma pena detentiva ou uma pena não detentiva encontra-se devidamente explicitada na sentença recorrida, sendo absolutamente perceptível o juízo operado pelo julgador que, ao considerar os dois crimes praticados e em apreciação nos autos com a personalidade do arguido, expressa também nos seus antecedentes criminais (todos pelos mesmos tipos de ilícito), concluindo que a pena não privativa de liberdade não surtiria aqui o efeito pretendido pelo nosso ordenamento jurídico.
11. Conforme se pode extrair da leitura da sentença recorrida, foram levados em linha de conta o grau elevado de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo com que o arguido actuou e as consequências da sua actuação, essencialmente no assistente. A que acresce e ressalta, o não apagamento da publicação ate ao presente, o que potenciou profundamente a probabilidade de divulgação.
12. Consideradas todas as circunstâncias concretas e tendo presentes as finalidades de prevenção geral e especial e ainda a culpa do recorrente, a condenação na pena unitária de 1 ano e 1 mês de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, não se nos afigura como desajustada, antes pelo contrário, consideramo-la como perfeitamente adequada e proporcional.
13. Quanto a eventual violação do art.º 189.º do CP, também não assiste razão ao arguido, porquanto o Tribunal a quo acolheu a pretensão do assistente (titular do direito de queixa e da acusação particular) que requereu especificamente a publicidade no Jornal de Notícias, nos termos do referido artigo, não se considerando que a mesma seja desproporcional atentas as consequências que o assistente sofreu com a publicação do arguido e que não se cingiram apenas a população de Castelo de Paiva, tal como resulta dos factos provados.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em 13/02/2023, no parecer que emitiu, propugna por seu turno por que a sentença recorrida padece de contradição insanável entre os factos dados como provados e não provados e a sua motivação de facto com influência directa na decisão final de condenação, o que nesta sede se invoca, nos termos do artigo 410º/2/b) do Cód. de Processo Penal, referenciando o seguinte :
«Conforme dispõe o artigo 344.º do CPP, a confissão integral e sem reservas do arguido implicava no caso concreto a renúncia à produção de prova.
Porém, da gravação feita ao modo como foi expressa a confissão suscitam-me dúvidas quanto ao seu caracter integral, dado que foi muito claro que o arguido ao assumir a autoria do texto publicado por ele disse também que o mesmo se baseou em parte naquilo que era do conhecimento público em ... e naquilo que lhe foi dito por trabalhadoras da fábrica dirigida pelo assistente.
Perguntado se o que ali escreveu é verdade, disse que sim.
E é neste momento que a Mª juíz, em meu entender erradamente, assim como a Digna procuradora da República ao não se opor, considerou que o arguido estava a assumir na integra o constante da acusação e o fez constar em acta.
Ora na acusação, dado que se trata de imputação de factos, afirma-se que o arguido sabia da falsidade desses factos e que os mencionou com a intenção de numa forma pública colocar em causa a honra do assistente e o prestígio da empresa que dirigia.
Claramente não foi o afirmado pelo arguido na sua confissão, pelo que deveria ter sido considerado que o mesmo confessou parcialmente os factos e não na integra, o que implicava uma decisão fundamentada por parte da Mª Juíz quanto à necessidade de produção de prova.
E na verdade, em total contradição com o disposto no artigo 344.º do CPP, o tribunal a quo deu como não provados alguns factos constantes da acusação, supostamente confessados pelo arguido, e acrescentou circunstâncias aos factos provados resultantes da audição do assistente e testemunhas indicadas ao pedido cível, como é o caso da expressão contida no facto dado como provado em 6.º e mencionado pelo recorrente.
Assim, o tribunal a quo dá como não provados e com relevância para a causa, como assim se consigna, factos mencionados no texto publicado pelo arguido e que está na base da imputação objectiva dos crimes pelos quais foi acusado.
Vejamos!
No ponto 4 dos factos dados como provados faz-se consignar nomeadamente o seguinte «Desde que a nova administração patronal tomou conta da fábrica que as trabalhadoras trabalham sob um intenso controlo de um sistema de câmaras interno, em género de big brother. Para além dos baixos salários praticados e da perda de antiguidades, as idas à casa de banho são controladas por uma luz vermelha que, quando dispara, alerta as operárias que o seu tempo para necessidades fisiológicas naturais terminou e que têm de voltar à produção. Os horários de descanso não são cumpridos integralmente».
Por sua vez, na alínea a) dos factos dados como não provados consigna-se: «O falso clima de assédio – que ocorreria na assistente sociedade - mediante introdução de meios eletrónicos de limitação ao acesso dos seus colaboradores às casas de banho, de câmaras de videovigilância instaladas internamente com o propósito de estilo “big brother” e que tal clima criado pela estrutura hierárquica diretiva onde o assistente é o último responsável, originou um aborto espontâneo, continua a ser falado na comunidade laboral e social da fábrica e daqueles com que ela se relacionam e/ou dependem».
Novamente no ponto 4 dos factos dados como provados se consigna como parte integrante do texto publicado no arguido «Os horários de descanso não são cumpridos integralmente».
Por sua vez, na alínea k) dos factos dados como não provados faz-se constar «A assistente cumpre com os horários de descanso e períodos máximos de trabalho diário e anual(…)».
Mais uma vez no ponto 4 dos factos dados como provados se consigna como parte integrante do texto publicado no arguido «Inclusive, regista-se o aborto espontâneo de uma operária, que coincide com o último período de maior repressão na fábrica».
E também mais uma vez na alínea k) dos factos dados como não provados se consigna «e que tal clima criado pela estrutura hierárquica diretiva onde o assistente é o último responsável, originou um aborto espontâneo, continua a ser falado na comunidade laboral e social da fábrica e daqueles com que ela se relacionam e/ou dependem».
Por outro lado, no ponto 6 dos factos dados como provados consigna-se «Estas expressões do arguido são realizadas com o único objetivo de rebaixar, humilhar e denegrir o assistente – enquanto líder máximo da estrutura hierárquica e dinamizador do investimento – de forma pública, bem como o seu bom nome, assim como a imagem, confiança e prestígio da assistente sociedade, por cisma e rancor aos assistentes, mesmo sabendo que as mesmas eram inverídicas».
Para além de tal facto, referente ao elemento subjetivo, estar em oposição aos factos dados como não provados em a) e k), acrescentam-se ainda expressões que não constavam da acusação particular, como “rancor” e “cisma”.
Na motivação de facto da sentença recorrida, refere-se que os pontos 1 até 16 dos factos dados como provados tiveram como base a confissão sem reservas do arguido e de todos os elementos de prova documental supra elencados e, bem assim, do depoimento das testemunhas e das declarações do assistente.
- o facto n.º 16 emerge das declarações do assistente.
- os factos n.º 18 a 20 extraíram-se da concatenação das declarações do assistente com aprova testemunhal produzida.
Vejamos novamente!
Reiterando já o mencionado quanto a facto do arguido não ter confessado integralmente os factos, sempre se verifica que mais uma vez foi desrespeitado o disposto no artigo 344.º do CPP, dado que o tribunal a quo acabou por ouvir o assistente e testemunhas indicadas aos factos constantes da acusação.
Como mero exemplo refere-se, para além dos factos respeitantes ao elemento subjetivo, o que se fez consignar no ponto 13 dos factos dados como provados «Aí, o assistente BB é conhecido por ser o patrão do grupo C... Lda., um empreendedor de sucesso, com base no trabalho e mérito próprio em criar emprego (como é o caso da fábrica em ... que tinha sido destruída pelo incêndio) e apostar na criação nacional, promovendo marcas nacionais ligadas ao calçado bem como na vertente formativa e tecnológica do calçado, transformando o seu Grupo Industrial em um exportador de referência».
Não se colocando a hipótese de que tal facto tenha resultado da confissão do arguido, presume-se que o mesmo tenha como base as publicações juntas aos autos pelo assistente e pelas suas próprias declarações de auto-promoção.
Conforme é referido pelo arguido recorrente, também ainda nos interrogamos: é este facto integrativo da prática criminosa ou da medida da pena a aplicar ao arguido ou diz respeito ao pedido de indemnização civil?, sendo certo que o mesmo não consta nem na acusação particular, nem a articulação do pedido de indemnização civil.
Mas mais incompreensível é a prova associada na motivação de facto ao ponto 16 dos factos dados como provados.
A esse facto associam-se as declarações do assistente.
Vejamos o ponto 16 dos factos dados como provados «O arguido agiu de forma deliberada, voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e ofendia o bom nome, a dignidade, a honra e consideração profissional do assistente BB, assim como a credibilidade, prestígio e confiança da assistente B...- Lda., o que quis e conseguiu».
Para além de se consignar de forma contraditória que o arguido confessou integralmente os factos pelos quais era acusado incluindo o elemento subjectivo, fundamenta-se depois tal facto com as declarações do assistente.
Como é evidente tal fere as regras da experiência comum, dado que estamos perante um escrito publicado numa rede social, não tendo o assistente nenhum conhecimento acrescido sobre a personalidade do arguido ou dos seus processos de intenção, por com ele não ter qualquer relação pessoal, sendo certo que dispõe o n.º2 do artigo 180.º do Código Penal, que tratando-se da imputação de factos, que não relativos à intimidade da vida privada e familiar, a conduta pode não ser punível se a mesma realizar interesses legítimos ou o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
Estes factos não foram indagados pelo tribunal a quo - mas ao mesmo tempo aparentemente foram, mais uma vez em produção de prova que tinha sido renunciada - e por outro lado o próprio tribunal a quo dá como não provados - o que cria a possibilidade da sua verificação ou não - factos imputados pelo arguido ao assistente e à empresa à qual este último está ligado.
Por sua vez, é também claro que o Tribunal a quo mistura factos respeitantes à acusação, com factos respeitantes ao pedido de indemnização civil, conforme é alegado em sede de recurso.
Torna-se evidente que a sentença recorrida padece de contradição insanável entre os factos dados como provados e não provados e a sua motivação de facto com influência directa na decisão final de condenação, o que nesta sede se invoca, nos termos do artigo 410.º, n.º2 b) do CPP e que prejudica o conhecimento dos restantes fundamentos do recurso interposto.»

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, em cuja sequência os assistentes/demandantes cíveis “B..., Lda.” e BB vieram pronunciar–se no sentido de não assistir razão à Digna Procuradora–Geral Adjunta no que tange ao parecer emitido.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
*

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre :
1. saber se se verifica na Sentença recorrida algum dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo,
2. saber se a medida concreta da pena de única de prisão aplicada ao arguido é excessiva ;
3. saber se deve ser revogada a sanção acessória de publicação da sentença.

Porque a apreciação das questões suscitadas deverá efectuar–se pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem, comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida na parte relevante para a presente decisão na parte que efectivamente releva para a presente decisão – isto é, no que tange à matéria de facto considerada na mesma e à respectiva motivação.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância :
« II. Fundamentação de facto

a. Factos Provados :
Consideram-se provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. O arguido possui e gere, com acesso personalizado, uma página na rede social na internet denominada Facebook, com a sua fotografia.
2. A plataforma informática Facebook foi criada para facilitar a divulgação, partilha e envio dos mais diversos conteúdos sendo a rede social com mais utilizadores no nosso país e em todo o mundo.
3. Nesta página, entre outras coisas, o arguido coloca o seu perfil, e dados pessoais de forma livre e voluntária, acessível a todos.
4. Na sequência de tal utilização, no dia 20 de abril de 2020, às 19:55, o arguido, de forma livre e voluntária, planeou e executou um post, colocando fotografia do antes e depois do incêndio do espaço que vitimou as instalações da, agora, sociedade assistente B... Lda., em 2017, e, nessa página do Facebook, escreveu e publicou no seu mural on line, que é lido por quem o visita, através da internet, para além do mais o seguinte:
«[….] Quem não sente não é filho de boa gente. A mulher trabalhadora e os acontecimentos macabros vindos da fábrica de calçado da .... Existem dois acontecimentos que para nós, habitantes do ..., ficarão para sempre marcados na nossa pele e memória: a queda da ponte de Entre-os Rios (2001) e os incêndios que devastaram mais de 80% do território de Castelo de Paiva (2017). O que se segue está directamente ligado a este último desastre. A antiga fábrica de calçado da ... ardeu. Propriedade privada da empresa “D...”, contava com 90 trabalhadoras e trabalhadores. Após o sucedido, o patronato abandonou a fábrica e deu-se lugar a um novo investimento conjunto entre o grupo C..., que detém fábricas em três concelhos distintos (..., ... e ...), e incentivos de apoio por parte do Estado portu(bur)guês.(1) Os 90 postos de trabalho perdidos foram “recuperados”. Mas a que custo?
Andava eu pelo Porto e já lá chegavam relatos acerca dos métodos de repressão que patrão e chefias aplicavam às trabalhadoras desta “nova fábrica”. Calhou que recentemente tenha sido operado a um ombro, devido a um acidente de trabalho no Rio ... em 2016-2017, e que tenha regressado à minha terra natal para a recuperação. E os relatos aumentaram, com contornos macabros. É sabido que naquela fábrica trabalham pessoas que me são queridas, mas, mesmo que assim não fosse e dado a gravidade dos relatos, uma posição e exposição pública acerca do assunto é algo que cabe na solidariedade, apoio e união entre trabalhadores explorados. Chegou a hora de o fazer.
Desde que a nova administração patronal tomou conta da fábrica que as trabalhadoras trabalham sob um intenso controlo de um sistema de câmaras interno, em género de big brother. Para além dos baixos salários praticados e da perda de antiguidades, as idas à casa de banho são controladas por uma luz vermelha que, quando dispara, alerta as operárias que o seu tempo para necessidades fisiológicas naturais terminou e que têm de voltar à produção. Os horários de descanso não são cumpridos integralmente. Mas a coisa atinge proporções aterradoras quando se começa a registar a perda de saúde, física e psicológica, das operárias.
As baixas “normais” e psiquiátricas começam aumentar ao ponto de a própria médica da Extensão de Saúde ... afirmar que “algo não está certo” para tantas operárias da mesma fábrica requererem baixas. Inclusive regista-se o aborto espontâneo de uma operária, que coincide com o último período de maior repressão na fábrica, fruto do aparecimento de uma nova chefia-encarregada proveniente dos conglomerados industriais do calçado de .... Ao que tudo indica, essa capataz da burguesia já em ... executava as mesmas práticas.
Já faz tempo que a relação entre o modo de produção capitalista e a degradação das condições físicas e psicológicas do operariado industrial está documentada. Friederich Engels, através do estudo da “condição da classe trabalhadora em Inglaterra” (2), expôs que a nossa exploração às mãos da burguesia produzia doenças degenerativas que se tornavam hereditárias à próxima prole de trabalhadores, desde articulações, pernas tortas, tornozelos inchados, peito-de-pombo, etc, até ao aumento dos abortos entre as mulheres trabalhadoras. Posteriormente, feministas revolucionárias como Alexandra Kollontai (3) iriam articular toda a exploração e opressão histórica da mulher, reproductiva-laboral, nos vários contextos das sociedades de classes patriarcais, e em especial na capitalista. Não que isto seja condição exclusiva ao operariado industrial do séc. XIX, porque mesmo hoje o verificamos, quer seja na agricultura (mulheres trabalhadoras da apanha da framboesa em Castelo de Paiva com propostas de trabalho por um euro à hora), quer seja nos serviços de call centers onde se desenvolvem doenças auditivas, até às trabalhadoras que limpam de joelhos as casas à burguesia “fozeira" do Porto. É necessário dizer a estas operárias que não estão sozinhas. Que não têm que sofrer sozinhas, individualmente, emparedadas num clima de terror fabril. Como tal, envio um conjunto de considerações que visam apoiar, ajudar, honestamente, uma luta que terá de ser travada e que, inclusive, com o agravar das condições sociais, económicas e politicas da crise capitalista, durante e pós Covid-19, será ainda mais urgente.
Para tal, as trabalhadoras têm aos seus dispor várias ferramentas que potenciam a sua organização de classe: a formação de comissões de trabalhadores, a formação de sindicatos, de grupos “informais”, dentro e fora da fábrica, fundos de greve ou caixas de resistência que possam fazer face a todos os problemas relacionados com a saúde, habitação, trabalho, etc etc, das operárias. Mas não caiamos em idealismos. Certo é que existem operários, lacaios, que tomarão o lado do patrão. E contra isso devemos ter cuidado, porque pode colocar em risco a nossa organização ou mesmo os nossos postos de trabalho. As próprias ferramentas tecnológicas dos dias de hoje oferecem às trabalhadoras métodos seguros para iniciar essa organização (mesmo na actual situação de isolamento social), desde o facebook-messenger ao whataspp. É óbvio que nós trabalhadores também temos divergências pessoais, dentro e fora dos nossos postos de trabalho. Em muitos casos chegamos mesmo a competir entre nós, como reflexo da concorrência selvagem que caracteriza o modo de produção capitalista. Contudo, quando se trata de defender os nossos interesses comuns, colectivos, enquanto classe social, devemos colocar de lado as nossas divergências pessoais. Só a luta e organização colectiva pode assegurar conquistas relevantes. O ataque a uma deve ser encarado solidariamente como um ataque a todas. Em relação à burocracia legal para a construção dos mecanismos à organização de trabalhadores, não temam. O paleio de sindicalistas iluminados ou dos burocratas partidários acerca dessa "dificuldade" não passa disso: paleio. Eles querem é que nós deleguemos a eles, por quota sindical e voto partidário, o que nos cabe a nós fazer. Enquanto mulheres trabalhadoras vocês tanto são o esteio da fábrica como de casa e família. Porque raio não conseguiriam construir o vosso próprio movimento laboral ou até mesmo colectivamente gerir uma fábrica? Servem para “gerir” uma casa e orçamentos familiares mas não servem para gerir uma fábrica? Repudio quaisquer paternalismos nesta questão, que só servem para amesquinhar as nossas capacidades.
Por fim, ó gentes da minha terra, eu sei bem onde nasci e qual a mentalidade predominante desta localidade da periferia urbana do grande Porto. Ao coro de indignados por levar esta questão a público, eu vos digo que estais na mesma linha da expressão popular católica de “entre marido e mulher ninguém mete a colher”. Enquanto vocês a cantam a viva voz os números de mulheres mortas por violência machista, fruto da exploração e opressão histórica patriarcal, aumentam. Daí que o problema é social, colectivo, e não individual. E contra essa vossa ladainha eu utilizo a expressão popular no título desta redacção: “quem não sente não é filho de boa gente”».
5. De seguida e na parte infra da publicação, o arguido posta os seguintes links, pretendendo relacionar a assistente sociedade e o investimento realizado pelo assistente, pessoa singular:
https://www...…
https://www.facebook.com... https://www.....
6. Estas expressões do arguido são realizadas com o único objetivo de rebaixar, humilhar e denegrir o assistente – enquanto líder máximo da estrutura hierárquica e dinamizador do investimento – de forma pública, bem como o seu bom nome, assim como a imagem, confiança e prestígio da assistente sociedade, por cisma e rancor aos assistentes, mesmo sabendo que as mesmas eram inverídicas.
7. Após a referida publicação do arguido na sua página do Facebook – para além das visualizações – de imediato foi objeto de dezenas de comentários de outras pessoas com acesso à referida rede social, não sendo o acesso restringido, porque o arguido quis e conseguiu.
8. O arguido não se importou do impacto das suas palavras.
9. Na altura das publicações, o arguido tinha, na sua página, 2398 amigos com acesso àquela publicação, que foi lida por mais de 130 seguidores.
10. O arguido pretendeu e conseguiu que a sua publicação fosse lida e vista pelo maior número de pessoas possível, pois o arguido, na sua página oficial de Facebook, controla as suas definições de privacidade.
11. A publicação levada a efeito pelo arguido e respetivos comentários à publicação ainda se encontram disponíveis para consulta naquela rede social.
12. A publicação com a referência à assistente sociedade foi muito comentada entre a população laboral da freguesia ... e ....
13. Aí, o assistente BB é conhecido por ser o patrão do grupo C... Lda., um empreendedor de sucesso, com base no trabalho e mérito próprio em criar emprego (como é o caso da fábrica em ... que tinha sido destruída pelo incêndio) e apostar na criação nacional, promovendo marcas nacionais ligadas ao calçado bem como na vertente formativa e tecnológica do calçado, transformando o seu Grupo Industrial em um exportador de referência.
14. O texto publicado na página de Facebook pelo e do arguido é apto a gerar dúvidas sobre a pessoa – suas qualidades humanas – do assistente e os métodos de trabalho daquele e da sociedade B...– Lda. junto da comunidade laboral do calçado, dado o assistente ter integrado a estrutura diretiva da ... para além de ser líder da sociedade C..., Lda..
15. O arguido confessou, de forma livre, esclarecida, integral e sem reservas os factos que lhe são imputados.
16. O arguido agiu de forma deliberada, voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e ofendia o bom nome, a dignidade, a honra e consideração profissional do assistente BB, assim como a credibilidade, prestígio e confiança da assistente B...- Lda., o que quis e conseguiu.
17. Alguns trabalhadores e outras pessoas que tomaram conhecimento desta publicação chegaram a ligar ao assistente sobre se este sabia de tal conteúdo e se conhecia o arguido.
18. O assistente sentiu-se mal, deprimido, ofendido e ultrajado com a publicação do arguido, deixando de apresentar a sua força de viver habitual.
19. O assistente perdeu noites sem dormir, devido à publicação do arguido.
20. O assistente ficou angustiado e falava várias vezes no mesmo assunto.

Mais se provou que:
21. O arguido já foi condenado pela prática:
a) em data não apurada de 2017, de um crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, por decisão datada de 01/04/2019, transitada em julgado em 10/05/2019, no âmbito do processo n.º 9410/17.3T9PRT, numa pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num total de € 750,00, extinta pelo cumprimento;
b) em 01/07/2017, de um crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, por decisão datada de 11/07/2019, transitada em julgado em 26/09/2019, no âmbito do processo n.º 9865/17.6T9PRT, numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz um total de € 900,00, extinta pelo cumprimento;
c) em 18/06/2017, de um crime de difamação agravada, por decisão datada de 17/12/2019, transitada em julgado em 20/01/2021, no âmbito do processo n.º 9441/17.3T9PRT, numa pena de 3 meses de prisão, suspensa por 12 meses, com regime de prova, extinta em 20/01/2022;

Da situação pessoal e económico-financeira do arguido:
22. O arguido é solteiro e não tem filhos.
23. O arguido está desempregado e vive de favor em casa de uma amiga, contribuindo apenas com ajudas de alimentação na ordem dos €100,00 a €150,00 por mês, que retira de uma poupança que tem.
24. O arguido não tem rendimentos e tem despesas mensais com medicação de cerca de €20,00 a €30,00.
*
b. Factos não provados
Foi considerado não provado, com relevo para a decisão da causa, que:
a) O falso clima de assédio – que ocorreria na assistente sociedade - mediante introdução de meios eletrónicos de limitação ao acesso dos seus colaboradores às casas de banho, de câmaras de videovigilância instaladas internamente com o propósito de estilo “big brother” e que tal clima criado pela estrutura hierárquica diretiva onde o assistente é o último responsável, originou um aborto espontâneo, continua a ser falado na comunidade laboral e social da fábrica e daqueles com que ela se relacionam e/ou dependem.
b) As alegações do arguido originaram pedidos de esclarecimento de clientes do grupo económico onde a assistente está incluída e onde o assistente é responsável quer pelos seus amigos, quer pelos seus concorrentes e até simples conhecidos, manchando a reputação do assistente, enquanto gestor cumpridor dos direitos dos trabalhadores, bem como da assistente sociedade, enquanto local de trabalho condigno, seguro e respeitador dos direitos dos trabalhadores.
c) A publicação com a referência à assistente sociedade foi muito comentada entre a população laboral de ... e ainda é muito comentada entre a população laboral da freguesia ..., ... e ....
d) A conduta do arguido repercutiu-se em suspeitas sobre a credibilidade dos métodos de trabalho da assistente B... Lda., colocando em causa a confiança inerente à responsabilidade social que a mesma possui a nível Municipal e intermunicipal.
e) A conduta do arguido repercutiu-se nos lucros ou volume de negócio da sociedade assistente.
f) A conduta do arguido repercutiu-se na imagem profissional de zelo e cumprimento com que o assistente sempre se pautou ao longo dos últimos 30 anos.
g) A publicação do arguido causou extrema humilhação e vergonha ao assistente, e uma forte e estigmatizante perturbação sócio-psico-emocional.
h) O Demandante adquiriu humor depressivo gerando situações de conflito no seu próprio agregado familiar.
i) O assistente demandante ficou nervoso.
j) A conduta do arguido repercutiu-se na sua credibilidade e aptidão para uma maior e melhor possibilidade de captação de recursos humanos no futuro.
k) A assistente cumpre com os horários de descanso e períodos máximos de trabalho diário e anual, não tendo qualquer procedimento contraordenacional registado na ACT e na IGSS, Comissão da Igualdade de Género, etc.

Consigna-se que, na matéria de facto provada e não provada, não se incluíram factos irrelevantes para a causa, matéria conclusiva ou de Direito. »

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
«c. Convicção sobre a matéria de facto
O arguido prestou declarações, tendo optado por confessar os factos por que veio acusado, sem quaisquer reservas, e afirmando-se livre na sua pessoa. Questionado sobre se a confissão abrangia todos os factos da acusação, o arguido, renovou a sua pretensão de confessar, assim fazendo prova da integralidade dos mesmos.
Acresce a prova documental dos autos, que corrobora os factos provados, concretamente as notícias que correspondem aos documentos n.º 1 a 5, a publicação do arguido no Facebook, e respetivos comentários, que configura o documento n.º 6, a certidão permanente da empresa assistente de fls. 17 e seguintes, os prints do perfil do arguido no Facebook de fls. 70 e seguintes, os documentos de fls. 91 e 103, que, concatenados, evidenciam que o equipamento de onde foi feita a publicação em causa nos autos pertence ao arguido.
Mais acresce o certificado do registo criminal do arguido, junto aos autos com a ref. citius 124213618.
No que tange aos pedidos de indemnização cível deduzidos, foi atendida a seguinte prova:
- as declarações do assistente BB, que foram credíveis, direcionadas, e compatíveis com a linguagem corporal do mesmo, tendo permitido ao Tribunal compreender algumas consequências da atuação do arguido, essencialmente as que se prenderam com o seu estado de espírito após as mesmas. Mais pôde o Tribunal percecionar que, de resto, não se apuraram consequências efetivas e assentes em factos – antes em meras assunções ou suposições – ocasionadas por aquela publicação, a não ser o «falatório» e as consequências no estado de espírito do assistente.
- o depoimento da testemunha CC, amigo do assistente, que se afigurou igualmente genuíno, não evidenciando viés ou parcialidade relacionados com essa amizade. A testemunha atestou ao Tribunal as consequências ao nível do «falatório» sobre a publicação sub iudice em ..., não se pronunciando sobre o que não sabia. Explicou, também, que o assistente ficou «de rastos», assim corroborando o impacto que a publicação teve naquele.
- o depoimento da testemunha DD, funcionária da assistente, a qual foi bastante objetiva e sincera, tendo confirmado o impacto da publicação no assistente, a sua reputação e conduta e não demonstrando qualquer falta de isenção emergente da relação profissional com os assistentes. Esta testemunha foi essencial, pois atestou com segurança – e com conhecimento direto, em virtude das suas funções de gestora financeira da assistente – que não se sentiram consequências da conduta do arguido ao nível financeiro na empresa, e que «foi mais naquela altura que falaram nisso», assim permitindo ao Tribunal perceber até que ponto se mantiveram os comentários sobre a publicação. Por fim, a testemunha referiu não saber se houve impacto no recrutamento, atenta a sua natureza tendencialmente espontânea, o que, enquanto gestora de Recursos Humanos (cargo que acumula com aqueloutro), assume bastante importância para a formação da convicção do Tribunal, posicionando-a da melhor forma para depor sobre essa matéria.
As condições socioeconómicas do arguido resultaram do contributo por si prestado nas suas declarações.
*
Assim:
- os factos provados n.º 1 a 16 resultam da confissão integral e sem reservas e de todos os elementos de prova documental supra elencados e, bem assim, do depoimento das testemunhas e das declarações do assistente.
- o facto n.º 16 emerge das declarações do assistente.
- os factos n.º 18 a 20 extraíram-se da concatenação das declarações do assistente com a prova testemunhal produzida.
- o facto n.º 21 resulta do respetivo certificado do registo criminal.
- os factos provados n.º 22 a 24 retiraram-se das declarações do arguido.
*
No que aos factos não provados respeita:
- o facto não provado a) resulta essencialmente do depoimento da testemunha DD, e no facto de o assistente e a testemunha CC terem falado no passado, não se reportando ao presente, determinando a que o Tribunal concluísse que aquelas consequências se mantêm. O mesmo se diga quanto ao facto não provado d), 2.ª parte.
- os factos não provados b) e d) não foram atestados por nenhuma da prova produzida, nem o facto c), sendo que, em matéria de contactos sobre a publicação, apenas se provou aquilo que foi vertido nos factos provados. No que tange ao facto d), importou também o contributo do assistente, que referiu expressamente que o Município nunca lhe pediu satisfações, já conhecendo a sua conduta habitual. Ninguém atestou com firmeza em juízo que a confiança do projeto económico tenha efetivamente sido afetada; acresce o facto de o próprio assistente ter referido que o município não lhe pediu satisfações, bem sabendo com o que contar da banda dos assistentes. Donde, o facto não poderia ter sido dado por demonstrado.
- o facto não provado c), 1.ª parte resulta de nem as testemunhas, nem o assistente se terem referido ao impacto da publicação em ....
- o facto não provado e) resulta do depoimento da testemunha DD, que expressamente referiu não se ter sentido qualquer impacto financeiro na sociedade assistente.
- os factos não provados f), g), h), i) e j) não foram atestados por nenhum elemento de prova. No que concerne especificamente ao facto não provado h), foi referido (pelo próprio e por uma testemunha) que o assistente tem netas, que estas souberam da publicação, mas nenhuma testemunha, nem o assistente referiram ter existido conflito no agregado familiar ou humor depressivo. É certo que a testemunha CC referiu que o assistente ficou «de rastos» e por isso se deram como provados os factos referentes ao impacto no estado de espírito do assistente, mas a verdade é que isso não é suficiente para que se relacione essa premissa com uma consequência (conflito no agregado familiar) que não foi, sequer, aflorado por nenhum elemento de prova. Já o facto j), embora tenha sido referido como provável, na verdade não passou de juízos de suposição da testemunha DD e do próprio assistente, que dizem ser lógico que assim tenha acontecido, mas não ofereceram invocações fácticas que suportassem a prova do mesmo.
- o facto não provado k) foi assim categorizado porque, por um lado, nenhuma prova foi produzida acerca do cumprimento ou incumprimento, pela assistente, dos horários de descanso ou dos limites do trabalho. Por outro lado, no que tange às contraordenações, resulta dos autos – ofício com a ref. citius 13650033 – que a assistente tem um processo contraordenacional contra si, embora (refira-se) este em nada se prenda com as questões em discussão nos autos. »

Vejamos, então.

1.De saber se se verifica na Sentença recorrida algum dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo.

O arguido/recorrente invoca verificar–se na decisão recorrida o vício, «entre outros», de erro notório na apreciação da prova.
Assenta a sua invectiva na circunstância, que alega, de não haverem sido devidamente valorizados e respeitados os limites da confissão que se consignou em audiência ter existido da sua parte, pois que o arguido não admitiu alguns dos factos pelos quais vem condenado – mormente aqueles relacionados com a circunstância de estar ciente da inveracidade do conteúdo material da publicação em causa nos autos. Aliás, adita, relativamente a tais factos o tribunal a quo consigna – na motivação da respectiva decisão – tê–los por assentes com base em elementos de prova completamente alheios àquela suposta confissão.
Acresce que em sede de elenco da matéria de facto não provada, se dão como não assentes factos de sinal negatório dos constantes da mesma aludida publicação, apontando assim para a confirmação da veracidade desta última nessa parte.

Apreciando, liminarmente se dirá que efectivamente se considera padecer a sentença recorrida de um dos vícios previstos no art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal, em parte (isto é, não apenas) pelos motivos alegados pelo recorrente, e em parte também, por alguns referenciados no parecer exarado pela Digna Procuradora–Geral Adjunta neste Tribunal da Relação.

Como é consabido, a decisão da matéria de facto adoptada em primeira instância pode ser sindicada em sede de recurso por duas vias alternativas:
– no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º/2 do Cód. de Processo Penal,
– ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º/3/4/6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410.º, cuja indagação, como se impõe no preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ; no segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal.
Do que agora se cuida é da aludida primeira vertente, em que estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410º.
Estabelece, assim, este art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ;
c) o erro notório na apreciação da prova
Saliente-se que, como acima já se enunciou, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível apelar a elementos estranhos àquela para o fundamentar – como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, em ‘Código de Processo Penal Anotado’, 10ª ed., pág. 729 ; Germano Marques da Silva, em ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª ed., pág. 339 ; ou ainda Simas Santos e Leal Henriques, em ‘Recursos em Processo Penal’, 6.ª ed., pág. 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
Serão, pois, falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detectáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente perceptíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.
Assumem–se, pois, como vícios de lógica a relevar da contextualização interna da decisão, ou da própria estrutura da decisão, congraçada com as regras ou máximas da experiência comum, entendidas estas como o regular, normal e adquirido vivenciar do homem, histórico-socialmente situado.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova : «com efeito, aqui, e num momento logicamente anterior, é a prova produzida que é insuficiente para suportar a decisão de facto ; ali, no vício, é a decisão de facto que é insuficiente para suportar a decisão de direito», cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/12/2014 (proc. 155/13.4PBLMG.C1)[1].
Por sua vez, o erro notório na apreciação da prova (cfr. art. 410º/2/c) do Cód. de Processo Penal) verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em processo penal”, 5.ª edição, pág. 61 e seguintes).

Finalmente – e, adianta–se, na parte que aqui relevará –, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º/2/b) do Cód. de Processo Penal), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados, entre os meios de prova invocados na fundamentação de facto, ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre maxime quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando se constate uma incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto, ou enfim se for de concluir que a fundamentação de facto conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Como indicado por Simas Santos e Leal–Henriques em ‘Recursos em Processo Penal’, 6ª ed., pág. 71, “há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados ; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada ; e há contradição entre os factos quando os provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem–se mutuamente”.
Ou, como se exarou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/05/2020 (proc. 9/19.0GBMDA.C1)[2] “A referida alínea b) abrange, na verdade, dois vícios distintos : a contradição insanável da fundamentação ; e a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. No primeiro caso incluem-se as situações em que a fundamentação desenvolvida pelo julgador evidencia premissas antagónicas ou manifestamente inconciliáveis. Ocorre, por exemplo, quando se dão como provados dois ou mais factos que manifestamente não podem estar simultaneamente provados ou quando o mesmo facto é considerado como provado e como não provado. Trata-se de “um vício ao nível das premissas, determinando a formação deficiente da conclusão”, de tal modo que “se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível” (cfr. Ac. do STJ de 18-02-1998, nº convencional JSTJ00034535). Por seu turno, a contradição entre a fundamentação e a decisão abrange as situações em que os factos provados ou não provados colidem com a fundamentação da decisão.”.

Adentrando no caso dos autos, impõe–se – por forma a melhor compreender os motivos e fundamentos da presente decisão – efectuar um brevíssimo percurso pelos elementos típicos dos crimes pelos quais o arguido vem condenado – estando aqui em causa dois tipos de crime que protegem essencialmente o mesmo bem jurídico: a honra.

Assim, e quanto ao crime de difamação com publicidade e calúnia, prevê o art. 180/1 do Cód. Penal que «Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.».
Está aqui em causa a protecção da honra «numa dupla concepção fáctica-normativa, que inclui não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade (a honra externa), mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social (a honra interna).» – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do Código Penal – à luz da CRP e da CEDH”, 2ª ed., pág. 568.
São, pois, elementos do tipo objectivo de ilícito a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, apresentando-os como verdadeiros/correctos e assentes numa convicção própria, ou divulgando-os, como de terceiros.
O crime de difamação é um crime de dano, consumando-se com a verificação objectiva do resultado, ou seja, quando o agente efectivamente atinge a honra e/ou reputação do visado.
No que tange ao tipo subjectivo, não se exige a existência de um dolo específico, bastando a verificação de dolo genérico, em qualquer das suas modalidades, com consciência de se ofender a honra da pessoa visada.
Podendo consubstanciar–se na imputação de factos ou na formulação de juízos de valor, em qualquer caso desonrosos ou ofensivos da honra, cumpre notar que, estando em causa a primeira das vertentes, aquela imputação de factos desonrosos está subordinada, na sua relevância penal, a uma causa de justificação especial, pois que no nº2 do mesmo art. 180º do Cód. Penal se determina que a conduta prevista no nº1 não é punível quando – cumulativamente – a imputação for feita para realizar interesses legítimos (alínea a)) e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira (alínea b)).
Mais se aditará que o art. 182º do Cód. Penal equipara a actuação por meio verbalizado imediato, à expressão das palavras difamatórias por qualquer outra forma apreensível no seu significado pelos destinatários, designadamente a escrita.
Finalmente, o art. 183º/1 agrava a pena aplicável no caso de a ofensa ser praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação (al. a)), ou, tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação (al. b)), agravação que ocorre igualmente (em moldes mais acentuados) nos termos do nº2 da mesma disposição legal no caso de o crime ser cometido através de meio de comunicação social.

No que tange ao crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, prevê o artigo 187º/1 do Cód. Penal que «Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias»
No caso deste crime, a protecção do bem jurídico honra das pessoas colectivas perspectiva–se enquanto tutela da credibilidade, prestígio e confiança do público/clientes naquela entidade – ou seja, aqui apenas está em causa a supra aludida vertente exterior da honra, e apenas se tutela a propalação de factos, não de juízos de valor.
São elementos objectivos deste tipo de crime a afirmação ou propalação de factos inverídicos, que sejam susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva, e a inexistência de fundamento, por parte do agente de boa fé, para os julgar verídicos.
Estamos perante um crime de perigo abstracto-concreto, que não carece, portanto, do resultado lesão da honra/bom nome, antes se bastando com a susceptibilidade ou aptidão das palavras para esse resultado.
Porque o tipo legal não restringe a execução dos factos a uma forma vinculada – reportando às abrangentes expressões «afirmar ou propalar» –, abrange–se aqui quer o uso da verbalização, quer da palavra escrita, quer de qualquer outra forma de divulgação apreensível e compreensível pelos respectivos destinatários.
Quanto ao elemento subjectivo do tipo, também aqui deverá verificar–se o dolo, ainda que em qualquer das suas modalidades (cfr. o artigo 14.º, do Código Penal).
Também aqui a punibilidade é agravada «de um terço nos seus limites mínimo e máximo» se a ofensa for praticada em qualquer das circunstâncias consignadas no já citado art. 183º do Cód. Penal, por expressa remissão do nº2 do art. 187º do mesmo código.

Pois bem, percorrida o elenco da matéria de facto provada facilmente se constata que no mesmo consignam como assentes todos os factos relevantes para o preenchimento dos elementos típicos objectivos e subjectivos dos crimes aqui em causa – os mesmos encontram–se no essencial vertidos sob os pontos 1. a 13., 14. e 16. da matéria de facto provada.
Por sua vez, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto provada, consigna o tribunal a quo, desde logo, haver alicerçado a sua convicção nas declarações do arguido que, diz–se, «tendo optado por confessar os factos por que veio acusado, sem quaisquer reservas, e afirmando-se livre na sua pessoa», mais aditando que «Questionado sobre se a confissão abrangia todos os factos da acusação, o arguido, renovou a sua pretensão de confessar, assim fazendo prova da integralidade dos mesmos».
Conforme se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03/02/2015 (proc. 615/12.4TALSV.E1)[3], «Para que se considere como prestada uma confissão com as características da que vem prevista no nº 1 do artigo 344º do C. P. Penal, é necessário que a arguida admita toda a factualidade relevante para o preenchimento do tipo legal de crime que lhe vinha imputado (sendo que, no caso, toda ela estava ao alcance da sua cognoscibilidade), ou seja, tanto a pertinente aos elementos objectivos como a respeitante ao elemento subjectivo desse tipo», aditando–se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/12/2009 (proc. 114/09.1GFPRT.G1)[4] que «A confissão integral e sem reservas implica não só a aceitação dos factos imputados, mas também a dimensão normativa que lhes é dada».
Também reveste aqui pleno propósito citar o Conselheiro Maia Gonçalves (em “Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar”, 16º ed. 2007, pág. 724), quando refere que «deve considerar-se confissão integral aquela que abrange todos os factos imputados, e confissão sem reservas aquela que não acrescenta novos factos susceptíveis de dar aos imputados um tratamento diferente do pretendido (ex. confissão dos factos da acusação integradores de ofensas corporais, mas com o acrescento de novos factos configurativos de uma legítima defesa).».
E até aqui, no que se reporta ao teor da decisão recorrida, tudo aparentaria plena regularidade processual.

Sucede, porém, que, prosseguindo no devido exercício de motivação probatória da decisão de facto, logo mais adiante se constata que o tribunal recorrido vem a considerar que «- o facto n.º 16 emerge das declarações do assistente»
Ora, o aludido facto provado nº 16 é do seguinte teor : «O arguido agiu de forma deliberada, voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e ofendia o bom nome, a dignidade, a honra e consideração profissional do assistente BB, assim como a credibilidade, prestígio e confiança da assistente B...- Lda., o que quis e conseguiu.».
Ou seja, tal ponto da matéria de facto provada consubstancia o núcleo substancial de preenchimento, por parte do arguido, dos elementos típicos subjectivos de qualquer dos crimes pelos quais vem condenado.
Notar–se–á que a situação assim plasmada em sede de sentença recorrida até poderia ser levada à conta de mero lapso de escrita, entendendo–se que o tribunal recorrido pretenderia aludir ao facto provado nº 17. - pois que aquela referência vem imediatamente após a alusão à prova relevante para «os factos provados n.º 1 a 16».
Sucede, porém, e precisamente, que nesse segmento o tribunal a quo consigna que «- os factos provados n.º 1 a 16 resultam da confissão integral e sem reservas e de todos os elementos de prova documental supra elencados e, bem assim, do depoimento das testemunhas e das declarações do assistente», o que liminarmente impõe a dúvida sobre se também aquele facto 16. não terá, afinal, efectivamente (isto é, como vimos expressar–se na sentença) resultado de outro elemento de prova que não a confissão do arguido. Donde ser temerária processualmente a conclusão de que estaremos ali perante um mero lapso de escrita.
Acresce que, independentemente de a específica alusão à prova «do facto nº 16» se tratar de lapso ou não (no que não pode conceder–se sem mais), aquela anterior menção a que «os factos provados n.º 1 a 16 resultam da confissão integral e sem reservas e de todos os elementos de prova documental supra elencados e, bem assim, do depoimento das testemunhas e das declarações do assistente» é por si só suficiente para lançar a séria dúvida sobre se o tribunal considerou, afinal, circunstâncias de facto integradoras da tipicidade criminal imputada ao arguido – e que, como se disse, recaem integralmente neste conjunto aqui referenciado –, não com base na sua confissão, mas em outros elementos de prova.
E, assim, a dúvida sobre se afinal, como propugna o recorrente, a sua confissão não deve reputar–se integral, pois que terão sido necessários outros elementos de prova (designadamente testemunhal e por declarações do assistente) para a formação de uma convicção positiva quanto aos elementos típicos dos crimes.

E se é certo que, naturalmente, tal prova pode na verdade ser obtida por qualquer elemento válido e eficaz nesse sentido, certo é também que a consideração da confissão do arguido como revestindo as características de liberdade, integralidade e incondicionalidade tem profundos efeitos processuais.
Na verdade – e sendo certo não estarmos perante objecto processual relativo a qualquer das excepções previstas no nº3 do art. 344º do Cód. de Processo Penal, mormente a imputação de crimes cujo limite máximo da pena abstracta ultrapasse os 5 anos –, prevê o nº2 do citado art. 344º que a confissão integral e sem reservas implica:
a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados;
b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; e
c) Redução da taxa de justiça em metade».
É verdade que, nos autos, o assistente terá prestado declarações e terão sido ouvidas testemunhas em virtude de, com a acusação particular, haver sido pelo primeiro deduzido também pedido de indemnização civil contra o arguido.
Todavia, o certo é que, atendendo a quanto acima se explanou, a fundamentação da decisão não permite percepcionar com a devida segurança se o conteúdo da confissão do arguido não terá afinal sido suficiente para fundamentar a convicção sobre os elementos típicos do crime, tendo esses outros elementos de prova servido para tal efeito, e em que medida.

Temos, assim, configurada por esta via uma primeira faceta do vício processual que aqui se julga verificado, qual seja o de contradição insanável na fundamentação, aqui na específica vertente reportada à enunciação e concatenação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal.

Sendo que a mesma não se esgota nesse aspecto, antes se adensando por outra via, que, ademais, além de consubstanciar uma contradição em si mesma agora ao nível da incompatibilidade entre o teor de alguns dos factos provados e não provados, também acentua a dúvida que vimos sustentar o vício de contradição na explicitação dos meios de prova valorados, e acima caracterizado.

Como se disse aquando do inicial percurso pelos elementos típicos dos crimes aqui em causa, relevam desde logo as seguintes circunstâncias:
– a relevância penal do crime de difamação por via de difusão de factos está subordinada à especifica causa de exclusão da ilicitude que ocorrerá nos termos do nº2 do art. 180º do Cód. Penal, isto é, quando a actuação visar realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira,
– por seu turno, no que toca ao crime de ofensa a pessoa colectiva, é desde logo elemento do tipo que os factos difundidos sejam inverídicos,
– sendo que, em ambos os casos (isto é, em ambos os crimes), é circunstância que agrava a punibilidade a consciência da falta de veracidade dos factos imputados, nos termos do art. 183º do Cód. Penal.
Pois bem.
Uma confissão integral como aquela que se consigna em sede de sentença recorrida haver sido efectuada pelo arguido, não poderia ter outro sentido e alcance que não o de que o mesmo teria assumido, além de tudo o mais, não apenas que o teor dos factos imputados na sua publicação na rede social em causa era integralmente falso, como também que, ao actuar, estava bem ciente dessa falsidade – sendo certo, note–se, que o arguido vem a ser condenado e punido, e por qualquer dos dois crimes em causa, precisamente de acordo com a agravação daí decorrente, tal como previsto no art. 183º do Cód. Penal.

Ora, é verdade que se constata que em sede de matéria de facto provada, o tribunal recorrido, em aparente coerência com aquela ali consignada confissão integral, vem a dar como assente que «Estas expressões do arguido [aquelas constantes da sua publicação] são realizadas com o único objetivo de rebaixar, humilhar e denegrir o assistente – enquanto líder máximo da estrutura hierárquica e dinamizador do investimento – de forma pública, bem como o seu bom nome, assim como a imagem, confiança e prestígio da assistente sociedade, por cisma e rancor aos assistentes, mesmo sabendo que as mesmas eram inverídicas» (cfr. ponto 6. da matéria de facto provada) e que «O arguido agiu de forma deliberada, voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e ofendia o bom nome, a dignidade, a honra e consideração profissional do assistente BB, assim como a credibilidade, prestígio e confiança da assistente B...- Lda., o que quis e conseguiu» (cfr. ponto 16. da matéria de facto provada).
Daqui decorre que o arguido, de forma esclarecida, livre e deliberada, teria propalado naquela publicação, sabendo–os falsos, nomeadamente os seguintes factos, todos integrantes da aludida publicação, tal como transcrita no ponto 4. da matéria de facto provada:
– «Desde que a nova administração patronal tomou conta da fábrica que as trabalhadoras trabalham sob um intenso controlo de um sistema de câmaras interno, em género de big brother. Para além dos baixos salários praticados e da perda de antiguidades, as idas à casa de banho são controladas por uma luz vermelha que, quando dispara, alerta as operárias que o seu tempo para necessidades fisiológicas naturais terminou e que têm de voltar à produção. Os horários de descanso não são cumpridos integralmente»,
– «Os horários de descanso não são cumpridos integralmente»,
– «Inclusive, regista-se o aborto espontâneo de uma operária, que coincide com o último período de maior repressão na fábrica»
Porém, igualmente se constata que ali se vem a consignar, agora em sede de matéria de facto não provada, nomeadamente o seguinte:
– na alínea a), que «O falso clima de assédio – que ocorreria na assistente sociedade - mediante introdução de meios eletrónicos de limitação ao acesso dos seus colaboradores às casas de banho, de câmaras de videovigilância instaladas internamente com o propósito de estilo “big brother” e que tal clima criado pela estrutura hierárquica diretiva onde o assistente é o último responsável, originou um aborto espontâneo, continua a ser falado na comunidade laboral e social da fábrica e daqueles com que ela se relacionam e/ou dependem»,
– e na alínea k), que «A assistente cumpre com os horários de descanso e períodos máximos de trabalho diário e anual, não tendo qualquer procedimento contraordenacional registado na ACT e na IGSS, Comissão da Igualdade de Género, etc.».
Ou seja:
– do mesmo passo que se considera provado não corresponder à realidade, e que o arguido admite disso estar consciente, que existisse o ambiente de trabalho com a carga negativa e reprovável explanada nos termos por ele propalados na aludida publicação, dá–se como não provado que fosse falso um tal clima de trabalho, com as características descritas pelo arguido, assim abrindo a porta da lógica à consideração de que afinal tal clima laboral reprovável de assédio existiria,
– do mesmo passo que se considera provado não ser verdade, e que o arguido admite disso estar consciente, que o clima de trabalho descrito pelo arguido haja provocado aquele efeito nefasto na pessoa da trabalhadora (o aborto), dá–se como não provado que tenha sido um tal clima que haja causado aquela consequência – mais uma vez deixando aberta a possibilidade de o clima descrito pelo arguido existir, só não se demonstrando aquela sua nefasta causalidade em concreto,
– do mesmo passo que se considera provado não ser verdade, e que o arguido admite disso estar consciente, que o assistente e a sua empresa não respeitavam os horários de trabalho dos empregados, dá–se como não provado que a assistente (pessoa colectiva) cumpre com os horários de descanso e períodos máximos de trabalho diário e anual, assim escancarando a porta à possibilidade de afinal poder aquilo que o arguido publicou ser verdadeiro.

Além destes aspectos, mais se assinala ainda o seguinte, que imediatamente releva para a configuração do vício aqui em causa.
No ponto 18. da matéria de facto provada o tribunal recorrido consigna como assente o seguinte, com sublinhados agora apostos:
« 18. O assistente sentiu-se mal, deprimido, ofendido e ultrajado com a publicação do arguido, deixando de apresentar a sua força de viver habitual.»
Porém, igualmente se constata que ali se vem a consignar, agora em sede de matéria de facto não provada, nomeadamente o seguinte – também com sublinhado agora aposto :
«h) O Demandante adquiriu humor depressivo gerando situações de conflito no seu próprio agregado familiar.».
Ou seja :
– do mesmo passo que se considera provado que o assistente se sentiu deprimido por via da publicação da autoria do arguido, deixando mesmo de apresentar a força de viver habitual, alteração de estado de espírito absolutamente compaginável, de acordo com elementares regras de experiência comum, com aquele sentimento de desânimo e desalento, dá–se como não provado que o mesmo assistente haja adquirido um humor depressivo, sustentando a possível (e, por isso contraditória) conclusão de que aquela publicação não afectou afinal o ofendido ao nível do seu estado de espírito perante a vida e os outros.
A contradição nesta parte adensa–se – e a respectiva insanabilidade –, quando se constata que, em sede de motivação, o tribunal a quo vem a consignar, simultaneamente, por um lado que «os factos n.º 18 a 20 extraíram-se da concatenação das declarações do assistente com a prova testemunhal produzida», e por outro lado que «nenhuma testemunha, nem o assistente referiram ter existido conflito no agregado familiar ou humor depressivo».

Ou seja, e em qualquer das situações agora apontadas, temos umas coisas provadas e outras não provadas, em relação de incompatibilidade lógica – pois que não se podem dar por provadas e não provadas as mesmas ou similares (no respectivo significado, sentido e alcance) circunstâncias de facto –, o que determina que a sentença recorrida padeça do vício da contradição insanável da fundamentação.
Este vício ocorre precisamente quando, relativamente a matéria de facto com interesse para a decisão da causa, se afirma e nega ao mesmo tempo uma mesma coisa ou se emitem duas proposições que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas.
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2015 (proc. 418/11.3GAACB.C1.S1)[5], «O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.».

E insanável porque, tudo, faz adensar quanto acima se disse no que tange às dúvidas em especial sobre a integralidade da confissão do arguido, pois que afinal a descrição da matéria de facto abre a possibilidade lógica de aquilo por si propalado, pelo menos naqueles segmentos, não ser falso, o que liminarmente fulminaria a possibilidade de o arguido admitir estar consciente de tal falsidade – sendo certo que, como bem se entenderá, e desde logo se adverte no supra aludido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/12/2009, «se o arguido, embora reconhecendo os factos que integram os chamados elementos objectivos do crime, lhes contrapõe ou acrescenta outros com vista a eximir-se da responsabilidade, não faz uma confissão “sem reservas”».
No mesmo sentido – e, aliás numa perspectiva cuja proximidade à situação dos presentes autos se afigura altamente provável –, citem–se também os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/04/2012 (proc. 54/11.4PTLRA.C1)[6], onde se escreve que «Quando o arguido nas suas declarações, embora reconhecendo os factos objetivos, invoca para a sua prática uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa e, por conseguinte não confessa o facto subjetivo imputado, não podem ter-se por confessados integralmente os factos da acusação que integram a prática do crime», e do Tribunal da Relação de Évora de 07/01/2016 (proc. 65/15.0GFSTB.E1)[7], que consigna que «Para que haja confissão relevante para o efeito da determinação da medida da pena, é necessário que o arguido não só assuma a conduta objetiva e subjetiva que lhe é imputada pela acusação, mas também se abstenha de invocar circunstâncias suscetíveis de, de alguma forma, justificar ou desculpar a sua atuação que o Tribunal não aceite como boas».
Se foi aqui o caso, não é possível ser esclarecido pelo teor da decisão recorrida – que ademais, e como já se disse, sustenta haver formado a sua convicção quanto aos elementos relevantes para a responsabilidade criminal do arguido, genérica e indistintamente na confissão deste e nas declarações do assistente e das testemunhas ouvidas. Sendo ainda certo que, também por isso, mesmo relativamente a estes últimos elementos probatórios, também se detectam contradições quanto àquilo que afinal resulte (ou não) dos mesmos.
Certo é que, se em sede fundamentação e motivação da decisão de facto da sentença, se alude a uma confissão livre, integral e sem reservas, mas depois da mesma sentença resultam alusões compagináveis com uma confissão apenas parcial e, assim, a declarações não integralmente confessórias – quer porque da motivação da decisão de facto resulta que não foram apenas as declarações do arguido o meio de prova em que assentou a convicção formada pelo tribunal, quer porque se considera não provada a falsidade de alguns dos factos publicitados pelo arguido –, existe clara contradição insanável na fundamentação da sentença.
Contradição que, no mesmo sentido, também se detecta, como vimos, quando se refere que determinado facto provado resulta de determinados elementos de prova, e mais adiante se consigna que a não prova de facto similar resulta da sua não referenciação pelos mesmos meios de prova.
Estamos, pois, perante uma contradição insanável por, desde logo, não ser possível determinar o concreto teor do meio de prova que serviu para formar a convicção do tribunal – se se tratou de uma confissão livre, integral e sem reservas ou, antes, de uma confissão parcial e com reservas, e qual o sentido afinal em que assistente e testemunhas se referiram a determinado circunstancialismo fáctico – e o valor probatório que lhe deve corresponder.

Ora, todas as contradições detectadas, como resulta do que já se disse, não são susceptíveis de ser nesta instância resolvidas, obstando à decisão da causa.
A correcção do vício apontado, em qualquer das suas facetas, implicará sempre uma decisão sobre matéria de facto, a levar a cabo nos termos do artigo 426º/1/2 do Cód. de Processo Penal, a qual, porém, não é possível por este tribunal de recurso.
Na contemplação pelo Tribunal da Relação de vício previsto art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal, a instância de recurso deve verificar se é possível decidir da causa (art. 426º/1) com os elementos de prova disponíveis no processo que fundamentaram a decisão recorrida (art. 431º/a) do Cód. de Processo Penal), excluindo a prova documentada em audiência, pois que o apelo a esta pressupõe que seja objecto do recurso a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, o que no caso não sucede[8].
Precisamente quanto a este último aspecto, cumpre assinalar que, exactamente por tais motivos, não poderá esta instância recorrer nomeadamente à audição da gravação das declarações do arguido – nesse particular não podendo subscrever–se tal exercício por parte da Digna Procuradora–Geral Adjunta para sustentar parte da sua argumentação. No presente caso este Tribunal da Relação só poderá ater–se, como se referiu, ao estrito teor da decisão recorrida, e não à análise da documentação, no caso gravada, de qualquer elemento de prova.

Ora, in casu, não sendo o recurso àqueles elementos de prova expediente apto para sanar o verificado vício – pois que uma das fontes do vício em causa é precisamente a contradição na descrição do relevo probatório dos meios de prova elencados como atendidos na sentença –, este tribunal da relação não pode saná-lo com base na prova documentada (que depende da impugnação do julgamento da matéria de facto) ou na renovação da prova (que não foi requerida).

Deste modo, outra alternativa não resta senão a de decretar o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo, e onde sejam devidamente sanadas as concretas questões supra elencadas, de harmonia com o estatuído nos arts. 426º/1 e 426º-A do Cód. de Processo Penal.
O novo julgamento terá lugar nos termos do disposto no art. 426º–A/1 do Cód. de Processo Penal, isto é, será levado a cabo pelo mesmo Tribunal (órgão jurisdicional, isto é, o Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva) que levou a efeito o julgamento anterior, mas, porque tal não afasta as regras do disposto no art. 40º do Cód. de Processo Penal, nomeadamente por Senhor/a Juiz diverso/a do que levou a cabo o anterior julgamento – procedendo–se, caso tal procedimento se revele inviável, nos termos previstos na parte final do mesmo art. 426º–A/1 do Cód. de Processo Penal.
*

Atento quanto vai assim decidido, e verificado o aludido vício de índole processual, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso.
*

III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em determinar, ao abrigo do disposto no art. 426º/1 do Cód. de Processo Penal, o reenvio do processo para novo julgamento quanto à totalidade do objecto dos autos.

Sem custas.
*
Porto, 3 de Maio de 2023
Pedro Afonso Lucas
Maria do Rosário Martins
Lígia Trovão


(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
_________________
[1] Relatado por Vasques Osório, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[2] Relatado por Jorge Jacob, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[3] Relatado por Leonor Botelho, acedido em www.dgsi.pt/jdgsi.nsf [4] Relatado por Fernando Monterroso, disponível em in Col. Jur., XXXIV, t.V, pág. 270
[5] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[6] Relatado por Jorge Dias, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[7] Relatado por Sérgio Corvacho, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf [8] Faz–se notar que o arguido/recorrente, ao aludir, no seu recurso, a um trecho das suas declarações prestadas em audiência, não o faz na perspectiva de impugnar o julgamento da matéria de facto nos termos e para os efeitos previstos no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal – questão que efectivamente não vem a suscitar enquanto tal –, mas tão apenas no sentido de procurar ilustrar a forma como foi interpelado pelo tribunal no específico momento de consignar a sua suposta confissão.