Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
633/19.1T8LRS-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
TERCEIRA PERÍCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – o nosso sistema processual não prevê o mecanismo probatório de admissibilidade de uma 3ª perícia, mas apenas, no limite, de duas perícias, tendo por objecto a averiguação da mesma factualidade;
II - tendo a 2ª perícia como desiderato a correcção de eventual inexactidão dos resultados da 1ª, possuindo ambas idêntico valor e sendo objecto de livre apreciação por parte do tribunal – cf., art.ºs 487º. Nº. 3 e 489º, ambos do Cód. de Processo Civil;
III - Decorre do regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses – aprovado pela Lei nº. 45/2004, de 1908 -, entre o mais, o seguinte:
. A realização obrigatória das perícias médico-legais e forenses nas delegações e gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I.P.);
. Tal realização é efectuada com observância dos ditames dos estatutos de tal instituto público;
. Apenas em situações excepcionais, decorrentes de manifesta impossibilidade dos serviços, é que tais perícias podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, as quais são contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.;
. As perícias são realizadas pelos peritos ou médicos que os dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços designarem, que gozam de autonomia e são responsáveis pelas perícias, relatórios e pareceres realizados, ainda que estando vinculados e obrigados a respeitar os modelos e metodologias periciais, bem como os normativos em vigor no INMLCF, I.P., e as recomendações da supervisão técnico-científica dos serviços;
. Especificamente no que concerne aos exames de genética, biologia e toxicologia forenses, são obrigatoriamente solicitados à delegação do Instituto da área territorial do tribunal que requeira a sua realização, podendo, ainda, o tribunal solicitá-los directamente a entidades terceiras, públicas ou privadas, em caso de necessidade decorrente da impossibilidade dos serviços do INMLCF, I.P., contratadas ou indicadas por este;
IV – na presente acção de investigação e reconhecimento de paternidade, configurando-se um dos Réus como o progenitor registado da Ré menor, e não estando em causa nos presentes autos qualquer impugnação da paternidade registada, não se impõe que este efectue qualquer perícia destinada a comprovar a sua paternidade biológica;
V - com efeito, ou se prova nos presentes autos que o Autor é o progenitor biológico da Ré menor, o que colidirá com a paternidade registada, devendo tal colisão ser processualmente solucionada ou, ao invés, não se provando tal paternidade, subsiste a registada.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do art.º 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte:
           
I – RELATÓRIO

1J…, residente na Rua …, instaurou acção declarativa de investigação e reconhecimento de paternidade, sob a forma de processo comum, contra:
-  D..., residente na Rua …;
- H..., residente na Rua ...;
- E..., menor, residente na Rua …,
deduzindo o seguinte petitório:
- que seja reconhecido como pai da menor E..., ordenado o cancelamento do registo da paternidade de H... em relação à menor, e que passe a constar do mesmo o Autor como pai.
Alegou, em súmula, o seguinte:
=> No âmbito do relacionamento que manteve com a Ré D…, em Setembro de 2014, esta informou que se encontrava grávida, momento em que não colocaram a hipótese do(a) filho(a) não ser do Autor;
=> Posteriormente, a Ré mencionou-lhe que tinha sofrido um aborto espontâneo, o que não correspondia à verdade, tendo a E... nascido em ../../20.. ;
=> Disponibilizou-se a assumir a paternidade da E…, mas a Ré D… disse-lhe que não era sua filha, mas antes do pai dos seus outros dois filhos, ou seja, do ora Réu H…;
=> Com quem ter-se-ia voltado a relacionar, ao mesmo tempo que mantinha um relacionamento com o Autor;
=> Pediu à Ré que autorizasse a realização de um exame de ADN para saber se não era o pai da E...;
=> Apesar da hesitação da Ré, esta acabou por concordar, tendo tal exame sido feito pelo DNA Diagnostic Center, e resultado negativo, com o que o Autor se conformou;
=> Autor e Ré voltaram, então, a relacionar-se amorosamente durante um ano, sendo que à medida que a menor ia crescendo mostrava parecenças físicas com o Autor;
=> Confrontou novamente a Ré, em meados de 2016, com o facto de achar que era o pai biológico da E…, pretendendo fazer novo exame de ADN, agora no INML, por ser este que lhe inspirava confiança;
=> Perante a posição da Ré de que o laboratório onde haviam efectuado era de confiança e mais barato, e na expectativa de que o exame não fosse feito pelo mesmo médico, voltaram a fazer tal exame no mesmo laboratório;
=> Cujo resultado foi-lhes enviado em 12/08/2016, assinado pelo mesmo médico e novamente negativo;
=>À medida que a menor foi crescendo e alterando as suas feições, ficou com mais parecenças físicas com o Autor, tendo, no início de 2018, confrontado a Ré com tal facto;
=> Tendo-lhe a Ré confessado que tudo o que tinha feito era por recear que uma vez que fosse provado que ele era o pai biológico da menor lhe viesse a ser entregue a guarda da mesma;
=> E, confrontada com o facto dos dois exames de ADN terem dado como negativos e de só ter concordado com a realização dos mesmos naquele laboratório, não quis a Ré falar sobre o assunto;
=> Assim, o resultado de tais exames são falsos, pelo que, não obstante os juntar aos autos, impugna a sua veracidade;
=> Apenas no dia 06/04/2015, 23 dias depois da E…. ter nascido, é que o Réu H… declarou ser o seu pai, o que terá acontecido pelo facto da Ré o ter convencido;
=> Encontrando-se, desde então, a menor registada como sendo sua filha;
=> É, assim, inquestionável o direito do Autor em ver-lhe reconhecida a paternidade sobre a menor, como é inquestionável o direito desta à sua identidade genética.
2 – Devidamente citada, veio a Ré D… contestar, alegando, em resumo, o seguinte:
=> Confirma ter ficado preocupada quando ficou grávida, não só devido ao facto de já ter dois filhos, como ainda pelo facto de ter-se voltado a relacionar com o 2º Réu e, consequentemente, a criança em gestação poderia ser deste ou do Autor, tendo essa dúvida;
=> Nunca disse ao Autor que o(a) filho(a) era de ambos;
=> Não pretendia a realização do exame no INML pois tal iria implicar a instauração de uma acção judicial, o que pretendia evitar;
=> Não reatou qualquer relacionamento amoroso com o Autor, nem este acompanhou o crescimento da E…, pois apenas a via esporadicamente;
=> Inexistem quaisquer parecenças físicas da E… com o Autor, a quem afirmou que ele continuava a querer ver o inexistente e a negar-se à evidência de que não era o pai da mesma;
=> Nos dois exames efectuados as clínicas escolhidas foram diferentes, nunca tendo sido cogitado por ambos que o Laboratório que procedeu à análise das amostras pudesse ser o mesmo em ambas as situações;
=> Nunca afirmou que os exames de ADN eram falsos, nem nunca assumiu que o Autor fosse o pai biológico da filha;
=> O Réu H… só foi declarar a menor E… como sua filha no dia 06/04/2015 por mera precaução, pois aguardou que os resultados do exame à primeira recolha de amostras de ADN lhe fossem informados;
=> Sendo efectivamente tal Réu o pai biológico da E… e, por tal facto, está a mesma registada como sua filha.
Conclui, requerendo que:
a) A presente acção ser julgada totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se todos os Réus dos pedidos formulados, mantendo-se inalterada a actual situação registada quanto à paternidade da menor E…;
b) Para o efeito, a 1ª Ré autoriza a realização da recolha das amostras necessárias de ADN, bem com a sujeição dessas amostras à realização de exames laboratoriais, por forma a serem obtidos resultados conclusivos quanto à paternidade da menor E…, aqui como 3ª Ré”.
3 – Por requerimento datado de 24/06/2019, veio o Autor reiterar pela realização do exame de ADN entre o Autor e a menor no INML.
4 – Dispensada a realização da audiência prévia, pelo despacho de 17/09/2019, fo(i)(ram):
- proferido saneador stricto sensu;
- fixado o objecto do litígio e os temas da prova;
- apreciados os requerimentos probatórios, no âmbito dos quais foi determinada a realização de exame pericial, por forma a apurar se a 3ª Ré é ou não filha do Autor, a realizar pelo INML.
5 – Tal relatório pericial, realizado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Sul, Serviço de Genética e Biologia Forenses, SGBF-S, datado de 15/01/2020, foi junto aos autos, constando do mesmo que “de acordo com os resultados obtidos, J… é excluído da paternidade de E…, filha de D…”.
6 – Notificado o Autor do resultado de tal exame, veio, em 06/02/2020, requerer a realização de 2ª perícia, desta vez a “realizar no INMLCF – Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP de Coimbra ou outro Laboratório que V. Exa. Entender”.
7 – Os autos foram com vista ao Ministério Público, que, mediante promoção de 26/02/2020, consignou o seguinte:
“A recolha de ADN feita pelo IML é presencial, existindo protocolos de identificação das pessoas a quem são recolhidas as amostras de ADN.
A prova pericial resultante do exame efectuado pelo IML tem carácter científico, sem margem para discussão ou de carácter subjectivo.
Assim, não tem qualquer cabimento as dúvidas quanto ao resultado da perícia efectuada pelo IML.
Aliás, é esta a prova científica válida, não bastando os exames de ADN efectuadas por entidades não oficiais (Lei 45/2004, de 19.08).
Face ao exposto, p. se indefira o requerido, não tendo relevância para a situação ora em discussão as circunstâncias que rodearam a realização dos os exames de ADN antes de instaurada a acção e cujos resultados também afastaram a paternidade do A. da menor E…. Aliás, na contestação, a mãe da menor, na qualidade de Ré refuta logo que os testes efectuados antes de proposta a acção não tenham tido por base amostras recolhidas à menor, bem como as alegações do A.
Assim, não se concede que sejam efectuadas novas perícias no IML ou noutra entidade, sob pena de voltar a colocar novamente em causa os resultados das perícias.
Aliás, sendo todos os exames no mesmo sentido, excluindo a paternidade do A. da menor E…, não se vislumbra quais as dúvidas ora levantadas.
Face ao exposto, p. se indeferia o requerido por não ter qualquer fundo de verdade ou de plausibilidade o que alega o A. para ser repetida a perícia efectuada nos autos.
*
Mais p. se designe data para julgamento”.
8 – Em 03/03/2020, foi proferido o seguinte despacho:
“Determina o art.º 467.º, n.º 1 do CPC, aplicável por via do art.º 4.º do RGPTC, que “- A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
Dispondo o n.º 3 do citado normativo que “As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.”
Estabelece o art.º 485.º, n.º 2 do CPC que “Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.” Sendo que a contradição que neste normativo se fala é contradição interna, ou seja, dentro do próprio relatório pericial e não contradição com outro elemento de prova.
Quanto à realização da segunda perícia, dispõe o art.º 487.º, n.º 1 do CPC que “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.”
No caso em apreço, o pedido de segunda perícia funda-se na suspeita de que a amostra recolhida para realizar o exame de ADN não tenha sido realizada na pessoa da R. E….
Apesar de crermos não existir motivo para duvidar da idoneidade da perícia efectuada, para que não subsistam dúvidas sobre o resultado da mesma, notifique-se o Sr. Perito que realizou o exame para que esclareça se aquando da sua realização foram identificados, e como o foram, os sujeitos que se submeteram à perícia, atentas as dúvidas suscitadas pelo A.
Notifique.
Remeta cópia do requerimento do A. para melhor esclarecimento”.
9 – O Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Sul, Serviço de Genética e Biologia Forenses, SGBF-S, veio apresentar “esclarecimento sobre exame pericial relativo à paternidade de E….”, nomeadamente quanto aos procedimentos adoptados, identificação dos intervenientes e forma de efectivação da colheita das amostras biológicas.
10 – Foi, então, o Autor notificado para, perante os esclarecimentos efectuados, informar se pretendia o prosseguimento dos autos – despacho de 15/06/2020 -, tendo vindo reiterar pela realização da segunda perícia, preferencialmente no Instituto Ricardo Jorge – requerimento de 16/06/2020 -, enquanto que a Ré, mediante requerimento de 22/06/2020, reiterou antecedente requerimento de 20/02/2020, mencionando que “continua a ser vontade da Ré que seja ordenada a realização de um novo exame de ADN, por forma a que não reste qualquer dúvida sobre se o Autor é ou não o Progenitor da Menor E…, atendendo a que estamos perante um caso em que uma das partes, o Autor, “quer ser pai à força””.
11 – Por despacho de 03/11/2020, foi determinada a realização de 2ª perícia.
12 – O novo relatório pericial, realizado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Sul, Serviço de Genética e Biologia Forenses, SGBF-S, datado de 16/07/2021, foi junto aos autos, constando do mesmo que “o estudo dos polimorfismos de ADN nuclear efectuado permite excluir J… da paternidade de E…, filha de D…”.
13 – Por requerimento de 26/08/2021, veio o Autor requerer:
“a) que seja repetida a Perícia ao ADN da menor E… e do Autor, no INMLCF – Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP de Coimbra; ou no Instituto Ricardo Jorge, ou noutro que não o INML;
b) que seja citado o Réu H… para a realização de teste de ADN afim de se aferir da paternidade da menor E…”.
14 – Em 27/10/2021, foi apresentada resposta pelo Ministério Público, com o seguinte teor:
“Veio o autor requerer a realização de nova perícia ao ADN, suscitando-se-lhe dúvidas acerca da veracidade dos resultados apresentados nas perícias do IML.
Nos autos já foram realizadas duas perícias sempre com o mesmo resultado negativo, suscitando-se dúvidas ao autor porquanto os dados relativos à menor são distintos dos obtidos nos exames realizados num laboratório privado anterior à instauração da acção e que também excluía a paternidade do autor.
Ora, nada do que o autor alega permite colocar em causa a correcção das perícias realizadas no IML, muito menos quando usa como comparação o resultado de exames que o próprio entende que foram falsificados.
Como se referiu na promoção de 26-2-2020 “A recolha de ADN feita pelo IML é presencial, existindo protocolos de identificação das pessoas a quem são recolhidas as amostras de ADN.
A prova pericial resultante do exame efectuado pelo IML tem carácter científico, sem margem para discussão ou de carácter subjectivo.
Assim, não tem qualquer cabimento as dúvidas quanto ao resultado da perícia efectuada pelo IML.
Aliás, é esta a prova científica válida, não bastando os exames de ADN efectuadas por entidades não oficiais (Lei 45/2004, de 19.08).
Face ao exposto, p. se indefira o requerido, não tendo relevância para a situação ora em discussão as circunstâncias que rodearam a realização dos os exames de ADN antes de instaurada a acção e cujos resultados também afastaram a paternidade do A. da menor E…. Aliás, na contestação, a mãe da menor, na qualidade de Ré refuta logo que os testes efectuados antes de proposta a acção não tenham tido por base amostras recolhidas à menor, bem como as alegações do A.”
Pelo que propugna o Ministério Público que se indefira a realização de uma 3ª perícia e se designe data para julgamento”.
15 – Citado, em representação da menor, para contestar a presente acção, veio o Ministério Público fazê-lo em 24/04/2022, concluindo no sentido da improcedência da acção e consequente absolvição da Ré E… do pedido deduzido.
16 – No dia 19/05/2022, veio o Autor apresentar o seguinte requerimento (corrigem-se os lapsos de ortografia):
J…, Autor nos autos supra referenciados e aí melhor identificado, tendo sido notificado da douta Contestação do Ministério Público, ao abrigo do artigo 7º, nº 1 do Código do Processo Civil, dizer e requerer o seguinte:
1. Muito se estranha que a convicção do Ministério Público, nos presentes autos, seja a de que “… a presente acção terá, obrigatoriamente de soçobrar”.
2. E isto porque se encontra agir em nome da defesa dos direitos e interesses da menor E…!!!
3. Desconsiderando o facto das duas perícias terem sido realizadas no mesmo local, no IML,
4. pese embora o Autor tenha requerido a segunda perícia num outro Instituto para que se tivesse efetivamente um relatório elaborado por outra entidade, que espelhasse a análise de ADN processada por outros profissionais, com base na colheita genética de profissionais diferenciados da primeira perícia.
5. Esta desconsideração, certamente, teve na sua base a douta promoção, no sentido da desnecessidade de realização da segunda perícia, bastando-se pelo resultado da primeira.
6. E nem mesmo o caso, em concreto, de erro do IML, explanado pelo Autor gerou qualquer dúvida da eventual ocorrência de erro no resultado apresentado na primeira perícia realizada, e com toda a certeza confirmado na segunda!
7. No entendimento do Digníssimo Ministério Público “Nada do que o autor alega permite colocar em causa a correcção das perícias realizadas no IML, muito menos quando usa como comparação o resultado de exames que o próprio entende que foram falsificados”.
8. Ora, o Autor não tem qualquer “fetiche” judiciário, nem pretende gastar milhares de euros neste processo, como tem gasto, apenas por capricho seu.
9. Ao Autor foram-lhe transmitidos vários indícios de que a menor E… seria sua filha, diretamente e indiretamente, por atitudes de comportamento, pela Ré D…, mãe da menor.
10. E daí a razão da origem dos presentes autos.
11. E cientificamente, porque é a base, a priori, irrefutável, efetivamente os ADN dos testes feitos anteriormente ao processo, com a recolha de material genético pela Ré D…, alegadamente à menor E…, quando comparável com o ADN resultante da menor, nos resultados do IML são efetivamente diferentes, conforme se confirma pelo doc. 1 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
12. Portanto, o Autor, não entende porque não é perito da área, mas efetivamente tem a convicção de que houve falsificação dos resultados, estando a decorrer o competente processo crime,
13. mas para já tem a certeza científica de que efetivamente os ADN dos exames realizados anteriormente ao processo comparando com os ADN dos exames realizados no IML, no que se refere à menor E…, são diferentes, ou dito por outras palavras, não são da mesma pessoa!!!
14. Por outro lado, ao Digníssimo Ministério Público parece não abalar o seu certo raciocínio de improcedência da ação, a total passividade, inação, displicência, do Réu H…, que apesar de ser Parte no processo, e ver a sua filha (pelo menos registada) envolvida num processo de averiguação de paternidade, quando, simplesmente poderia ter contestado, ou manifestando cooperação, prontificando-se a fazer teste de ADN, dissipando-se assim as dúvidas que até ao momento não foram esclarecidas.
15. Nesta conformidade dúbia que só a ciência poderá esclarecer, previamente à audiência, não cremos que o Meritíssimo Tribunal marque julgamento, conforme já promovido!
NESTES TERMOS,
E sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ª requer-se:
a) que seja repetida a Perícia ao ADN da menor E… e do Autor, no Instituto Ricardo Jorge, ou noutro que não o INML;
b) que seja citado o Réu H… para a realização de teste de ADN afim de se aferir da paternidade da menor E…”.
17 – A Ré D…, respondeu nos seguintes termos:
“1º
O Autor, de forma hábil, justifica a apresentação do seu requerimento de 19/05/2022 com fundamento no princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do Código de Processo Civil.

Contudo, o supra referido requerimento do Autor assemelha-se a uma contestação/resposta à Contestação que havia sido apresentada pela Digníssima Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal em 24/04/2022, entendendo-se, s.m.o., que o requerimento de 19/05/2022 é legalmente inadmissível.
Pelo exposto, requer-se a V.ª Ex.ª que o requerimento apresentado pelo Autor a 19/05/2022 seja desentranhado e devolvido ao apresentante, bem como o documento que foi junto a esse requerimento, por inadmissibilidade legal”.
18 – Em resposta ao requerido, em 24/06/2022, foi proferido o seguinte DESPACHO:
“O autor veio apresentar articulado respondendo à contestação apresentada pelo Ministério Público e requerendo nova perícia.
Na aludida contestação não foi deduzido pedido reconvencial, pelo que nos termos do disposto no art.º 584º do CPC não podia o Autor apresentar o referido articulado pronunciando-se quanto ao alegado pelo Ministério Publico.
Acresce que, mesmo que se entenda que tal articulado não constitui uma réplica, mas sim, apenas mero requerimento para requerer nova perícia, sempre o mesmo também seria indeferido, na medida em que carece de fundamente legal.
Na verdade, resulta do disposto no art.º 487º do Código Processo Civil, que apenas é admissível uma segunda perícia. Entendimento contrário levaria a que sempre que as conclusões alcançadas pela perícia não fossem do agrado das partes poderiam as mesmas requerer novas perícias indefinidamente.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse tendo já sido realizadas duas perícias e não havendo qualquer fundamento para colocar em dúvida o rigor e fiabilidade dos métodos utilizados, sempre se teria que indeferir o requerido.
Assim sendo, pelos fundamentos expostos, decido não admitir a resposta do autor à contestação do M.P., indeferindo-se também a requerida perícia.
Notifique.

Para realização de audiência de discussão e julgamento designo o próximo dia 6 de Setembro pelas 14.00 horas.
Notifique”.
19 – Inconformado com o decidido, o Autor interpôs recurso de apelação, em 16/08/2022, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
1. O douto despacho prolatado em 24.06.2022, com referência Citius 153174421, de que se recorre, não está imbuído no espírito de justiça que lhe era exigível.
2. E isto porque indefere o Requerimento apresentado pelo ora Recorrente, em 19.05.2022, com a referência Citius 12358698, com o fundamento de se tratar de resposta à contestação apresentada pelo Ministério Público, nos termos do artigo 584 do CPC,
3. Quando na verdade se trata de um requerimento apresentado nos termos do princípio da cooperação, com vista à descoberta da verdade material, justificável, sob o ponto de vista do ora Recorrente, à desconsideração por parte do Ministério Público a toda a argumentação e prova apresentada pelo Autor, revelada logo na douta promoção pós primeira perícia, no sentido da desnecessidade de realização da segunda perícia, bastando-se pelo resultado da primeira!
4. Consta ainda do despacho recorrido “Acresce que, mesmo que se entenda que tal articulado não constitui uma réplica, mas sim, apenas mero requerimento para requerer nova perícia, sempre o mesmo também seria indeferido, na medida em que carece de fundamente legal”. Quando na verdade, o requerimento, não carece de fundamentação legal, pois foi apresentado à luz do princípio da cooperação – artigo 7º, nº 1 do C.P.C –, acompanhado de documento, que compara cientificamente os resultados de ADN em evidência nos autos, e que fundamenta todas as suspeitas do ora Recorrente que estiveram na base dos presentes autos.
5. Por outro lado, do douto despacho recorrido extrai-se a omissão de pronúncia sobre o pedido de citação do Réu H…, para realização de teste de ADN afim de sem aferir, definitivamente e sem qualquer margem para dúvidas, sobre a paternidade da menor E…, devendo, portanto, tal apreciação ser de deferimento, sob pena de denegação da justiça.
6. Os presentes autos de acção de investigação e reconhecimento da paternidade iniciaram-se por haver sérias e fundadas suspeitas do Autor, aqui Recorrente, ser pai da menor E….
7. Dúvidas essas extraídas de comportamentos e dizeres da mãe da menor E…, a Ré D…, apesar de terem sido realizados dois testes de ADN, “caseiros”, com a recolha de saliva do Autor, da menor e da Ré D…, analisados pelo DNA Diagnostic Center, onde excluíram o aqui Recorrente como pai biológico da menor E…, juntos com aos autos com a Petição Inicial.
8. Nos autos foi realizado uma primeira perícia ao ADN, pela recolha de sangue e saliva, dos intervenientes, no INML – Delegação do Sul, em 25.10.2019 obtendo-se um resultado que excluía o ora Recorrente, da paternidade da menor E…, filha da Ré D….
9. Contudo, tal relatório por suscitar dúvidas de elaboração, e de identificação dos intervenientes na perícia, no prazo legal, foi questionado, pelo Autor, aos senhores peritos para prestarem esclarecimentos, que na verdade não ocorreram, pois o INML não foi capaz de esclarecer se aquando a realização do exame de ADN foram identificados e como o foram, os sujeitos que se submeteram a tal perícia.
10. Perante esta incerteza, tal relatório traz ainda um dado novo ao processo, que o confunde ainda mais – O ADN da menor E…, analisado pelo INML é diferente do ADN da menor E… recolhido pela sua mãe, a Ré D…, analisado pelo laboratório DNA Diagnostic Center!!!
11. Perante este circunstancialismo, de discrepâncias de ADN da menor E…, da falta de esclarecimento e assertividade pelo INML, o Autor não teve outra alternativa a não ser requerer uma segunda perícia, ao abrigo do disposto no artigo 487º do C.P.C, à qual a Ré D… não se opôs, considerando também a hipótese de erro humano nos resultados, mas sendo esta segunda perícia requerida para realização noutro instituto ou laboratório diferente do INML, o que veio a ser deferido mas não concretizado.
12. Ou seja, o Tribunal a quo deferiu a segunda perícia ao ADN dos intervenientes, mas a mesma foi agendada no mesmo local da realização da primeira perícia, no INMLCF – Delegação do Sul.
13. No dia 06.05.2021, foi realizado novo exame pericial, novamente no INMLCF – Delegação do Sul, tendo sido colhidas amostras, mais uma vez, ao aqui Recorrente, à Ré D… e à menor E…, sendo que o resultado desse segundo exame teve os mesmos resultados que o outro também realizado no INMLCF – Delegação do Sul, resultando excluída a paternidade do Autor.
14. O aqui Recorrente não se conforma com os resultados das duas perícias realizadas no INMLCF – Delegação do Sul não pelo facto dos mesmos “não serem do seu agrado”, como erradamente consta do despacho recorrido, mas sim pelo simples facto de, antes destes exames realizados no referido laboratório, ter realizado outros, dos quais, comparados com aqueles primeiros, resulta a diferença de ADN´s na amostra das menor(es); e ainda devido ao facto do INML não ter esclarecido com assertividade, como se esperava, como foi in casu feita a identificação dos intervenientes da perícia; e sobretudo, por a segunda perícia ter sido agendada no mesmo local da primeira, não servindo a mesma para confirmar nada, nem dissipar dúvida nenhuma, pois as mesmas mantêm-se da primeira perícia!
15. Decidiu MUITO MAL o Meritíssimo Juiz a quo com a insistência de agendamento da segunda perícia no INML, pois pese embora tenha deferido a mesma, não respeitou na íntegra o solicitado pelo Autor, ou seja, que a segunda perícia fosse feita em laboratório ou instituto diferente do primeiro – INML – tendo inclusive apontado ou sugerido outros locais onde a perícia deveria ter sido efectuada.
16. O aqui Recorrente não tem qualquer “fetiche judiciário”, nem qualquer interesse em despender quantias avultadas com os termos do presente processo, com os inerentes e associados custos e encargos, pois não é beneficiário de apoio judiciário, além de todo o desgaste emocional em busca da verdade, ao longo destes três anos e meio que se afigura impossível de ser contabilizado.
17. O que o mesmo pretende é tão-só e apenas que um novo exame pericial seja realizado num outro laboratório que não o INMLCF – Delegação do Sul, por forma a que todas as dúvidas que o mesmo ainda tem, e que se lamenta que o Tribunal a quo não tenha, sejam, definitivamente, dissipadas.
18. Assim, neste circunstancialismo, não se pode falar de uma diligência de prova impertinente ou de carácter dilatório, muito pelo contrário! Estamos perante uma diligência probatória essencial à decisão final, cuja realização PODE E DEVE ser ordenada pelo Tribunal, já que o próprio Tribunal a quo errou na marcação da segunda perícia, quando o fez no mesmo local da primeira, e quando o Autor requereu precisamente que fosse realizada noutro instituto, noutro laboratório, e indicou locais onde a mesma poderia ter sido realizada.
19. Estamos perante uma diligência probatória requerida que se reporta aos precisos factos da causa – o apuramento da paternidade da menor E… –  e o respectivo apuramento reveste especiais conhecimentos técnicos e científicos – colheita e análise de ADN – que escapa totalmente, quer ao Digníssimo Ministério Público, quer ao Meritíssimo Juiz a quo, e por isso a total indignação do ora Recorrente em ver o comportamento do primeiro a pedir marcação de julgamento, logo após o resultado da primeira perícia, e do segundo que marca audiência de discussão e julgamento, sem ter nos autos prova específica, cientifica e inequívoca que alicerce uma boa decisão, e impedindo ainda, com o despacho de indeferimento, que essa prova tão necessária e essencial seja apurada!!!
20. Atendendo a que a nova perícia requerida e cuja realização o Autor, aqui Recorrente, lhe viu ser indeferida, é manifestamente pertinente para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, não deve ser impedido o direito das partes à prova lícita, por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela jurisdicional efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, como consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
21. Tal meio probatório (novo exame pericial, em laboratório diverso do INMLCF), atenta a matéria em equação, a qual reveste manifesta sensibilidade e delicadeza, mostra-se necessário, proporcional e adequado à finalidade prosseguida com os intentados autos de investigação de paternidade.
22. Ao indeferir a perícia, além do mais, o Tribunal a quo viola o direito à identidade, consagrada na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 26º. E, a menor E… tem o direito a saber a identidade do seu pai biológico, do mesmo modo que o ora Recorrente tem o direito a ver-lhe reconhecida a paternidade da E…, se assim se vier a apurar.
Conclui, no sentido de ser revogado o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que “defira o Requerimento apresentado pelo ora Recorrente, à luz do princípio da cooperação, previsto no artigo 7, nº 1 do C.P.C, em 19.05.2022, com a referência Citius 12358698, sendo mantido nos autos, bem como o documento junto, que visa a colaboração para a descoberta material, com todos os efeitos legais; bem como deverá ser deferida a realização da perícia requerida pelo Autor, aqui Recorrente, numa outra entidade que não o INML, pelos fundamentos supra aduzidos; e ainda deverá o Tribunal a quo se pronunciar sobre o pedido de citação do Réu H…, para realização de teste de ADN afim de se aferir, definitivamente e sem qualquer margem para dúvidas, sobre a paternidade da menor E…, devendo portanto tal apreciação ser de deferimento, sob pena de denegação da justiça”.
20 – A Ré Apelada D… apresentou contra-alegações, que terminou formulando as seguintes CONCLUSÕES:
“a) O recurso interposto pelo Recorrente, do Douto Despacho, proferido em 24 de Junho de 2022 pelo Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito por melhor opinião, não tem qualquer sustentação fáctica ou jurídica e, sendo assim, a decisão sobre o mesmo não poderá ser outra que não a sua total improcedência.
b) O requerimento do Recorrente de 19/05/2022 ao abrigo do disposto no artigo 584.º do CPC é inadmissível porque não foram deduzidas excepções nem houve reconvenção na Contestação do Ministério Público.
c) O requerimento do Recorrente de 19/05/2022 é também inadmissível porque se se aceita uma segunda perícia desde que a parte que a requeira cumpra o ónus de alegação fundamentada imposto pelo n.º 1 do artigo 487.º do CPC não prevê a lei uma terceira perícia.
d) As perícias realizadas pelo INMLCF, independentemente de realizados na Delegação Sul ou na Delegação Norte, por peritos diferentes, seguirão, de certeza, sempre os mesmos cânones técnico-cientifícos quer na identificação das partes, quer na recolha das amostras, quer no tratamento dessas mesmas amostras, por parte dos médicos e técnicos-laboratoriais.
e) O meio de prova requerido, que equivale a uma terceira perícia, não está previsto na lei, sendo que a segunda perícia não é um “recurso” da primeira perícia em termos probatórios, mas sim, e verdadeiramente, um “tira-teimas”, a obtenção de uma nova confirmação que permita a melhor e mais adequada decisão do caso concreto.
f) O despacho recorrido não merece qualquer censura porque obedece a todos os pressupostos legais, não admite o requerimento porque a Contestação apresentada pelo MP não admite resposta e os meios de prova requeridos são inadmissíveis face ao ordenamento processual jurídico vigente”.
21 – O recurso foi admitido por despacho de 07/11/2022, como apelação, a subir de imediato e em separado e com efeito devolutivo.
22 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art.º 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do art.º 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Autor, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina conhecer se deve ser admitida a realização de uma terceira perícia.
In casu, e em concatenação, impõe-se, ainda a análise das seguintes questões:
1) Da admissibilidade da junção do requerimento do Autor datado de 19/05/2022;
2) Do pedido de citação do Réu H… para realização de teste de ADN.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar é apenas a aludida no precedente relatório.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da (in)admissibilidade de realização de uma 3ª perícia

Prevendo acerca da realização da segunda perícia, prescreve o art.º 487º do Cód. de Processo Civil, que:
1 – qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2 – O Tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
3 – A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta” (sublinhado nosso).
O presente normativo corresponde, sem alterações, ao art.º 589º do Cód. de Processo Civil, na redacção antecedente à Lei nº. 41/2013, de 26/06, que, por sua vez, correspondia ao antecedente art.º 609º e, antecedentemente, ao art.º 613º do Cód. de Processo Civil de 1939.
Pela sua natureza, a segunda perícia “não constitui uma instância de recurso”, antes visando “fornecer ao tribunal novo elemento de prova relativo aos factos que foram objecto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos (…) pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial[1].
A segunda perícia configura-se, deste modo, por que destinada á averiguação dos mesmos factos, como uma repetição da primeira, pretendendo-se “com o segundo exame ou com a segunda vistoria submeter á averiguação e apreciação dos peritos precisamente os mesmos factos que se tratou de averiguar e apreciar no primeiro”, configurando-se assim “da essência do segundo arbitramento a repetição da diligência já realizada[2].
Todavia, sendo a iniciativa da sua realização da parte, “não lhe basta requerê-la: é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente[3] [4].
A sua realização não se configura, assim, como discricionária, mas antes pressupõe que a parte alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões da discordância ou inexactidões a corrigir, na legal terminologia do nº. 3 do citado normativo, justificando “a possibilidade de uma distinta apreciação técnica, não cabendo ao Tribunal aprofundar o bem (ou mal) fundado da argumentação da parte, embora já possa indeferir o requerimento com fundamento no carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia[5].
Assim, o requerente deve “especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda ; em seguida, deve indicar os motivos pelos quais discorda, [mas já não lhe será exigível que demonstre ou sustente o eventual sucesso do resultado que prende obter, tanto mais que este dependerá, necessariamente, da realização da nova perícia]”.
Pelo que, resulta do actual quadro legal constituir “condição de deferimento do pedido de realização de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia e, ainda, que tal alegação especificada é o único requisito legal do requerimento em causa a formular nos termos do citado art.º 487º do NCPC”, não se constituindo assim as razões da discordância do requerente “razões de [convencimento] do próprio Tribunal” (sublinhado nosso) [6] [7].

Aqui chegados, indaga-se: definida a função da segunda perícia, é legalmente acolhida a possibilidade de realização de uma 3ª perícia, tendo por objecto os mesmos factos sobre que incidiram as duas primeiras?
Adiantamos, desde já, ser legalmente omissa tal previsão de realização de uma terceira perícia, pelo que consideramos que a mesma não é legalmente suportável.

Vejamos, em traços largos e cronologicamente, a essencialidade do ocorrido nos presentes autos:
- ao intentar a presente acção de investigação e reconhecimento da paternidade, o Autor juntou o resultado de dois testes de DNA que, juntamente com as Rés mãe e pretensa filha, realizaram em laboratórios particulares;
- em ambos os testes realizados, em 04/01/2015 e 08/12/2016, o Autor era excluído como pai biológico da Ré menor, sendo os resultados apresentados, por referência aos polimorfismos de ADN, totalmente idênticos – cf., documentos nºs. 5 a 8, juntos com a petição inicial;
- apesar da junção de tais elementos documentais, o Autor desde logo impugnou a veracidade de tais documentos, aludindo, inclusive, à falsidade dos resultados obtidos – cf., art.º 46º da petição inicial;
- formula, desde logo, no mesmo articulado, requerimento no sentido de se proceder á realização de exame de ADN no INML, entre si e a menor;
- mediante requerimento datado de 24/06/2019, veio o Autor reiterar pela realização do exame de ADN entre si e a menor no INML;
- deferida tal realização, foi a mesma efectivada no Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Sul, Serviço de Genética e Biologia Forenses, SGBF-S, sendo que, mediante relatório datado de 15/01/2020, consta que “de acordo com os resultados obtidos, J… é excluído da paternidade de E…, filha de D…”;
- notificado do resultado, veio o Autor, em 06/02/2020, requerer a realização de 2ª perícia, desta vez a “realizar no INMLCF – Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP de Coimbra ou outro Laboratório que V. Exa. Entender”;
- atentas as dúvidas manifestadas pelo Autor quanto ao resultado do exame, foi determinada a notificação do Sr. Perito para que esclarecesse se aquando da sua realização foram identificados, e como o foram, os sujeitos que se submeteram à perícia, atentas as dúvidas suscitadas pelo Autor;
- veio, então, o Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Sul, Serviço de Genética e Biologia Forenses, SGBF-S, apresentar “esclarecimento sobre exame pericial relativo à paternidade de E…, nomeadamente quanto aos procedimentos adoptados, identificação dos intervenientes e forma de efectivação da colheita das amostras biológicas;
- notificado de tais esclarecimentos, o Autor manteve a intenção de realização de uma segunda perícia, que veio a ser determinada por despacho de 03/11/2020;
- realizada nova perícia pelo Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Sul, Serviço de Genética e Biologia Forenses, SGBF-S, por relatório pericial datado de 16/07/202, veio a consignar-se que “o estudo dos polimorfismos de ADN nuclear efectuado permite excluir J… da paternidade de E…, filha de D….”;
- novamente inconformado com o resultado da segunda perícia, o Autor, por requerimento de 26/08/2021, veio pugnar pela sua repetição, “no INMLCF – Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP de Coimbra; ou no Instituto Ricardo Jorge, ou noutro que não o INML”;
- o que veio reiterar por requerimento de 19/05/2022, solicitando a repetição da perícia “no Instituto Ricardo Jorge, ou noutro que não o INML”;
- e que reitera nas conclusões recursórias apresentadas, pretendendo a realização da requerida perícia “numa outra entidade que não o INML”.

Resulta do exposto que o Autor começou por requerer a realização da perícia no INML (em consonância, aliás, com o que alegou ter sido sempre a sua intenção manifestada junto da progenitora da menor).
Posteriormente, confrontado com o resultado da perícia, passou a requerer que fosse realizado no mesmo INML, mas agora de Coimbra, ou noutro laboratório que o Tribunal entendesse.
Após, realizada a segunda perícia, tal com o a primeira, no Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Sul, Serviço de Genética e Biologia Forenses, SGBF-S, e confrontado com o resultado, voltou a reiterar a pretensão da sua realização no mesmo INML, mas de Coimbra, ou no Instituto Ricardo Jorge, ou noutro que não o INML (depreende-se que delegação sul).
Posteriormente, deixa cair a pretensão de realização no INML, delegação de Coimbra, passando a pretender que seja efectuado no Instituto Ricardo Jorge ou noutro, que não o INML, ou mesmo numa outra qualquer entidade, que não o INML.
Ora, o que poderemos concluir de tal percurso reivindicante?

Vejamos, para já, o quadro legal (para além do já exposto).
Prescreve o nº. 1, do art.º 467º, do Cód. de Processo Civil, a propósito da incumbência na realização de perícia, que “a perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.
Acrescenta o nº. 3, do mesmo normativo, que “as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta”.
O que nos remete para o estatuído na Lei nº. 45/2004, de 19/08, que veio estabelecer o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses.
Relativamente à realização das perícias, estatuem os nºs. 1 e 2, do art.º 2º que:
“1 - As perícias são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I. P.), nos termos dos respetivos estatutos.
2 - Excecionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias referidas no número anterior podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo INMLCF, I. P.” (sublinhado nosso).
No que concerne à requisição de perícias, enuncia o nº. 1, do art.º 3º, que “as perícias solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo (…)”, aduzindo o art.º 5º, nºs. 1, 4 e 5, no que se reporta à responsabilidade pelas perícias, que:
“1 - As perícias e pareceres solicitados às delegações e aos gabinetes médico-legais e forenses do INMLCF, I. P., bem como às entidades previstas nos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 2.º, são realizados pelos peritos designados pelos dirigentes ou coordenadores dos respetivos serviços.
(……)
4 - No exercício das suas funções periciais, os médicos e outros técnicos especialistas em medicina legal, os médicos ou outros técnicos contratados nos termos do disposto nos artigos 28.º e 29.º para o exercício dessas funções, os médicos dos serviços de saúde e as entidades terceiras referidas nos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 2.º gozam de autonomia e são responsáveis pelas perícias, relatórios e pareceres por si realizados.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os peritos e entidades nele referidos encontram-se obrigados a respeitar as normas, modelos e metodologias periciais em vigor no INMLCF, I. P., bem como as recomendações decorrentes da supervisão técnico-científica dos serviços (sublinhado nosso).
Por fim, no que concerne especificamente à realização de exames e perícias no âmbito da genética, biologia e toxicologia forenses (com evidente atinência ao caso sub judice), estatuem os nºs. 1 e 3, do art.º 23º que:
“1 - Os exames de genética, biologia e toxicologia forenses são obrigatoriamente solicitados à delegação do Instituto da área territorial do tribunal ou da autoridade policial que os requer.
(…)
3 - Estes exames podem também ser directamente solicitados pelos tribunais às entidades terceiras referidas no n.º 5 do artigo 2.º” (sublinhado nosso).

Do presente quadro resulta, claramente, o seguinte:
* A realização obrigatória das perícias médico-legais e forenses nas delegações e gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I.P.);
* Tal realização é efectuada com observância dos ditames dos estatutos de tal instituto público;
* Apenas em situações excepcionais, decorrentes de manifesta impossibilidade dos serviços, é que tais perícias podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas;
* Estas entidades terceiras são contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.;
* As perícias são realizadas pelos peritos ou médicos que os dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços designarem;
* Gozando estes de autonomia e sendo responsáveis pelas perícias, relatórios e pareceres realizados;
* Ainda que estando vinculados e obrigados a respeitar os modelos e metodologias periciais, bem como os normativos em vigor no INMLCF, I.P., e as recomendações da supervisão técnico-científica dos serviços;
* Especificamente no que concerne aos exames de genética, biologia e toxicologia forenses, são obrigatoriamente solicitados à delegação do Instituto da área territorial do tribunal que requeira a sua realização;
* Podendo, ainda, o tribunal solicitá-los directamente a entidades terceiras, públicas ou privadas, em caso de necessidade decorrente da impossibilidade dos serviços do INMLCF, I.P., contratadas ou indicadas por este.

Conforme sumariado no douto Acórdão da RG de 21/11/2019 – Relator: José Alberto Moreira Dias, Processo nº. 3278/16.4T8GMR.G1, in www.dgsi.pt -, a Lei nº. 45/2004, de 19/08, é especial relativamente ao Cód. de Processo Civil, “pelo que os exames hematológicos ou outros métodos cientificamente comprovados de determinação direta da filiação biológica têm de ser realizados pela delegação do INML da área territorial do tribunal que os requer e quer se trate de primeira perícia, quer de segunda, são, em regra, efetuados por um único perito do INML ou por este contratado, estando reservada a perícia colegial apenas aos casos em que o juiz a determine, por decisão fundamentada, em que essa perícia colegial continua a ter de ser realizada por peritos do INML ou por este contratados.
Por outro lado, visando os impedimentos e suspeições aplicáveis aos peritos “garantir a independência e a imparcialidade destes na realização da perícia, pelo que a circunstância de um perito do INML ter realizado a primeira perícia não determina o impedimento dos restantes peritos do INML para realizarem a segunda perícia, sendo que “uma coisa é a recolha do sangue ou de outro material genético que vai servir à realização da perícia e outra, diversa, é a perícia propriamente dita (a realização do exame hematológico). Se o perito que realiza a perícia está impedido de realizar perícias posteriores que venham a ser realizadas nos autos, já a pessoa que recolhe o sangue ou outro material genético que serve para a realização da perícia, não se encontra impedida de fazer essa recolha para se realizar exames periciais posteriores” (sublinhado nosso).
Tal aresto, suscitado em recurso, deu origem ao Acórdão do STJ de 02/06/2020 – Relatora: Maria Clara Sottomayor, Processo nº. 3278/16.4T8GMR.G1.S1, in www.dgsi.pt -, no qual se sumariou deverem os tribunais “assumir um papel decisivo na apreciação do valor probatório da prova pericial, sem ceder à tendência de delegar a decisão nos exames científicos ou genéticos, apurando as condições em que o exame foi feito, a competência dos peritos, e se este foi realizado dentro dos parâmetros e condições internacionalmente exigidos.
Pelo que, no caso em apreciação, “tendo sido realizadas duas perícias, por peritos diferentes, e ouvidos os peritos em audiência de julgamento, na qual prestaram esclarecimentos acerca dos métodos usados e da interpretação dos resultados dos exames, deve entender-se que ficou garantida a fiabilidade dos exames hematológicos (sublinhado nosso).

Aqui chegados, é tempo de retirar algumas conclusões:
- conforme expusemos, afigura-se-nos evidente não prever o mecanismo probatório processual a admissibilidade de uma 3ª perícia, mas apenas, no limite, de duas perícias, tendo por objecto a averiguação da mesma factualidade;
- tendo a 2ª perícia como desiderato a correcção de eventual inexactidão dos resultados da 1ª, possuindo ambas idêntico valor e sendo objecto de livre apreciação por parte do tribunal – cf., art.ºs 487º. Nº. 3 e 489º, ambos do Cód. de Processo Civil;
- donde, prima facie, a pretensão do ora Autor Apelante sempre teria de decair;
- para além do exposto, nos presentes autos já foram realizadas duas perícias, no âmbito da genética e biologia forenses, com idêntico objecto – determinar se o Autor é pai biológico da Ré menor;
- tendo sido ambas realizadas pela Delegação Sul do INMLCF, I.P., a quem é atribuída legalmente a competência para a realização de tais perícias;
- e que, no caso concreto, atenta a sua natureza, são obrigatoriamente solicitadas à delegação do INMLCF, I.P. da área do tribunal requerente da sua realização;
- ou seja, in casu, à Delegação Sul, tal como se observou;
- assim, por um lado, estava o Tribunal condicionado à realização obrigatória de tais perícias nas delegações e gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. e, por outro, atento o facto de estarmos perante perícias da área de genética e biologia forenses, estava legalmente obrigado a solicitar a sua realização à Delegação do INMLCF, I.P. da área do tribunal;
- o que observou;
- e, apenas lhe era admissível solicitar a sua efectivação a entidade terceira, caso ocorresse impossibilidade dos serviços do INMLCF, I.P., na sua realização – o que não se verificou -, ficando, ainda assim, condicionado à listagem das entidades, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas pelo mesmo Instituto ;
- por outro lado, analisando os dois relatórios periciais elaborados, constata-se que as perícias foram realizadas, e posteriormente validadas, por técnicos diferenciados, com estrita observância do legalmente determinado na alínea a), do art.º 488º, do Cód. de Processo Civil;
- não resultando dos autos, pelo menos por ora, quaisquer elementos com a mínima sustentabilidade no sentido de colidirem com a fiabilidade subjacente a tais juízos periciais, para além daqueles que, de forma genérica, conclusiva e subjectiva, o ora Apelante enuncia;
- ficando-se, inclusive, com a percepção que a posição do Recorrente, atenta a cronologia do seu procedimento processual (supra exposta), seria a de insistir na realização de tantas perícias, e por tantas entidades, quantas as necessárias até encontrar correspondência com as expectativas que foi construindo, o que não é legalmente acolhível;
- acresce, ainda, não nos merecer qualquer relevância ou impressionabilidade a circunstância de inexistir aparente correspondência entre o resultado de alguns dos polimorfismos de ADN nos dois exames realizados extra processualmente (e juntos como prova documental com a petição inicial), em comparação com os exames periciais realizados nos autos;
- com efeito, por um lado, é irrelevante discutir-se em que circunstâncias foram aqueles exames realizados em sede prévia à da instauração da acção, pois apenas os realizados como prova pericial nos presentes autos possuem a validade que a lei exige, e estes são totalmente consonantes;
- por outro, é logo o próprio Autor, e ora Apelante, que questiona e impugna o resultado de tais exames efectuados em laboratório particular, aludindo, inclusive, à falsidade dos resultados ali consignados que, com efeito, igualmente excluem a paternidade biológica do ora Autor.
Por todo o exposto, resultando totalmente observados os critérios vinculísticos que enformaram a realização das duas perícias, injustificando a pretensão de uma qualquer repetição, e concluindo-se pela legal impossibilidade de realização de uma pretendida 3ª perícia, ocorre decesso, nessa parte, da pretensão recursória apresentada.

Ao exposto, impõe-se, ainda, aditar o seguinte:
- o requerimento apresentado pelo Autor em 19/05/2022 (e que foi desatendido pela decisão recorrida) tinha como enfoque ou desiderato principal a pretensão de repetição da perícia realizada, no que se traduzira na pugnada realização de uma 3ª perícia.
Todavia, o mesmo requerimento também se configura como réplica ou resposta à contestação apresentada pelo Ministério Público, em representação da Ré menor, o que, efectivamente, não tem acolhimento legal, atento o prescrito no art.º 584º, do Cód. de Processo Civil, em virtude da inexistência de reconvenção deduzida ou mesma da dedução de qualquer defesa por excepção, que justificasse uma resposta (e, ainda assim, a sua apresentação por escrito sempre teria natureza excepcional – cf., os artigos 3º, nº. 4 e 591º, nº. 1, alínea b), ambos do Cód. de Processo Civil).
Donde, nessa parte, o mesmo não mereceria efectivo acolhimento, tal como se decidiu, nomeadamente no que concerne aos artigos que extravasassem o petitório de realização da pretendida perícia.
 - por fim, no requerimento indeferido, pugnou, ainda, o Autor pela citação do Réu H… – que não contestou nem interveio processualmente de outra qualquer forma - “para a realização de teste de ADN afim de se aferir da paternidade da menor E…”, o que reitera na presente sede apelatória.
O despacho recorrido não apreciou especificamente tal pretensão, ainda que se possa afirmar, e concluir, que ao indeferir a repetição da perícia, sempre estaria a decidir pela improcedência do requerido.
Ora, a solução não pode ser claramente outra. E, desde logo pelo facto de configurando-se tal Réu como o progenitor registado da menor e não estando em causa nos presentes autos qualquer impugnação da paternidade registada, mas antes a investigação e reconhecimento da alegada paternidade do Autor, não se impõe que aquele efectue qualquer perícia.
Com efeito, ou se prova nos presentes autos que o Autor é o progenitor biológico da Ré menor, o que colidirá com a paternidade registada, devendo tal colisão ser processualmente solucionada ou, ao invés, não se provando tal paternidade, subsiste a registada.

Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, o juízo é de improcedência da pretensão apelativa, conducente a juízo de total improcedência da apelação e consequente confirmação do despacho recorrido/apelado.
*
Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo o Autor na apelação, é responsável pelo pagamento das custas do presente recurso.
***
IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/Apelante J…;
b) Em consequência, confirma-se o despacho recorrido/apelado;
c) Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso são suportadas pelo Autor/Apelante/Recorrente.
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Lisboa, 20 de Abril de 2023
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco

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[1] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, pág. 521.
[2] cf., Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, 1987, pág. 297 e 299.
[3] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, ob. cit., pág. 521.
[4] Diferenciado era o regime previsto no Cód. de Processo Civil de 1939, no âmbito do qual o “requerente do segundo arbitramento não precisa de justificar o pedido: não carece de apontar defeitos ou vícios ocorridos no primeiro arbitramento ; não tem de apontar as razões por que julga pouco satisfatório ou pouco convincente o resultado do primeiro arbitramento”. Pelo que, “qualquer das partes pode requerer segundo arbitramento, sem que tenha de dizer as razões por que o requer”, não podendo o juiz “indeferir o requerimento com o fundamento de considerar impertinente ou dilatória a diligência” – cf., Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 302 e 303.
[5] cf., o douto aresto da RP de 10/07/2013, Relator: Fonte Ramos, Processo nº. 1357/12.6TBMAI-A.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf , bem como a jurisprudência aí citada.
[6] cf., o douto aresto da RG de 14/04/2016, Relatora: Maria Cristina Cerdeira, Processo nº. 2258/14.9T8BRG-B.G1, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf .
[7] Sumariou-se no douto Acórdão da RP de 11/01/2016, Relator: Carlos Querido, Processo nº. 4135/14.4TBMAI-A.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf , poder o tribunal “indeferir a realização da segunda perícia com fundamento no seu carácter impertinente ou dilatório, conclusão que decorre, desde logo, no princípio geral enunciado no artigo 130º do CPC”.
Pelo que, “tendo o recorrente solicitado a realização de segunda perícia, fundamentando as razões da sua discordância quanto às conclusões da primeira (….), a lei não permite ao juiz uma avaliação do mérito da argumentação apresentada como suporte da divergência, devendo determinar a realização da requerida diligência probatória, caso conclua que a mesma não tem carácter impertinente ou dilatório”.