Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9805/18.5T8LRS.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: RECURSO SUBORDINADO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
IMÓVEL ADQUIRIDO NA PENDÊNCIA DO CASAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Não podendo concluir-se no sentido da parte principal na causa ter ficado vencida, por falência do pressuposto de legitimidade, e nos quadros do nº. 1, do citado artº. 631º, do CPC, deverá concluir-se pela inadmissibilidade do recurso subordinado interposto ;
II – decidida tal inadmissibilidade, e enquadrando-se a situação descrita, no alegado recurso subordinado, na tipificação da ampliação do objecto do recurso, nomeadamente na previsão do nº. 2 do citado artº. 636º, do CPC – arguição de nulidades de sentença -, impõe-se aferir acerca da eventual possibilidade de proceder-se à convolação do recurso subsidiário apresentado em concreta ampliação do objecto do recurso, a requerimento do recorrido ;
III – ressalvando-se que a admissibilidade de tal convolação do recurso subordinado em ampliação do objecto do recurso só pode ter lugar caso o Recorrente subordinado não preencha os requisitos ou pressupostos conducentes á admissibilidade daquele tipo de recurso, nomeadamente por ser carente de legitimidade recursória, em virtude de não pode ser considerado parte vencida ;
IV – estando em equação apenas interesses dos ex-cônjuges, no âmbito da partilha pendente, e não interesses de terceiros, não se descortina qualquer razão para se afastar o entendimento fixado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 12/2015, de 02/07/2015, no sentido de permitir ao Autor que prove, por qualquer meio, que o imóvel adquirido na pendência do casamento, celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos com a Ré, o foi apenas com dinheiro ou valores a si pertencentes ;
V - e isto, ainda que o mesmo Autor, ao ter outorgado a escritura de aquisição de tal imóvel, não tenha feito constar a menção inscrita na 2ª parte da alínea c), do artº. 1723º, do Cód. Civil, ou seja, mencionar expressamente na escritura pública de aquisição acerca da proveniência própria do dinheiro ou valores aplicados em tal aquisição, com intervenção de ambos os cônjuges.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1MANUEL …………….., residente na Avenida ……………., intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra ROSA …………………, residente na Praceta ……………………., formulando o seguinte petitório:
- condenação da Ré a reconhecer que a fracção identificada em tal articulado - sita na Avenida ……………….., a designada pela Letra X, do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o número duzentos e vinte e um da referida freguesia e sito na Avenida …………….., inscrita na matriz correspondente sob o nº ...-fracção X -, pelo Autor exclusivamente paga, é própria do Autor e não integra o património comum do dissolvido casal.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
- casou com a R. em 14 de Maio de 1989, tendo o divórcio entre ambos sido decidido por douta sentença proferida no processo que correu seus termos neste mesmo Tribunal, no Juízo de Família e Menores de Loures-Juiz2, com o nº 3748/17.7T8LRS, a qual homologou, em 2 de Maio de 2017, os acordos de conversão em divórcio de mútuo consentimento do inicial processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que a R. instaurara contra o A. ;
- Alegando que A e R. nunca se haviam entendido quanto à relação dos bens comuns de que eram titulares e que integrariam a comunhão conjugal, veio a ora R. requerer a abertura do inventário correspondente, o qual correu (e corre) termos, com o nº 5869/17 no Cartório Notarial da Notária Dra. Lígia Garcia, sedeado na Rotunda Nuno Rodrigues dos Santos, nº 2-2C-Centro Comercial da Portela-2685- 223 Portela-Loures ;
- Tendo entendido a Ilustre Notária ordenar às partes a remessa dos autos para os Tribunais para que neles fossem discutidas as questões complexas que neles se levantavam, nomeadamente no que concerne à fracção infra identificada ;
- isto apesar de, em bom rigor, não ter partido do A. a iniciativa da partilha, na qual não tinha, na altura, nem agora tem, qualquer interesse e a R., quando ouvida em declarações no Cartório, perante a Senhora Notária, não negou que aquela não integraria a comunhão, já que admitiu que a totalidade do preço de aquisição fora pago por numerário exclusivamente do A. e família, do pai mais precisamente ;
- todavia, interpelada pelo ora A., em sede de requerimento de esclarecimento, deixou a Senhora Notária claro não só que caberia a este o impulso da ação, como lhe deu até 20 dias para o efeito ;
- entende o A. que a fração onde reside, sita na Avenida …………………., a designada pela Letra X, do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o número duzentos e vinte e um da referida freguesia e sito na Avenida …………………….., inscrita na matriz correspondente sob o nº ...-fracção X,  não integra a comunhão conjugal, antes é próprio do A. e integra na sua totalidade o património deste ;
-  com efeito, à data do inicio do namoro e posterior casamento com a R., já o A. dispunha de casa própria, pois era proprietário da fracção onde residia ;
- Nomeadamente, a fracção M, correspondente ao sexto piso D, do prédio sito na Quinta …, descrita na então segunda secção da Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número treze e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … C ;
- A qual adquirira, ainda em solteiro, em 15 de Julho de 1987, pelo preço de quatro mil e trezentos contos (vinte e um mil, quatrocentos e quarenta e oito euros trinta e um cêntimos, na moeda actual), pagos no ato na totalidade, com o apoio do respectivo pai, JM... o qual, para tal, lhe facultara o dinheiro necessário ;
- Completando o Autor com a importância de mil contos (quatro mil, novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos na moeda actual), que lhe fora mutuada pelo seu patrão, o Senhor António …………….., sócio-gerente da sociedade onde trabalhava, que o A. posteriormente amortizou ;
- Assim, à data do casamento do A. com a R. era daquela proprietário, sem que sobre ela incidissem quaisquer ónus ou encargos ;
- Já na pendência do casamento, adquiriu e pagou no ato em 28 de Outubro de 1999, por escritura que se junta sob o nº 8 e se dá por reproduzida para todos os efeitos de direito no então nono Cartório Notarial Lisboa, pelo preço de vinte e oito mil e cem contos (cento e quarenta mil, cento e sessenta e dois euros e vinte e um cêntimos na moeda actual) a fracção designada pela Letra X, do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o número duzentos e vinte e um da referida freguesia inscrita na matriz correspondente sob o nº ...-fracção X, sito na Avenida ……………………..  ;
- A qual foi, durante longos anos, residência da família, e onde reside actualmente ;
- Para tal aquisição contribuiu única e exclusivamente o A., sempre com a ajuda do Pai, tendo, para tal, mobilizado os fundos que recebera com a venda da fracção identificada supra, a saber Esc2.000.000,00 (€ nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos) e Esc14.500.000,00 (setenta e dois mil, trezentos e vinte e cinco euros e setenta cêntimos) conforme consta dos lançamentos, por depósito ou transferência, feitos para a conta do A. nº 015.10.002297-7, sediada no Balcão de Xabregas do Montepio Geral, nos dias 06.08.1999 e 26.08.1999 ;
- Recebendo do seu pai as importâncias a que dizem respeito os lançamentos constantes do documento junto (completadas com contribuições do A. muito menos relevantes) que perfizeram Esc 9.606.280,00 (quarenta e sete mil novecentos e quinze euros e noventa e dois cêntimos) creditados na conta supra identificada do A ;
- Com o que veio o A. a pagar em 21.12.1999 o preço da casa por cheque nº 416084434, sobre o mesmo Banco no valor de Esc19.670.000,00 (noventa e oito mil, cento e treze euros e cinquenta e cinco cêntimos) a acrescer ao sinal já pago de Esc 8.430.000,00 (quarenta e dois mil e quarenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos ;
- Tal imóvel foi assim adquirido com exclusiva intervenção do A. e do seu Pai e sem qualquer contribuição da R. ;
- Pelo que tal fogo, que foi casa de morada da família e onde, por acordo, agora reside o ora A. não integra a comunhão do casal, por ter sido adquirido apenas e tão só por contribuição do pai do requerente com ajuda do A., na primitiva casa e no apoio na compra da segunda, na qual foi aplicado o produto da venda da casa anterior e sem que a R., conforme sabe e admite, para tais atos e pagamentos tenha contribuído ;
- no regime da comunhão de adquiridos, os bens que qualquer dos cônjuges leve para o casamento ou adquira a titulo oneroso ou adquira a titulo gratuito, por não resultarem do esforço comum do casal, não entram na comunhão e são considerados próprios -artigo 1722º do Código Civil -conservando igualmente essa qualidade os sub-rogados directa ou indirectamente no lugar daqueles ;
- entendendo-se, na interpretação dominante do artigo 1723º, al) c) do Código Civil, que a disciplina imposta se aplica nas relações dos cônjuges com terceiros, mas não nas relações dos cônjuges entre si, tornando possível ao cônjuge adquirente a utilização de quaisquer meios de prova tendentes à obtenção da qualificação como próprio de bem adquirido na constância do casamento - presunção iuris tantum ;
- não se devendo excluir este entendimento pelo facto de A. e Ré nada terem feito constar da escritura quanto à origem dos bens ou tabelionicamente, na conversão do divórcio, o terem designado como comum, única forma de o conseguirem convencionar, evitando a continuação de um divórcio sem consentimento do outro cônjuge para pôr fim a um casamento que nenhum desejava manter e ter a R. autorizado a venda, porquanto tal se deveu a tratar-se, à época, da casa de morada da família.
Juntou 10 documentos, tendo sido a acção instaurada em 27/09/2018.
2 – Citada a Ré, veio contestar e reconvir, alegando, em súmula, o seguinte:
§ urge, desde logo, que tirar as devidas conclusões/consequências jurídicas das declarações levadas à Acta da Tentativa de Conciliação relativa à acção de divórcio que sob o n.º … correu termos no Tribunal de Família e Menores de Loures – Juiz 2, da escritura de compra e venda do prédio dos autos e do facto registado constante da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Loures ;
§ naquela diligência, que culminou com sentença que decretou a dissolução do casamento, entretanto transitada em julgado, acordaram/declararam os ora A. e Ré, perante a Exma. Senhora Juíza, entre outros, como bem comum do casal, a verba n.º 1, correspondente ao “Imóvel sito na Avenida ……………………” – o prédio dos autos, conforme resulta daquela Acta ;
§ consta, ainda, da mesma acta a declaração conjunta, de que “A casa de morada de família correspondente ao imóvel sito na Avenida………………………, que é um imóvel comum do casal”, ficando o seu uso, acrescentaram, “atribuído ao cônjuge marido até à partilha” ;
§ ambas as partes fizeram aquela declaração de boa-fé, por corresponder inteiramente à verdade, com a responsabilidade que é própria de a terem feito de viva voz perante o Tribunal, em qualquer caso sobrelevando quaisquer outras eventualmente feitas perante a Senhora Notária, designadamente as que vêm alegadas no art.º 5.º da P.I., que aqui vão expressamente impugnadas ;
§ litiga o Autor de má-fé, violando o art.º 417.º do Cód. de Processo Civil, com as consequências previstas no art.º 542.º do mesmo diploma e, outrossim, o velho brocardo latino “venire contra factum proprium non valet” ;
§ efectivamente, anteriormente, na escritura de compra e venda do referido imóvel, realizada em 28 de Outubro de 1999, observando o mesmo dever e sem qualquer reserva ou condição, já o ora A. havia declarado perante o Notário, que era casado sob o regime de comunhão de adquiridos com a aqui demandada, residente no mesmo (Avenida ………………….), casamento que, enfatize-se, já perdurava desde 14 de Maio de 1989 ;
§ pelo que, se o Autor quisesse excluir naquele acto o imóvel da comunhão, certamente que o teria declarado, tanto mais que não estava então limitado pelos pretensos condicionalismos que levaram ao divórcio ;
§ tal imóvel foi adquirido para integrar a comunhão, e assim foi registada a aquisição na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures, tendo como sujeitos activos os ora A. e Ré, ambos ali expressamente nomeados, como decorre da apresentação AP. 19 de 1999 /11/18 ;
§ tais factos, certificados por documentos autênticos com a força probatória que lhes é inerente decorrente do art.º 371.º do CCivil, aliás nunca ilidida, evidenciam estar o prédio dos autos integrado na comunhão dos bens comuns do casal, dando consistência à vontade de ambos os cônjuges em matéria da sua inteira disponibilidade ;
§ na constância do matrimónio, Autor, Ré e os dois filhos viveram na casa dos autos, então casa de morada de toda a família, até que a demandada teve que sair dali conjuntamente com os filhos em 29.09.2013, por ser constantemente vítima de violência doméstica por parte do A. ;
§ em razão da qual foi ele condenado a três anos e dois meses de prisão, suspensa por igual período, ficando ainda obrigado a frequentar programas específicos de prevenção de violência doméstica, conforme melhor consta da sentença proferida no processo n.º …, pelo Tribunal desta Comarca – Secção Criminal da Instância Local de Loures Juiz 1 ;
§ traduzindo a pretensão deduzida na presente acção, ao arrepio do reconhecimento sempre feito da propriedade comum dos bens adquiridos na constância do matrimónio, uma represália contra a Ré, que quadra bem com a natureza do demandante tal como demonstrada na sentença penal ;
§  Por vir mencionado no articulado sob resposta, é tempo de fazer referência ao pai do A., JM..., o qual padeceu de uma doença grave (melanoma), de que veio a falecer ;
§ Tendo sido sempre a Ré, que não o A., quem sempre o acompanhou pessoalmente na referida doença, no domicílio e nas frequentes idas ao IPO, para consultas, exames e tratamentos ;
§ A demandada e o sogro, sempre mantiveram uma boa relação de amizade e respeito recíproco, tendo-lhe ele manifestado com frequência reconhecimento pela ajuda, dedicação, carinho e apoio que dela recebia, o mesmo acontecendo com a sogra, ……………..Silva ……….., reconhecimento e solidariedade que, por sua vez, retribuíam à nora enquanto mulher e mãe afrontando tantas dificuldades familiares ;
§ No âmbito desta relação familiar, o pai do A. sempre ajudou monetariamente o casal, sem discriminação, para mais confrontado que estava com a responsabilidade de criar e educar dois filhos, um dos quais com elevado grau de deficiência que determinou a sua interdição, contributo que tem, obviamente, a natureza de doação a ambos ;
§ No que concerne à casa adquirida pelo Autor antes do casamento, importa dizer, por referência à parte do capital então ainda por pagar, ter sido amortizada, a partir do enlace, pelas forças de valores pertencentes ao casal à razão de Esc. 5.000,00, por mês, desde Maio de 1989, culminando com o pagamento do valor final de Esc. 350.000,00, em Janeiro de 1990 ;
§ Sendo que, enquanto casal, foi ainda pelas forças de valores pertencentes a ambos, que a referida casa foi objecto de benfeitorias de relevo, designadamente de substituição do pavimento, que muito a valorizaram e teve reflexos no preço de venda ;
§ Pelo que o património comum passou a ser também integrado pelo produto da venda da casa de que o A. era proprietário antes do enlace e, em coerência com isto, o imóvel objecto da presente acção sempre foi querido e considerado por ambos, de facto e de direito, como bem comum, que não próprio dele ;
§ Ora, sendo um bem comum, atribuído até à partilha ao cônjuge marido, é óbvio que essa utilização merece a tutela do direito, como mereceria se gerasse um rendimento, quantificando-se a utilização da meação pertencente à Ré, à razão de € 500,00, mensais, o que, decorridos 16 meses, importa a obrigação do demandante pagar à demandada o valor de € 8.000,00, bem como igual valor mensal até à efectiva divisão do património comum.
Conclui, no sentido da:
a. improcedência da acção, “absolvendo-se a Ré do pedido, com as legais consequências, designadamente a subsistência da propriedade comum do imóvel, tal como registada” ;
b. em reconvenção, que:
§ os bens integrantes das verbas nºs. 2 e 3, tal como da verba n.º 1, levadas por A. e Ré como comuns à relação de bens da Acta que atesta a dissolução do casamento do casal, sejam também declarados integralmente como património comum, e o demandante condenado a reconhecê-los como tal”  ;
§ O Autor seja condenado “a pagar à Ré uma mensalidade no montante de € 500,00, como compensação pela utilização da meação pertencente à demandada na casa de morada de família, que neste momento se quantifica em € 8.000,00, bem como o mesmo valor mensal até à partilha, tudo acrescido de juros vincendos à taxa legal”.
Juntou cinco documentos.
3 – O Autor/Reconvindo apresentou réplica, a fls. 58 a 60, na qual pugna pela legal inadmissibilidade da reconvenção, acrescentando que “quer o recheio (comprado sem a origem de valores do fogo) quer as quotas societárias da sociedade que explora a sociedade (ainda que herdados e com exclusivo trabalho do A.) constam da relação entregue e da qual já foi requerida a junção aos presentes autos, dado o acordo a este respeito de ambos (que, até agora, mesmo em relação ao andar se verificava - aqui no sentido de não integrar a comunhão)”.
Acrescenta que relativamente ao “«pagamento da mensalidade pela utilização da meação» é uma questão que nunca foi falada e em nenhum momento levantada, é mera peça de negociação pecuniária e carece de qualquer fundamento legal”, concluindo pela total improcedência do pedido reconvencional, bem como pelas referências à sua alegada litigância de má-fé.
4 – Em sede de audiência prévia, determinou-se a notificação da Ré para aperfeiçoar a sua reconvenção – cf., acta de fls. 68 -, o que a mesma veio fazer a fls. 70 e 71, procedendo à ampliação do pedido reconvencional.
5 – A fls. 74 a 76, veio o Autor/Reconvindo apresentar resposta, pugnando pela improcedência dos pedidos ora aditados, e reiterando pela não admissão da reconvenção.
6 – Conforme despachos de fls. 78 a 80:
§ Consignou-se a dispensa da continuação da audiência prévia ;
§ Admitiu-se parcialmente a reconvenção ;
§ Admitiu-se a ampliação do pedido reconvencional ;
§ Fixou-se o valor da acção ;
§ Proferiu-se saneador stricto sensu ;
§ Identificou-se como objecto do litígio o seguinte:
a. direito de o autor ver reconhecido que a fracção objecto dos presentes autos, sita na Avenida ………………….. é seu bem próprio, não integrando o património comum do dissolvido casal, constituído por autor e ré ;
b. o direito de a ré ver o autor ser condenado a pagar-lhe uma compensação mensal no montante de € 500,00 pela utilização da mesma fracção, desde 29.09.2013 ;
§ Enunciaram-se os seguintes temas da prova:
a) saber das benfeitorias levadas a cabo no imóvel descrito no artigo 8.º da p. i., e a quem couberam os respectivos pagamentos;
b) apurar os valores referidos no artigo 10.º da p. i., e modo como os mesmos foram amortizados;
c) saber da intenção/vontade do pai do autor, quando auxiliou monetariamente a aquisição do imóvel objecto dos presentes autos;
d) saber dos termos do acordo quanto à titularidade do imóvel objecto dos presentes autos, entre autor e ré, quando foi outorgada a escritura pública de aquisição do mesmo, em 28.10.1999;
e) saber dos termos do acordo a que as partes chegaram, quanto à utilização da mesma fracção, após a separação e o divórcio do ex-casal formado pelo autor e ré e
f) apurar o valor locatício mensal da fracção objecto dos presentes autos.
7 – Foi designada data para a realização de audiência final, que veio a concretizar-se conforme actas de fls. 107 a 110.
8 – Posteriormente, em 28/10/2021, foi proferida sentença – cf., fls. 111 a 120 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
DECISÃO
Pelo exposto,
I. julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência, declaro que a fracção autónoma designada pela Letra “X”, do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número duzentos e vinte e um, da referida freguesia, e sito na Avenida …………………, inscrita na matriz correspondente sob o n.º ..., é um bem próprio do autor Manuel ………………;
II. julgo improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida pela ré Rosa …………… e, em consequência, absolvo o autor Manuel …………. do pedido contra si formulado e
III. julgo improcedente, por não provado, o incidente de litigância de má-fé deduzido contra o autor.
*
Custas da acção e da reconvenção pela ré – artigo 527.º n.º 1 do Código de Processo Civil -, tomando-se em consideração o benefício do apoio judiciário que lhe foi, entretanto, concedido.
Sem custas o incidente de litigância de má-fé, dada a simplicidade do processado.
Registe e notifique.
9 – Inconformada com o decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se reproduzem, procedendo-se à correcção dos lapsos de redacção):
a) Pelos fundamentos deduzidos no corpo das presentes alegações, a fracção autónoma objecto dos presentes autos é um bem comum do autor e da ré, enquanto tal reconhecido por ambos desde a aquisição em 28/10/1999;
b) Na escritura notarial de aquisição do imóvel, o autor, desacompanhado da ré, livre na sua pessoa e em matéria da sua inteira disponibilidade, declarou sem qualquer reserva ou condição perante a Senhora Notária, que era casado sob o regime de comunhão de adquiridos com a aqui demandada, não tendo consignado ser o objecto da compra um bem sub-rogado no lugar de bens próprios dele como lhe impunha o art.º 1723.º, al. c), do CCivil, se fosse o caso de pretender excluí-lo da comunhão de bens adquiridos na constância do casamento;
c) Em coerência com o reconhecimento inerente aos termos consignados na escritura, o demandante registou-o ab initio na respectiva Conservatória do Registo Predial fazendo constar o seu nome e o da ré como sujeitos activos, o mesmo é dizer, proprietários do imóvel, registo que se mantém;
d) Até ao processo de partilha o autor nunca diligenciou no sentido de a qualificação do imóvel como bem comum ser alterada, e o mesmo considerado seu bem próprio;
e) Só o fez quando interpelado na tramitação do Processo de Inventário instaurado pela demandada na sequência da decisão que havia decretado o divórcio por mútuo consentimento em 2/10/2017, tendo decorrido dezoito anos sem deduzir qualquer oposição aos termos do registo, inclusive no acto de dissolução do casamento perante a Mma. Juiz titular do processo de divórcio, não deixando as declarações prestadas naquele acto, acima transcritas na epígrafe III, quaisquer dúvidas quanto ao reconhecimento do imóvel como bem comum;
f) Face às conclusões anteriores torna-se evidente, além do mais pelas regras da experiência comum, que a peregrina pretensão agora deduzida pelo autor, reveste claramente a natureza de uma represália contra a ré por esta, nos termos que se deixaram descritos, ter saído com os filhos da casa de morada de família, assim cortando com um ambiente familiar que lhes era adverso, ter denunciado a violência doméstica de que continuadamente estava a ser vítima às mãos (e aos pés do marido), ter intentado a acção de divórcio e a acção de alimentos;
g) Para dar corpo à demonstração da represália, importa reverter a decisão de considerar como não provado o facto levado à alínea d), da Enunciação dos factos não provados, dando-o como provado pelas razões e fundamentos alegados na referida epígrafe III, o que aqui se requer, propondo-se a seguinte redacção, como ponto 28 dos Factos provados:
28. A presente acção constituiu uma represália do autor contra a ré.
h) De igual modo e com o mesmo fim, devem ser dados como provados os factos que substanciam os artºs. 23.º e 24.º da contestação, que a Sentença desconsiderou, todavia da maior relevância para demonstrar e tirar nos termos do art.º 349.º, do CCivil, a presunção de que a presente acção reveste a natureza de uma retaliação dirigida pelo autor à ré, contrária no seu objecto a uma factualidade pacífica ao longo dos dezoito anos da longa subsistência do imóvel dos autos como bem comum do casal, suportada em documentos autênticos e nas repetidas declarações que acima analisámos, sugerindo-se a sua formulação como pontos 29. e 30. dos F.P.:
29. Não prestando o autor alimentos ao filho F…….., não obstante as insistências da mãe, aqui autora. Esta viu-se forçada a intentar contra ele uma acção de alimentos a que foi atribuído o n.º … .
30. Na constância do matrimónio, todo o agregado familiar do autor e ré, viveram na casa dos autos enquanto morada de família até que a demandada teve que sair com os filhos em 29.09.2013, por ser constantemente vítima de violência doméstica por parte do marido em razão da qual foi ele condenado a três anos e dois meses de prisão, suspensa por igual período, conforme consta da sentença proferida no processo n.º … .
i) É irrelevante a quantificação do contributo de cada um dos cônjuges para a aquisição do imóvel, posto que, como bem comum adquirido na constância do matrimónio, nada ficou consignado em contrário na respectiva escritura notarial, assim registada na Conservatória do Registo Predial, em coerência com o que, na dissolução do casamento decorridos dezoito anos sobre o momento da aquisição voltou a ser declarado/reconhecido como integrante do património comum;
j) Uma referência final à ajuda do pai do autor, segundo os usos prática e notoriamente dirigida ao agregado familiar do casal, filho, nora e netos, sem discriminação, e no que à nora respeita retribuindo-lhe o amparo e carinho, sensível também às dificuldades inerentes à elevada incapacidade global do neto e meios necessários para ser apoiado no crescimento, como é publico e notório em situações afins, desta maneira devendo também ser revertido o facto dado como não provado na al. e) da Enunciação, dando-o como provado na Enunciação dos factos provados como ponto 31, assim:
31. O pai do autor sempre ajudou monetariamente o ex-casal formado pelo autor e pela ré sem qualquer discriminação.
k) A douta sentença recorrida violou, entre outros, os artºs. 349.º, 371.º, nº1, 1723.º, al. c) e 1724.º, al. b), do CCivil, e 574.º, nºs. 2 e 3, e 587.º, n.º 1 do CPCivil, tendo, outrossim, feito errada aplicação da orientação dada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º12/2015, manifestamente inaplicável ao caso dos autos.
Conclui, no sentido da revogação da sentença, “decretando-se que a fracção autónoma identificada no ponto 9. da enunciação dos factos provados é um bem comum pertencente ao autor e à ré, como tal devendo manter-se registado até à partilha, prosseguindo os autos para a apreciação do pedido reconvencional (…)”.
10 O Apelado/Recorrido Autor apresentou contra-alegações, e interpôs recurso subordinado, no âmbito dos quais formulou as seguintes conclusões (que ora integralmente se transcrevem, corrigindo-se os lapsos de redacção):
I-QUANTO AO RECURSO INDEPENDENTE
A) - Matéria de facto
1 Na apreciação feita nas doutas alegações quanto resposta à matéria de facto nos autos constata-se que existe apenas a expressão da discordância da recorrente quanto ao processo intelectual que conduziu a Ilustre Magistrada à decisão agora impugnada
É que,
2 -Estabelece o artigo 640º-1 do NCPC que, ao impugnar a decisão da matéria de facto, deve a parte impugnante, in casu, a recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: «1-os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
2 - os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida;
3 - decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;»
3 - E no número 2 desse mesmo artigo estabelece ainda que, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição de recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
4 - Ora sucede que ao pôr em causa pontos específicos da matéria de facto assente, «sugerindo» até redacções alternativas, algumas até de reprodução de meros estados de alma «…a presente ação constitui uma represália do autor contra a ré» que passaria a ser o ponto 28 dos factos provados ou conclusivos de factos não alegados que passariam a ser os pontos 29º, 30º e 31º da matéria de facto, assim não procede a recorrente
5 -Pois, da simples comparação desses pontos das conclusões nas alíneas h), i) e j) destas ao texto do recurso constata-se, de imediato, numa análise mais detalhada e precisa, que a recorrente incumpriu totalmente as obrigações que, para efeitos de recurso na matéria de facto, sobre ela impendiam, não podendo assim, a recorrente fugir à sanção estabelecida no corpo do artigo transcrito, a rejeição.
6 -E note-se que não pode haver dúvidas sobre esta rejeição, porquanto da leitura do texto do recurso se verifica que coexiste uma curtíssima explanação do objeto e fundamentos do recurso com um conjunto alargado de conclusões sem base nem justificação nos autos, assim demonstrando ter o recurso, na sua integralidade, como se verá, como intitulou um dos seus livros a eminente escritora Irene Lisboa «Uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma»
7 - Em qualquer caso, porém, nenhuma censura mereceria, no juízo quanto à matéria de facto e não só, a douta sentença recorrida, que fundamenta com todo o rigor as conclusões que, neste ponto, chegou, baseadas que estão em confissão da R e na vasta e detalhada documentação apresentada pela A. que cuidou de permitir identificar as importâncias (e a respetiva origem) que lhe permitiram pagar o preço das duas casas adquiridas.
8 -Daí que, quer por não cumprimento das imposições legais quanto à sua proposição e fundamentação, nos termos do artigo 640º 21 e 2 do CPC, deve o presente recurso quanto à matéria de facto ser rejeitado, nos termos do nº 1 do citado artigo 640º do CPC, ou, assim não se entendendo, por inexistência de fundamento na factualidade dos autos, não em qualquer delírio opinativo, ser julgado improcedente
B)-Quanto à matéria de direito
9 -A argumentação da recorrente, neste âmbito, começa por uma evidente falsidade, pois não se deveu este a qualquer intuito vingativo ou outro qualquer do recorrente, mas sim a que, por decisão da Ilustre Notária do Cartório onde corria a partilha, se viu obrigado e em prazo cominatório, a propor a presente ação para que, pelos motivos que alegou e que, diga-se, desde já, porque é verdade, foram abundantemente provados nos autos, fosse apurada a forma como haviam sido adquiridos os meios pecuniários que permitiram a aquisição da fração em causa nos autos, bem como do antecedente fração onde o casal residira.
10 -E fê-lo com fundamento na interpretação do artigo 1723º do Código Civil feita pela melhor doutrina e coroada por um muito douto e elaborado acórdão de uniformização de jurisprudência
11 - Daí que reiterando o já alegado, o fogo que foi casa de morada da família e onde, por acordo, agora reside o A. ora recorrente, não integra a comunhão do casal, por ter sido adquirido apenas e tão só por contribuição do pai do requerente com ajuda do A., na primitiva casa e no apoio na compra da segunda, e através da aplicação do produto da venda da casa
12 - Remeteu o ora nesta parte recorrente como fundamentação doutrinária para o constante do Código Civil Anotado, pelos Ilustres Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Vol IV-2ª edição revista e atualizada, 1987, em comentário exatamente ao artigo 1723º do Código Civil a páginas 424 e 425: e reproduzido no corpo desta peça aqui dado por reproduzido
13 - Assim, claro se torna que, no regime da comunhão de adquiridos, os bens que qualquer dos cônjuges leve para o casamento ou adquira a título oneroso ou adquira a título gratuito, por não resultarem do esforço comum do casal, não entram na comunhão e são considerados próprios - artigo 1722º do Código Civil -conservando igualmente essa qualidade os sub-rogados direta ou indiretamente no lugar daqueles
14 - Porquanto a interpretação dominante do artigo 1723º, al) c) do Código Civil entende que a disciplina imposta se aplica nas relações dos cônjuges com terceiros, mas não nas relações dos cônjuges entre si, tornando possível ao cônjuge adquirente a utilização de quaisquer meios de prova tendentes à obtenção da qualificação como próprio de bem adquirido na constância do casamento -presunção iuris tantum
15 - Este entendimento consta também do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nº 2663/05, e encontrou acolhimento superior, conforme resulta do entendimento acolhido no douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça (uniformizador de jurisprudência), lavrado no processo já identificado em anotação à relação de bens, a saber, Proc.899/10.2TVLSB.L2. S1, publicado no DR, 1ª série, Nº 200, de 13 de Outubro de 2015
16 - Este entendimento não conseguiu a recorrente rebater e limitou-se a desconsiderações e apreciações sem dignidade processual e com natureza de crónica jornalística, fugindo à análise e sem conseguir pôr em causa a fundamentação doutrinal e jurisprudencial que, pelo contrário, foi devidamente tratada e acolhida pela muita sábia e prudente decisão recorrida,
17 - A qual não viola qualquer das disposições legais citadas pela recorrente, pelo que, no plano jurídico, nenhum acolhimento merece o recurso apresentado pela recorrente, que deve por V. Exas. ser julgado improcedente e não provada.
II-QUANTO AO RECURSO SUBORDINADO
18 - Decidiu a douta decisão recorrida não só julgar procedente e provada a ação interposta pelo A. e declarado que a fração autónoma designada pela letra X do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o número duzentos e vinte e um da referida freguesia e sito na Avenida …………………, inscrita na matriz correspondente sob o nº ...-fracção X (cfr Doc 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos de direito) não integra a comunhão conjugal, antes é próprio do A. e integra na sua totalidade o património deste
19 - Como também julgou improcedente por não provada a reconvenção deduzida pela recorrente Rosa …………….. e dela absolveu o A. recorrida neste ponto, mas recorrente no processo independente.
20 - E parece a este que a recorrente se conformou com a decisão neste ponto e nada disse, pelo menos nas conclusões, nas quais se define o objeto e os fundamentos do recurso, apenas concluindo para que deve, em sede de recurso, ser o bem em causa comum a ambos e processo prosseguir para apreciação do pedido reconvencional
21 - Sucede que, pese embora a grande qualidade, rigor e objetividade da decisão, nada referindo na conclusão decisória, entendeu a Ilustre Magistrada, movida, quiçá, mais que pelo direito, por uma apreciação, na sua ótica, de equidade, adiantar uma apreciação que ela própria entendeu caber à sede notarial ao que seria, quantificando um direito de compensação da recorrida, aliás não pedido por aquela, contradizendo até a referência que faz a que deve ter este ponto, como sede, o Notário
22 - E, assim, partindo de uma apreciação limitada do cálculo das importâncias aplicadas pelo A. neste ponto recorrente, da fração, através da aplicação de apoios do pai, empréstimo (este temporário) do seu empregador e do produto da anterior casa que levara para o casamento, para fixar como que uma quota que caberia à R. aqui recorrida no pagamento da fração
23 - Esta apreciação, por ir além do direito e mesmo do pedido é nula e deve ser até considerada não escrita, até porque contradiz a improcedência da reconvenção e dá uma vantagem à R., neste ponto recorrida, que nada reclamara a este respeito, o que constitui até violação do artigo 609º-1 do NCPC.
24 - E é esta, o recurso subordinado, nos termos do artigo 633º do NCPC, a sede idónea para o recorrente, neste ponto, impugnar senão o decidido, pelo menos o prometido na douta sentença recorrida
25 - Assim, deve a douta decisão, neste exclusivo ponto, ser considerada nula por não caber no obter no objeto da presente ação e contraditória até com a decisão de improcedência do pedido reconvencional formulado pela R.
26 - Esta situação determina a nulidade, neste exclusivo ponto, da douta sentença, conforme dispõem as alíneas c) e d) do nº do artigo 615º do NCPC, a acrescer à ilegalidade que constituído o ter entendido atribuir, fora da sede própria e, para mais quantificado, um direito de compensação à recorrida que excedia o por ela pedido, em violação do disposto no citado artigo 609~-1 do NCPC.
Conclui no sentido de improcedência do recurso independente, e procedência do subordinado, “anulando-se e dando sem efeito a referência na douta sentença neste ponto, em recurso subordinado, recorrida, no que toca ao reconhecimento a um direito quantificado na compensação neste ponto à aqui recorrida”.
11 – Veio a Ré responder ao recurso subordinado interposto, enunciando, no essencial, o seguinte:
§ O Autor não indicou o valor do recurso por si interposto e não pagou a competente taxa de justiça, pelo que não deve ser o mesmo admitido ;
§ Tendo sido julgado improcedente o pedido reconvencional, não se verifica preenchido o requisito essencial para a interposição do recurso subordinado, ou seja, que o Autor tenha sido vencido – cf., artº. 633º, nº. 1, do CPC ;
§ Não padece a sentença das referenciadas nulidades com inscrição nas alíneas c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.
Conclui, no sentido da total improcedência do recurso subordinado.
12 – Os recursos – independente e subordinado - foram admitidos por despachos de fls. 144, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
13 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
*
QUESTÃO PRÉVIA:
- Da inadmissibilidade do recurso subordinado
Nas contra-alegações apresentadas relativamente ao recurso subordinado apresentado pelo Autor, veio a Ré pugnar pela sua inadmissibilidade, aduzindo, no essencial, o seguinte:
§ O Autor não indicou o valor do recurso por si interposto, e não pagou a respectiva taxa de justiça, limitando-se a pagar a devida pelas contra-alegações no recurso interposto pela Ré ;
§ Todavia, deveria ter pago a devida pelo recurso subordinado, pois este é, por definição, autónomo em relação àquele ;
§ Pelo que não deve o mesmo ser admitido ;
§ Por outro lado, o recurso subordinado, assim como o independente, tem por pressuposto que a parte tenha ficado vencida, assim mostrando o seu inconformismo ao segmento da sentença que lhe seja desfavorável ;
§ Todavia, o pedido reconvencional foi julgado improcedente, e o Autor viu julgado procedente o pedido accional deduzido ;
§ Pelo que “não está preenchido o requisito essencial para a interposição do recurso subordinado previsto no artº. 633º, nº. 1, do CPCivil – que o autor tenha ficado vencido”.
Apreciando:
Tendo a Ré suscitado tal inadmissibilidade, e tendo o Autor Recorrente subordinado fundamentado o recurso interposto, entende-se ser de dispensar a audição enunciada no nº. 2, do artº. 655º, do Cód. de processo Civil.
Relativamente ao 1º fundamento de não admissão do recurso – não indicação do valor e não pagamento da taxa de justiça devida -, estamos perante um manifesto equívoco da Ré.
Com efeito, conforme resulta do requerimento apresentado em 11/01/2022 – cf., fls. 129 e 130 -, veio o Autor, Recorrente subordinado, comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de tal recurso, em observância do prescrito no artº. 7º, nº. 2, do Regulamento das Custas Processuais.
E, no que concerne à indicação do valor de tal recurso, nos termos do nº. 2, do artº. 12º, do mesmo diploma, resulta do valor liquidado ter sido considerado o valor da acção, o que constitui regra supletiva à luz daquele normativo.
Por outro lado, resulta indubitável que para além de tal taxa de justiça, foi igualmente paga a devida relativamente ao recurso independente apresentado pela Ré, devida no que concerne às contra-alegações apresentadas pelo Recorrido Autor, conforme resulta de fls. 138 vº. e 139.
Pelo exposto, improcede totalmente o 1º fundamento da suscitada inadmissibilidade do recurso subordinado interposto pelo Autor.
No que respeita ao 2º fundamento invocado – ilegitimidade do Autor, em virtude de não poder ser considerada parte vencida -, a questão não é tão linear.
Decorre no estatuído no nº. 1, do artº. 631º, do Cód. de Processo Civil que “os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal da causa, tenha ficado vencido”.
Ora, o pedido accional deduzido pelo Autor traduziu-se no reconhecimento de que a fracção identificada é própria, e não integra o património comum do dissolvido casal.
Por sua vez, a sentença recorrida julgou no sentido de julgar a acção procedente e, consequentemente, declarou “que a fracção autónoma designada pela Letra “X”, do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número duzentos e vinte e um, da referida freguesia, e sito na Avenida………………, inscrita na matriz correspondente sob o n.º ..., é um bem próprio do autor Manuel ……………….
Donde, relativamente ao pedido accional, não é pertinente considerar-se que o Autor tenha ficado vencido, pois a sua pretensão foi atingida, qual seja o reconhecimento judicial que a identificada fracção tem a natureza de bem próprio, e não de bem integrante da comunhão conjugal do dissolvido casal.
Relativamente ao pedido reconvencional, na parte em que foi admitido – pedido de indemnização, a título de compensação, pela utilização, por parte do Autor/Reconvindo do imóvel objecto dos presentes autos -, decidiu-se na sentença apelada pela sua improcedência, tendo o Reconvindo/Autor sido absolvido do pedido contra si formulado.
Pelo que, relativamente a esta contra-acção, também não é possível concluir-se no sentido do Autor, ora Recorrente subordinado, ter ficado vencido.
O que sempre determinaria, por falência do pressuposto de legitimidade, e nos quadros do nº. 1, do citado artº. 631º, do CPC, juízo de inadmissibilidade do recurso subordinado interposto.
Todavia, escalpelizado o teor das conclusões recursórias relativamente ao recurso subordinado interposto, constata-se que o Autor insurge-se quanto ao facto da sentença recorrida ter adiantado “uma apreciação que ela própria entendeu caber à sede notarial”, assim “quantificando um direito de compensação da recorrida, aliás não pedido por aquela, contradizendo até a referência que faz a que deve ter este ponto, como sede, o Notário”.
Donde, considera que tal apreciação, por ir além do direito e do pedido, é nula, contradiz a improcedência da reconvenção, e concede uma vantagem à Ré, “que nada reclamara a este respeito, o que constitui até violação do artigo 609º-1 do NCPC”.
Assim acrescenta, deve a decisão, neste exclusivo ponto, ser considerada nula, por não caber “no objecto da presente acção e contraditória até com a decisão de improcedência do pedido reconvencional formulado pela R.”.
Deste modo, considera verificada a nulidade de sentença inscrita nas alíneas c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, acrescida à nulidade supra exposta de ter atribuído, fora da sede própria e para mais quantificado, “um direito de compensação à recorrida que excedia o por ela pedido”, em contravenção do referenciado nº. 1, do artº. 609º, do mesmo diploma.
Conclui, no sentido de ser anulada e dada sem efeito, a referência feita na sentença, “no que toca ao reconhecimento a um direito quantificado de compensação” à recorrida.
Analisemos.
Referencia Abrantes Geraldes [2], em anotação ao artº. 633º, do Cód. de Processo Civil, que pode “ocorrer que o decaimento respeite apenas a algum ou alguns dos fundamentos da acção ou da defesa, sem afectar o resultado expresso na decisão. Nesta situação, a parte cujos fundamentos não foram total ou parcialmente aceites, mas que, apesar disso, acabou por obter vencimento quanto ao resultado final, não pode considerar-se vencida. No entanto, é admitida a promover a ampliação do objecto do recurso interposto pela contraparte, nos termos do art. 636º, precavendo-se, deste modo, contra o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito que sejam suscitados pelo recorrente”. 
Assim, interposto recurso por uma das partes, pode a contraparte aproveitar as contra-alegações “para ampliar o seu objecto, suscitando, a título subsidiário, questões de facto ou de direito relativamente às quais sucumbiu ou arguindo nulidades da sentença” (sublinhado nosso).
Efectivamente, caso fosse impedido ao recorrido esta possibilidade de ampliar o objecto do recurso, “poderia ver-se definitivamente prejudicado pela resposta que o tribunal ad quem viesse a dar às questões suscitadas pelo recorrente, num momento em que já não teria capacidade para reagir”.
Assim interpondo a parte vencida recurso da decisão, “pode não ser indiferente para a contraparte (parte vencedora ou parcialmente vencedora) a resposta que o tribunal a quo tenha dado aos fundamentos de facto ou de direito por si invocados ou o facto de ocorrer alguma nulidade decisória” (sublinhado nosso).
Efectivamente, caso o tribunal venha a reconhecer razão relativamente aos fundamentos invocados no recurso interposto pela parte vencida, poder-se-á revelar “importante para a defesa dos interesses do recorrido que sejam acolhidas no âmbito do mesmo recurso os fundamentos que oportunamente esgrimiu e que foram objecto de resposta desfavorável por parte do tribunal a quo. É esta a função e a utilidade da ampliação do objecto do recurso”.
No que concerne à específica possibilidade de arguição de nulidades da sentença, nos termos do nº. 2, do artº. 636º, acrescenta que “continuando a dar prioridade ao resultado final, e não ao caminho trilhado para o alcançar, pode revelar-se indiferente para a parte vencedora a eventual ocorrência de nulidades que afectem a sentença (v.g. omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia). Todavia, a apreciação de tais nulidades já poderá revelar-se pertinente se houver interposição de recurso pela parte vencida, justificando-se, então, a iniciativa do recorrido no sentido de confrontar o tribunal ad quem com a sua apreciação.
Aqui se incluem designadamente as nulidades da sentença previstas no art. 615º, nº. 1, als. b), c) e d) (falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito, oposição entre os fundamentos e a decisão, ambiguidade ou obscuridade da decisão e omissão ou excesso de pronúncia), desde que, apesar da sua ocorrência, a parte seja de considerar vencedora quanto ao resultado final” (sublinhado nosso).
Acresce que não se estando propriamente perante um verdadeiro recurso, a situação de ampliação do seu objecto “apenas será apreciada se acaso o tribunal ad quem vier a pronunciar-se sobre o mérito do recurso interposto, á semelhança do que ocorre com o recurso subordinado (art. 633º, nº. 3). Por outro lado, apenas fará sentido apreciar as questões suscitadas se porventura forem acolhidos os argumentos arrolados pelo recorrente (ou de que oficiosamente foram conhecidos) com repercussão na modificação da decisão recorrida”.
Ora, a situação descrita no alegado recurso subordinado, que, por ilegitimidade do Recorrente Autor, não poderá ser admitido, enquadra-se antes na tipificação da ampliação do objecto do recurso, nomeadamente na previsão do nº. 2 do citado artº. 636º, onde se prevê, por parte do recorrido, acerca da arguição das nulidades da sentença. E, como constatámos e explicitámos, é este o cerne do alegado recurso subordinado.
Pelo que, neste desiderato, impõe-se agora aferir acerca da eventual possibilidade de proceder-se à convolação do recurso subsidiário apresentado em concreta ampliação do objecto do recurso, a requerimento do recorrido Autor.
O que passaremos a fazer.
Enuncia Abrantes Geraldes [3]não poder confundir-se o recurso subordinado com a ampliação do objecto do recurso.
Concretiza que, “para além de serem diferentes os objectivos que se pretendem alcançar com um e com outro instrumento processual, são diversas as circunstâncias que os motivam, já que o recurso subordinado implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, ao passo que a ampliação do objecto do processo pressupõe apenas que não foi acolhido o fundamento (ou fundamentos) invocado pela parte para sustentar a decisão que, apesar disso, lhe foi favorável (…)”.
Desta forma, acrescenta que “a diversidade de pressupostos e de objectivos leva a que não possam qualificar-se como recurso subordinado as alegações complementares que o recorrido apresente ao abrigo do art. 636º (ampliação do objecto do recurso). Uma tal intervenção não poderá superar o caso julgado que se tenha formado relativamente à decisão que não foi objecto de oportuna reacção que apenas poderia traduzir-se na interposição de recurso autónomo ou de recurso subordinado”. 
Todavia, no caso sub júdice a questão é diferenciada, pois não se trata de aferir acerca da admissibilidade de transmutação ou convolação de uma apresentada ampliação do objecto do recurso em recurso subordinado, mas antes a situação inversa, ou seja, a transmutação ou convolação deste em ampliação do objecto do recurso.
Acerca desta problemática, consignou-se em Acórdão desta Relação e Secção de 07/02/2019 – Relatora: Gabriela Cunha Rodrigues, Processo nº. 19391/15.2T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt, no qual o ora Relator interveio como 1º Adjunto -, urgir proceder à clara destrinça entre o “recurso subordinado (a que alude o citado artigo 633.º), o qual implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, da ampliação do objeto do recurso prevista no artigo 636.º do CPC, que pressupõe apenas que o fundamento ou fundamentos invocados para escorar a decisão favorável não foram acolhidos.
A diversidade de pressupostos e de finalidades leva a que não se possam ser qualificadas como recurso subordinado as alegações complementares apresentadas ao abrigo do mencionado artigo 636.º.
Assim, subscrevendo-se, e citando-se, o entendimento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa [4], acrescenta-se não dever-se “estabelecer-se qualquer confusão entre o recurso subordinado e a ampliação do objeto do recurso a que se reporta o art. 636º. No recurso subordinado, a parte é vencida quanto ao resultado da ação (ou seja, quanto a um pedido ou a um segmento do pedido), ao passo que nas situações reguladas no art. 636º releva a não aceitação de algum dos fundamentos de facto ou de direito que sustentavam a pretensão ou a defesa, ou a verificação de alguma nulidade decisória que não tenha interferido (ainda) no resultado final.
9. Assim, tratando-se de mera recusa de algum dos fundamentos da ação ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objeto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente»., GPS, p. 759.
O n.º 3 do artigo 193.º, introduzido pelo CPC de 2013, consagra um corolário do princípio da prevalência da substância sobre a forma na figura do erro no meio processual utilizado pela parte para a prática de determinado ato.
Em tais circunstâncias, em lugar do decretamento da nulidade do ato, impõe-se a correção oficiosa, determinando que sejam seguidos os termos processuais adequados.
A convolação imposta pelo preceito tem limites naturais, sendo o mais evidente o do esgotamento do prazo que porventura esteja previsto para o ato convolado.
Nas palavras de Lopes do Rego, a convolação «só poderá ter cabimento quando o meio erroneamente utilizado e o meio procedimental efectivamente adequados forem de algum modo homogéneos e até certo ponto equiparáveis, por dotados de uma análoga funcionalidade essencial» (cf. «O princípio dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, p. 808).
Na situação sub judice, existe uma certa equiparação entre o meio processual utilizado (recurso subordinado) e o meio processual pretendido (ampliação do objeto do recurso).
É certo que, ao contrário do que ocorre com a ampliação do recurso (deduzida a título subsidiário), a apreciação do recurso subordinado pelo tribunal superior não é meramente eventual. Com efeito, caso o recurso principal seja apreciado, então o recurso subordinado terá, obrigatoriamente, de ser decidido”
.
Considerando que tal evidente diferença não é obstáculo, especifica que “o nomen iuris da peça apresentada pela Ré (recurso subordinado) não condiz minimamente com o seu conteúdo, o que equivale a dizer que se verifica uma desadequação formal que deve ser corrigida oficiosamente, de acordo com o disposto no citado n.º 3 do artigo 193.º do CPC.
Em face do exposto, ressalvado que está o princípio do contraditório, em face da efetiva pretensão da Ré, materializada na peça denominada recurso subordinado, determinamos a sua correção e convolação em ampliação do objeto do recurso por iniciativa da Recorrida, prevista no artigo 636.º, n.º 1, do CPC”.
Tal admissibilidade de convolação do apresentado recurso subordinado em ampliação do objecto do recurso, é ainda admitida pelo douto Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 11/03/2021 – Relatora: Suzana Tavares da Silva, Processo nº. 02505/10.6BEPRT 0458/17, in www.dgsi.pt .
Efectuando a devida destrinça entre as duas figuras, nomeadamente o facto de, salvaguardada a ocorrência das vicissitudes inscritas no nº. 3, do artº. 633º, do Cód. de Processo Civil, o tribunal de recurso dever sempre conhecer do recurso subordinado interposto, contrariamente ao que acontece com a ampliação do objecto de recurso, que apenas é conhecida e apreciada caso proceda o recurso principal, reconhece que “a ampliação do âmbito do recurso é (ou pode ser) menos favorável do que o recurso subordinado face às pretensões que o Recorrido pretende fazer valer no processo”, podendo assim não ser suficiente ou bastante para assegurar totalmente a protecção dos seus interesses.
Donde, a “alegada convolação do recurso subordinado em ampliação do âmbito do recurso só poderia admitir-se, atenta a prevalência do princípio do dispositivo, se fosse legalmente justificada, designadamente, pelo facto de, no caso, não se verificarem os pressupostos de admissibilidade do recurso subordinado.
Ou seja, e concretizando, “a convolação do recurso subordinado em ampliação do objecto do recurso só poderia ter lugar se o Recorrente Subordinado não preenchesse os requisitos para a apresentação daquele tipo de recurso, designadamente, por não ter legitimidade em razão de não poder ser considerado “parte vencida” (sublinhado nosso).
Na ponderação do pertinente argumentário exposto, transpondo-o para a situação concreta, bem como na aferição da efectiva pretensão exercida pelo Autor, que se materializou na peça processual apresentada como recurso subordinado, entendemos ser de determinar a sua correcção, transmutação ou convolação em ampliação do objecto do recurso, a requerimento do recorrido Autor, assim sendo devidamente apreciado e considerado.
II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
I) DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA ;
a) Da alteração dos factos não provados constantes das alíneas d) e e) =» a pretensão que passem a figurar como provados, sob os nºs. 28 e 31, com a seguinte redacção:
28. A presente acção constituiu uma represália do autor contra a ré” ;
31. O pai do autor sempre ajudou monetariamente o ex-casal formado pelo autor e pela ré sem qualquer discriminação– Conclusões f), g) e j) ;
b) Da pretensão de aditamento na factualidade provada do teor dos factos alegados nos artigos 23º e 24º da contestação, a figurar sob os nºs. 29. e 30., com a seguinte redacção:
29. Não prestando o autor alimentos ao filho F…, não obstante as insistências da mãe, aqui autora. Esta viu-se forçada a intentar contra ele uma acção de alimentos a que foi atribuído o n.º 507/18.3Y2LRS” ;
“30. Na constância do matrimónio, todo o agregado familiar do autor e ré, viveram na casa dos autos enquanto morada de família até que a demandada teve que sair com os filhos em 29.09.2013, por ser constantemente vítima de violência doméstica por parte do marido em razão da qual foi ele condenado a três anos e dois meses de prisão, suspensa por igual período, conforme consta da sentença proferida no processo n.º …” – Conclusão h) ;
II) Aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA
No âmbito desta conhecer-se-á :
a) Da inaplicabilidade, ao caso concreto, do entendimento exposto no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 12/2015 ;
b) Do facto do imóvel ter sido declarado e reconhecido pelo Autor como bem comum:
§ Da intervenção do Autor na escritura aquisitiva, sem efectuar a ressalva inscrita na alínea c), do artº. 1723º, do Cód. Civil ;
§ Da inscrição da aquisição no registo, tendo por proprietários o Autor e a Ré ;
§ Da inexistência de qualquer diligência, por parte do Autor e durante 18 anos, no sentido de tal bem ser considerado seu bem próprio ;
§ Do seu reconhecimento como bem comum nos autos de divórcio, quer enquanto destino a dar enquanto casa de morada de família, quer como verba nº. 1 do activo comum relacionado – Conclusões a) a e) e i).
III) Apreciar, com carácter eventual, acerca da AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO, no âmbito da qual se conhecerá da invocada nulidade da sentença, na parte em que determinou ter a Ré, nos termos do nº. 2, do artº. 1726º, do Cód. Civil, um direito de compensação, exigível no momento da partilha – cf., artº. 615º, nº. 1, alíneas c) e d), do Cód. de Processo Civil -, bem como da nulidade decorrente da atribuição de uma quota à Ré excedente ao por ela pedido – cf., artº. 609º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil -, fora da sede própria.
Aprioristicamente, na análise do teor das contra-alegações recursórias, apresentadas pela Recorrida Ré, urge, ainda, conhecer acerca da seguinte questão:
Ø Do eventual incumprimento do disposto no artº. 640º, nº 1, do Cód. de Processo Civil, conducente à rejeição do recurso interposto, na vertente da impugnação da matéria de facto.
QUESTÃO PRÉVIA: do alegado incumprimento do disposto no artº. 640º, nº1, do Cód. de Processo Civil, conducente à rejeição da impugnação da matéria de facto
Invoca o Apelado que a Recorrente, quanto à matéria de facto fixada nos autos, apenas demonstra discordância quanto ao processo intelectual que conduziu à decisão impugnada, sugerindo redacções alternativas, “algumas até de reprodução de meros estados de alma”, e outros conclusivos.
Assim, analisado o teor das conclusões recursórias, nomeadamente as alíneas h), i) e j), constata-se que a recorrente “incumpriu totalmente as obrigações que, para efeitos de recurso na matéria de facto, sobre ela impendiam, não podendo assim a recorrente fugir à sanção estabelecida no corpo do artigo transcrito, a rejeição”.
Donde, conclui, deve o recurso quanto à impugnação da matéria de facto ser rejeitado, nos termos do nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil
Decidindo:
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º” (sublinhado nosso).
Presentemente, o sistema vigente nas situações em que o recurso de apelação envolve a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica que “relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos”.
E, ainda que “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”.
Acrescentando, ainda, dever ainda o Recorrente deixar “expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente” (sublinhado nosso).
Pelo que deve ocorrer rejeição, total ou parcial, do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, sempre que se verifique “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº. 1, al. a))”, servindo igualmente esta especificação “para delimitar o objecto do recurso”.
Bem como deve ainda ocorrer igual rejeição, total ou parcial, na “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
Assim, ainda que se reconheça dever interpretar-se tais exigências legais à luz de um necessário critério de rigor, como consequência ou decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, se “em lugar de uma sincopada e por vezes estéril localização temporal dos segmentos dos depoimentos gravados, o recorrente optar por transcrever esses trechos, ilustrando de forma mais completa e inteligível os motivos das pretendidas modificações da decisão da matéria de facto, deve considerar-se razoavelmente cumprido o ónus de alegação neste campo. A indicação exacta das passagens das gravações não passa necessariamente pela sua localização temporal, sendo a exigência legal compatível com a transcrição das partes relevantes dos depoimentos[5].
Acrescenta, todavia, o mesmo Ilustre Conselheiro, importar que “não se exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”. E, citando douto aresto do STJ de que foi Relator [6] aduz ser “necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640º seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material”, aludindo, ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, a uma “tendência consolidada no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640º”.
 Lavrou, então, o mesmo Relator em tal aresto sumário, no sentido de dever “considerar-se satisfeito o ónus de alegação previsto no art. 640º, se o recorrente, além de indicar o segmento da decisão da matéria de facto impugnado, enunciar a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou”, sendo que “na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (sublinhado nosso).
O mesmo Acórdão referencia jurisprudência do STJ, no pugnado sentido, donde se realça, por atinente ao caso sub júdice, a seguinte:
- datado de 09/07/2015, onde se refere que “tendo o apelante, nas suas alegações de recurso, identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos pontos da base instrutória, indicado o depoimento das testemunhas que entendeu mal valorados, fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados e o início e o termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição e referido qual o resultado probatório que deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar” (sublinhado nosso) ;
- de 19/02/2015, no qual se referencia que “enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já o mesmo se não se afigura que a especificação dos meios de prova ou a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações” (sublinhado nosso).
Acrescenta, ainda, o Ilustre Autor ser frequentemente constatável “que uma leitura concertada das alegações, e não apenas das respectivas conclusões, permite afirmar o preenchimento dos requisitos mínimos a que deve obedecer uma peça processual para a qual não está legalmente prevista uma estrutura rígida quer na parte da motivação, quer no segmento conclusivo”, pelo que os aspectos “fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido[7].
Deve ter-se ainda em consideração, realçando-se, o sumariado no douto aresto do STJ de 29/10/2015 [8], no qual se refere que “face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC).
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso (sublinhado nosso).
Referencie-se, igualmente, o sumariado em aresto do mesmo Alto Tribunal de 19/02/2015 [9], no sentido de que “a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC”.
Assim, “é em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC”, pelo que “nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória”.
Pelo que “tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que só no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art.º 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC” (sublinhado nosso).
Por fim, referencie-se, ainda, o sumariado no douto aresto do STJ de 01-10-2015 [10], no sentido de que:
“I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV - Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação.
Do exposto, resulta, assim, ser legítimo concluir-se, da articulação ou concatenação do prescrito nos artigos 639.º e 640.º, do Cód. de Processo Civil, que o ónus principal a cargo do recorrente exige, pelo menos:
§ a indicação nas conclusões recursórias, com precisão, dos concretos pontos de facto da sentença que são objecto de impugnação, ou seja, cuja modificação é pretendida pelo recorrente, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto ;
§ a indicação expressa, na motivação ou corpo alegacional, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, ou seja, relativamente a cada questão de facto impugnada.
Ora, compulsadas as alegações e as conclusões recursórias apresentadas pela Ré/Apelante, verifica-se o seguinte:
- a Ré não impugna ou contradiz qualquer ponto da factualidade dada como provada ;
- efectivamente, reivindica que dois dos factos dados como não provados – sob as alíneas d) e e) -, passem a figurar como provados, assim como reclama o aditamento à elencagem factual provada de dois alegados factos aduzidos em sede de contestação ;
- e, enquanto que relativamente aos factos não provados, cuja transposição reclama, funda a pretensão em alegada prova por presunção, nos quadros do artº. 349º, do Cód. Civil, no que concerne aos demais funda-a, pelo menos em parte, em prova documental, que qualifica como autêntica, junta com aquele articulado ;
- não se cuidando, neste momento, de aferir se o fez de forma correcta ou incorrecta, pertinente ou impertinente ;
- o que resulta, porém, é ter a Recorrente indicado os alegados pontos factuais que considera incorrectamente julgados, os aparentes meios probatórios que o sustentam, bem como a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre tal factualidade impugnada ;
- ressalvando-se, ainda, que a reivindicada impugnação não se sustenta nos meios probatórios gravados, pelo que não se equaciona acerca da necessidade de observância do nº. 2 do mesmo artº. 640º, do Cód. de Processo Civil ;
- decorre, assim, com nitidez, e apesar das alegações recursórias conterem uma desconexa e censurável mistura entre recurso acerca do enquadramento jurídico e recurso impugnatório da matéria de facto, existir cumprimento do enunciado ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto recursório e das pretendidas consequências da pretensa ou putativa impugnação da matéria factual ;
- pelo exposto, conclui-se pela inexistência de qualquer incumprimento do ónus prescrito no citado nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil, inexistindo, assim, qualquer razão para a rejeição, total ou parcial, do apresentado recurso de impugnação da matéria de facto, o que se decide.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (rectificam-se os lapsos de redacção):
1. Em 15 de Julho de 1987 o autor adquiriu, pelo preço de quatro mil e trezentos contos (correspondente a € 21.448,32 - vinte e um mil, quatrocentos e quarenta e oito euros trinta e dois cêntimos), a fracção autónoma designada pela letra “M”, correspondente ao sexto piso D, do prédio sito na …………………., descrita na então segunda secção da Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número treze, e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2147 C.
2. O autor procedeu ao pagamento do preço daquele imóvel através do apoio financeiro do pai, J… e…
3. Através de um empréstimo no valor de mil contos (correspondente a € 4.987,98 - quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), que lhe foi feito pelo sócio gerente António ………………, da sociedade onde o autor trabalha, a “António …………….”.
4. O autor amortizou o empréstimo referido em 3. através de pagamentos de valores em dinheiro mensais, que ocorreram entre Agosto de 1987 e Janeiro de 1990.
5. Em 26 de Abril de 1989 o autor devia, do empréstimo referido em 3., a quantia de Esc. 465.000$00 (quatrocentos e sessenta e cinco mil escudos), correspondente a € 2.319,41 (dois mil, trezentos e dezanove euros e quarenta e um cêntimo).
6. O autor e a ré casaram um com o outro em 14 de Maio de 1989.
7. Em 31 de Maio de 1989 o autor amortizou a quantia de Esc. 5.000$00 (cinco mil escudos), correspondente a € 24,94 (vinte e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), tendo ficado em dívida, em relação ao referido empréstimo, a quantia de Esc. 460.000$00 (quatrocentos e sessenta mil escudos), correspondente a € 2.294,47 (dois mil, duzentos e noventa e quatro euros e quarenta e sete cêntimos).
8. Em 26 de Agosto de 1999 o autor vendeu a fracção autónoma descrita em 1. por Esc. 16.500.000$00 (dezasseis milhões e quinhentos mil escudos), correspondentes a € 82.301,68 (oitenta e dois mil trezentos e um euros e sessenta e oito cêntimos).
9. Em 28 de Outubro de 1999, por escritura realizada no Cartório Notarial Lisboa, pelo preço de Esc. 28.100.000$00 (vinte e oito milhões e cem mil escudos), correspondente a € 140.162,26 (cento e quarenta mil, cento e sessenta e dois euros e vinte e um cêntimo), o autor, identificado como sendo «casado sob o regime de comunhão de adquiridos com Rosa ………………..», adquiriu a fracção autónoma designada pela Letra “X”, do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número duzentos e vinte e um, da referida freguesia, e sito na Avenida …………………, inscrita na matriz correspondente sob o n.º ....
10. A fracção autónoma descrita em 9. encontra-se registada em nome do autor e em nome da ré, pela Ap. 19 de 1999/11/18.
11. O valor da venda da fracção autónoma descrita em 1., pelo montante mencionado em 8., foi utilizado para a aquisição da fracção autónoma descrita em 9..
12. O pai do autor ajudou financeiramente, em montante cujo valor não foi possível apurar, no pagamento do valor remanescente da fracção autónoma descrita em 9..
13. A ré mantinha uma relação de amizade e respeito com os pais do autor e acompanhou o pai do autor na doença por este sofrida, designadamente no domicílio e em idas ao IPO, para consultas, exames e tratamentos.
14. Em 29.9.2013 a ré e os filhos do ex-casal formado pelo autor e pela ré saíram da fracção descrita em 9., que constituía a casa de morada de família, tendo ido residir para casas de familiares e de amigos.
15. O autor continuou a residir, até hoje, na mencionada fracção.
16. Em Janeiro de 2014 a ré celebrou um contrato de arrendamento da fracção autónoma correspondente ao n.º 2, R/C, da Praceta …, fracção anteriormente atribuída à função de porteira, entretanto extinta, mediante o pagamento da renda mensal no valor de € 400,00.
17. Local onde reside até hoje.
18. O ex-casal formado pelo autor e pela ré têm dois filhos: F... e J...
19. O filho F… está afectado por um atraso do desenvolvimento, que lhe determina uma incapacidade permanente global de 60% reportada à data do nascimento, conforme sentença de 31.01.2017, transitada em julgado, proferida pelo Juízo Local Cível de Loures – Juiz 2, deste Tribunal, tendo a ré sido nomeada sua Tutora, cargo que continua a exercer.
20. O casamento do autor e da ré foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida no processo que correu termos no Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 2, com o n.º …, a qual homologou, em 2 de Maio de 2017, os acordos de conversão em divórcio de mútuo consentimento do inicial processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que a ré tinha instaurado contra o autor.
21. Consta da acta de tentativa de conciliação, ocorrida no âmbito do referido processo, na qual o autor não se encontrava acompanhado de Advogado ou Patrono, e no que respeita à “Casa de morada de família”, o seguinte: «A casa de morada de família corresponde ao imóvel sito na Avenida …………………….., que é um imóvel comum do casal. Acordam que o uso desse imóvel fica atribuído ao cônjuge marido até à partilha».
22. Consta ainda, da mesma acta, que autora e réu declararam ter, entre outros, o seguinte bem comum do casal: «Activo: verba 1 – Imóvel sito na Avenida ………………………, a que atribuem o respectivo valor patrimonial».
23. A ré requereu abertura do inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal formado pelo autor e pela ré, o qual corre termos sob o n.º …, no Cartório Notarial da Notária Dra. Lígia Garcia, sedeado na Rotunda Nuno Rodrigues dos Santos, n.º 2-2C Centro Comercial da Portela, Portela-Loures.
24. No âmbito deste processo o autor não incluiu o imóvel descrito em 9. na relação de bens, «alegando que o adquiriu com o produto da venda de um imóvel próprio e a ajuda financeira do seu pai» e, produzida a prova apresentada, a Notária remeteu «os interessados para os meios judiciais comuns, suspendendo a tramitação do inventário até que ocorra decisão definitiva» relativamente à natureza do bem imóvel descrito em 9., considerando que, «tendo sido o cabeça de casal a invocar a natureza própria do bem, sobre ele impende a responsabilidade, e o interesse, em obter decisão judicial que assim decida, pelo que deve promover o respectivo impulso processual (…)».
25. Até ao processo de partilha o autor nunca diligenciou no sentido de a qualificação do imóvel descrito em 9. ser alterada, e o mesmo considerado seu bem próprio.
26. O imóvel descrito em 9. tem um valor locativo mensal que não foi possível apurar com precisão, mas de montante não inferior a € 400,00 (quatrocentos euros) e não superior a € 1.000,00 (mil euros).
27. A ré trabalha para a sociedade “António ………………….” desde 01.07.1987, tendo auferido, em 1989 e em 1990, respectivamente, as remunerações mensais de Esc. 61.932$00 (correspondente a € 308,92) e Esc. 90.000$00 (correspondente a € 448,92).
E foi considerado como NÃO PROVADO o seguinte (rectificam-se os lapsos de redacção):
a. que a ré, quando ouvida em declarações no Cartório, perante a Senhora Notária, não tenha negado que a fracção autónoma identificada em 9. não integrava a comunhão, tendo admitido que a totalidade do preço de aquisição da mesma fora pago por numerário exclusivamente do autor e do pai deste (artigo 5.º da p. i.);
b. que, para pagamento do remanescente do prédio da fracção autónoma descrita em 9., o pai do autor lhe tenha dado importâncias que perfizeram a quantia de Esc. 9.606.280,00 (correspondente a quarenta e sete mil novecentos e quinze euros e noventa e dois cêntimos), as quais foram completadas com contribuições só do autor (artigo 13.º da p. i.);
c. que a ré em nada tenha contribuído para a aquisição da fracção autónoma descrita em 9. (artigos 16.º e 17.º da p. i.);
d. que a presente acção seja uma represália do autor contra a ré (artigo 25.º da Contestação/Reconvenção);
e. que o pai do autor sempre tenha ajudado monetariamente o ex-casal formado pelo autor e pela ré sem qualquer discriminação (artigo 29.º da Contestação/Reconvenção);
f. que a fracção descrita em 1. tenha sido objecto de benfeitorias pelas forças de valores pertencentes ao autor e à ré, designadamente de substituição do pavimento, que muito a valorizaram e teve reflexos no preço de venda (artigo 31.º da Contestação/Reconvenção) e
g. o que consta alegado no artigo 34.º da Contestação/Reconvenção, para além do que resulta do ponto de facto dado como provado sob o n.º 26.
*
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA decorrente da impugnação da matéria de facto
No âmbito do enquadramento legal supra exposto, tendo a Recorrente/Apelante dado cumprimento, pelo menos de forma minimamente aceitável, ao preceituado no supra referido artigo 640º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, nada obstará, prima facie, a que o presente Tribunal proceda à reapreciação da matéria factual fixada, quer no que concerne à pretendida transposição de dois factos não provados para a elencagem provada, quer no respeita ao reclamado aditamento a esta de dois alegados pontos factuais enunciados em sede de contestação.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado[11].
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[12] (sublinhado nosso).
Conforme já supra expusemos, sem questionar a matéria factual considerada provada, reivindica a Ré Impugnante o aditamento à mesma elencagem factual de quatro novos factos (dois a transpor da factualidade não provada e os demais resultantes de alegada factualidade inserta no articulado contestação), com a seguinte redacção:
28. A presente acção constituiu uma represália do autor contra a ré” ;
29. Não prestando o autor alimentos ao filho F…………, não obstante as insistências da mãe, aqui autora. Esta viu-se forçada a intentar contra ele uma acção de alimentos a que foi atribuído o n.º …” ;
“30. Na constância do matrimónio, todo o agregado familiar do autor e ré, viveram na casa dos autos enquanto morada de família até que a demandada teve que sair com os filhos em 29.09.2013, por ser constantemente vítima de violência doméstica por parte do marido em razão da qual foi ele condenado a três anos e dois meses de prisão, suspensa por igual período, conforme consta da sentença proferida no processo n.º …”  ;
31. O pai do autor sempre ajudou monetariamente o ex-casal formado pelo autor e pela ré sem qualquer discriminação”.
Alega a Impugnante Ré que a dedução da presente acção constitui uma represália do Autor contra si, pelo facto de ter saído “com os filhos da casa de morada de família, assim cortando com um ambiente familiar que lhes era adverso, ter denunciado a violência doméstica de que continuadamente estava a ser vítima às mãos (e aos pés do marido), ter intentado a acção de divórcio e a acção de alimentos”.
Considera, igualmente deverem ser dados como provados “os factos que substanciam os artºs. 23.º e 24.º da contestação, que a Sentença desconsiderou, todavia da maior relevância para demonstrar e tirar nos termos do art.º 349.º, do CCivil, a presunção de que a presente acção reveste a natureza de uma retaliação dirigida pelo autor à ré, contrária no seu objecto a uma factualidade pacífica ao longo dos dezoito anos da longa subsistência do imóvel dos autos como bem comum do casal”.
E, daí, o requerido aditamento dos factos identificados sob os nºs. 29. e 30..
Por fim pugna, ainda, pela reversão do facto não provado sob a alínea e), que fundamenta nos usos e prática “notoriamente dirigida ao agregado familiar do casal, filho, nora e netos, sem discriminação, e no que à nora respeita retribuindo-lhe o amparo e carinho, sensível também às dificuldades inerentes à elevada incapacidade global do neto e meios necessários para ser apoiado no crescimento, como é publico e notório em situações afins”.
Vejamos.
A circunstância da presente acção configurar, ou não, uma alegada represália do Autor contra a Ré, para além de conter um juízo manifestamente conclusivo e, como tal, insusceptível de figurar como facto, não traduz propriamente um factualidade dotada de objectividade, mas antes, como refere o Recorrido, um estado de alma, que se configura totalmente irrelevante para a apreciação da controvérsia em equação na presente acção.
Ou seja, independentemente de intencionalidades, estados de alma ou exalações de anseios ou pretensões, ou o Autor lograva provar que o bem imóvel deveria ser considerado bem próprio, à luz das legais exigências, ou, não o logrando, mantinha-se a sua rotulagem de bem integrante do património comum do dissolvido casal. E isto, independentemente das motivações conducentes à instauração da acção, de maior ou menor valia moral ou ética, de maior ou menor consideração e sã intencionalidade.
Por outro lado, os factos aduzidos nos pontos 29. e 30., servindo confessadamente de sustentáculo à alegada atitude de represália, o que, desde logo, deve desmerecer a sua consideração,  em nada contribuem ou valoram para o objecto da acção, isto é, conhecimento da causa de pedir em controvérsia e pedido efectuado, e julgado procedente.
Efectivamente, se o Autor prestava ou não alimentos a um dos filhos, se a Autora teve ou não necessidade de intentar acção de alimentos, de forma a obrigar o progenitor, ora Autor, a prestá-los, e se a ora Ré foi ou não vítima de violência doméstica, conducente a que o Autor fosse penalmente sancionado, é matéria sem atinência ao presente objecto processual e eivado de total irrelevância para o seu concreto e efectivo conhecimento.
Por fim, o último facto aduzido – cuja elencagem é reclamada sob o ponto 31. – também não foge à enunciada irrelevância. E esta com maior contundência ou ênfase.
Com efeito, a circunstância das alegadas contribuições do pai do Autor se destinarem ou não somente a este ou ao casal, nomeadamente na parte em que o Autor reclama que foi com o produto de tais contribuições que também procedeu ao pagamento da fracção ora questionada, é matéria que, no presente, não possui qualquer relevância, o que é extensível ao facto ora reclamado como devendo figurar na elencagem provada.
Efectivamente, conforme resulta da sentença apelada, no que concerne ao valor remanescente do imóvel adquirido em 1999 – facto 9. -, alegadamente liquidado com valores que o pai do Autor lhe foi entregando (dando), apenas se logrou provar que o pai do Autor contribuiu financeiramente para o seu pagamento, não logrando, todavia, o Autor demonstrar, como lhe incumbia, o quantum dessa contribuição – cf., facto 12 provado e facto b. não provado.
O que determinou ter-se concluído que, relativamente a tal remanescente, não logrou o Autor afastar a presunção de que, nesta parte, o bem objecto da acção é do Autor e Ré, ou seja, pertença da comunhão do dissolvido casal.
Pelo que, assim sendo, a factualidade ora reclamada a figurar como provada, ou seja, que o pai do Autor tenha sempre ajudado monetariamente o ex-casal formado por Autor e Ré, sem discriminação, não possui qualquer relevância para a pretensão da Ré Reclamante, em virtude daquela ausência probatória do Autor ter tornado despicienda a valoração dos alegados contributos do seu pai para o pagamento do valor remanescente da fracção autónoma que constitui o objecto dos presentes autos.
Ora, tendo por base a enunciada irrelevância dos pontos factuais questionados (para além da natureza conclusiva de um deles), quid juris ?
Conforme expressamente referenciado em aresto desta Relação de 24/04/2019 [13], “na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções), bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos notórios e de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada/não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no que concerne à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto”.
Acrescenta-se, então, citando Acórdão desta Relação de 27/11/2018 [14], que a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem reconhecendo que a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesmaa reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC)” (sublinhado nosso) [15].
Em consonância, refere-se expressamente no douto Acórdão do STJ de 17/05/2017 [16] que “o princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo”, tratando-se de uma das “manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Acrescenta, nada impedir “que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis”.
Pelo que, conclui, “para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito (sublinhado nosso).
Ora, tendo por pressuposto tal entendimento, afigura-se-nos resultar indubitavelmente o seguinte:
- retomando o juízo supra exposto, urge concluir, o que já bastamente justificámos, que conhecer acerca da impugnação da matéria de facto apresentada na presente sede recursória, configurar-se-ia como a prática de um acto inútil, legalmente sancionado pelo artº. 130º, do Cód. de Processo Civil ;
- ou seja, ainda que lograsse obter procedência tal impugnação da matéria factual (pelo menos na parte em que não está em equação a formulação de um juízo conclusivo), na vertente do reclamado aditamento e transposição dos dois identificados factos não provados para a factualidade provada, tal revelar-se-ia totalmente irrelevante e inócuo para a sorte da pretensão recursória apresentada, nos termos expostos pela Recorrente, pelo que aquela reapreciação da matéria de facto traduzir-se-ia na prática de uma acto absolutamente inútil, claramente contrário á observância dos princípios da economia e celeridade processuais ;
- pelo que, na decorrência de tal juízo, decide-se não conhecer da impugnação da matéria de facto apresentada no presente recurso.
II) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
A sentença apelada, começando por enunciar as questões a conhecer, ajuizou, no que concerne ao pedido accional formulado, nos seguintes termos:
§ O imóvel adquirido pelo Autor em 1989 é considerado, nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 1722º, nº. 1, alín. a), do Cód. Civil, um bem próprio do Autor, porque adquirido pelo mesmo em data anterior ao seu casamento com a Ré ;
§ Pelo que, o produto da sua venda é, assim, imputável, na totalidade, ao preço do imóvel descrito em 9., como bem próprio do Autor ;
§ Relativamente ao valor remanescente do imóvel adquirido em 1999 – facto 9. -, provou-se ter o pai do Autor contribuído financeiramente para o seu pagamento – cf., facto 12. ;
§ Todavia, o Autor não logrou demonstrar, como lhe incumbia – o artº. 342º, nº. 1, do Cód. Civil -, o quantum dessa contribuição ;
§ Pelo que, relativamente a tal remanescente, não logrou o Autor afastar a presunção de que, nesta parte, o bem objecto da acção é do Autor e da Ré ;
§ Concretizando, o imóvel objecto da acção foi adquirido pelo preço global de € 140.162,26 ;
§ Foi adquirido com bens próprios do Autor na percentagem de 58,72% (82.301,68€ X 100 : € 140.162,26) ;
§ Tendo sido adquirido com bens do ex-casal, formado por Autor e Ré, na percentagem de 41,28% (140.162,26 € (-) 82.301,68 € = 57.860,58 X 100 : 140.162,26 €) ;
§ Na ponderação do disposto na alínea c), do artº. 1723º, do Cód. Civil, constata-se não ter sido feita menção da proveniência do dinheiro ou valor na escritura de aquisição do imóvel identificado em 9. ;
§ Todavia, na aplicabilidade da doutrina implementada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 12/2015, constata-se que, no caso concreto, estão apenas em causa os interesses dos ex-cônjuges Autor e Ré, e não os interesses de terceiros ;
§ Donde, tendo o Autor logrado demonstrar que a fracção objecto da presente acção foi adquirida com 58,72% de dinheiros seus, próprios, logrou afastar a presunção de comunhão plasmada no artº. 1724º, alín. b), do Cód. Civil ;
§ Desta forma, considerando-se as apuradas percentagens de bem próprio e de bem comum, tem de concluir-se pela natureza de bem próprio da fracção em causa - cf., o nº. 1. do artº. 1726º, do Cód. Civil -, pois a prestação mais valiosa é a que corresponde ao bem próprio do Autor ;
§ Nos termos do nº. 2, do mesmo artº. 1726º, a Ré tem um direito de compensação, exigível no momento da partilha, que corre termos no processo de inventário pendente.
A Recorrente Ré coloca em causa tal entendimento, enunciando, basicamente, o seguinte:
- a fracção autónoma objecto dos presentes autos é um bem comum do Autor e Ré, enquanto tal reconhecido por ambos desde a aquisição em 28/10/1999, pois na escritura notarial de aquisição do imóvel, o Autor, desacompanhado da Ré, livre na sua pessoa e em matéria da sua inteira disponibilidade, declarou sem qualquer reserva ou condição perante a Senhora Notária, que era casado sob o regime de comunhão de adquiridos com a aqui demandada, não tendo consignado ser o objecto da compra um bem sub-rogado no lugar de bens próprios dele como lhe impunha o art.º 1723.º, al. c), do CCivil, se fosse o caso de pretender excluí-lo da comunhão de bens adquiridos na constância do casamento;
- donde, em coerência com o reconhecimento inerente aos termos consignados na escritura, o demandante registou-o ab initio na respectiva Conservatória do Registo Predial fazendo constar o seu nome e o da Ré como sujeitos activos, o mesmo é dizer, proprietários do imóvel, registo que se mantém ;
- pelo que, até ao processo de partilha o Autor nunca diligenciou no sentido de a qualificação do imóvel como bem comum ser alterada, e o mesmo considerado seu bem próprio ;
- só o tendo feito quando interpelado na tramitação do Processo de Inventário instaurado pela demandada Ré na sequência da decisão que havia decretado o divórcio por mútuo consentimento em 2/10/2017 ;
- inclusive, no acto de dissolução do casamento perante a Mma. Juiz titular do processo de divórcio, tal bem foi identificado como bem comum ;
- donde, surge como irrelevante a quantificação do contributo de cada um dos cônjuges para a aquisição do imóvel, posto que, como bem comum adquirido na constância do matrimónio, nada ficou consignado em contrário na respectiva escritura notarial, assim registada na Conservatória do Registo Predial ;
- em coerência, aliás, com o que, na dissolução do casamento, decorridos dezoito anos sobre o momento da aquisição, voltou a ser declarado/reconhecido, no sentido da sua integração no património comum.
O questionar, por parte da Apelante, do entendimento sufragado na sentença recorrida, funda-se, no essencial, em dois argumentos nucleares:
- por um lado, a declaração e reconhecimento, por parte do Autor, do imóvel como bem comum ;
- por outro, e relacionado com aquele reconhecimento, a inaplicabilidade, ao caso concreto, do entendimento adoptado pelo referenciado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 12/2015.
Vejamos.
No âmbito do regime de comunhão de adquiridos, são considerados como bens próprios dos cônjuges “os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior”.
Regime no qual, segundo a alínea b), do artº. 1724º, do mesmo diploma, e prevendo uma directriz nuclear, “fazem parte da comunhão:
(…)
b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei”.
Por sua vez, a alínea c), do artº. 1723º, que prevê acerca dos bens sub-rogados no lugar de bens próprios, referencia conservarem “a qualidade de bens próprios:
c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges”.
Por fim, o artº. 1726º, estatuindo acerca de bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios e noutra parte com dinheiro ou bens comuns, dispõe que:
“1. Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.
2. Fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão”.
Rute Teixeira Pedro [17]referencia extrair-se da alínea b), do artº. 1724º a conclusão de que, “na falta de recondução do bem a uma norma que dite a sua qualificação como bem próprio de um dos cônjuges, o mesmo será qualificado como comum”.
Do que resulta “uma presunção de comunhão (em que terceiros confiam) que vale para os bens adquiridos na constância do casamento, na medida em que caberá ao cônjuge que pretenda demonstrar a qualidade de bem próprio o ónus de provar o contrário por verificação de uma das exceções previstas na lei”.
Relativamente á conservação da qualidade de bens próprios enunciada no artº. 1723º, defende [18] contemplar tal normativo “a situação de ocorrência de uma sub-rogação real, isto é, a verificação da saída de um bem de um dado património e a entrada de outro bem no mesmo património, havendo um nexo entre os dois efeitos jurídicos, que podem ser desencadeados pelo mesmo ato (nesse caso a sub-rogação será direta) ou por atos diversos, mas que apresentam uma conexão juridicamente relevante (sub-rogação indireta ou reemprego)”.
Consagra-se, deste modo, “uma exceção à regra de que os bens adquiridos (onerosamente) pelos cônjuges na constância do casamento são bens que integram a massa patrimonial comum”, prevendo a alínea c) uma situação de “sub-rogação indireta”.
Relativamente a esta sub-rogação indirecta, “atento facto de a sub-rogação envolver mais do que um ato, para garantir a cognoscibilidade do nexo entre os atos que compõem a operação, a lei vem exigir, na al. c), que seja declarada, no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção d ambos os cônjuges, a proveniência do dinheiro ou dos valores próprios utilizados”.
Após equacionar a divergência que existiu, na doutrina e jurisprudência, “quanto às possibilidades de, em caso de falta de observância da exigência aí consagrada, por um lado, ser provada a proveniência do dinheiro para alterar a qualificação do bem, e por outro lado, ser efectuada uma escritura de rectificação para suprir aquela inobservância”, aduziu que num dos entendimentos “a ratio da parte final da al. c) é apenas a de proteger os interesses de terceiros que contactam com os cônjuges e que, na ausência da referida declaração, confiam na qualificação do bem como bem comum, em virtude da presunção de comunhão consagrada no art. 1724º-b), e podem ver as garantias dos seus créditos afetadas pela inclusão do bem no património próprio de um dos cônjuges”.
Pelo que, consequentemente, “quando não estejam em causa esses interesses, por só estarem em jogo os interesses dos próprios cônjuges (p. ex., no âmbito da partilha) pode provar-se por outros meios a natureza própria do dinheiro ou dos valores empregados para a aquisição do bem e conseguir, assim, a alteração da qualificação do bem, podendo, também, recorrer-se, para o mesmo fim, às escrituras de retificação[19].
Inversamente, existindo interesses de terceiros que possam ser afectados pela alteração da qualificação do bem, “o mesmo conservará a natureza de bem comum, havendo apenas um direito de compensação, por aplicação analógica do disposto no art. 1726º, nº. 2, por parte do património comum ao património próprio do cônjuge cujos bens foram utilizados para a respectiva aquisição” (sublinhado nosso).
Tal querela ou divergência acabou por ser resolvida mediante a uniformização jurisprudencial operada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº. 12/2015, de 02/07/2015 – Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 899/10.2TVLSB.L2.S1, publicado no DR, 1ª Série, nº. 200, de 13/10/2015 -, estipulando o seguinte:
“Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal”.
Por outro lado, no caso em que o bem ou bens seja(m) adquirido(s) em parte com bens próprios de um dos cônjuges e em parte com bens comuns, “a qualificação do bem será ditada pela natureza da parte que ser apresente com maior valor”, pressupondo, assim, o transcrito artº. 1726º, do Cód. Civil, “uma desigualdade dos montantes aplicados na aquisição do bem”.
Donde, a inclusão de um bem no património comum ou no património próprio de um dos cônjuges, “apesar de, para a sua aquisição, terem concorrido bens de outra massa patrimonial, importará o surgimento de um direito de compensação ao património em que o bem não foi integrado”. O cumprimento do dever de compensação só poderá ser exigido no momento da partilha” [20].
Aqui chegados, na aplicação de tal enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial ao caso concreto, temos que:
- in casu, não estão em equação interesses de terceiros, mas antes, e tão só, interesses dos ex-cônjuges, no âmbito da partilha pendente ;
- pelo que não se descortina qualquer razão para, prima facie, se afastar o entendimento fixado no citado Acórdão Uniformizador, no sentido de permitir ao ora Autor que provasse, por qualquer meio, que o imóvel adquirido em 28/10/1999, ou seja, já na pendência do casamento celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos com a Ré,  o foi apenas com dinheiro ou valores a si pertencentes ;
- e isto, ainda que o mesmo Autor, ao ter outorgado a escritura de aquisição de tal imóvel – cf., facto 9. -, não tenha feito constar a menção inscrita na 2ª parte da citada alínea c), do artº. 1723º, do Cód. Civil, ou seja, mencionar expressamente na escritura pública de aquisição acerca da proveniência própria do dinheiro ou valores aplicados em tal aquisição, com intervenção de ambos os cônjuges ;
- precisando, in casu, tal traduzir-se-ia no facto do Autor pugnar pela menção em tal escritura de que, em tal aquisição, estava a ser utilizado o valor da venda da fracção autónoma identificada no facto 1., constituindo esta um bem próprio ;
- ora, ao ter outorgado a aquisição da fracção em controvérsia nos termos constantes do facto 9., sem aquele menção ou salvaguarda, decorre como natural que o registo de tal aquisição se encontre em nome do Autor e Ré – cf., facto 10. -, e que assim se tenha prolongado, durante o período de vivência conjugal ;
- sem que de tal inscrição no registo, e da presunção que daí decorre, se deva concluir pela impossibilidade do Autor poder efectuar a descrita prova de que tal aquisição foi feita com dinheiro ou valores próprios, de forma a ilidir a presunção de comunhão inscrita na referenciada alínea b), do artº. 1724º, do Cód. Civil ;
- por outro lado, também não logramos retirar quaisquer consequências juridicamente relevante do facto do Autor, desde tal aquisição e até à partilha do património comum com a Ré ex-mulher, não ter pugnado no sentido de tal imóvel ser considerado seu bem próprio ;
- efectivamente, mantendo-se em vigência a sociedade conjugal, bem se entende a inércia identificada, assim como uma eventual falta de acuidade com tal matéria, ou mesmo desconhecimento da forma como funcionaria o mecanismo decorrente da utilização do produto de venda do antecedente bem imóvel próprio na posterior aquisição do outro imóvel, já ocorrida na pendência do casamento ;
- e, nem sequer em sede de abuso de direito se nos afigura ter relevância tal iter ou interregno temporal, pois não se pode sequer aludir ao criar de uma situação de expectativa juridicamente tutelada na esfera da ora Ré, ou ao adoptar, por parte do Autor, de um comportamento susceptível de fundar ou incrementar uma situação objectiva de confiança  fundante de tutela jurídica ;
- quando a mesma Ré, desde logo, bem sabia qual a proveniência de, pelo menos parte, do dinheiro utilizado na aquisição da fracção efectuada na pendência da sociedade conjugal ;
- por fim, consideramos, igualmente, de total irrelevância para a controvérsia ora em equação o facto da fracção ora em equação ter sido identificada, por Autor e Ré, como bem comum, quer no acordo para a sua utilização, enquanto casa de morada de família, quer como um dos bens do activo comum relacionado ;
- efectivamente, tal ocorreu nos necessários acordos de conversão em divórcio de mútuo consentimento do inicial processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que a Ré tinha instaurado contra o Autor, tendo assim o âmbito limitado a tal acção, e de forma a permitir a enunciada convolação – cf., factos 20. a 22. ;
- não sendo extraível de tal indicação um qualquer reconhecimento ou aceitação que deva valer para além daquela finalidade ou desiderato, e nomeadamente a aceitação e reconhecimento juridicamente relevante para uma qualquer catalogação da natureza própria ou comum de um bem, inclusive em desrespeito das normas legais determinantes e aferidoras de tal natureza ;
- com efeito, acerca da valoração de tal relação de bens, referencia o douto aresto da RG de 13/02/2014 – Relator: Fernando Fernandes Freitas, Processo nº. 941/11.0TMBRG.G1, in www.dgsi.pt – constituir a relação de bens “apenas um requisito formal para a apreciação do requerimento do divórcio ou, como se expressa o Ac. da Rel. de Coimbra de 14/02/2006 “constitui mera condição de prosseguimento da causa” (in Procº. 4056/05 (Desemb. Coelho de Matos), em www.dgsi.pt).
De acordo com o Ac. da Rel. de Lisboa de 11/07/2013, nada obsta a que da relação “sejam omitidos bens, que dela conste a declaração de inexistência de acordo quanto a determinados bens ou, até, que cada um dos cônjuges apresente a sua relação especificada de bens comuns, uma vez que os litígios sobre a mesma serão ulteriormente dirimidos no processo próprio” (in Procº. 3546/10.9TBVFX.L1-7 (Desemb. Orlando Nascimento), em www.dgsi.pt).
Como nos dão conta Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira já aquando da reforma do direito da família de 1977, discutida a hipótese de obrigar os cônjuges a entenderem-se previamente quanto à partilha dos bens do casal, ela foi deixada cair porque “se não quis dificultar o exercício do direito ao divórcio nos casos, tão vulgares na prática, em que a partilha põe problemas complexos que os cônjuges não estão em condições de resolver na ocasião” (in “Curso de Direito da Família”, vol. I, 2ª. edição, pág. 599).

Serão os mesmos os motivos que presidiram à menor consideração que o legislador de 2008 votou à relação de bens, sendo manifesta a intenção de relegar para a partilha subsequente ao divórcio a resolução de todas as questões patrimoniais” ;
- e, de forma concludente, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 11/05/2006 – Relator: Custódio Montes, Recurso nº. 1154/06, in CJSTJ, Ano XIV, Tomo 2, 2006, pág. 83 e 84 -, que a “sentença final homologatória dos acordos firmados entre os cônjuges em processo de divórcio por mútuo consentimento deve ser entendida como se reportando apenas aos acordos (…) sobre os alimentos dos cônjuges, sobre a regulação do exercício do poder paternal, no caso de existirem filhos menores, e sobre o destino da casa de morada de família.
Muito embora a lei processual também exija que o requerimento de formulação de tal pedido de divórcio seja instruído com «a relação especificada dos bens comuns, com a indicação dos respectivos valores», essa relação não tem por finalidade relacionar os bens da partilha e nem visa este último desiderato, já que é no processo de inventário que se devem apurar os bens a partilhar.
Deste modo, a referida sentença homologatória não produz qualquer efeito,, e nomeadamente em termos de caso julgado, no processo de inventário subsequente para partilha dos bens comuns do ex-casal” ;
- ademais, e no que concerne ao vislumbre da excepção de abuso de direito neste tipo de comportamento, afigura-se-nos ser de sufragar o entendimento consignado na sentença apelada, ao referenciar que “a factualidade apurada a este respeito (cf. pontos de facto dados como provados sob os n.ºs 21 e 22) não tem relevância suficiente que permita imputar ao autor um comportamento (factum proprium) susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança na ré: com efeito, o autor não se encontrava patrocinado por advogado no auto de tentativa de conciliação e nada resulta dos autos que permita concluir que tinha conhecimento técnico/jurídico suficiente para compreender o que estava a declarar. Aliás, a acta é ditada pelo Senhor Juiz de Direito que preside à diligência.
Em suma, e na falta de outros elementos factuais concretos e objectivos, julga-se que, in casu, não estamos perante uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória do autor, não se verificando uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, como alegado pela ré”.
Do exposto resulta, sem necessidade de ulteriores delongas, juízo de total improcedência das conclusões recursórias, o que determina:
§ Julgamento de improcedência da presente apelação e consequente confirmação da sentença apelada/recorrida ;
§ Improcedendo o recurso principal, fica prejudicado o conhecimento e apreciação da ampliação do objecto do recurso (em que se convolou o recurso subordinado apresentado pelo Autor).
Relativamente à tributação, decaindo a Ré Apelante na pretensão recursória apresentada, é a mesma responsável pelo pagamento das custas devidas, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
Em face da convolação em ampliação do objecto do recurso do recurso subordinado  interposto pelo Autor, neste particular, não se condena nenhuma das partes em custas.
*
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Apelante ROSA …………….., em que figura como Autor/Apelado MANUEL  ………………, confirmando-se a sentença recorrida/apelada ;
2. decorrente da improcedência do recurso, considerar prejudicado o conhecimento e apreciação da ampliação do objecto do recurso (em que se convolou o recurso subordinado apresentado pelo Autor) ;
3. Custas a cargo da Ré/Apelante – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
                
Lisboa, 07 de Abril de 2022
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 90 a 92 e 113 a 116.
[3] Ob. cit., pág. 91 e 92, nota 159.
[4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 324 e 325.
[5] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 155, 156, 158 e 159.
[6] Acórdão datado de 28/04/2016, disponível in www.dgsi.pt .
[7] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 164 e 165.
[8] Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 233/09.4TBVNG.G1.S1, in www.dgsi.pt .
[9] Relator: Tomé Gomes, Processo nº. 299/05.6TBMGD.P2.S1, in www.dgsi.pt .
[10] Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[11] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 285.
[12] Idem, pág. 285 a 287.
[13] Relatora: Laurinda Gemas, Processo nº. 5585/15.4T8FNC-A.L1, no qual o ora Relator figurou como Adjunto.
[14] Processo nº. 1660/14.0T8OER-E.L1.
[15] Em idêntico sentido, citam-se ainda, entre outros, os doutos acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no processo 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no processo n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no processo n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no processo 442/15.7T8PVZ.P1.S1, todos in www.dgsi.pt .
[16] Relatora: Fernanda Isabel Pereira, Processo nº. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt .
[17] Código Civil Anotado, Vol. II, 2017, Almedina, Coordenação Ana Prata, pág. 632.
[18] Idem, pág. 629 a 631.
[19] Cf., Pereira Coelho, Família, 1977, pág. 408.
[20] Rute Teixeira Pedro, ob. cit., pág. 633 e 634.