Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | DIOGO RAVARA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO TÍTULO EXECUTIVO COMPÓSITO MOVIMENTAÇÃO DA CONTA ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/05/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I- Nas execuções fundadas em contrato de abertura de crédito movidas contra o devedor e o fiador, o título executivo é de qualificar como complexo, sendo integrado pelo contrato, pelo extracto de conta que documenta os movimentos emergentes de tal contrato, e pela interpelação ao fiador. II- Sendo a prova complementar do título composta por documentos particulares não assinados, o valor probatório destes pode ser impugnado mediante embargos de executado. III- Nas circunstâncias referidas em II- compete ao banco o ónus da prova dos factos relativos aos movimentos de conta que consubstanciam a disponibilização de quantias ao executado; bem como no que tange à interpelação do fiador para, verificado o incumprimento, pagar o saldo devedor. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório Por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é executado, veio A [ António …… ] deduzir embargos de executado por apenso à execução que a então exequente B [ Caixa ….., S.A. ] havia deduzido contra si e contra a C [ Empresa de transportes ….., Lda ]. Na petição de embargos sustentou o embargante que não participou na gestão da executada sociedade, que não tomou conhecimento da eventual concretização do empréstimo invocado no requerimento executivo, que nunca recebeu a carta a si dirigida e datada de 28-02-2018; que nunca foi notificado do incumprimento do mencionado contrato por parte da executada sociedade, e que o mencionado contrato não se acha assinado pela exequente. Mais sustenta que a fiança que prestou e que justificava a demanda executiva no que lhe diz respeito se extinguiu, nos termos do disposto no art. 654º do CC, e que os juros de mora prescreveram, nos termos previstos no art. 310º, al. d) co mesmo código Concluiu pela procedência dos embargos, pedindo que o Tribunal declare extinta a execução na parte que lhe diz respeito. Recebidos os embargos, contestou a exequente pugnando pela sua improcedência e sustentando, nomeadamente que o embargante foi gerente da sociedade executada desde 11-12-2011 até 28-05-2012, pelo que pelo menos relativamente a esse período não pode invocar alheamento relativamente à gestão da mesma sociedade; que a carta a que o embargante se refere foi enviada para a morada constante do contrato de abertura de crédito que consubstancia o título dado à execução; que só por lapso foi junta cópia do contrato sem a assinatura da embargada, mas que esta assinou o contrato; e que relativamente a juros de mora assiste razão ao embargante, pelo que a quantia exequenda deve ser reduzida para € 30.171,28. Realizada audiência prévia, na qual ambas as partes declararam “nada ter a opor ao imediato conhecimento do mérito” da causa, foi proferido despacho saneador-sentença com o seguinte dispositivo: “julgo os presentes embargos de executado improcedentes e, em consequência, determino que a execução prossiga os seus ulteriores e regulares termos contra o executado embargante, sendo a quantia exequenda reduzida a € 30.171,28 (…) acrescida do demais petitório de juros.” Inconformado com tal decisão, veio o executado e ora embargante dela interpor o presente recurso de apelação, cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões: ■ Da ausência de título executivo: 1) Nos termos da cláusula 27a do contrato de abertura de crédito que a Recorrida deu à execução, “27.1 - O presente contrato considera-se perfeito quando contiver as assinaturas de todos os contratantes”. 2) Olhando ao teor do contrato de abertura de crédito dos autos facilmente se percebe que o mesmo não pode ser considerado perfeito, uma vez que não contém a assinatura da Recorrida. 3) Nunca a Recorrida deu conhecimento ao Recorrente da data da perfeição do contrato, assim como nunca lhe enviou um exemplar do mesmo. 4) Foi a própria Recorrida que definiu os termos do contrato, da sua perfeição e das diversas datas em que deveria ser considerado perfeito, partindo sempre da premissa: assinatura do contrato pela Caixa Geral de Depósitos. 5) O contrato de abertura de crédito dado à execução contém o texto onde apor a data da perfeição do contrato e qual a taxa de juro nominal a aplicar mesmo antes da assinatura inexistente da aqui Recorrida; Data essa, que não consta igualmente do aludido contrato. 6) A data da perfeição do contrato era fundamental para o fiador, ora Recorrente, inclusive para saber que o empréstimo tinha sido feito, em que data, qual o montante e taxa de juro. 7) Tudo isto não é novo, tendo sido oportunamente alegado em sede de embargos de executado, porém entendeu o Tribunal recorrido não dar relevância à factualidade invocada, por considerar que o “contrato se assume devidamente assinado pela exequente embargada (situação colmatada ainda em oportunidade legal de tramitação)". 8) Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal recorrido ao decidir daquela forma, porquanto a Recorrida não pode servir-se da “contestação" para aperfeiçoar ou corrigir o título executivo, nomeadamente juntando aos autos o alegado instrumento assinado. 9) A não ser assim, está em causa uma alteração ilícita da causa de pedir, (cfr. neste sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/07/2009 e de 20/12/2011, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). 10) Tal documento assinado teria obrigatoriamente de constar do requerimento executivo, não se admitindo a sua invocação, aperfeiçoamento ou correcção do título executivo noutra fase processual, como na contestação. 11) O caso dos autos é que a Recorrida apresentou-se à execução com AUSÊNCIA de título executivo. 12) E perante esse facto, cristalizado e imutável, não poderia o julgador aceitar qualquer aperfeiçoamento à posteriori. 13) Ao fazê-lo, violou a Lei, ofendendo inclusive o princípio constitucional da segurança jurídica. 14) Pelo que, sempre deveriam os embargos ter sido julgados procedentes e em consequência, a execução declarada extinta, por ausência do título dado à execução. 15) Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 729°, alínea a), 731° e 732°, n.° 4, todos do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que determine a extinção da execução por manifesta falta de título executivo. ■ Da falta de interpelação do fiador: 16) Conforme alegado em sede de embargos, sendo o contrato que serve de base à execução datado de 18/10/2010 e celebrado pelo prazo de 48 meses, a verdade é que nunca a Recorrida deu conhecimento ao Recorrente de que o contrato não estava a ser cumprido. 17) A situação é tanto mais censurável, na medida em que vem agora, sem qualquer aviso e de má-fé, reclamar juros desde a supra referida data, quando sabe que o não pode fazer porque nunca notificou o Recorrente, enquanto fiador, da situação de incumprimento, devendo fazê-lo, e o próprio documento que junta refere movimentos em datas posteriores. 18) É falso que o Recorrente tenha recebido a carta de fls. dos autos, a ele dirigida e datada de 20/02/2018. 19) Sendo censurável que o Tribunal recorrido tenha dado como provado que a mencionada carta foi enviada para a morada constante do contrato, quando nenhuma prova foi junta aos autos pela Recorrida desse envio. 20) Olhando ao teor da aludida carta, a qual nem sequer tem aposta a assinatura da Recorrida, verifica-se que a mesma terá sido remetida com registo e aviso de recepção. 21) Porém, a verdade é que a Recorrida não só não juntou o alegado aviso de recepção, como nem sequer juntou o suposto registo dos correios, sendo certo que só a Recorrida poderia ter tais elementos, competia-lhe a prova quer do envio, quer do recebimento da alegada carta nos termos do artigo 342°, n.° 1 do CC, prova essa que não logrou fazer. 22) Inexistindo nos autos qualquer prova de que a carta de 20/02/2018 junta a fls. foi recebida pelo Recorrente, ou sequer remetida pela Recorrida, impunha-se que o Tribunal recorrido tivesse dado como provada a falta de interpelação do fiador/Recorrente, e daí extraísse as legais consequências 23) Sendo censurável que o Tribunal recorrido tenha sobre valorado o simples facto da aludida carta conter a morada do Recorrente que consta do contrato, para daí concluir e dar como provado o seu envio! 24) A decisão recorrida é ainda mais censurável, violando o disposto no artigo 411° do CPC sobre o princípio do inquisitório, porquanto não foi permitida ao Recorrente a prova, nomeadamente testemunhal, de parte factualidade alegada nos embargos, designadamente, o Recorrente: Não participou na gestão da executada C; Não tem, como nunca teve conhecimento de que o empréstimo se concretizou, ou não; Não sabe sem o mesmo foi ou não amortizado, em que datas ou em que valores. 25) Factos esses que reforçam a necessidade de interpelação do fiador/Recorrente, que no caso não existiu, conforme alegado. 26) Entende o Recorrente que, não obstante o contrato prever o afastamento da regra contida no artigo 782° do CC, o fiador/Recorrente sempre teria de ser interpelado para pôr termo à mora a fim de evitar o vencimento antecipado das prestações, ou para evitar o incumprimento definitivo que possibilitava a resolução do contrato. 27) Nos acórdãos do STJ de 1999.04.20, Machado Soares, www.dgsi.pt.jstj, proc. 99A162, e da Relação de Lisboa, de 2005.11.03, Pereira Rodrigues, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 8969/2003, entendeu-se que, não obstante a acessoriedade que a caracteriza, a fiança é uma obrigação distinta da obrigação principal, e, mesmo quando a obrigação principal tem prazo certo, a fiança configura-se como obrigação pura. 28) Trata-se de evitar a responsabilização do fiador para além daquilo que é razoável, impedindo que a sua obrigação se agrave sem o seu conhecimento, sem que nada possa fazer para obviar a essa situação. 29) E nem se diga que a citação para os autos seria idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor, pois não lhe seria dada oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas, (cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 2011.11.17, Ezaguy Martins, www.dgsi.pt.jtrl, proc. n.° 1156/09.2TBCLD-D.L1). 30) O Recorrente, enquanto fiador, teria que ser interpelado, não tendo a Recorrida logrado provar essa interpelação, pelo que a obrigação é inexigível. 31) Nos termos do artigo 654° do CC, sendo a fiança prestada para garantia de prestação futura, tem o fiador, enquanto a obrigação se não constituir, a possibilidade de libertar-se da garantia ... se tiverem decorrido cinco anos sobre a prestação da fiança, quando outro prazo não resulte da convenção. 32) No caso dos autos, decorram mais de cinco anos desde que o Recorrente apôs a sua assinatura no imperfeito contrato dado à execução. 33) Pelo que se extinguiu a fiança nos termos do referido preceito, dado que a execução deu entrada em 2018 e só agora dela tomou conhecimento o Recorrente. 34) Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 654°, 782° do CC, e 411°, 595°, n.° 1, alínea b), 713°, 729°, alínea e), 731° e 732°, n.° 4, todos do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedentes os embargos e determine a extinção da execução. Dos juros peticionados: 35) Não obstante a prescrição de juros invocada e julgada procedente pela sentença recorrida, a verdade é que ainda sobre os juros vencidos e vincendos não tem razão a Recorrida e a sentença recorrida nem quanto a serem devidos, nem quanto ao seu montante. 36) Não estando o contrato dado à execução perfeito conforme alegado, nem nada tendo sido comunicado ao fiador/Recorrente, nomeadamente o início do contrato, este não se constituiu em mora. Sem prescindir, 37) Se existisse mora, esta só existiria a partir da citação para os autos e seria à taxa legal, porque outra não consta do imperfeito contrato dado à execução, que a Recorrida não assinou. 38) Mal andou a sentença recorrida ao julgar improcedentes os embargos deduzidos pelo Recorrente, especialmente no que toca aos juros peticionados pela Recorrida. Remata as suas conclusões pugnando pela revogação daquela, e pela procedência dos embargos de executado e consequente extinção da execução. A recorrida não apresentou contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. 2. Questões a decidir Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[1]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil[2]). Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[3]. No caso em análise, as questões essenciais a decidir são as seguintes: a) A impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto – 3º parágrafo do ponto I- e 1º, 3º a 7º, e 13º parágrafos do ponto V- da motivação de recurso; e arts. 16), 18) a 24) das conclusões; b) A falta de título executivo – ponto IV- da motivação de recurso e arts. 1) a 15) das conclusões; c) Da falta de interpelação do fiador - ponto V- da motivação de recurso e arts. 16) a 30) das conclusões; d) Da extinção da fiança – ponto V- da motivação de recurso e arts. 31) a 33) das conclusões; e) Dos juros de mora – ponto VI da motivação de recurso e arts. 35) a 38) das conclusões. 2. Os factos Na decisão sobre matéria de facto, o Tribunal recorrido considerou os seguintes factos provados e não provados: 3.1. Factos provados: 1. A execução que consubstancia os autos principais de que os presentes constituem apenso foi instaurada em 27 de março de 2018 e encontra-se suportada em requerimento inicial no qual foi feita constar a seguinte alegação fáctica: “ A) No exercício da sua actividade creditícia, por instrumento datado de 18 de outubro de 2010, a ora exequente celebrou com a C um contrato de abertura de crédito em conta corrente ao abrigo da linha de crédito PME Investe V - Caixa - criada pelo Protocolo celebrado entre o IAPMEI, IP, o FINOVA, a Agrogarante - Sociedade de Garantia Mútua, SA, a Garval - Sociedade de Garantia Mútua, SA, a Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, SA, a Norgarante - Sociedade de Garantia Mútua, SA e a CGD, SA - mediante o qual lhe concedeu um financiamento no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), operação a que internamente foi atribuído o n.° PT00352169011306091 - cfr. título executivo B) O referido empréstimo destinou-se a reforço de fundo de maneio. C) Tal contrato foi celebrado pelo prazo de 48 meses. D) Ficou estipulado no referido contrato que o capital em dívida venceria juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a três meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima e acrescida de um spread de 3,375%, donde resultava, na ocasião, a aplicação da taxa de juro nominal de 4,256% ao ano, sem prejuízo da bonificação prevista na cláusula 8a-B. E) Mais se previu que, em caso de mora, o capital mutuado venceria juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estivesse em vigor na Caixa para operações ativas da mesma natureza, atualmente de 11,450% ao ano, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano. F) Para garantia de 50% do capital em dívida em cada momento do empréstimo, a LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, SA, prestou a favor da CGD, SA uma garantia autónoma à primeira solicitação com o n° 2010.11793 - cfr. cláusula 21a-A do contrato junto como título executivo G) Também para titulação das obrigações pecuniárias emergentes do supra descrito contrato, os executados A, Maria …. e Manuel ….. constituíram-se fiadores e principais pagadores de tudo quanto viesse a ser devido à Caixa no âmbito do supra descrito empréstimo. H) Conforme se verifica pelo extracto de movimentos associado à indicada operação, considerando, quer as utilizações e as amortizações efectuadas pela mutuária, quer o pagamento efectuado pela LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, SA por força da garantia prestada, permanece em dívida a quantia de € 17.171,74 (dezassete mil cento e setenta e um euros e setenta e quatro cêntimos), a título de capital - cfr. doc. 1 I) Apesar de interpelados os executados não cumpriram com as obrigações pecuniárias, razão pela qual assiste legitimidade à ora exequente para instaurar a presente execução - cfr. docs. 2 a 5 J) O crédito da exequente reportado a 20 de Fevereiro de 2018, ascende a € 32.247,87 (trinta e dois mil duzentos e quarenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos), sendo: - € 17.171,74 (dezassete mil cento e setenta e um euros e setenta e quatro cêntimos), a título de capital; - € 15.076,13 (quinze mil setenta e seis euros e treze cêntimos), a título de juros entre 13.12.2011 e 20.02.2018; K) Ao valor em dívida acrescem os juros de mora, desde 20.02.2018, até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa de 15,45%, incluindo a sobretaxa de 4% ao ano, prevista no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 58/2013, de 8 de maio. L) Sobre a totalidade do valor dos juros e comissões calculados a final, incidirá imposto de selo, à taxa de 4%, nos termos da Tabela Geral do Imposto de Selo.” 2. O executado embargante exerceu as funções de gerente da co-executada C entre 11 de Fevereiro de 2011 e 28 de Maio de 2012. 3. Nos termos da cláusula 21.a-B do contrato de abertura de crédito que constitui o título executivo, o executado embargante declarou renunciar “ao benefício do prazo estipulado no art.° 782.° do Código Civil e ao exercício das excepções previstas no art.° 642.° do mesmo Código”. 4. Nos termos do n.° 3 da cláusula 27a do contrato prevê-se que sendo omissa a data da perfeição, “considera-se o contrato assinado na data da sua feitura”. 5. Apesar de ter renunciado à gerência da co-executada Transportes Manuel Henriques Machado, Lda., o embargante continua a ser sócio da mesma. 6. A carta a que corresponde o documento 3 junto com o requerimento inicial executivo foi enviada para a morada constante do contrato. 3.2. Factos não provados: a) O executado embargante não participou na gestão da executada C b) Nunca, até ser citado para a execução, teve conhecimento de que, ou se, o dinheiro da exequente embargada entrou na empresa e em que montante; c) Não tem, como nunca teve, conhecimento de que o empréstimo se concretizou, ou não. d) Não sabe se o mesmo foi ou não amortizado, em que datas ou em que valores. e) Os movimentos descritos no documento interno junto pela embargada como “consulta de movimentos da operação”, com data de 23/03/2018, são totalmente desconhecidos do embargante. f) O executado embargante nunca recebeu a carta a si dirigida pela exequente embargada e datada de 28 de Fevereiro de 2018. g) O contrato não tem a assinatura da exequente embargada. 3. Os factos e o direito Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica. 4.1. Da impugnação da decisão sobre matéria de facto 4.1.1. Generalidades Dispõe o art. 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa. Nos termos do art. 640º n.º 1 do mesmo código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes, sendo certo que se optar por não o fazer, terá que indicar os exatos momentos da gravação que documentam os trechos dos depoimentos que considera relevante. Em contrapartida, cabe ao recorrido o ónus de apontar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, e caso assim o entenda, transcrever os excertos que considere importantes, tudo isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal. A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância. Não obstante, haverá que ter presente que enquanto que a primeira instância toma contacto direto com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte, e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, as reações perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, etc., a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois privada de todos esses elementos não verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova. Por outro lado, como bem aponta o ac. desta Relação, de 21-06-2018 (Ondina Alves), proc. 18613/16.7T8LSB.L1-2, “nunca é de mais relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial. De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais. Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg. A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efetuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436. É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela. Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1)”. 4.1.2. O caso dos autos 4.1.2.1. Apreciação preliminar Muito embora o pudesse ter feito de forma mais clara e sistematizada, a verdade é que da motivação e das conclusões de recurso decorre que o recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto constante do despacho saneador-sentença recorrido. Com efeito, logo no 3º parágrafo do ponto I- da motivação refere que “a sentença recorrida” se fundou “em asserções de facto erradamente consideradas provadas e outras erradamente consideradas não provadas” para, ao longo do ponto V da mesma motivação, contestar que a carta referida no ponto 6. dos factos provados tenha sido remetida, e se insurgir contra a circunstância de os factos vertidos no elenco de factos não provados terem sido como tal julgados pelo Tribunal a quo sem que tenha sido permitido produzir prova. Este entendimento é reiterado nos arts. 18) a 24) das conclusões. Daqui se retira que o embargante entende que o envio da carta referida no ponto 6. dos factos provados se deve considerar não provado, e que os factos considerados não provados devem ser considerados provados, porquanto, na sua perspetiva, os meios de prova em que se fundou a convicção do Tribunal a quo (a saber, os documentos juntos com o requerimento executivo) são insuficientes para os ter por comprovados. Consideramos, por isso, que embora de forma menos adequada, cumpriu os ónus consagrados no art. 640º do CPC, pelo que passamos a analisar o ponto de facto impugnado. 4.1.2.2. Do objeto da impugnação da decisão sobre matéria de facto O embargante impugnou a decisão sobre matéria de facto no que respeita ao ponto 6. dos factos provados e a todas as alíneas dos factos não provados. O ponto 6.dos factos provados tem o seguinte teor: “A carta a que corresponde o documento junto com o requerimento inicial executivo foi enviada para a morada constante do contrato.” O Tribunal a quo motivou a sua decisão quanto a este facto nos seguintes termos: “por confronto entre o documento 3 junto com o requerimento inicial executivo e o teor do contrato anexo.” O recorrente considera que os factos vertidos no ponto em análise devem considerar-se não provados porquanto: - nenhuma prova foi produzida no sentido do envio da mesma carta (arts. 19) e 22) das conclusões); - tal carta não tem qualquer assinatura, e apesar de conter a menção de que foi enviada por correio registado com aviso de receção, não foi junto aos autos nenhum comprovativo do envio dessa carta (arts. 20 e 21 das conclusões); - não podia o Tribunal recorrido considerar como provado o envio da carta em apreço pela circunstância de tal carta conter a morada do embargante (art. 23) das conclusões). Por outro lado, O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos: a) O executado embargante não participou na gestão da executada C. b) Nunca, até ser citado para a execução, teve conhecimento de que, ou se, o dinheiro da exequente embargada entrou na empresa e em que montante. c) Não tem, como nunca teve, conhecimento de que o empréstimo se concretizou, ou não. d) Não sabe se o mesmo foi ou não amortizado, em que datas ou em que valores. e) Os movimentos descritos no documento interno junto pela embargada como “consulta de movimentos da operação”, com data de 23/03/2018, são totalmente desconhecidos do embargante. f) O executado embargante nunca recebeu a carta a si dirigida pela exequente embargada e datada de 28 de Fevereiro de 2018. g) O contrato não tem a assinatura da exequente embargada. A convicção do Tribunal relativamente a estes factos foi motivada nos seguintes termos: “Matéria de facto não provada em a) a e): da concreta alegação, incluso a demasiado vaga, não se observou corresponder qualquer meio probatório idóneo à sua estabilização constitutiva, mormente considerando a elementaridade das regras do ónus probatório subjacente, incluso face ao posicionamento da exequente embargada, no sentido de firmar a conexa irrelevância – artigo 342.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil – tudo, assim, sem prejuízo da indiciação presuntiva decorrente do inciso estabilizado como provado em 2. face aos termos e tempos concretos do contrato subjacente. Inciso fáctico não provado em f): partindo do estabilizado como provado em 6. e sem prejuízo, como melhor se expenderá infra em sede de análise normativa, de que, face aos contornos do caso espécie, ser consabido que o fiador que renunciou ao benefício da excussão responde em termos solidários com o devedor, sendo a responsabilidade deste, a medida da responsabilidade daquele e, daí, não carecendo de ser interpelado, bastando que o seja o devedor principal, facto ocorre que a missiva em apreço se vislumbra, efectivamente, enviada para a morada contratual, pelo que sempre se eleva a regra da declaração recipienda ou receptícia – artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil, sem prejuízo do seu n.º 2, com respeito ao critério da culpa, o qual reclama apreciação das circunstâncias relevantes, designadamente o grau de diligência concretamente exigível ao destinatário, tendo em conta a natureza e o teor do contrato a que respeita a missiva, sendo que, tratando-se de um acordo de abertura de crédito em que o executado embargante se constituiu fiador, a apreciação não deixará de ocorrer através do critério de um devedor diligente e criterioso - artigo 487.º, n.º 2, ex vi artigo 799,º, n.º 2, do Código Civil. Facto não provado em g): pese embora o primeiro teor anexo ao requerimento inicial executivo, face aos termos logo suscitados na oposição mediante embargos apresentada pelo executado, apura-se curial a correspondência da exequente embargada a colmatar o colocado em crise, sendo por via da versão final contratual junta como documento n.º 2 com a contestação (…).” O embargante e ora recorrente discorda deste entendimento, sustentando que, no que respeita aos factos constantes das als. a) a e) dos factos provados não lhe foi permitido produzir prova (art. 24) das conclusões). Relativamente aos factos vertidos na al. f) dos factos não provados, a sua posição decorre da impugnação da decisão sobre o ponto 6. dos factos provados, que constitui a sua antítese. Finalmente, no que concerne à al. g), considera que o momento relevante para se aferir se o contrato se acha ou não assinado é o da propositura da execução (art. 8 e 10) das conclusões). 4.1.2.3. Da relevância das proposições de facto impugnadas no contexto da execução embargada A compreensão da relevância dos pontos de facto em discussão pressupõe o prévio entendimento do contexto particular da execução junta aos autos e do respetivo título executivo. No caso dos autos, o título executivo dado à execução é um contrato de abertura de crédito. Como ensina MENEZES CORDEIRO[4], “a abertura de crédito vem definida, no artigo 1842 do Código Civil italiano como o contrato pelo qual o banqueiro se obriga a ter, à disposição do cliente, uma soma em dinheiro, por um dado período ou tempo indeterminado. A lei portuguesa não regula, de modo expresso, a abertura de crédito. Não obstante, ela vem referida no artigo 362.º CCom como uma operação de banco. (…) A abertura de crédito é simples ou em conta-corrente: no primeiro caso, o crédito disponibilizado pode ser usado uma vez; no segundo, o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta-corrente com o banqueiro. Nesta última hipótese há, ainda, que lidar com as regras da conta-corrente. A abertura de crédito diz-se garantida, quando seja acompanhada duma garantia, pessoal ou real e a descoberto, na hipótese inversa. A abertura de crédito dá azo a uma disponibilidade que o cliente pode mobilizar, através de actos subsequentes. De acordo com o combinado - a prática varia, de banco para banco - o cliente poderá movimentar as importâncias ou mediante pedido escrito, dirigido ao banqueiro por fax ou por carta, ou automaticamente, sacando, por exemplo, a descoberto sobre uma conta de depósito à ordem, anexa à abertura de crédito. Na hipótese de mobilização, pode ainda pactuar-se que as importâncias a mobilizar o sejam por fatias de valor pré-estabelecido: por exemplo, uma abertura de crédito de 20.000 c., podendo o cliente mobilizar parcelas de 2.000 c. ou múltiplos dessa importância, de cada vez. Os juros, bem como a comissão de imobilização, quando exista, são debitados ora mensal ora trimestralmente, de acordo com o que tenha sido combinado. A garantia - caso tenha sido acordada - é, muitas vezes, de ordem pessoal; na prática bancária portuguesa em que as aberturas de crédito operam a favor de sociedades, recorre-se a livranças subscritas pela própria sociedade e avalizadas pelos sócios mais significativos. Fala-se, então, na gíria bancária, em conta-corrente caucionada.“ Do contrato de conta corrente não emerge para o cliente qualquer obrigação de restituir ao banco qualquer quantia. Ela só se constitui mediante a disponibilização pelo banco ao cliente, de quantias em dinheiro, o que no caso dos autos seria feito mediante movimentos na conta bancária da executada (cfr. clª 13 do contrato junto aos autos). Nessa medida, resulta igualmente do mesmo contrato que a prova dos movimentos bancários que consubstanciam a execução do contrato se faz através de extratos de conta bancária (clª 23). Ora, a doutrina e a jurisprudência têm admitido de forma pacífica que o contrato de abertura de crédito pode constituir título executivo[5], desde que seja feita a prova complementar do título, nos termos do disposto no art. 707º do CPC, com vista a comprovar a entrega de quantias pelo banco ao cliente. Quando o contrato esteja garantido por fiança e o exequente pretenda demandar também o fiador, a referida prova complementar poderá ainda abranger a demonstração da interpelação do fiador do executado. Fala-se então de um título executivo complexo, integrado pelo contrato de abertura de crédito, e pelo documento emitido nos termos previstos no mesmo contrato para fazer prova dos movimentos a débito e a crédito efetuados nos termos acordados, bem como pelo documento que ateste a interpelação do fiador – Neste sentido cfr., entre outros, LEBRE DE FREITAS[6]; LOPES DO REGO[7]; RUI PINTO[8], bem como os acs. RG 24-04-2012 (Ana Cristina Duarte), p. 1030/10.0TBFAF-A.G1; RC 04-04-2017 (António C. Martins), p. 8478/16.4T8CBR.C1; RL 10-09-2019 (Ana Rodrigues da Silva), p. 666/12.9TCFUN-A.L1-7; e STJ 10-04-2018 (Pinto de Almeida), p. 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2. Porém, a circunstância de o extrato de conta junto aos autos integrar um título executivo complexo não significa que o executado não possa impugnar os factos nele documentados. Na verdade, e por um lado, trata-se de um documento particular, que não está sequer assinado, e que não faz prova plena de nenhum dos factos que documenta. O mesmo se dirá relativamente à carta de interpelação do embargante, na qualidade de fiador. Por outro lado, a circunstância de tais documentos integrarem um título executivo complexo apenas dispensa o credor de intentar ação declarativa, mas tal não significa que em caso de dedução de embargos de executado o exequente/credor não tenha que fazer a prova da disponibilização das quantias entregues ao devedor, e da interpelação do fiador. Nem poderia de outra forma, na medida em que se trata de documentos emitidos pelo próprio credor, sem qualquer autenticação ou certificação. Com efeito, como salienta LEBRE DE FREITAS[9], perante uma execução fundada em título executivo não judicial, o executado pode defender-se por meio de embargos de executado invocando matéria de impugnação. O mesmo autor alerta também para a circunstância de que nestes casos a distribuição do ónus de prova se deve fazer de acordo com as regras de direito substantivo aplicáveis à situação em apreço. Em sentido aproximado, sustenta RUI PINTO[10] que perante a dedução de embargos de executado “cabe ao embargante invocar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos” do crédito exequendo “e ao embargado alegar os factos constitutivos”. 4.1.2.4. Do mérito da impugnação da decisão sobre matéria de facto e das suas consequências Aqui chegados cumpre apreciar o mérito da impugnação a decisão sobre matéria de facto. Vejamos então. Relativamente ao ponto 6. dos factos provados, constata-se que o documento nele mencionado (a saber, o doc. nº 3 junto com o requerimento executivo) consta de fls. 78 v. dos presentes autos. Trata-se de uma carta elaborada em computador, datada de 20-02-2018 e não assinada, dirigida ao ora embargante, e um endereço coincidente com aquele que consta do contrato de abertura de crédito que constitui o título executivo e cuja cópia se acha a fls. 72-75 destes autos. Da análise de tal documento verifica-se igualmente que o mesmo contém a menção “registada c/ AR”, sendo certo que o embargado não juntou aos presentes autos cópia de documento comprovativo do envio de tal carta (o “registo”), nem do aviso de receção. Nesta conformidade, tal como fez o embargante, temos que concluir que a prova documental junta aos autos apenas permite concluir que a carta em apreço foi redigida, e que ostenta como remetente o embargado, mas o mesmo documento não atesta que essa carta tenha sido enviada, e muito menos recebida. Note-se que o valor probatório do documento em apreço foi impugnado no art. 7º da petição de embargos, razão pela qual, tratando-se de um documento particular não assinado, os factos nele documentados teriam forçosamente que se considerar controvertidos. Assim, tal documento encontrava-se sujeito à livre apreciação do julgador (art. 366º do CC), sendo certo que, desacompanhado de outros meios de prova, se afigura manifestamente insuficiente para concluir pela demostração dos factos que o Tribunal a quo veio a considerar assentes e integrar no ponto 6. dos factos provados. Nesta conformidade, forçoso será reconhecer que à luz do contexto probatório disponível nos autos no momento em que a decisão recorrida foi proferida, estes factos não podem considerar-se provados. No que diz respeito aos factos não provados, verificamos que logo na petição de embargos o embargante impugna todos os movimentos da conta corrente relativa ao contrato de abertura de crédito[11]. Ao fazê-lo colocou em crise a prova complementar do título apresentada pela exequente, de onde resulta que esta ficou onerada com o ónus da prova relativamente aos factos nele documentados. Sendo tais factos controvertidos, o mencionado documento não constituía meio de prova suficiente para considerar demonstrados os movimentos nele documentados. Por outro lado, nenhum dos factos constantes do elenco de factos não provados poderia ter sido julgado não provado, na medida em que nenhuma prova foi produzida sobre os mesmos. Com efeito, o conteúdo fáctico subjacente à alegação dos factos mencionados nas als. a) a e) dos factos não provados não se prende com o desconhecimento do embargante. Esse desconhecimento foi invocado para impugnar factos relativos à obrigação exequenda (arts. 571º, nº 2, 1ª parte e 574º, nº 3, 1ª proposição, do CPC), e , os quais, face a tal alegação, devem ser provados pelo banco exequente. Quanto à al. f) dos factos não provados, diremos que sendo a mesma o reverso da factualidade vertida no ponto 6. dos factos provados, a “versão negativa” dessa factualidade também não pode considerar-se indemonstrada, mas apenas carecida de prova. Finalmente, no que respeita à al. g) verifica-se que uma vez que a cópia do contrato de abertura de crédito junta ao requerimento executivo não se achava assinada, importa apurar quem assinou tal documento em nome do embargante, e em que data tal sucedeu, sendo certo que ao contrário do sustentado pelo Mmº Juiz a quo os documentos juntos pelo embargado com a contestação, e desacompanhados de outros elementos de prova, não permitem extraír as conclusões vertidas na motivação da convicção do Tribunal. Nesta conformidade, conclui-se que para além de as als. a) a g) dos factos não provados não espelharem o que resultaria de uma adequada distribuição do ónus da prova considerando os fundamentos dos presentes embargos e a posição assumida pelo embargado na contestação, é de considerar que à data em que a decisão recorrida foi proferida os autos não continham elementos probatórios suficientes para habilitar o Tribunal a considerá-los não provados. Cumpre agora determinar as consequências do erro na apreciação da matéria de facto. E fazendo-o, diremos que ao contrário do sustentado pelo embargante e ora recorrente, a consequência a retirar não é a de que os factos constantes do ponto 6) dos factos provados se devem considerar não provados, nem a de que os factos vertidos nas als. a) a g) dos factos não provados se devem considerar provados. O que sucede é que tais factos se mostram controvertidos e carecidos de prova que permita formar convicção mais esclarecida. Ora, no que diz respeito aos factos vertidos no ponto 6) dos factos provados, uma vez que na contestação o embargado arrolou testemunhas, tal significa que ainda se mostra possível que se venha a fazer prova do envio e receção da carta em apreço, através de prova testemunhal, a produzir em audiência de julgamento. O mesmo se passa no que diz respeito aos factos não provados. Também eles se acham controvertidos e se mostram carecidos de prova, podendo a prova testemunhal arrolada pelo embargado proporcionar uma decisão esclarecida sobre esta matéria. Neste particular, releva-se mais uma vez a circunstância de os factos julgados não provados emergirem de impugnação do crédito exequendo vertida na petição de embargos, sublinhando-se a circunstância de uma correta distribuição do ónus da prova apontar no sentido de que cabe ao embargado demostrar os factos controvertidos. Reitera-se que aquela prova testemunhal não foi produzida, porquanto os embargos foram indevidamente decididos no despacho saneador. Com efeito, resulta do disposto no art. 595º, nº 1, al. b) do CPC, aplicável ex vi do art. 732º, nº 2, 2ª parte do mesmo código que o juiz só pode conhecer do mérito da causa no despacho saneador quando o mérito da causa o permita, sem necessidade de mais provas, o que manifestamente não se verifica no caso dos autos visto que, como já se mencionou, o banco embargado arrolou testemunhas. Dito isto, resta concluir que a decisão sobre matéria de facto constante do despacho saneador-sentença deve ser anulada por insuficiência, nos termos do disposto no art. 662º, nº 2, al. c) do CPC[12]. A anulação da decisão recorrida implica que o processo prossiga com a realização da audiência de julgamento, a fim de ser produzida prova pelo menos no tocante aos seguintes factos que se mostram controvertidos: - Da petição de embargos: os alegados nos arts. 1º, 2º, 4º e 5º (quanto aos movimentos ali referidos, ou seja, quanto à questão de saber que quantias o banco exequente entregou à sociedade executada, e em que datas, e que quantias esta restituiu ao embargado, e em que datas), 7º (no sentido de apurar se a carta em apreço foi enviada, e em que data, e se foi recebida pelo destinatário, e em que data), 10º (no sentido de saber se o banco exequente enviou ao embargante alguma carta informando-o do incumprimento do contrato, em caso afirmativo em que data, e se tal carta foi recebida e em que data); 13ª e 14º (em que data foram apostas no contrato em apreço as assinaturas dos legais representantes do banco executado), 15º (se o banco exequente comunicou ao embargante que o contrato tinha sido assinado pelos seus legais representantes, e em que data); - Da contestação: os alegados nos arts. 12º (quanto ao concreto envio da carta), 27º (quanto à identidade e poderes daqueles que outorgaram o contrato em nome do banco exequente, e à data em que os mesmos o assinaram). 4. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em anular o despacho saneador-sentença recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento da causa, realizando-se audiência final, com produção de prova sobre os factos controvertidos, nomeadamente os referidos na fundamentação do presente acórdão e eventualmente outros tidos por relevantes. Custas pela parte vencida a final. Lisboa, 5 de novembro de 2019 [13] Diogo Ravara Ana Rodrigues da Silva Micaela Sousa _______________________________________________________ [1] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 114-116. [2] Adiante designado pela sigla “CPC”. [3] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116. [4] “Manual de direito bancário”, 2ª Ed., Almedina, 2001, pp.585-589. [5] Nos termos previstos no art. 70º, al. b) do CPC. [6] “A ação executiva”, 5ª ed., 2011, pp. 54-57. [7] “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., Almedina, 2004 p. 83. [8] “A ação executiva”, AAFDL, 2019 (reimpressão), pp. 185-187. [9] Ob. cit., p. 183, nota (31). [10] Ob. cit., p. 373. [11] Art. 6º do mencionado articulado. [12] Versando sobre situações em que a impugnação da decisão sobre matéria de facto pode dar lugar à anulação do julgamento cfr. acs. RC 19-12-2017 (Vítor Amaral), p. 814/16.0T8GRD.C1; e STJ 04-10-2018 (Rosa Tching), p. 588/12.3TBPVL.G2. [13] Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |