Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
588/12.3TBPVL.G2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRINCÍPIO DO PEDIDO
CONSTITUCIONALIDADE
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
DIREITO DE DEFESA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
REQUISITOS
DEVEDOR
CÔNJUGE
BENS COMUNS DO CASAL
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
RESTITUIÇÃO DE BENS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
REPETIÇÃO DO JULGAMENTO
LIMITES DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
VONTADE DOS CONTRAENTES
PODERES DA RELAÇÃO
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 10/04/2018
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS / ATOS EM GERAL / NULIDADES DOS ATOS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / IMPUGNAÇÃO PAULIANA – DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO ÀS PESSOAS E AOS BENS DOS CÔNJUGES / DÍVIDAS DOS CÔNJUGES.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª Edição, p. 432 e 433;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotada, Volume V, p. 141 ; Código de Processo Civil, anotado, Volume V, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, p. 67 e ss.;
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ª Edição, p. 599 e 600;
- Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil, Anotado, Volume I, 4.ª Edição, p. 633;
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1.ª Edição, p. 671 ; RLJ, Ano 122, p. 213 e ss. e 255;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição, p. 415;
- Lopes do Rego, O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença, Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, p. 794;
- Miguel Mesquita, A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC, RLJ, Ano 143, p. 145;
- Paula Costa e Silva, Acto e Processo, p. 66, 211, 271 e 450;
- Paula Costa e Silva, Impugnação pauliana e execução, Cadernos de Direito Privado, n.º 7 julho/setembro 2004, p. 62 e 63;
- Rui de Alarcão, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas, 1972, p. 29;
- Vaz Serra, RLJ, n.º 108, p. 352 ; RLJ, Ano 100, p. 207 e 208.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.º 3, 5.º, N.º 2, ALÍNEA A), 195.º, N.º 1, 609.º, N.º 1, 607.º, N.º 5,615.º, N.º 1, ALÍNEA E), 640.º, N.º 2, ALÍNEA B) E 662.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS A), B) E C).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º, 351.º, 610.º, 612.º, 616.º, N.º 1, 618.º, 1696.°, N.° 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 13.º, N.º 1, 18.º, N.º 2 E 20.º, N.ºS 1 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/2001, IN DR, I SÉRIE-A, DE 09-02-2001;
- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 27-09-1994, IN CJSTJ, ANO II, TOMO III, P. 66 A 68;
- DE 19-10-1994, IN BMJ, N.º 440, P. 381;
- DE 12-01-1995, IN CJ STJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 28-03-1996, IN CJSTJ, ANO IV, TOMO I, P. 159;
- DE 18-11-2004, PROCESSO N.º 04B2640, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 607/06.2TBCNT.C1.S1;
- DE 02-06-2016, PROCESSO N.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1;
- DE 07-07-2016, PROCESSO N.º 487/14, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 377/09.2TBACB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-09-2016, PROCESSO N.º 207/09, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-09-2016, PROCESSO N.º 286/10, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-05-2017, PROCESSO N.º 217480/10, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-05-2017, PROCESSO N.º 20/14, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-12-2017, PROCESSO N.º 3018/14.2TBVFX.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-12-2017, PROCESSO N.º 3018/14.2TBVFX.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 39/88, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT;
- ACÓRDÃO N.º 1193/96, IN ATC, VOLUME 35.º, P. 529 E SS.;
- ACÓRDÃO N.º 33/00, PROCESSO Nº 51/98, DE 12-01-2000, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT;
- ACÓRDÃO N.º 259/2000, IN DR, II SÉRIE, DE 07-11-2000;
- ACÓRDÃO N.º 632/2008, DE 23-12-2008, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :
I. A apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão.

II. No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [ cfr. nº 2, als. a) e b) do artigo 662º do CPC], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 

III. O Tribunal da Relação, tal como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº 2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, todos do Código de Processo Civil, tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa e não está adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância, apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas. 

IV. Em sede de reapreciação da decisão de facto é conferido ao Tribunal da Relação o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo bem como do uso a presunções judiciais, nos termos permitidos pelos artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil. 

V. Consistindo as presunções judiciais em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos e estando-se no âmbito de uma ação de impugnação, é perfeitamente admissível o recurso a tais presunções para prova dos factos de natureza psicológica, já que estes, em regra, não são passíveis de demonstração direta, mas antes por via de circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz, da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados, como é o caso do comportamento dos contraentes na realização do ato oneroso de alienação objeto de impugnação pauliana.

VI. Tendo o recorrente, em sede de recurso de apelação, impugnado apenas a factualidade vertida na resposta dada pelo Tribunal de 1ª Instância a determinado ponto da matéria de facto e tendo o Tribunal da Relação, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil, decidido anular parcialmente o julgamento, por falta de resposta integral a este mesmo artigo, e ordenado a repetição do julgamento tão só quanto a esta matéria de facto, não pode o recorrente, em novo recurso de apelação, vir impugnar matéria de facto que não foi objeto de impugnação no primeiro recurso nem foi objeto deste novo julgamento.

VII. A repetição do julgamento com vista a suprir a deficiência da decisão sobre determinado ponto da matéria de facto não abrange a decisão de facto não viciada, consolidando-se, nesta parte, o julgamento da matéria de facto.

VIII. A decisão do Tribunal da Relação de, num segundo recurso de apelação, restringir a apreciação da impugnação da matéria de facto apenas e tão só à factualidade tida por deficiente e de considerar precludida a possibilidade de impugnação da matéria de facto não viciada, já anteriormente fixada, não integra a nulidade prevista no art. 195º, nº 1 do Código de Processo Civil, nem constitui decisão surpresa, atentatória do princípio do contraditório, consagrado no art. 3º, nº 3 do mesmo código no art. 20º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

IX. O nosso atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no art. 609º, nº1 do Código de Processo Civil, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação.

X. Pedindo a autora, na ação de impugnação pauliana, a restituição dos bens ao património do réu transmissário para aí poderem ser executados, não constitui excesso de pronúncia, não enfermando, por isso, da nulidade prevista no artigo 615º, nº1, al. e) do Código de Processo Civil, a decisão judicial que limitou-se a declarar que a autora podia executar tais bens no próprio património do obrigado à restituição, pois estamos perante uma mera correção da forma como a autora formulou tal pedido, sem alteração do seu teor substantivo, de modo a conformá-lo com o regime legalmente consagrado nos artigos 616º, nº1 e 618º, ambos do Código Civil e garantir a efetividade da sentença.

XI. A interpretação dos arts. 610°, 612° e 616°, n° 1, 1696°, n° 1 e 1697°, n° 1 e n° 2, todos do Código Civil no sentido de que os requisitos de uma ação pauliana, intentada na sequência da transmissão para um terceiro de bens comuns do casal e sendo a dívida da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges, não têm que se verificar em relação aos dois cônjuges intervenientes no ato impugnado, podendo o credor executar tais bens no próprio património do obrigado à restituição, não padece de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos arts. 2°, 13°, n° 1, 18°, n° 2 e 20°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa, pois é a que melhor corresponde aos interesses em jogo: o interesse do credor em perseguir o bem, o interesse dos transmissários na não execução do bem transmitido e o interesse do cônjuge não devedor na não impugnação.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I – Relatório


1. A Autora “AA, S.A. “ instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário, contra os Réus BB e mulher CC, “DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda” e EE pedindo:

a) sejam declaradas ineficazes em relação a si as escrituras de compra e venda de 23 de Fevereiro de 2012, bem assim como a transmissão da quota no valor de € 40.000 em 3 de Abril de 2012;

b) a segunda e o terceiro Réu sejam condenados a restituir ao património do primeiro Réu os bens imóveis e móvel para aí ser executado na medida do seu interesse e até onde necessário for para a cobrança dos seus créditos descritos nos artigos 19º e 20º nos termos dos artigos 610º a 618º do Código Civil;

c) seja ordenado o cancelamento do registo da aludida aquisição e transmissão da quota.

Alega, para tanto e em síntese, que no exercício da sua atividade o Banco FF, S.A. celebrou com o réu BB um contrato de abertura de crédito até ao montante de € 85.000, formalizado por documento particular celebrado em 10 de Março de 2008, para reforço da tesouraria deste, clausulando-se que o capital mutuado venceria juros à taxa anual efetiva de 6,022%, alterável em função da variação da mesma, acrescendo, em caso de mora, a sobretaxa de 4%; o aludido Banco cedeu-lhe estes créditos, tendo instaurado contra o réu BB, em 17 de Outubro de 2011, execução que corre termos sob o nº 534/11.1TBPVL para cobrança do valor de € 85.000 acrescido de juros liquidados em € 14.562,07 em 7 de Dezembro de 2012 e despesas de € 4.989,45; porém, em 23 de Fevereiro de 2012 o réu BB vendeu à ré, “DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda”, cujo capital se encontra distribuído por uma quota de € 40.000 àquele pertencente e duas de € 5.000 pertencentes à ré mulher, CC, e ao filho de ambos, EE, dezoito imóveis pelo preço global de € 32.751,36; após a penhora da quota do réu BB na ré DD – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Ldª, com registo a seu favor em 23 de Março de 2012, aquele transmitiu-a ao réu EE.

Com estas vendas o réu BB deixou de ter outros bens de relevo e com valor suficiente para a integral satisfação dos seus créditos, sabia que quando efetuou as vendas cerceava as possibilidades de cobrança e a sociedade ré conhecia as dívidas do mesmo, tendo plena consciência que a aquisição era feita com prejuízo dos credores.


2. Os réus BB e CC contestaram, contrapondo que o réu marido tem apenas como credor a autora e que venderam os bens à ré sociedade unicamente por razões fiscais e económicas, na medida em que a exploração do turismo rural por esta sociedade permitia descontar todas as despesas do negócio, pagar menor taxa de imposto sobre o rendimento e evitar a retenção de 20% do valor de renda de alguns imóveis.

Mais alegaram que o réu BB avisou o gerente de conta do balcão do FF e um diretor do Banco GG antes de efetuar a constituição da sociedade, não tendo os mesmo deduzido qualquer oposição à intenção de transmitir os imóveis.

E alegaram ainda serem proprietários de outros imóveis, não alienados por não estarem agregados ao turismo rural nem à exploração agroflorestal, de valor suficiente para liquidar a quantia em dívida à autora.


3. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância.


4. Selecionados os factos assentes, foi elaborada a base instrutória, que se fixou sem reclamações.


5. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente provada e procedente e, consequentemente:

a) absolveu os Réus CC e EE dos todos os pedidos formulados pela Autora AA, S.A..;

b) absolveu a Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda do pedido de cancelamento do registo da aquisição a seu favor dos imóveis identificados no ponto 2) da fundamentação de facto;

c) declarou ineficaz em relação à Autora AA, S.A. a venda formalizada por escritura pública de 23 de Fevereiro de 2012 relativamente aos imóveis descritos no ponto 2) da fundamentação de facto;

d) declarou que a Autora pode penhorar no património da Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda os prédios identificados no ponto 2) alíneas a) a c), e), k), l) da fundamentação de facto para satisfação integral da quantia exequenda do processo de execução nº 534/11.1TBPVL instaurado contra o Réu BB e dos restantes identificados no mesmo ponto, subsidiariamente, na hipótese de insuficiência dos anteriores e nas condições previstas no artigo 740º do Código de Processo Civil.


6. Inconformado com esta decisão, dela apelou o réu, BB, para o Tribunal da Relação de … que, por acórdão proferido em 17 de Março de 2016, decidiu anular a sentença recorrida, determinando a repetição parcial do julgamento relativamente à matéria de facto do quesito 1º, com correspondência ao facto provado nº 9, ressalvando, em tudo o mais, o julgamento da matéria de facto já realizado, designadamente a demais factualidade já respondida e fixada.


7. Realizado novo julgamento, nos termos delimitados, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:

« a) absolve os Réus CC e EE dos todos os pedidos formulados pela Autora AA, S.A..;

b) absolve a Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda do pedido de cancelamento do registo da aquisição a seu favor dos imóveis identificados no ponto 2) da fundamentação de facto;

c) declara ineficaz em relação à Autora AA, S.A. a venda formalizada por escritura pública de 23 de Fevereiro de 2012 relativamente aos imóveis descritos no ponto 2) da fundamentação de facto;

d) declara que a Autora pode penhorar no património da Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda os prédios identificados no ponto 2) alíneas a) a c), e), k), l) da fundamentação de facto para satisfação integral da quantia exequenda do processo de execução nº 534/11.1TBPVL instaurado contra o Réu BB e dos restantes identificados no mesmo ponto, subsidiariamente, na hipótese de insuficiência dos anteriores e nas condições previstas no artigo 740º do Código de Processo Civil».


8. Novamente inconformado, interpôs o réu BB recurso de apelação para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão proferido em 18.01.2018, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a sentença recorrida.


9. Mais uma vez inconformado, veio réu BB interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1o. A fls ... dos autos, o Réu arguiu nulidade decorrente de deficiências verificadas na gravação áudio do depoimento da testemunha HH, que, em grande medida, o tornam imperceptível, o que foi atestado pela secretaria do Tribunal de 1a instância que atestou a existência de palavras inaudíveis e ruídos de fundo que se sobrepõem a esse depoimento, sendo que, segundo o parecer dos técnicos de informática, a inaudibilidade ou imperceptibilidade daí resultante não é susceptível de reparação;

2o. Na sequência do recurso interposto pelo recorrente da decisão de 1a instância que considerou intempestiva aquela arguição de nulidade, o Tribunal da Relação de …, por douto Acórdão proferido em 18.12.2017, julgou tempestiva a arguição da sobredita nulidade e, nessa conformidade, determinou que "a Ia instância conheça da verificação ou não da nulidade arguida"- cfr., doc. n.° 1. junto adiante e que aqui se dá por integrado e reproduzido;

3o. O Tribunal a quo, por virtude do exercício das suas funções, tinha conhecimento do Acórdão supra referido e as consequências nele implicadas -, porquanto o mesmo foi, de igual modo, proferido pela 1.a Secção Cível do Tribunal da Relação de …, no qual foi relator o mesmo Ilustre Juiz Desembargador que exerceu as mesmas funções no Acórdão recorrido - facto que, assim, nos termos do n.° 2 do art. 412.° do NCPC, não carece de prova;

4o. A finalidade precípua do legislador com a gravação das audiências de julgamento é a de, através do confronto com a generalidade dos meios de prova oralmente produzidos, colocar o Tribunal da Relação, para efeitos de reapreciação da matéria de facto, na situação em que se encontrava o Tribunal de 1 .a instância quando proferiu a decisão recorrida, de modo a poder formar a sua própria convicção probatória e concluir, eventualmente, acerca da existência de erro susceptível de implicar a modificação da decisão da 1.a instância - cfr., art. 155.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil; Ac. STJ de 11.2.2016, Proc. n.° 907/13.5TBPTG.E1.S1, Ac. STJ de 22.2.2001. Proc. n.° 3678/00;

5°. Nesta sede, é ainda de assinalar que, quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova, a Relação actua como tribunal de substituição e não de cassação. Cabe a essa instância recursiva a directa e imediata alteração, se for caso disso, do que a esse respeito foi decidido no tribunal a quo, e não a anulação da decisão para que a 1.a instância a reformule - cfr., Ac. STJ de 19.4.2001, Proc. n.° 435/01;

6°. Para poder formar um juízo valorativo, próprio e autónomo, de confirmação ou de alteração da decisão recorrida, a Relação tem de dispor dos mesmos elementos probatórios (maxime, prova testemunhal) de que dispôs o Tribunal de 1 .a instância, o que não sucede in casu fruto dos vícios existentes no depoimento supra identificado;

7°. Em face do que antecede, a Relação não estava em condições de proceder a uma efectiva reapreciação da matéria de facto, nos termos do art. 662.° do NCPC, pelo que, tal como se decidiu, v.g., no Ac. STJ de 12.3.2002 (Proc. n.° 01A4057), se impõe a revogação do Acórdão recorrido;

8°. As normas contidas nos n.°s 1 e 4 do art. 20.° da CRP asseguram o acesso ao direito e aos tribunais, garantindo a todos os que intervenham numa causa o direito a um processo equitativo - cfr., Ac. TC n.° 330/01 (in Acs. TC, vol. 50.°, pgs. 771 e ss), Ac. TC n.° 259/00 (DR II série, de 7.11.00), Ac. TC n.° 86/88 (Acs. TC, vol. 11.°, pg. 741 e ss), Ac. TC n.° 358/98 (DR II série, de 17.7.98), Ac. TC n.° 249/97 (DR II série, de 17.5.97), Ac. TC n.° 404/87 (Acs. TC, vol. 10.°, pg. 391), Ac. TC n.° 62/91 (Acs. TC, vol. 18.°, pg. 153);

9°. Na densificação do conceito de processo equitativo, inclui-se, entre o mais, a proibição da indefesa e o direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras, o qual vem consagrado no art. 3°, n° 3, do Cód. Proc. Civil;

10°. Por força do princípio do contraditório, do qual decorre a proibição das chamadas "decisões-surpresa", estava o Tribunal a quo constituído no dever de ouvir as partes (máxime o aqui recorrente) antes de tomar a decisão de não conhecer do objecto da impugnação da matéria de facto com base no conhecimento oficioso da figura do caso julgado, de modo a permitir-lhes tomar posição sobre a questão e, nessa medida, influenciar a formação da decisão do Tribunal;

11°. Ao não o fazer, o Recorrente, enquanto parte objectivamente desfavorecida pelo sentido da decisão da Relação, viu postergada a sua participação efectiva perante esse Tribunal numa matéria que veio a ser decisiva para a solução acolhida na decisão recorrida e, dessa forma, impedido de apresentar as razões pelas quais devia conhecer-se do objecto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto por inverificação, nomeadamente, do invocado caso julgado;

12°. A decisão-surpresa constante do Acórdão recorrido, por ter sido baseada em fundamento que não foi previamente considerado pelas partes, configura uma nulidade prevista no art. 195.°, n.°1, do CPC e convoca a nulidade do Acórdão recorrido - cfr., neste sentido e num caso idêntico, Ac. STJ de 3.12.2015 (Proc. 210/12.8TTFAR.E1.S1);

13°. A interpretação, pelo menos implícita, do art. 3°, n° 3, do Cód. Proc. Civil, feita no Acórdão recorrido, no sentido de não dever ser precedida de prévia audição das partes uma decisão que conhece oficiosamente da excepção de caso julgado, é inconstitucional por violação dos n°s 1 e 4 do art. 20° da CRP e dos princípios constitucionais do acesso ao direito, do contraditório e do processo equitativo - cfr., Acs. TC n.° 440/94 e 605/95 (DR, II série, de 1.9.94 e de 15.3.96);

14°. Nas alegações de recurso de apelação o Réu impugnou a matéria de facto constante dos pontos 9, 11 e 12 dos factos dados como provados e, de igual modo, requereu a adição de outros pontos de facto;

15°. Tendo em conta que o Acórdão do Tribunal da Relação proferido em 17 de Março de 2016 (a fls. 408/419 dos autos), ao anular a decisão da 1.a instância, restringiu a repetição do julgamento ao ponto 9 dos factos dados como provados, o Tribunal a quo entendeu que se formou caso julgado relativamente a toda a demais factualidade impugnada e, nessa conformidade, apenas procedeu à reapreciação do referido ponto 9;

16°. Como é sabido, uma decisão diz-se transitada em julgado quando não é susceptível de impugnação, através de recurso ordinário ou de reclamação, sendo que a força de caso julgado, conferindo indiscutibilidade às decisões, pressupõe a sua estabilidade interna - cfr., art. 628° do Cód. Proc. Civil;

17°. O caso julgado forma-se - e só se pode formar - sobre a parte dispositiva de um despacho, sentença ou acórdão, sendo de recusar, em qualquer circunstância, a formação de caso julgado sobre matéria de facto impeditivo da sua impugnação junto do tribunal de recurso, o que, desde logo, sai demonstrado pela possibilidade de revisão, correcção e ampliação oficiosa da matéria de facto pelo Tribunal da 1.a instância, pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça - cfr., art. 607°, n° 4, 621°, 662°, n° 2, al. c), 682°, n° 3, do Cód. Proc. Civil; vd., tb., Anselmo de Castro. Direito Processual Civil Declaratório, vol. Ill, pg. 284, 287-292, Alberto dos Reis. RLJ, ano 85.°, pg. 292, José Osório, RDES, ano VII, pgs. 207-209, J. Rodrigues Bastos. Notas ao Código de Processo Civil, vol. Ill, pgs. 226 e 227, Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora. Manual de Processo Civil, 2.a ed., pgs. 427-429, Assento do STJ de 26.5.94 (BMJ, 437.°, 435), Ac. STJ de 13.12015. Proc. n° 3069/06, Sumários, Jan/2015, pg. 17, Ac. STJ de 4.12.2014 (Proc. n° 102/2000.L1.S1), Ac. STJ de 20.5.86 (BMJ, 357.°-336), Ac. Rel. Coimbra de 18.3.2014 (Proc. n° 3721/11.9TBLRA.C1), Ac. Rel. Lisboa de 18.9.2014 (Proc. n° 1971/08.4TBMFR.L1-6), de 21.10.2014 (Proc. n° 700/13.5TVLSB.L1-1), de 2.6.2015. Proc. n° 1285/13.8YXLSB.L1-7, Ac. Rel. Évora de 15.1.2015 (Proc. n° 1110/13.0T2STC-B.E1);

18°. Sendo que os presente autos são demonstrativos do que acima é dito, pois o Tribunal da Relação de …, ao abrigo do disposto na al. c) do n° 2, do art. 662° do Cód. Proc. Civil, por Acórdão proferido em 17.3.16 (a fls. 408/419 dos autos) anulou a sentença da 1a instância e ordenou oficiosamente a repetição do julgamento;

19°. Anulada que foi aquela sentença, na sequência do uso pela Relação dos seus poderes anulatórios, a mesma deixou de existir na ordem processual, sendo substituída por uma nova sentença proferida pela 1a instância na sequência da reabertura da audiência de julgamento e do novo julgamento por ela efectuado, abrindo-se uma nova instância de recurso que podia ter por objecto, como teve, a impugnação da nova decisão, vista no seu todo e sem qualquer restrição;

20°. Tanto mais que o facto de o Acórdão da Relação de … de 17.3.2016 ter restringido a repetição do julgamento à matéria de facto do quesito 1.° significa apenas que os poderes de cognição do Tribunal de 1 .a instância ficaram limitados a esse ponto de facto, mas não tem - nem pode ter - o alcance de delimitar o âmbito do recurso em matéria de impugnação da matéria de facto que venha a ser interposto, como foi, da nova decisão proferida;

21°. Ao não conhecer da impugnação da matéria de facto (salvo quanto ao ponto 9 dos factos dados como provados) com fundamento em inexistente caso julgado, o Acórdão recorrido procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação do direito, o que deverá conduzir à revogação da decisão proferida;

22°. Sempre e qualquer caso, a posição seguida pelo Tribunal a quo nesta matéria fê-lo incorrer no vício de omissão de pronúncia, que é causa de nulidade, nos termos do art. 615°, n° 1, al. d), do Cód. Proc. Civil - cfr., art. 608.°, n.° 2, do Cód. Proc. Civil.

23°. Nas alegações de recurso submetidas à apreciação do Tribunal a quo no âmbito do recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1a instância, o Recorrente suscitou, entre o mais, a falta de fundamentação da decisão proferida pela 1a instância sobre a matéria de facto por nela não ter disso, designadamente, feita uma apreciação crítica dos meios de prova e da necessidade de ser dado cumprimento ao disposto na al. d), do n° 2 do art. 662° do Cód. Proc. Civil (conclusões 20°, 21°, 22° do recuso de apelação);

24°. Sucede que, no douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão acima sumariada, como lhe cumpria, o que configura nulidade por omissão de pronúncia e convoca a anulação do Acórdão recorrido - cfr., art. 608°, n° 2, e al. d), do n° 1 do art. 615° do Cód. Proc. Civil;

25°. Quando se entenda que o Tribunal a quo ao concluir, sem mais e de pleno, pela inexistência de qualquer vício ou deficiência de fundamentação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 1a instância, se pronunciou sobre a matéria em causa, é patente que aquela decisão padece de absoluta falta de fundamentação, pois dela não constam, minime que seja, os fundamentos de facto e de direito que conduziram o Tribunal a assim concluir, o que convoca a sua nulidade - cfr., art. 154°, n° 1, 607°, n° 3, e 4 e 615°, n° 1, al. b), do Cód. Proc. Civil;

26°. Na decisão sobre a matéria de facto cumpre ao Tribunal proceder a uma análise crítica da prova e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, devendo por referência a cada um dos factos dados como provados e não provados ser específica e concretamente identificados os meios de prova que foram tidos em consideração e que contribuíram para a decisão proferida - cfr., art. 607°, n° 4, do Cód. Proc. Civil) - cfr., Ac. Rel. Porto de 21.9.04, Proc. n° 0453624;

27°. A fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto (fls. 8 e ss da douta sentença de 1a instância) é feita de uma forma genérica, em bloco, nela não tendo sido identificados os concretos meios de prova, ou seja que concretos depoimentos e concretos documentos que foram considerados pelo Tribunal para, por referência a cada um dos factos (mormente daqueles levados à base instrutória e constantes dos pontos 9 a 13 dos factos provados), os dar como provados ou não provados;

28°. Do exposto segue-se, em conclusão, que a decisão proferida sobre a matéria de facto carece da devida fundamentação, pelo que, nos termos da al. d) do n.° 2 do art. 662° do Cód. Proc. Civil, cumpria ao Tribunal a quo ordenar a baixa do processo à 1a instância para que aquele Tribunal a fundamentasse devidamente - Ac. STJ de 9.5.07, Proc. n° 075363;

29°. O Supremo Tribunal de Justiça pode censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe estão carregados nos termos do disposto no art. 662°, n° 2, al. d) do Cód. Proc. Civil, pelo que deverá a decisão em causa ser revogada, e verificada a falta de fundamentação da decisão proferida pela 1a instância sobre a matéria de facto, ordenar-se a baixa do processo à Relação para que esta, por sua vez, dê cumprimento ao disposto no art. 662°, n° 2, al. d) do Cód. Proc. Civil - cfr., art. 674°, n° 1, als, b) e c) do Cód. Proc. Civil;

30°. A alteração que o legislador promoveu na redacção dos normativos atinentes à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação - vd., designadamente a redacção do anterior art. 712° e do actual art. 662° do Cód. Proc. Civil - aponta, decisivamente, no sentido de dever existir, efectivamente, um duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, devendo a Relação assumir-se como um verdadeiro tribunal de instância, podendo-devendo, mesmo oficiosamente, entre o mais, ordenar renovação da produção da prova, ordenar a produção de novos meios de prova e anular a decisão proferida na 1.a instância - cfr., Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4a ed., pg., 274, Ac. Rel. Porto de 29.09.03, Proc. n° 354108, Ac. STJ de 13.4.11, Proc. n° 1724/04.9TBBCL.G1.S1;

31°. O Tribunal da Relação é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação, desde logo com base numa valoração autónoma (e sem qualquer restrição) dos meios de prova constantes dos autos, os quais deve analisar e ponderar criticamente, ouvindo, designadamente, a prova gravada e formando a sua própria convicção que deve ser devidamente fundamentada - Ac. STJ de 10.1.12, Proc. n.° 1452/04.5TVPRT.P1.S1; no mesmo sentido, vd., Ac. STJ de 3.11.09, Proc. 3931/03.2TVPRT.S1, Ac. STJ de 24.9.13, Proc. n° 1965/04, Ac. STJ de 7.6.05. Proc. n.° 3811/05, da 1a Secção;

32°. A valoração crítica dos diferentes meios de prova produzidos no processo e uma apreciação autónoma e conjugada dos mesmos, de modo a estabelecer (e a justificar) a sua própria convicção sobre cada um deles e sobre cada um dos factos em equação nos autos, constituem tarefas imprescindíveis que a Relação está adstrita a realizar para, desse modo, levar a cabo o julgamento da matéria de facto que lhe está, por força da lei, confiado;

33°. Sendo que o julgamento da matéria de facto a fazer pela Relação tem a mesma amplitude que o julgamento de 1a instância podendo o Supremo censurar o não uso pela Relação do poder de ordenar a renovação da prova - Ac. STJ de 5.1.16, Proc. n° 36/09.6TBLMG.C1.S1, Ac. STJ de 28.5.09, Proc. n° 4303/05.0TBTVD.S1, Amâncio Ferreira. Manual dos Recursos em Processo Civil, 7a ed., pg. 228; Miguel Teixeira de Sousa, CDP 44, pg. 33, 34;

34°. No que respeita à prova testemunhal há que interpretar o depoimento das testemunhas fixando o que por elas foi dito, para, num segundo momento, proceder à sua valoração;

35°. O Recorrente identificou nas alegações de recurso de apelação, os concretos pontos de facto que, no seu entender, mereceriam resposta distinta daquela dada pelo Tribunal de 1a instância bem como concretizou os elementos de prova que considerava conduzir àquela alteração, designadamente por referência ao quesito 1° e ao facto provado 9 e indicaram o sentido em que o facto em causa deveria ser atendido nos autos;

36°. À luz da decisão proferida sobre a impugnação da matéria de facto constante do douto Acórdão recorrido é manifesto que o Tribunal a quo não procedeu a qualquer apreciação crítica dos diferentes meios de prova existentes nos autos, mormente daqueles indicados pelo Recorrente como suporte da pretendida alteração da matéria de facto dada como provada pela 1a instância;

37°. Em relação à prova testemunhal, fica sem se perceber, porque nada é dito a propósito, qual a valoração efectuada pelo Tribunal por referência aos depoimentos prestados por cada uma das pessoas inquiridas nos autos não sendo feita nenhuma referência aos depoimentos testemunhais invocados pelo Recorrente como suporte da pretendida alteração da matéria de facto, o que, além do mais, configura omissão de pronúncia e convoca a nulidade da decisão proferida - cfr., art. 608°, n° 2, 615°, n° 1, al. d) e n° 4, do Cód. Proc. Civil;

38°. Não tendo o Tribunal a quo feito uma efectiva, aturada e completa reponderação da prova, não tendo expressado, como devia, a sua própria convicção, através da análise de todos os depoimentos e demais elementos de prova constantes dos autos (testemunhal e documental), seguida da ponderação do valor probatório de cada um para concluir, fundadamente, pela existência ou inexistência de erro de julgamento da matéria de facto, não deu o adequado cumprimento ao disposto no art. 662°, n°s 1 e 2 do Cód. Proc. Civil - cfr., art. 666°, n° 1, 615°, n° 1 al. b) e d), 608°, n° 2, 607°, 4 e 5, 195°, n° 1 do Cód. Proc. Civil; Ac. STJ de 28.5.09. Proc. n°4303/05.0TBTVD.S1;

39°. Violando o direito do Recorrente ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o Tribunal a quo cometeu, assim, uma nulidade, com inegável relevância na sorte da causa, que impõe a anulação do Acórdão proferido - cfr., art. 195°, n° 1, 640°, n° 1 e 2, 662°, n° 1, 2 e 3, do Cód. Proc. Civil;

40°. Cabendo ao STJ apurar se a Relação usou os poderes-deveres que lhe estão carregados de modificação da matéria de facto de acordo com o que está prescrito na Lei, verificado esse incumprimento deve promover a anulação do Acórdão proferido e ordenar a sua baixa à Relação para que aí se proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada, o que se impõe nos presentes autos e, desde já, se requer- cfr., art. 674°, n° 1, al., b) e c) do Cód. Proc. Civil;

41°. Do cotejo das alíneas a), c) e d) do segmento decisório da sentença de 1a instância é manifesta uma insanável contradição lógica, pois começa por absolver a Ré mulher de todos os pedidos, para, depois, acabar por condená-la, de forma paradoxal e contraditória;

42°. Com efeito, é absolutamente inconciliável e incompatível absolver-se a Ré Teresa de todos os pedidos formulados pela A. (onde se inclui, necessariamente, a pretensão de declaração de ineficácia da escritura de compra e venda de 23 de Fevereiro de 2012, na parte relativa aos bens comuns do casal constituído pelos RR. Luís e Teresa) e, simultaneamente, julgar-se ineficaz quer a venda dos "imóveis descritos no ponto 2) da fundamentação de facto, neles incluídos, portanto, os bens comuns do casal, identificados nas alíneas d), f), g), h), i), j), m), o), p), q) e r) desse ponto 2, quer, para a hipótese de insuficiência dos bens próprios do Réu marido (os prédios identificados nas als. a) a c), e), k) e I) do ponto 2 da matéria de facto), para a satisfação integral do crédito exequendo, o direito de a Autora penhorar no património da Ré Júnias os bens comuns do casal (e, portanto, também da ré mulher);

43°. Ao ter decidido no sentido expresso na anterior conclusão, o tribunal a quo não se limitou a declarar ineficaz a venda dos bens próprios do Réu marido à sociedade; antes estendeu a ineficácia à transmissão dos bens comuns, apesar de ter absolvido a Ré mulher de todos os pedidos, com base no expresso reconhecimento de que ela (Ré mulher) não é "devedora nem executada", "e não constando que tivesse sido alegada a comunicabilidade da dívida";

44°. Tendo sido a Ré mulher totalmente absolvida, não pode vir, a final, ser condenada a reconhecer a ineficácia da transmissão dos bens de que é titular em comum com o Réu marido;

45°. Dado o conteúdo contraditório e inconciliável da sentença recorrida, está ferida de vício de nulidade absoluta (Alberto dos Reis, CPC Anot., vol. V, ed. de 1984, pg. 122); se assim não se entender, o que não se concede, verifica-se o fundamento de anulação da sentença previsto na al. c) (2.a parte) do n.° 1 do art. 615.° do Cód. Proc. Civil;

46°. O Acórdão recorrido, ao não reconhecer tal nulidade incorre em manifesto vício de violação da lei adjectiva, impondo-se a sua anulação;

47°. Na impugnação pauliana, o acto impugnado não enferma de qualquer vício de constituição, pois reúne todos os elementos gerais do negócio jurídico, sendo, em principio, válido e eficaz; daí que só possa ser sacrificado em nome do conflito de interesses entre o devedor e o terceiro, de um lado, e o credor, do outro, dando a lei preferência à protecção deste último (Paulo Cunha, Da garantia nas obrigações: Apontamentos das aulas de Direito Civil do 5.° ano da FDUL, tomo I, pgs. 349-350; Pires de Lima e Antunes Varela. CC Anot, vol. I, 4a ed., pg. 627, Acs. STJ de 26.2.98 e de 15.2.2000, in, respectivamente, CJ, STJ, ano 6, t.1, p. 100 e CJ, STJ, ano 8, t.1, pg. 91; na doutrina, vide, para além dos autores acima citados, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, AAFDL, 1986, pg. 492 e ss; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 2.a ed. 299 e ss, e Carvalho Fernandes. O regime registral da impugnação pauliana, em Estudos de Homenagem à Prof. Dra. Isabel Magalhães Colaço, vol. II, pgs. 25-47);

48°. Decorre do disposto no art. 616.°, n.° 1, do Cód. Civil (e, em simetria lógica, do art. 818.° do Cód. Civil), que apesar de a transmissão lhe ser oponível, pode o credor executar o património do terceiro adquirente, razão por que, no conflito entre a posição jurídica do credor e a do terceiro, a lei faz prevalecer o interesse do primeiro, desde que estejam verificados os pressupostos da impugnação, podendo ser executado o património do terceiro para satisfação de uma obrigação do devedor;

49°. E, uma vez que a transmissão vale contra o credor impugnante, a lei não lhe confere o direito a pedir a restituição do bem transmitido ao património do devedor; se o bem pertence ao terceiro, se o título de transmissão é válido e, como tal, oponível ao credor, este apenas tem direito à pretensão de execução do bem no património do terceiro;

50°. Dessa sorte, na pendência da execução será realizada a penhora do bem integrado no património do terceiro adquirente e é este acto que conferirá uma posição privilegiada ao credor impugnante; através da execução, o credor impugnante, entretanto credor exequente, adquire o direito de ser pago com prioridade sobre quem não tenha preferência melhor pelo produto da venda do bem transmitido;

51°. Daqui segue-se que não há, uma acção executiva autónoma: a pretensão à execução de um bem directamente no património do terceiro, ao abrigo do art. 818.° do Cód. Civil, legitima a penhora; aquela pretensão permite atingir bens na execução que não pertencem ao devedor;

52°. Assim, julgada procedente a impugnação pauliana, o credor fica munido de título que lhe permite executar directamente o património do terceiro (art. 735.°, n.° 2, do Cód. Proc. Civil), podendo a penhora atingir o bem transmitido pelo acto impugnado (cfr., Ac. STJ de 6.1.00);

53°. Uma vez que o direito de propriedade dos imóveis foi validamente transmitido para a sociedade compradora (a 2.a Ré), não retorna ao património do vendedor (o 1° Réu marido), pelo que o pedido a dirigir ao Tribunal pela Autora devia ser - e só podia ser - o da permissão de executar os bens transmitidos, no património da 2.a Ré, no qual validamente ingressaram;

54°. Porém, a Autora peticionou que os bens objecto da transmissão impugnada fossem restituídos ao património do 1.° R, para aí serem executados, o que revela uma manifesta desconformidade entre o pedido e o direito substantivo aplicável, vício que determina a improcedência da acção;

55°. Perante o apontado vício do pedido formulado pela Autora, estava vedado ao Tribunal de 1a instância alterar qualitativamente tal pedido, corrigindo-o e adequando-o materialmente, conforme dispôs na al. d) da sentença (permitiu que esses bens possam ser penhorados no património da 2.a Ré), ultrapassando, assim, os limites decisórios a que estava vinculado - cfr., art. 3°, n° 1, e 552.°, n.° 1, al. a), do Cód. Proc. Civil;

56°. Na verdade, tendo a Autora pedido indevidamente que os bens fossem restituídos ao património do 1.° Réu marido para aí serem executados, a sentença de 1a instância veio a decidir diferentemente no sentido de ser a 2.a Ré a obrigada à restituição e, nessa conformidade, poderem os bens ingressados no seu (dela, 2.a Ré) património ser penhorados na execução instaurada contra o 1.° Réu marido, o que é material e substancialmente distinto do peticionado;

57°. Ao convolar o pedido formulado pela Autora, por forma a afeiçoá-lo ao Direito material aplicável, o Tribunal de 1a instância não se limitou a alterar a qualificação jurídica do pedido; foi muito além disso, alterando a qualidade e estrutura do próprio pedido;

58°. Mesmo quando se admita que se inscrevia nos poderes das instâncias a possibilidade de prolatarem a decisão proferida nos presentes autos, ainda assim era mister, em momento prévio àquela decisão e em obediência aos princípios da cooperação, do contraditório, da igualdade e do dispositivo, notificar as partes da sua intenção de assim proceder, de modo a permitir-lhes pronunciar-se sobre essa intenção e sobre ela apresentarem o seu argumentário de defesa, o que, in casu, não sucedeu - cfr., neste sentido, Miguel Mesquita, RLJ 143, (pgs. 140, 141, 146, 147, 148, 150);

59°. A intervenção do Tribunal de 1a instância para corrigir o pedido formulado pela A., no circunstancialismo fáctico-jurídico que rodeia a situação que foi chamado a decidir, não é razoável nem útil nem, menos ainda respeita o princípio da justiça, sendo certo que acarreta para os demandados sacrifícios exagerados e desproporcionados;

60°. Desde logo, a demonstrar a perversão e a violência da solução pugnada pelo Tribunal a quo (a inexistência da nulidade por excesso de pronúncia e a consequente manutenção da condenação da al. d) constante do segmento decisório da sentença de 1a instância), faça-se notar que, quer de um ponto de vista jurídico, quer de um ponto de vista material, são distintas (bem distintas) as consequências decorrentes da procedência dos pedidos trazidos aos autos pela A., tal como por ela foram expressamente formulados in fine da petição inicial (reingresso dos bens no patrimónios dos 1°s RR e direito da Ré mulher de exercer a prerrogativa prevista no art. 740° do Cód. Proc. Civil), e aquelas outras emergentes da decisão proferida nos presentes autos e sufragada no Acórdão recorrido (execução dos bens no património da 2a Ré com a responsabilização dos 1° RR pelos prejuízos causados);

61°. Para lá de que, na sequência da decisão proferida alargou-se o âmbito da garantia patrimonial do crédito da A. e diminuíram as possibilidades de defesa do património constituído pelos bens comuns do casal;

62°. Desrespeitados que foram pelo Tribunal de 1a instância os limites materiais da concreta pretensão deduzida pela Autora (art. 609°, n° 1, do Cód. Proc. Civil), violando os princípios do dispositivo e do contraditório (art. 3.° do Cód. Proc. Civil), houve excesso de pronúncia gerador de vício de nulidade daquela sentença (art. 615.°, n.° 1, als. d) e e), do Cód. Proc. Civil);

63°. O Acórdão recorrido, ao não reconhecer tal nulidade incorre em manifesto vício de violação da lei adjectiva, o que impõe a sua anulação;

64°. A interpretação das normas conjugadas dos arts. 616°, n.° 1, do Cód. Civil e do 609°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil, feitas, quer na decisão da 1a instância, quer no Acórdão recorrido, no sentido de permitirem que uma decisão jurisdicional condene em objecto qualitativamente diferente do pedido formulado, é inconstitucional por violação do art. 20° do CRP;

65°. É incontroverso, e incontornável, que os requisitos da acção pauliana devem verificar-se em relação a todos os intervenientes no acto impugnado, pelo que, quando, como alienantes, surjam cônjuges em comunhão, os requisitos da pauliana têm de verificar-se relativamente a ambos;

66°. No caso sub judice a impugnação abrange bens que, antes de transmitidos, integravam o património comum do casal dos 1 .°s Réus, sendo certo que devedor é apenas um dos cônjuges, como de resto, resulta da sentença recorrida:"(...) apenas os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Lanhoso sob os n.°s 94, 104, 93, 102, 100, 101, 117 e 96 respondem pela dívida que é da responsabilidade exclusiva do primeiro Réu, nos termos dos artigos 601.° 1692.°, al. a) e 1696°, n.° 1 do Código Civil, por serem bens próprios (...) Os restantes na medida em que, tratando-se de bens que integram o património comum do casal, não sendo a Ré mulher devedora, nem executada e não constando que tivesse sido alegada a comunicabilidade da dívida..."- sic.

67°. Os bens imóveis próprios do Réu marido e os bens comuns do casal foram transmitidos por um acto único (a escritura de compra e venda de fls. ...), que, como tal, constitui um título incindível;

68°. Ora, sendo a Autora tão-somente credora do Réu marido, apenas quanto a esse cônjuge se podem verificar os requisitos da impugnação pauliana; dessa sorte, não podendo concretizar-se os pressupostos da impugnação face ao cônjuge que não é devedor (a Ré mulher), a pauliana está excluída;

69°. O acto de transmissão a terceiro de bens que integravam o património comum do casal determina a perda essa qualidade, pelo que deixou de ser possível falar-se em partilha do património do casal transmitente a fim de verificar a qual dos cônjuges é aformalado o(s) bem(ns) transmitido(s);

70°. Se, como no caso que nos ocupa, um dos cônjuges não é devedor, há que ter em conta o regime do art. 1696.°, n.° 1, do Cód. Civil e, nessa conformidade, a acção pauliana não pode proceder se não for dissolvido o casamento ou enquanto não for decretada a separação judicial de bens (cfr., neste sentido, Menezes Cordeiro, ROA, ano 51.° (1991), t.2, pg. 560), sob pena de se penalizar o cônjuge não devedor por um acto do cônjuge devedor, em termos que a lei não consente;

71°. Não sendo possível provocar a partilha de bens de modo a que apenas se atinjam bens que saíram do património do cônjuge devedor para o património de um terceiro, impõe-se a conclusão da inadmissibilidade da impugnação pauliana;

72°. Por outro lado, admitir-se a impugnação pauliana no âmbito de uma transmissão de bens comuns do casal por dívida da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges é aceitar-se, por um lado, um benefício manifestamente excessivo, desproporcionado e injustificado para o credor (que, sem justificação, vê alargadas as garantias do seu crédito) e, por outro lado, uma penalização também ela manifestante excessiva, desproporcionada e injustificada para o cônjuge não devedor (que, sem justificação, fica sem possibilidades de defender o seu património e de, designadamente, lançar mão do art. 740° do Cód. Proc. Civil, para lá de ainda ter que indemnizar o terceiro adquirente);

73°. Sendo absolutamente incoerente e desproporcionado, conferir-se mais direitos ao credor e menos direitos ao cônjuge do devedor no âmbito de uma impugnação pauliana do que aqueles que teriam caso os bens não tivessem sido alienados e permanecessem na esfera jurídica do devedor;

74°. A interpretação feita dos arts. 610°, 612° e 616°, n° 1, 1696°, n° 1 e 1697°, n° 1 e n° 2 do Cód. Civil, no douto Acórdão recorrido (e também na sentença de 1a instância) no sentido de que os requisitos de uma acção pauliana, intentada na sequência da transmissão para um terceiro de um bem comum do casal onde apenas um dos cônjuges é devedor, não têm que se verificar em relação aos dois cônjuges intervenientes no acto impugnado, consubstancia, pelos motivos acima expressos, uma violação grosseira dos princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos e consagrados nos arts. 2°, 13°, n° 1,18°, n° 2, e 20°, n° 4 da CRP;

75°. O art. 1697°, n° 2, do Cód. Civil não pode, em caso algum, servir de suporte e legitimação à instauração, prosseguimento e procedência de uma acção pauliana onde esteja em causa a transmissão de bens comuns de um casal e onde os requisitos da pauliana (mormente a existência da dívida) apenas se verifiquem em relação a um dos cônjuges, porquanto a partir do momento em que o bem é transmitido a um terceiro deixa de relevar a qualidade (de bem comum) que este tinha antes da transmissão e, como tal, não há que o considerar nos termos e para os efeitos deste normativo;

76°. A Acção pauliana comporta um desvio significativo aos princípios da autonomia privada e da responsabilidade patrimonial, pelo que tem natureza excepcional; nessa medida, não pode ser estendida para além do que a lei estritamente prevê;

77°. No douto Acórdão recorrido violaram-se as disposições legais supra enunciadas

Termos em que, na procedência dos fundamentos da alegação, deverá o recurso ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências».


10. A autora, respondeu, terminando as suas contra alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1.O Réu BB veio interpor recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, o qual julgou improcedente o recurso de apelação e confirmou a Sentença proferida pelo tribunal de primeira instância que julgou a ação parcialmente provada e procedente e, em consequência, declarou ineficaz, em relação à Autora AA, S.A., a venda formalizada por escritura pública de 23 de fevereiro de 2012.

2. Salvo o devido respeito, que é muito, entende a Autora AA, S.A.. que o recurso interposto pelo Réu BB carece de fundamento, porquanto o Tribunal a quo, no que diz respeito às questões suscitadas pelo mesmo no respetivo recurso, decidiu corretamente a matéria de facto e de direito sujeita a apreciação.

3. O Recorrente BB invoca que o Tribunal a quo não se encontra em condições de proceder a uma efetiva reapreciação da matéria de facto face ao registo impercetível do depoimento da testemunha HH.

4. O Recorrente arguiu perante o tribunal de primeira instância a nulidade decorrente das deficiências detetadas na gravação áudio do depoimento da testemunha HH, tendo o referido tribunal entendido que a arguição era extemporânea, o qual foi objeto de recurso, sendo que o Tribunal da Relação a quo proferiu acórdão, datado de 19 de dezembro de 2017, a conceder provimento ao recurso interposto, julgando a arguição de nulidade tempestiva.

5. O Tribunal da Relação não julgou procedente a arguição de nulidade, mas apenas julgou tempestiva a arguição de nulidade, pelo que compete ao tribunal de primeira instância conhecer da verificação ou não da nulidade arguida, sendo que o mesmo ainda não se pronunciou quanto à verificação ou não da nulidade arguida.

6. Independentemente da existência ou não da referida nulidade, a eventual procedência da mesma não terá quaisquer efeitos porquanto a matéria de facto já foi aceite e fixada com a primeira sentença proferida em abril de 2015.

7. O Tribunal de primeira instância já havia proferido sentença em abril de 2015, tendo sido interposto recurso pelo Recorrente BB relativamente à matéria de facto do quesito 1.°, com correspondência ao facto provado n.° 9, nomeadamente quanto à menção "todos".

8. Por Acórdão proferido a 16 de março de 2016, o Douto Tribunal da Relação entendeu que o tribunal de primeira instância não havia dado resposta integral ao ponto 9 da matéria de facto, nomeadamente quanto às partes que tiveram intenção de evitar a penhora dos bens transmitidos, tendo sido ordenado que fosse dada resposta integral ao quesito, mas ficou ressalvado "em tudo o mais, o julgamento da matéria de facto já realizado, designadamente a demais factualidade já respondida e fixada".

9. O Acórdão recorrido restringiu-se tão só à matéria de facto do quesito 1.°, com correspondência ao facto provado n.° 9, ressalvando-se a demais factualidade já respondida e fixada, nomeadamente os factos provados n.° 11 e 12, segundo os quais "o primeiro réu sabia que com a outorga da escritura identificada em 2) dificultava a cobrança do montante peticionado na execução n.° 534/11.1TBPVL pela Autora" e "a Ré sociedade sabia que o primeiro réu tinha a dívida identificada em 5) e que ao adquirir os imóveis, o que fez por valor inferior ao praticado no mercado imobiliário, prejudicava a cobrança pela Autora".

10. Face à factualidade dada como provada sob os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11 e 12, o Tribunal a quo entendeu que a resposta ao quesito 1.° da BI tinha de ser necessariamente aquela dada pelo Tribunal de Primeira Instância, ou seja, dar como provado que "com o negócio referido em 2) os Réus BB e DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda. " tiveram por objetivo evitar a penhora desses imóveis na execução identificada em 5)".

11. Se assim não fosse, teríamos factos provados contraditórios entre si, pelo que, na senda do Tribunal recorrido, era irrelevante para a apreciação do ponto n.° 9 quaisquer juízos decorrentes da prova testemunhal, revelando-se esta insuscetível de contrariar o juízo valorativo probatório decorrente dos factos já provados e fixados.

12. O Recorrente BB invoca que o Acórdão recorrido é nulo porquanto contém uma decisão surpresa que consistiu em não conhecer do objeto da impugnação da matéria de facto com base no conhecimento oficioso da figura do caso julgado.

13. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, o Acórdão recorrido não comtempla qualquer decisão surpresa, uma vez que o Tribunal da Relação já se tinha pronunciado quanto ao caso julgado da matéria de facto na decisão anterior.

14. No Acórdão proferido a 16 de março de 2016 pode ler-se que "acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em anular a sentença recorrida, determinando-se que o M° Juiz "a quo" profira resposta integral, à matéria de facto do quesito 1o, nos termos supra indicados, relativamente à menção "todos" de tal artigo constante, procedendo o M° Juiz julgador à indicada resposta, de forma crítica e fundamentada, com base na prova já produzida nos autos, em estrita obediência, de forma e conteúdo, dos preceitos aplicáveis, designadamente do n.° 4 do artigo 607." do Código de Processo Civil, ressalvando-se, em tudo o mais, o julgamento da matéria de facto já realizado, designadamente a demais factualidade já respondida e fixada; mais resultando prejudicado, por ora, o conhecimento da apelação".

15. Em março de 2016, o Recorrente BB teve conhecimento que somente o quesito 1.° da BI, correspondente ao facto provado n.° 9, seria objeto de alteração pelo tribunal de primeira instância, ficando definitivamente fixada a demais factualidade provada, pelo que, desde março de 2016, que o Recorrente BB sabe que a factualidade provada nos pontos 1 a 8 e 10 a 13 estava definitivamente fixada, sem possibilidade de alteração posterior, pelo que não pode o mesmo invocar que a decisão recorrida não era previsível quanto à figura do caso julgado relativamente à matéria de facto provada.

16. As decisões surpresa consistem em decisões tomadas pelo tribunal com recurso a fundamentos que não tenham sido considerados previamente pelas partes, não lhes tendo sido dada a oportunidade de se pronunciarem sobre os mesmos.

17. O Recorrente BB sabe, desde março de 2016, que a decisão quanto à matéria de facto provada nos pontos 1 a 8 e 10 a 13 estava definitivamente aceite e fixada, pelo que o mesmo não pode invocar que não era expectável que o Tribunal recorrido não conhecesse da impugnação da matéria de facto com fundamento na figura do caso julgado.

18. O Recorrente BB entende que não se pode associar a figura do caso julgado ao julgamento da matéria de facto, uma vez que o caso julgado apenas tem por objeto a parte dispositiva de um despacho, sentença ou acórdão, não ocorrendo a formação de caso julgado sobre a matéria de facto.

19. O instituto do caso julgado visa conceder a segurança e certeza necessárias às decisões dos tribunais, para que se possam impor com a obrigatoriedade e prevalência constitucionalmente previstas, pelo que, através da figura do caso julgado visa-se a salvaguarda da segurança jurídica, uma vez que se define e resolve, de forma definitiva, os conflitos/contendas trazidos ao tribunal.

20. A força do caso julgado não abrange apenas a decisão, mas naturalmente todos os fundamentos que funcionam como pressupostos necessários da decisão final, ou seja, todos os fundamentos lógico-jurídicos indispensáveis à decisão final, sendo que esta é a que resulta da conclusão de vários pressupostos de facto e de direito, pelo que o caso julgado atinge necessariamente esses fundamentos enquanto pressupostos da decisão final.

21. "A força do caso julgado abrange não só as questões diretamente decididas na parte dispositiva da decisão, mas, outrossim, as preliminares que, decididas expressamente na fundamentação da sentença, constituem antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado'' - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de março de 2006.

22. O caso julgado não abrange apenas a parte dispositiva da sentença, mas também os respetivos fundamentos necessários à prolação da decisão final que podem assentar em fundamentos de facto ou direito, sendo que os pontos 9, 11 e 12 da matéria de facto provada são fundamentais e necessários para a prolação da decisão final, uma vez que contendem com os pressupostos para a procedência da ação de impugnação pauliana, pelo que estão abrangidos pela força do caso julgado, sob pena de a segurança jurídica da decisão final tomada pelo tribunal de primeira instância ficar largamente fragilizada.

23. A falta de caracter de definitividade da matéria de facto e a possibilidade de correção pelos tribunais superiores pressupõe necessariamente o recurso da matéria de facto, sendo que o Recorrente BB aceitou a matéria de facto, com a exceção do ponto 9.

24. A decisão proferida em abril de 2015 foi objeto de recurso, mas apenas quanto ao ponto 9 da matéria de facto provada, tendo o tribunal da relação, em março de 2016, ressalvado toda a demais factualidade já fixada, sendo que o Recorrente BB não apresentou recurso de revista do referido acórdão, pelo que aceitou a ressalva feita da factualidade já fixada constante dos pontos 11 e 12 da matéria de facto provada.

25. Em março de 2016, o Tribunal da Relação não ordenou a repetição do julgamento, mas determinou que o Tribunal de primeira instância desse reposta integral à matéria de facto do quesito 1.° "com base na prova já produzida nos autos", pelo que não foi produzida nova prova, testemunhal ou documental, mas foi determinado que o tribunal de primeira instância desse resposta a um dos quesitos, mas com base na prova já produzida.

26. A determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passa pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente quanto aos respetivos fundamentos que se apresentam como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.

27. O Recorrente BB invoca a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, considerando que o Tribunal a quo limitou-se a concluir que inexistia qualquer deficiência de fundamentação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância.

28. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as nulidades invocadas pelo Recorrente BB, no respetivo recurso de apelação, razão pela qual deverá improceder a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

29. O Recorrente BB entende que o Tribunal a quo não fundamentou devidamente a decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que não foram identificados os concretos meios de prova que foram considerados pelo tribunal para a decisão.

30. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto encontra-se devidamente fundamentada, razão pela qual deve improceder o recurso do Recorrente BB.

31. O único facto sujeito a apreciação do Douto Tribunal a quo é o quesito 1.° da BI, correspondente ao ponto de facto n.° 9, segundo o qual "com o negócio referido em 2) os Réus BB e DD — Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda., tiveram por objetivo evitar a penhora desses imóveis na execução identificada em 5)".

32. Para análise do referido facto, o Douto Tribunal a quo teve em particular conta os demais factos assentes "de especial e determinante relevância na apreciação da resposta em análise", uma vez que, face à factualidade provada sob os pontos de facto n.° 1 a 7, 10, 11 e 12, era manifesto dar como necessariamente provado o ponto 9 da matéria de facto.

33. O Douto Tribunal a quo entendeu que os factos já provados nos referidos pontos determinam necessariamente que se dê como provado o ponto 9, sendo irrelevantes para a apreciação da matéria quaisquer juízos decorrentes da prova testemunhal produzida.

36. Encontra-se provado nos presentes autos que o Réu BB procedeu à transmissão dos bens imóveis no decurso da ação executiva instaurada pela Autora e que o mesmo sabia que a respetiva escritura dificultava a cobrança do montante peticionado na referida ação executiva. Por sua vez, encontra-se também provado que a adquirente DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda. sabia que, ao adquirir os bens imóveis, e por um preço inferior ao de mercado, prejudicada a cobrança pela Autora AA, S.A..

37.Tendo em conta os factos dados como provados e definitivamente fixados, era necessário e consequente dar como provado que ambos os Réus BB e DD, Lda., através da escritura impugnada, pretenderam evitar a penhora dos bens transmitidos na execução instaurada pela Autora AA, S.A..

38. O Douto Tribunal a quo deu o referido facto como provado considerando a "previsibilidade factual do quesito, tratando-se de prova por presunção judicial, e, ainda de avaliação de prova relativa a facto subjetivo ou de foro interno decorrente das regras de experiência comum, nos termos decorrentes dos demais factos provados supra assinalados, destes decorrendo como consequência lógica e por demais evidente", pelo que o mesmo justificou devidamente a sua decisão sobre a matéria de facto, não tendo de invocar a prova testemunhal produzida nos autos, uma vez que a considerou irrelevante face à demais factualidade provada.

39. O Recorrente BB invoca que o Tribunal a quo não procedeu a uma apreciação crítica dos diferentes meios de prova existentes nos autos, pelo que incumpriu os poderes-deveres que lhe estão confinados para a modificação da matéria de facto provada, e como tal, requer que o Supremo Tribunal de justiça ordene a baixa do processo à Relação para que aí se proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada.

40. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, não há que fazer qualquer outra reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que o Douto Tribunal a quo pronunciou-se sobre a mesma e fundamentou devidamente a sua decisão.

41. O Tribunal a quo considerou irrelevante para a apreciação do ponto 9 da matéria de facto os juízos decorrentes da prova testemunhal, uma vez que não é logicamente possível

42. Os pontos 1 a 8 e 10 a 12 provam a factualidade inserta no ponto 9 dos factos provados, independentemente de qualquer prova testemunhal produzida, tratando-se de uma prova por presunção judicial, sendo que, nos termos dos artigos 349.° e 351.° do CPC, o juiz pode, com base em facto conhecido e nas regras da experiência comum, juízos de probabilidade e lógica, presumir a existência de um facto desconhecido.

43. O Douto Tribunal a quo não tem de se pronunciar sobre a prova testemunhal só porque a mesma foi invocada nas alegações de recurso pelo Recorrente BB, em especial quando existe uma presunção judicial que determina a prova de um determinado facto.

44. No recurso de apelação, o réu BB arguiu a nulidade da sentença com fundamento numa insanável contradição no dispositivo da sentença entre o comando da al. a), que absolve a Ré CC, e o comando das als. c) e d), que admite a penhora dos bens imóveis transmitidos à sociedade ré.

45. O douto Tribunal a quo entendeu que não se verifica a invocada nulidade uma vez que a decisão proferida é apenas da absolvição da Ré mulher e os fundamentos expostos pelo Recorrente se reportam ao mérito da causa e a invocação de erro de julgamento, a conhecer em sede própria.

46. O facto de a ré mulher CC ter sido absolvida dos pedidos formulados pela Autora não impede que se possa requerer e proceder à penhora dos bens imóveis transmitidos à sociedade ré, pois que, a Ré mulher CC foi absolvida de todos os pedidos contra ela formulados pela Autora AA, S.A., o que significa que, quanto àquela, tudo se passa como se os bens imóveis tivessem sido transmitidos à sociedade ré e, como tal, nenhuma relação jurídica existe daquela sobre os referidos bens imóveis.

47. Relativamente à Ré CC tudo decorre como se não tivesse sido instaurada a presente ação e, como tal, a mesma procedeu à venda dos 18 bens imóveis à sociedade ré DD, Lda., sendo esta a atual proprietária dos bens imóveis em causa.

48. A Ré CC não é mais proprietária dos bens imóveis em causa, razão pela qual não se ofende qualquer tipo de direito quando o Tribunal a quo admite a possibilidade de se proceder à penhora dos bens imóveis em nome da sociedade ré DD, Lda.

49. No caso de um bem comum ter sido transmitido e vier a ser imputado à realização coativa de uma dívida de só um dos cônjuges, o valor do bem que saiu do património comum é levado a crédito do património comum, podendo o cônjuge não devedor reconstituir a sua parte à custa do crédito relacionado.

50. Nas suas alegações de revista, o Réu BB voltou a arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira instância, nos termos do artigo 615.°, n.° 1, al. e) do CPC, por entender que o Tribunal condenou os Réus em sentido diverso do peticionado.

51. O Douto Tribunal a quo entendeu que, não obstante o juiz não possa condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação.

52. A Autora AA, S.A. instaurou a presente ação tendo-a intitulado de ação declarativa de impugnação pauliana nos termos dos artigos 610.° e seguintes do Código Civil, tendo peticionado que a sociedade ré fosse condenada a restituir os bens imóveis transmitidos ao património dos seus anteriores proprietários a fim de se proceder à respetiva penhora em execução.

53. O Douto Tribunal de primeira instância decidiu declarar ineficaz, relativamente à Autora, a venda realizada por escritura de 23 de fevereiro de 2012 e, como tal, declarou que a Autora podia penhorar no património da Ré DD, Lda. os bens imóveis objeto da referida escritura.

54. O artigo 615.°, n.° 1, al e) do CPC, embora vede ao juiz a alteração qualitativa da pretensões das partes, impõe ao juiz que interprete o pedido, tendo em vista as finalidades do autor e o objeto processual que, durante todo o iter decorrido, foi concretamente percebido e entendido pelos litigantes - Acórdão do Tribunal da Relação de … de 17 de novembro de 2004.

55. Nos presentes autos estamos perante uma ação de impugnação pauliana nos termos dos artigos 610.° e seguintes do Código Civil, tendo sido sempre assim aferido por todas as partes processuais, sendo que, nos termos do n.° 1 do artigo 616.° do CC, julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executa-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

56. O Douto Tribunal de primeira instância interpretou o pedido da Autora, as suas finalidades e o objeto processual que foi entendido por todas as partes processuais, tendo aplicado, a final, a consequência legal da procedência da ação pauliana.

57. Não se pode considerar que exista uma condenação em objeto diferente do peticionado, uma vez que sempre estivemos perante uma ação paulina cujas finalidades se encontram previstas no artigo 616.° do CC, não estando o juiz obrigado a condenar estritamente no sentido do peticionado.

58. O Tribunal a quo entendeu igualmente que o pedido inclui-se no âmbito do objeto de litígio fixado de acordo com a causa de pedir e pedidos formulados na petição inicial, contendo-se a condenação na previsibilidade das normas aplicáveis, ou seja, do disposto no referido artigo 616.° do Código Civil.

59. Quer o tribunal de primeira instância, quer o tribunal recorrido, aplicaram a consequência jurídica e legal da procedência da ação de impugnação pauliana, pelo que não se vê que exista qualquer condenação em sentido diverso do peticionado considerando que a presente ação constitui uma ação de impugnação pauliana.

60. Não se verifica também qualquer necessidade de notificação prévia das partes, em obediência ao princípio do contraditório, quando a própria parte sabe qual é a consequência legal da procedência de uma ação de impugnação pauliana.

61. O facto de serem distintas as consequências decorrentes da procedência do pedido formulado pela Autora e da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância não significa que o tribunal não possa, oficiosamente, aplicar as normas jurídicas aplicáveis ao caso em discussão.

62. O Recorrente BB entende que os requisitos da ação pauliana devem verificar-se relativamente a todos os intervenientes no ato impugnado, nomeadamente dos cônjuges do devedor, em especial quando o ato impugnado tem por objeto bens que integravam o património comum do casal.

63. O Douto Tribunal a quo entendeu que não assiste razão ao Recorrente face ao teor dos artigos 1696.°, n.° 1 e 1697.°, n.° 1 e 2, ambos do Código Civil, ou seja, da possibilidade de, por dívidas exclusivas de um dos cônjuges, responderem os bens comuns do casal, sendo a respetiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha.

64. O Tribunal recorrido faz expressa referência ao Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24 de fevereiro de 2015, no âmbito do processo n.° 1235/10.3TBTMR, o qual contende com uma ação pauliana cujo ato impugnado teve por objeto um bem comum quando apenas um dos cônjuges era devedor, onde se entendeu que "Na procedência de impugnação pauliana de dação em cumprimento, mediante a qual foi entregue um bem imóvel, comum do casal, para extinção de dívida, vindo este imóvel a ser imputado à realização coactiva de uma dívida cujo responsável é somente um dos cônjuges, a declaração de ineficácia, daquela decorrente, abrange ambas as meações, incluindo a que cabe ao cônjuge não devedor".

65. O artigo 610.° do Código Civil dispõe que podem ser impugnados pelo credor os atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial e não sejam de natureza pessoal quando o crédito for anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; e resulte ainda do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.

66. Tratando-se de um ato oneroso, o artigo 612.° CC exige que ocorra a má-fé do devedor e do terceiro, traduzido numa consciência de que com o ato impugnado, o devedor se pretendeu, de forma dolosa, furtar à obrigação que tinha para com o credor, por evitação da execução desse bem no seu património.

67. Conforme resulta dos factos dados como provados, por escritura de compra e venda outorgada a 23 de fevereiro de 2012, o Recorrente BB e esposa transmitiram vários bens imóveis à sociedade DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda., tendo sido o referido ato impugnado pela Autora, sendo que somente o Recorrente marido BB é devedor da Autora.

68.Tendo sido julgada procedente a ação de impugnação pauliana, importa apurar qual o efeito que a ineficácia do ato de transmissão adquire na esfera jurídica de um dos alienantes da coisa que não é sujeito passivo da obrigação causante do ato objeto de impugnação.

69. O artigo 616.°, n.° 1, do Código Civil dispõe que "julgada procedente a impugnação o credor tem o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei".

70. A lei permite que o credor execute diretamente no património do obrigado à restituição os bens objeto do ato impugnado, podendo ainda exercer os actos conservatórios que a lei permite para que não ocorra uma dissipação do valor ou da materialidade dos bens cuja ineficácia foi declarada.

71. A impugnação pauliana dirige-se diretamente contra o terceiro, que deve restituir ao credor os bens adquiridos na medida do seu interesse, não tendo os bens que sair do património daquele, podendo o credor executá-los no património do terceiro.

72. No que respeita à possibilidade de o credor atingir os bens integrados na comunhão conjugal, quando apenas um dos cônjuges é devedor, a Professora Paula Costa e Silva ensina que "a lei confere ao credor a faculdade de atingir bens específicos desde que, estando integrados no património comum do casal, provoque a intervenção processual do cônjuge não devedor para que este venha requerer a partilha do património comum do casal. Se o bem concretamente atingido for deferido ao cônjuge devedor, a penhora manter-se-á sobre esse bem. Na hipótese inversa, e com as restrições decorrentes do efeito imputado à inacção do cônjuge citado, a penhora anteriormente realizada deverá ser levantada, sendo realizada sobre os bens que couberam ao cônjuge devedor", em Impugnação Pauliana e Execução do direito português, pp.15 a 17, sendo que, para a referida Autora, tratando-se de impugnação pauliana não se pode falar em comunhão de património do casal, uma vez que através da alienação do bem para a esfera patrimonial de um terceiro, deixou de poder falar-se de comunhão de bens, dado que o bem deixou de integrar o património comum do casal passando a estar a integrado no património de terceiro e, como tal, nada há a partilhar.

73. Para a Professora Paula Costa e Silva "uma solução que negue a possibilidade de atingir o bem uma vez transmitido para terceiro com fundamento em os requisitos da impugnação se concretizarem apenas quanto a um dos cônjuges retira uma faculdade ao credor (a de atingir um bem) que ele teria caso a transmissão não tivesse ocorrido. E, sabendo-se que a impugnação supõe a impossibilidade ou grave dificuldade de satisfação do crédito invocado, logo se conclui que o credor, que não possa lançar mão deste meio conservatório da garantia patrimonial, não terá possibilidade de impor a realização coactiva da prestação", para mais adiante, em jeito de conclusão, rematar com a asserção de que "se é certo que o cônjuge não devedor não é devedor, certo é também que ele pode ter realizado o acto consciente do prejuízo que ele causaria ao credor do seu cônjuge. O que quer dizer que, se quanto a este cônjuge, se não concretiza o pressuposto da existência de um débito, nada nos pode levar a excluir a possibilidade de concretização do outro pressuposto de funcionamento da impugnação, a saber, a respectiva má-fé."

74. No âmbito da ação de impugnação pauliana não é possível tutelar a situação patrimonial do cônjuge do devedor porquanto o bem objeto do ato impugnado já não pertence ao casal, pelo que a questão não se coloca a montante do ato transmitido ou da respetiva impugnação, mas no momento em que haja de se proceder à partilha dos bens, de acordo com o artigo 1697.°, n.° 2 do Código Civil, segundo o qual "sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha."

75. Assim, "no caso de o bem comum ter sido transmitido e vier a ser imputado à realização coativa de uma dívida de cujo responsável é somente um dos cônjuges, o valor bem que saiu do património comum será levado a crédito do património comum, possibilitando-se ao cônjuge não devedor reconstituir a sua parte à custa do crédito relacionado." - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de fevereiro de 2015.

76. No âmbito da procedência de uma ação de impugnação pauliana, a declaração de ineficácia abrange as meações nos bens imóveis objeto do ato impugnado, incluindo a meação que cabe ao cônjuge não devedor».


Termos em que requer seja negado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser mantida a douta decisão recorrida.


11. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objecto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as únicas questões a decidir consistem em saber se :


1ª- ocorreu violação da disciplina processual relativamente à alteração da decisão de facto pela Relação;

2ª- ocorreu violação dos princípios do acesso ao direito e aos tribunais, do processo equitativo, consagrados no art. 20º da CRP e  do princípio do contraditório contemplado no art. 3º , nº 3 do CPC;

3ª- o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia; 

4ª- o acórdão recorrido padece  da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão;

5ª- o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, por excesso e pronúncia e se ocorreu violação dos princípios do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º da CRP e do princípio do contraditório contemplado no art. 3º , nº 3 do CPC;

6ª- se a interpretação feita dos arts. 610°, 612° e 616°, n° 1, 1696°, n° 1 e 1697°, n° 1 e n° 2 do Cód. Civil, no acórdão recorrido no sentido de que os requisitos de uma ação pauliana, intentada na sequência da transmissão para um terceiro de um bem comum do casal e em que apenas um dos cônjuges é devedor, não têm que se verificar em relação aos dois cônjuges intervenientes no ato impugnado, consubstancia uma violação  dos princípios da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos arts. 2°, 13°, n° 1, 18°, n° 2 e 20°, n° 4 da CRP.



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III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


As instâncias deram como provados os seguintes factos:

I) OS FACTOS (São os seguintes os factos declarados provados na decisão recorrida):

1. Por contrato de cessão de crédito celebrado, o Banco FF, S.A., cedeu os créditos à aqui Autora, que os aceitou, pelo que a ora Autora é a atual credora dos aqui Réus, que ascende a € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), acrescido dos respetivos juros calculados à taxa contratual e das despesas [alínea A) dos factos assentes].

2. Por escritura de compra e venda realizada no dia 23 de Fevereiro de 2012, no Cartório Notarial com sede na Rua …, nº …, 2º andar, na cidade do Porto, perante a notária II, o primeiro Réu BB, por si e em representação da sua mulher CC, procedeu à venda dos seguintes bens imóveis pelo preço global de € 32.751,36 (nos termos do doc. junto com a petição inicial e que se dá como reproduzido):

a) Prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar e horta junta, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 94 e inscrito na matriz sob o artigo 207º;

b) Prédio misto, composto por duas casas e logradouros, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº 104 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 141º e inscrito na matriz urbana sob o artigo 142º;

c) Prédio urbano, composto de casa de habitação de um andar e horta junta, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº 169 e inscrito na matriz sob o artigo 25º;

d) Prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 170 e inscrito na matriz sob o artigo 168º;

e) Prédio urbano, composto de casa de um andar e horta junta, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 93 e inscrito na matriz sob o artigo 152º;

f) Prédio rústico composto de cultura, oliveiras, pomar, castanheiros, videiras em cordão e ramada, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 70 e inscrito na matriz sob o artigo 181º;

g) Prédio rústico composto de cultura, oliveiras, pomar, videiras em ramada e de enforcado, pastagem e dependências agrícolas, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 102 e inscrito na matriz sob o artigo 186º;

h) Prédio rústico composto de cultura, castanheiros, fruteiras, videiras de enforcado e ramada, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 100 e inscrito na matriz sob o artigo 182º;

i) Prédio rústico composto de cultura, videiras em ramada, em cordão e de enforcado, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 101 e inscrito na matriz sob o artigo 184º;

j) Prédio rústico composto de terreno de lavradio e mato, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 117 e inscrito na matriz sob o artigo 180º;

k) Prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão com logradouro, sito no Lugar … ou Caminho de …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 527 e inscrito na matriz sob o artigo 471º;

l) Prédio misto, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar e terreno de cultura, nogueiras, castanheiros, fruteiras, videiras em cordão, de enforcado, ramada, pastagem e dependências agrícolas, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 96 e inscrito na matriz sob o artigo 188º;

m) Prédio rústico, com palheiro e eira, sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Montalegre, descrito na Conservatória de Registo Predial de Montalegre sob o nº 212 e inscrito na matriz sob o artigo 2550º;

n) Prédio rústico, com eira, sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Montalegre, descrito na Conservatória de Registo Predial de Montalegre sob o nº 220 e inscrito na matriz sob o artigo 2590º;

o) Prédio rústico, com palheiro, sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Montalegre, descrito na Conservatória de Registo Predial de Montalegre sob o nº 347 e inscrito na matriz sob o artigo 2583º;

p) Prédio rústico, denominado Quinta das …, composto de cultura, castanheiros, oliveiras, videiras, pastagem e mato, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 126 e inscrito na matriz sob o artigo 573º;

q) Prédio rústico, denominado C… e L…, composto de cultura, nogueira, videiras e castanheiros, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 122 e inscrito na matriz sob o artigo 574º;

r) Prédio rústico, denominado Campo …, composto de cultura com videiras, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa do Lanhoso, descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa do Lanhoso sob o nº 123 e inscrito na matriz sob o artigo 572º [alínea B) dos factos assentes].

3. Tendo declarado no referido título de compra e venda que vendia os referidos bens imóveis à segunda Ré DD – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda., sociedade em que o primeiro Réu marido era sócio-gerente e a segunda Ré mulher sócia [alínea C) dos factos assentes].

4. A segunda Ré DD – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda. à data era constituída por três sócios, com o capital social distribuído do seguinte modo: o primeiro Réu marido BB era titular de 80% do capital social (€ 40.000,00); a segunda Ré mulher CC é titular de 10% (€ 5.000,00); e BB é titular de 10% do capital social (€ 5.000,00) [alínea D) dos factos assentes].

5. A ora Autora instaurou uma ação executiva a correr termos na Secção Única do Tribunal Judicial de …, com o número 534/11.1TBPVL, em 17 de Outubro de 2011 contra o primeiro Réu marido, BB, cujo título executivo é um Contrato de Abertura de Crédito celebrado em 10 de Março de 2008, no montante de € 85.000,00, no qual o primeiro Réu marido é Mutuário [alínea E) dos factos assentes].

6. A 23 de Fevereiro de 2012, apenas quatro meses após a instauração do requerimento executivo, o primeiro Réu vendeu os referidos bens imóveis à segunda Ré, na qual é sócio maioritário, bem como gerente [alínea F) dos factos assentes].

7. Após penhora da quota de € 40.000,00 de que é titular o primeiro Réu marido registada em 23 de Março de 2012 a favor da Autora AA, S.A., em virtude do processo executivo nº 534/11.1TBPVL, a correr termos no Tribunal Judicial de … contra o primeiro Réu, este último transmitiu a sua quota de € 40.000,00 ao terceiro Réu EE em 03 de Abril de 2012 [alínea G) dos factos assentes].

8. Os prédios identificados em 2) a), b), e), g), h), i), j) e l) encontravam-se registados a favor do primeiro Réu como sujeito ativo, casado no regime de comunhão de adquiridos com a primeira Ré, com aquisição por partilha extrajudicial referente aos sujeitos passivos JJ e marido KK [documento de fls. 61 a 102].

9. Com o negócio referido em 2) os Réus BB e DD – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda., tiveram por objetivo evitar a penhora desses imóveis na execução identificada em 5) [resposta ao artigo 1º da base instrutória].

10. Após a outorga da escritura identificada em 2) o primeiro Réu continua a ter inscritos em seu nome prédios rústicos inscritos nas freguesias de … sob o artigo 429 e de …, sob os artigos 471 e 598, concelho da Póvoa de Lanhoso, sob os artigos com os valores patrimoniais de € 1.000, € 0,62 e € 399,04, respetivamente, pertencendo-lhe também o recheio da habitação do casal que forma com a Ré mulher, que se encontra instalado num dos prédios urbanos identificados em 2) a) a c), e), k), l) [resposta ao artigo 3º da base instrutória].

11. O primeiro Réu sabia que com a outorga da escritura identificada em 2) dificultava a cobrança do montante peticionado na execução nº 534/11.1TBPVL pela Autora [resposta ao artigo 3º da base instrutória].

12. A Ré sociedade sabia que o primeiro Réu tinha a dívida identificada em 5) e que ao adquirir os imóveis, o que fez por valor inferior ao praticado no mercado imobiliário, prejudicava a cobrança pela Autora [resposta ao artigo 4º da base instrutória].

13. A Ré mulher era empresária em nome individual, explorava a atividade de turismo rural, a qual passou a ser desenvolvida pela segunda Ré, por ser mais vantajoso em termos fiscais e contributivos; antes da concretização do contrato aludido em 5) o primeiro Réu falou com um Diretor do Banco FF, seu familiar, com quem negociou as condições do empréstimo, bem como com o gestor da sua conta no mesmo departamento, sobre a intenção de vir a constituir uma empresa destinada à exploração de turismo, referindo ao primeiro que, subsequentemente, transmitiria para a mesma os imóveis que estavam afetos à referida atividade [resposta ao artigo 5º da base instrutória].



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3.2. Fundamentação de direito



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Antes de entrarmos na apreciação de cada uma das questões supra enunciada importa esclarecer que, tendo a ação sido proposta em 2012 e tendo as decisões impugnadas sido proferidas em 06.04.2015 e 11.05.2016 (na 1ª instância) e em 17.03.2016 e 18.01.2018 (no Tribunal da Relação), é aplicável à presente revista o regime do novo Código de Processo Civil, nos termos do art. 5º, nº1 da Lei nº 41/2013, de 26 de junho   



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3.2.1. Da questão da violação da disciplina processual relativamente à alteração da decisão de facto pela Relação.


Sustenta o réu/recorrente BB que, tendo arguido, no Tribunal de 1ª instância, nulidade decorrente de deficiências verificadas na gravação áudio do depoimento da testemunha HH e que o tornam impercetível, e não tendo ainda aquele tribunal proferido decisão acerca da verificação, ou não, da referida nulidade, o Tribunal da Relação não estava em condições de proceder a uma efetiva reapreciação da matéria de facto, nos termos do art. 662º do CPC, pois para poder formar um juízo valorativo, próprio e autónomo, de confirmação ou de alteração da decisão recorrida, a Relação tem de dispor dos mesmos elementos probatórios (maxime, prova testemunhal) de que dispôs o Tribunal de 1.a instância, o que não sucede in casu fruto dos vícios existentes no depoimento supra identificado.


Vejamos.


Nesta matéria, preceitua o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».


Ante este preceito legal, importa precisar, por um lado, que a apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão.

E, por outro lado, que, no âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado art.662º], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.

De realçar, no que respeita à latitude da investigação probatória, que, tal como refere o Acórdão do STJ, de 20.12.2017 (processo nº 3018/14.2TBVFX.L1.S1)[2], o Tribunal da Relação tem «um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662º, nº.1 do CPC, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido», apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas.  

Daqui decorre, ainda no dizer do mesmo acórdão, que «ao Tribunal da Relação é conferido o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo, como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº 2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, incluindo, portanto, o recurso a presunções judiciais, desde que não colidam com factos provados que não devam ser tidos por impugnados».

Todavia, já em sede de revista, a sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a decisão de facto das instâncias é bem mais circunscrita, porquanto, nos termos do art. 682º, nºs 1,2 e 3, do CPC, a mesma só ocorre nos casos de necessidade de ampliação dessa decisão de facto[3] ou quando ocorram contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito[4] (cfr. nº3 do citado art. 682º) ou no caso excecional previsto no nº 3 do art. 674º do CPC.

Assim, no domínio da decisão de facto, podemos afirmar que apenas compete ao Supremo Tribunal de Justiça, na vertente adjectiva e nos termos do art. 674º, nº1, al. b) do CPC, sindicar se o tribunal recorrido, ao manter ou alterar a decisão da matéria transitada da 1.ª instância, violou, ou não, a lei processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que se deve mover a reapreciação da prova.

E, na vertente substantiva, cabe-lhe, de harmonia com o disposto na parte final do nº 2 do citado art. 682º e no nº 3 do art. 674º, ambos do CPC, sindicar se o Tribunal da Relação violou alguma regra de direito probatório material, designadamente disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto em causa ou que fixe a força de determinado meio de prova que seja aplicável, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade ou assente em factos não provados[5].

É que, como escreve Abrantes Geraldes[6], em tais situações, defrontámo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competência do Supremo.


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No caso dos autos, perguntava-se no artigo 1º da base instrutória:


«As referidas alienações tiveram como único objectivo de todos os intervenientes impossibilitar a satisfação integral dos créditos da Autora ? »


Tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 17.03.2016, anulado o julgamento quanto a esta matéria, após repetição parcial do julgamento relativamente a esta mesma matéria, o Tribunal de 1ª Instância, deu como provado que:


«Com o negócio referido em 2) os Réus BB e DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda, tiveram por objectivo evitar a penhora desses imóveis na execução identificada em 5


E fundamentou esta resposta nos seguintes termos:

«A convicção do Tribunal baseou-se no seguinte:


» na cópia de fls. 52 a 60 da escritura pública celebrada pelo primeiro Réu em 23 de Fevereiro de 2012, por si, na qualidade de procurador da Ré mulher e como sócio gerente da segunda Ré, com sede no lugar do …, freguesia de …, Montalegre; dela re­sulta que quinze imóveis se situam na freguesia de …, concelho de Póvoa de Lanhoso e três situados na freguesia de …, Montalegre, sendo que estes surgem identificados como estando registados a favor do primeiro Réu em 10 de Março de 2008 e 20 de Maio de 2008; os imóveis foram todos alienados pelo respetivo valor patrimonial; no confronto com o print de fls. 258 a 263 referido infra, constata-se que os dois prédios urbanos sitos na freguesia de …, Montalegre, inscritos na matriz sob os artigos 420 e421, com o valor patrimonial de € 3.150 e € 3.310, respetivamente, não fazem parte dos prédios vendidos sendo certo que os mesmos já não se encontram inscritos a favor do primeiro Réu; ora se a sua aquisição, segundo foi referido, se destinou a transformação para turismo e que a constituição da sociedade visou a exploração dessa atividade até então desenvolvida pela Ré mulher, como empresária em nome individual, coloca-se a questão de saber o motivo pelo qual não foram igualmente transmitidos; associando a data do registo dos imóveis sitos em Montalegre com a data do contrato de abertura de crédito (fls. 113 a 117), 10 de Março de 2008, confirmamos a existência de uma relação entre o empréstimo no valor global de € 85.000 e parte do investimento nesses imóveis (atento o valor matricial que referiremos infra);

» nas certidões prediais de fls. 61 a 102 das quais se extrai que:

»» oito dos prédios vendidos foram adquiridos pelo primeiro Réu, casado no regime de comunhão de adquiridos, no âmbito de partilha extrajudicial subsequente ao óbito de JJ e marido KK e registados a seu favor em 9 de Abril de 1991; este facto, por influenciar o resultado da ação foi aditado ao elenco da fundamentação que antecede ao abrigo do artigo 5º nº 2 alínea b) do Código de Processo Civil, sem comunicação às partes por se tratar de documento autêntico cujo conteúdo não foi impugnado;

»» seis prédios foram adquiridos por compra, cinco deles registados a favor do casal em 14 de Abril de 1993 e um em 13 de Dezembro de 2000;

»» por sua vez, e o prédio nº 527/20110404 foi registado a favor do casal em 4 de Abril de 2011 por usucapião, sendo certo que este prédio se situa no Caminho …, coincidentemente local indicado como domicílio da Ré mulher (este prédio com a área coberta de 113 m2 e 1777 m2 descoberta foi vendido pelo valor patrimonial de € 15.210), o que significa que a mesma reside numa casa pertencente à sociedade (aliás, ainda que não seja este o prédio, verifica-se que todos os artigos urbanos sitos na Póvoa de Lanhoso foram transmitidos, o que confirma o raciocínio), pelo que a penhora do recheio que integrará o património comum do casal se encontra num imóvel formalmente pertence a terceiro;

»» note-se que não obstante os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Lanhoso sob os nº  169/19920706, nº 96/19920706, nº 126/19920706, nº 122/19920706, nº 123/19920706 terem sidos vendidos, em 23 de Fevereiro de 2012, pelo valor patrimonial de € 515,90, € 22,82, € 1.284,42, € 2.672,11, € 508,28, € 293,72, € 305,54, respetivamente, ou seja, pelo preço global de € 5.602,79, sobre os mesmos, juntamente com outro, foram constituídas duas hipotecas voluntárias em 28 de Abril de 1993 para garantia do capital de Esc. 10.000.000$00, juro anual de 20,25%, elevável de 2% em caso de mora, despesas de Esc. 1.000.000$00 e montante máximo assegurado de Esc. 17.675.000S00 e do capital de Esc. 10.000.000$00, juro anual de 3%, elevável de 2% em caso de mora, despesas de Esc. 1.000.000$00 e montante máximo assegurado de Esc. 12.500.000S00; »» verificamos que:

- o prédio misto nº 96/19920706 com área coberta de 104 m2 e área descoberta de 50.000 m2 foi vendido pelo valor global de € 3.956,53;

- o prédio rústico nº 117/19920706 com a área de 11.700 m2 foi vendido pelo valor de € 366,46;

- o prédio rústico nº 126/19920706 com a área de 30.000 m2 foi vendido pelo valor de € 508,28;

- o prédio rústico nº 122/19920706 com a área de 9.000 m2 foi vendido pelo valor de € 293,72;

- o prédio rústico nº 123/19920706 com a área de a área de 5.600 m2 foi vendido pelo valor de € 305,54;

»»» o desfasamento entre o valor patrimonial e o das hipotecas, bem como em relação à respetiva área, permitiu concluir que os bens foram vendidos por valor inferior ao preço de mercado; com efeito, se tomássemos por referência o valor médio de € 2,5/m2, a área rústica dos imóveis supra identificados corresponderia a € 265.750 (se fosse apenas € 1/m2 o valor seria de € 106.300);

» na certidão da matrícula de fls. 103 a 105 da segunda Ré da qual resulta o seu registo em 17 de Fevereiro de 2012, a escassos seis dias da escritura pública de compra e venda celebrada pelo primeiro Réu a seu favor; o seu objeto corresponde a “realização e gestão de investimentos imobiliários, nomeadamente, a compra e venda de imóveis para si e para revenda, construção, urbanização, loteamentos, promoção imobiliária e arrendamentos. Investimentos turísticos e afins. Atividades agrícolas e afins”; este objeto permite o exercício da atividade turística e agrícola nos imóveis transmitidos, sendo certo que foi referido que a primeira era desenvolvida pela Ré mulher como empresária em nome individual;

» na carta de fls. 119/120 remetida ao primeiro Réu pelo FF em 17 de Junho de 2010 na qual este comunicou que considerava o contrato de abertura de crédito celebrado em 10 de Março de 2008 denunciado e que deixaria de produzir efeitos a partir de 10 de Setembro de 2010, pelo que deveria até essa data proceder ao pagamento de todos os valores que fossem devidos;

» na carta de fls. 128/129 destinada à citação do primeiro Réu remetida para lugar do …, freguesia de …, Montalegre, devolvida sem ter sido reclamada, sendo certo que essa é a morada que consta das bases de dados da DGV e dos Serviços de Identificação Civil (fls. 141 e 142) e que a carta de citação da Ré sociedade foi recebida por aquele em 27 de Dezembro de 2012 (fls. 130); como resulta de fls. 253, a carta de citação do primeiro Réu foi recebida pela Ré mulher em 8 de Março de 2013, após ter sido endereçada para Quinta de …, …;

» na cópia da procuração de fls. 167/168 outorgada pela Ré mulher em 14 de Outubro de 2011 a favor do primeiro Réu conferindo poderes para constituir “quaisquer sociedades comerciais, com sede na freguesia de …, concelho de Montalegre, com o capital social de € 50.000, integralmente realizado em dinheiro e depositar no prazo de cinco dias após a constituição, na qual a outorgante subscreverá ações no valor de € 5.000, sendo nomeado administrador único o mandatário, sendo este quem obriga a sociedade (…)”; no confronto com a certidão da matrícula, verificamos que a sociedade apenas foi constituída em Fevereiro de 2012;

» nos prints de fls. 258 a 263 correspondentes a pesquisas na base de dados da Autoridade Tributária levadas a cabo pela testemunha Solicitador de Execução LL, com vista à penhora de bens no processo de execução nº 534/11.1TBPVL instaurado pela Autora contra o primeiro Réu, em dois momentos, 10 de Janeiro de 2012 e 19 de Setembro de 2014, resultando que na primeira data existia um total de 25 prédios inscritos emnome do primeiro Réu, ao passo que na segunda, apenas existem os três rústicos identificados no ponto 10) da fundamentação de facto;

» na carta de fls. 264 da autoria do primeiro Réu , sem data, dirigida ao FF Private em resposta missiva de fls. 119/120, na qual se propõe a pagar parte do débito alegando que ia celebrar contrato promessa de venda de um prédio que tinha na Póvoa de Lanhoso que se encontrava omisso na matriz e na Conservatória, encontrando-se a suprir essas deficiências, processo burocrático moroso, manifestando propósito de pagar os juros que vinha liquidando, reservando para futura amortização o que restasse em dívida após a entrega do preço da venda; chamava a atenção que tinha sido verbalmente acordado um período de carência até finais de 2011 e que apenas vinha alterar o prazo de liquidação do montante em débito devido à alteração unilateral das circunstâncias pelo FF; cotejando esta missiva com o registo do prédio nº 527/20110404 e a indicação da sua aquisição por usucapião, constata-se que seria este o prédio sobre o qual incidiam as diligências do Réu, colocando-se a questão de saber o motivo pelo qual, tendo proposto liquidar parte do débito com o valor da projetada venda, optou por transmiti-lo para a sociedade sem entregar o respetivo preço à Autora; aliás, sabendo o Réu que tinha este débito, não houve qualquer diligência na sua parte no sentido de entregar o respetivo preço à Autora por forma a diminuir o seu passivo.

No que diz respeito aos depoimentos das testemunhas arroladas verificamos que o conhecimento das mesmas se reporta fundamentalmente ao contexto do contrato que esteve na origem do crédito da Autora, já que apenas uma revelou ter alguma noção sobre o património e o contexto da constituição da segunda Ré, não obstante parte do relato ser proveniente de conversas mantidas com o casal. Vejamos.

MM, foi funcionário da Direção do Private Bank do FF, posteriormente transferido para a Autora, da qual saiu em 2013 e é sobrinho do Réu, tratou com este o financiamento que deu origem ao contrato de conta corrente caucionada no contexto de uma oportunidade de investimento que manifestou relacionada com o alargamento da oferta turística já desenvolvida na Quinta de … para o Parque Peneda do Gerês (…), a concretizar através da compra e melhoramento de imóveis destinados a turismo de montanha;

(…)

NN, gerente da agência do FF da Póvoa de Lanhoso desde 2007 (…).

OO, gestor do Private Bank do FF  (…)


PP foi gestor de clientes do Private Bank desde 2004 ao início de 2010 (…).


QQ, foi gestor de clientes do Private Bank do FF entre 2007/2009 e do contencioso até 2011, transitando para a Autora (…).


HH, amiga da Ré mulher e visita de casa identificou a residência do casal por referência à Quinta de …, local onde, desde 1991, é explorada a atividade de turismo de habitação, inicialmente pela Ré como empresária em nome individual e, mais recentemente, pela sociedade; explicou que em Outubro de 2010 fez uma viagem a Nova Iorque com a Ré e que na ocasião esta andava ocupada com a elaboração de uma procuração para a constituição da sociedade, sabendo, por conversas mantidas com o casal, que haveria benefícios fiscais (o imposto do rendimento proveniente da rendas da exploração de kiwis não tinha de ser retido na fonte; não haveria mais valias a pagar caso viessem a falecer e os herdeiros pretendessem vender) e que em virtude de o Réu estar reformado poderia ser gerente sem ter de fazer descontos para a Segurança Social, o que vinha a ser levado a cabo pela Ré, tendo-lhe sido sugerido pelo Réu marido que fizesse o mesmo relativamente ao seu património; referiu que essas conversas já vinham sendo mantidas desde 2008/2009, mas desconhecia o motivo da concretização tardia; mostrou-se conhecedora do património dos Réus, concretamente, da existência de umas bouças que não foram transmitidas para a sociedade por não terem interesse para a atividade turística (todavia, se tomarmos em consideração que a sociedade também tem por objeto “atividades agrícolas e afins” não vemos que este argumento faça grande sentido), o recheio da casa (com bons móveis antigos, pratas, pinturas, faianças) que se mantém na casa onde residem; aludiu à atividade turística desenvolvida e na dívida de uma empresa que enviava turistas; referiu ter tomado conhecimento do investimento realizado em … relacionado com o interesse do filho do casal nessa zona e na exploração desse tipo de turismo (sendo este e a esposa quem limpa, equipa e recebe os jovens).


RR, Solicitador de Execução nomeado no âmbito do processo nº 534/11.1TBPVL (…).


As declarações de parte do Réu foram tomadas, na sequência de requerimento, na fase final do julgamento durante o qual o mesmo esteve presente verificando-se que tiveram por objetivo dar a sua versão para o desfasamento temporal entre a outorga da procuração e a constituição da sociedade (recusa de celebração de escritura de constituição de sociedade por quotas em virtude de as notárias da Póvoa de Lanhoso e Braga entenderem que a procuração, elaborada com minuta da sua autoria, se destinava à constituição de sociedade anónima e por ter feito questão, por uma questão de brio profissional, de encontrar notário que a aceitasse, o que veio a suceder no Porto em 17 de Fevereiro de 2012, em vez de se deslocar com a esposa para esse efeito) e as finalidades desta (ficando gerente, a esposa deixava de fazer descontos para a Segurança Social como estava obrigada enquanto empresária em nome individual). Falou sobre os imóveis que ainda se mantêm inscritos em seu nome referindo que um é só um poço, a … um terreno urbanizável de valor considerável, sendo certo que desco­nhecia o valor de mercado do m2 e a Bouça de Lamas arrendado há 20 anos à SS para plantação de eucaliptos com uma renda anual de € 1.000, dos direitos de autor relativamente a obra publicada e do recheio da casa habitada pela esposa, particularmente pratas dos séculos XVII e XIX. Explicou que as hipotecas dos imóveis foram constituídas no âmbito de um financiamento a 20 anos concedido pelo IFADAP, cuja dívida se mantém num valor residual que estimou de € 5.000/6 10.000. Revelou um pormenor interessante relativamente à cessão da quota ao Réu EE que dá conta das manobras e estratégias para contornar a lei: confessou ter tido a intenção de, perante a impossibilidade de venda ao cônjuge e para acautelar a diferença de idades, interpor terceira pessoa (o Réu EE) que já fez cedência à esposa, não estando a mesma registada; de igual forma, quando questionado sobre o conhecimento do passivo pela sociedade, admitiu a existência de confusão entre esta e a sua pessoa; não obstante o desfasamento entre a data de constituição da sociedade e da escritura de alienação do património admitiu que não houve “passagem de dinheiro”, pois os imóveis foram usados para o capital daquela, sendo certo que referiu não ter noção do valor real do património transmitido, com justificação de o ter herdado do pai (não obstante alguma parte do património ter sido adquirido por compra em 1993 e 2000 e de ter alienado parte dos imóveis herdados uma vez que consta o registo de 19 prédios adquiridos no âmbito da partilha quando atualmente apenas permanecem 8). Começou por negar ter feito proposta de regularização através de uma amortização decorrente da anunciada venda de um prédio mas, confrontado com o documento de fls. 264, acabou por recordar que à época estava em negociações com um cunhado, porém, as mesmas ter-se-iam frustrado em virtude de lhe ter sido diagnosticada uma doença grave; questionado, referiu nunca ter colocado a hipótese de vender pratas para fazer face ao pagamento da quantia exequenda. Confirmou ter mantido com o Solicitador de Execução a conversa pelo mesmo relatada.

Fazendo uma análise conjunta dos documentos, dos depoimentos e das declarações de parte - além do que já ficou patente na exposição aquando da análise dos primeiros - podemos concluir que há indicações de definição de uma estratégia destinada a dificultar a cobrança do crédito da Autora, desde logo com as manobras destinadas a atrasar a citação no âmbito da execução, pois embora o primeiro Réu tivesse tomado conhecimento da sua pendência num momento anterior à constituição da sociedade e alienação do património, fez questão de ser citado para onde mudara o seu domicílio, não obstante manter residência na Quinta de … (a testemunha HH mantém convívio com o casal em … e não em …, não constando que os Réus se encontrem separados). Aliás, a dilatação do prazo da contestação na presente ação foi alcançado com um expediente algo semelhante, na medida em que a carta de citação da Ré sociedade foi recebida em 27 de Dezembro de 2012 quando a citação daquele veio a concretizar-se em local distinto do seu domicílio “oficial” em 8 de Março de 2013.

Por outro lado, na prática, a constituição da sociedade traduz-se num negócio com contornos a resvalar para a simulação, desde logo pela “confusão” admitida pelo próprio Réu entre esta e a sua pessoa (não olvidando que é o gerente, era o sócio que detinha 80% do capital e que os dois restantes sócios são a esposa e o filho), o não depósito do capital nem pagamento do preço dos imóveis, sem se mencionar a entrada de bens para formação do capital, terminando com a finalidade de obter benefícios fiscais e retirar património da esfera jurídica do casal (e do próprio relativamente a oito prédios, herdados por óbito dos progenitores).

Verificamos, também, que a ideia já anunciada no início de 2008, no momento da negociação do empréstimo, apenas veio a ser implementada num momento em que se goraram negociações posteriores à denúncia do contrato de conta corrente em Setembro de 2010 e em que, mesmo que não tivesse ocorrido a conversa com o Solicitador de Execução, o Réu não podia ignorar que estariam eminentes diligências para cobrança judicial dado o lapso decorrido do vencimento do capital, não pagamento de juros e falta de liquidez para aceitar a consolidação da dívida e um plano de pagamento de 5 ou 6 anos (não podemos esquecer que em Outubro de 2011 a dívida de juros ascendia a € 6.470,62 - cfr. fls. 108). Os benefícios fiscais associados à constituição da sociedade já existiam em 2008, pelo que não foi apresentada ex-plicação forma plausível para a sua concretização num momento em que a execução já se encontrava pendente.

É também significativo que a transmissão dos imóveis tenha sido efetuada pelo valor patrimonial, claramente desfasado da realidade, como decorre do confronto das áreas (será que o m2 de terreno agrícola vale menos de € 1? Parece ser esse o caso dos prédios em causa, já para não falar dos prédios urbanos onde funciona turismo de habitação de valor idêntico ao de ruínas - ver, a título exemplificativo, as casas descritas sob o nº 104 com a área coberta de 220 m2 e logradouro de 700 m2, inscritas na matriz sob os artigos 141 e 142 a valer apenas € 3.779,82, particularmente no confronto com o prédio nº 527 inscrito na matriz sob o artigo 471, com a área coberta de 113 m2 e 1777 m2 de logradouro, registado na sequência de escritura de justificação celebrada no início de 2011 com o valor de € 15.210) e dos valores das hipotecas constituídas em Abril de 1993 cujo capital ascendeu a Esc. 20.000.000$00.

Com a constituição da segunda Ré os imóveis continuaram a ser geridos pelo Réu, permitindo que o mesmo levasse mais longe a defesa do património transmitindo para terceiro a quota por si titulada, embora sem a rapidez necessária visto que foi posterior ao registo da penhora.

O Réu, por si e enquanto gerente da Ré sociedade, que admitiu tratar-se de um prolongamento da sua pessoa e sendo jurista, sabedor da dívida e do seu vencimento desde 17 de Junho de 2010, agiu com dolo direto ao transferir formalmente da sua esfera jurídica para a da sociedade (para a qual declarou aceitar), os imóveis mais valiosos que integravam o seu património, com o objetivo evidente de evitar a sua penhora pelo credor, acautelando também o recheio da habitação do casal, valioso, segundo foi referido, uma vez que o mesmo se encon­tra num dos imóveis alienados. Aliás, podemos concluir que a sociedade foi criada com este propósito visto que todas as vantagens que foram associadas à sua constituição já existiam há vários anos, mormente no momento da celebração do mútuo e ao longo de todo o período de carência ocorrido até Junho de 2010, não sendo fortuito o momento da sua concretização, mesmo com a outorga da procuração pela Ré, que pode ser encarada como uma manobra protetora, à semelhança do que sucedeu confessadamente com a alienação da quota da Ré sociedade a um mero “testa de ferro”.

As declarações de parte do Réu foram particularmente elucidativas do seu pensamento e do móbil da sua atuação»


Por sua vez, o Tribunal da Relação, após empreender uma análise crítica dos elementos de prova que estiveram na base daquela resposta, considerou que:

«Atentos os autos e os meios de prova produzidos a par da fundamentação de impugnação deduzida pelo apelante relativamente ao facto provado nº 9 do elenco dos factos provados, decorrente da resposta dada ao quesito 1º da Base Instrutória, e, considerando, em particular os demais factos assentes, de especial e determinante relevância na apreciação da resposta em análise, conclui-se pela absoluta improcedência dos fundamentos de impugnação.

(…).

Ora, relativamente à resposta ao quesito 1º da BI os factos assentes, não só não determinam decisão diversa, como, manifestamente, impõem a resposta dada, decorrendo da factualidade provada sob os pontos de facto nº 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12 do elenco dos factos provados, nos termos dos quais resulta provado que, nomeadamente: “ 6. A 23 de Fevereiro de 2012, apenas quatro meses após a instauração do requerimento executivo, o primeiro Réu vendeu os referidos bens imóveis à segunda Ré, na qual é sócio maioritário, bem como gerente [alínea F) dos factos assentes]. “7. Após penhora da quota de € 40.000,00 de que é titular o primeiro Réu marido registada em 23 de Março de 2012 a favor da Autora AA, S.A., em virtude do processo executivo nº 534/11.1TBPVL, a correr termos no Tribunal Judicial de Póvoa do Lanhoso contra o primeiro Réu, este último transmitiu a sua quota de € 40.000,00 ao terceiro Réu EE em 03 de Abril de 2012 [alínea G) dos factos assentes]”, 10. Após a outorga da escritura identificada em 2) o primeiro Réu continua a ter inscritos em seu nome prédios rústicos inscritos nas freguesias de ... sob o artigo 429 e de Ferreiros, sob os artigos 471 e 598, concelho da Póvoa de Lanhoso, sob os artigos com os valores patrimoniais de € 1.000, € 0,62 e € 399,04, respetivamente, pertencendo-lhe também o recheio da habitação do casal que forma com a Ré mulher, que se encontra instalado num dos prédios urbanos identificados em 2) a) a c), e), k), l) [resposta ao artigo 3º da base instrutória]. “11. O primeiro Réu sabia que com a outorga da escritura identificada em 2) dificultava a cobrança do montante peticionado na execução nº 534/11.1TBPVL pela Autora [resposta ao artigo 3º da base instrutória]. “11. A Ré sociedade sabia que o primeiro Réu tinha a dívida identificada em 5) e que ao adquirir os imóveis, o que fez por valor inferior ao praticado no mercado imobiliário, prejudicava a cobrança pela Autora [resposta ao artigo 4º da base instrutória]”,  prova da factualidade inserta no ponto nº 9 dos factos provados, designadamente que “9. Com o negócio referido em 2) os Réus BB e DD – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda., tiveram por objetivo evitar a penhora desses imóveis na execução identificada em 5) [resposta ao artigo 1º da base instrutória]”, incluindo-se a resposta dada na previsibilidade factual do quesito, tratando-se de prova por presunção judicial, e, ainda de avaliação de prova relativa a facto subjectivo ou de foro interno decorrente das regras de experiência comum, nos termos decorrentes dos demais factos provados supra assinalados, destes decorrendo como consequência lógica e por demais evidente.

(…)

Concluindo-se, nos termos expostos pela verificação e confirmação da factualidade do ponto nº 9 dos factos provados, sendo irrelevantes à apreciação da indicada matéria quaisquer juízos decorrentes da prova testemunhal, revelando-se esta insusceptível de contrariar o juízo valorativo probatório decorrente dos factos já provados.

Inexistindo, ainda, qualquer vício ou deficiência de fundamentação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª instância e, nomeadamente, com relevância na reapreciação da matéria de facto por este tribunal.

(…)».


E com base nesta fundamentação, julgou improcedente a impugnação da matéria de facto, mantendo inalterada a matéria de facto fixada.


Daqui se colhe que enquanto o Tribunal de 1ª Instância, fez recair a sua análise crítica das provas sobre os documentos existentes nos autos, os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte prestadas pelo réu, BB e, com base neles, deu como provada a factualidade supra descrita sob o nº 9 dos factos assentes, o Tribunal da Relação, reapreciando todas estas provas, recorreu a presunção judicial e com base no juízo presuntivo que extraiu dos factos dados como provados e supra descritos sob os nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12 do elenco dos factos provados, decidiu pela «verificação e confirmação da factualidade do ponto nº 9 dos factos provados», considerando « quaisquer juízos decorrentes da prova testemunhal» não só « irrelevantes à apreciação da indicada matéria», como também insusceptíveis  « de contrariar o juízo valorativo probatório decorrente dos factos já provados».

E a verdade é que nada impedia de fazê-lo, quer porque, como decorre do preceituado no art. 662º, nº 1 do CPC e conforme já se deixou dito, em sede de reapreciação da matéria de facto e no âmbito da formação da sua própria convicção acerca do facto impugnado, o Tribunal da Relação não está adstrito aos meios de prova indicados pelo Tribunal de 1ª Instância.      

Quer ainda porque o uso das presunções judiciais por parte do Tribunal da Relação ocorreu nos termos permitidos pelo art. 351º, com referência aos artigos 392º e segs, todos do C. Civil, e art. 607º, nº 5, aplicável por força do art. 663º, nº 2, ambos do CPC, constituindo, desde há muito, entendimento pacífico na doutrina[7] e na jurisprudência ser lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem, antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la[8].

Acresce que, no caso em apreço, o uso de presunção judicial ocorreu sobre matéria em relação à qual é perfeitamente admissível e frequente o recurso a tais presunções.

Com efeito, estamos no âmbito de uma pretensão de impugnação pauliana e, tal como nos dá conta os Acórdãos do STJ, de 14.07.2016 (processo nº 377/09.2TBACB.L1.S1) e de 20.12.2017 (processo nº 3018/14.2TBVFX.L1.S1)[9], « as presunções judiciais são um meio frequente de provar os factos de natureza psicológica, já que estes, em regra, não são passíveis de demonstração direta, mas antes por via de circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz, da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afectiva ou volitiva, dos agentes visados», como é o caso do comportamento do réu BB, aqui em foco.

De realçar que o recorrente nem sequer questiona o uso de presunção judicial por parte do Tribunal da Relação, pelo que nem se impõe a este Supremo Tribunal a tarefa de sindicar se, no quadro da reapreciação da decisão de facto, aquele tribunal incorreu em erro de valoração de tal prova.

Assim, respeitados que se mostram os parâmetros legais da utilização das presunções judiciais, seja em sede da sua admissibilidade, seja em sede dos seus pressupostos, competindo ao Tribunal da Relação formar a sua própria convicção acerca de cada facto impugnado, segundo o critério de livre e prudente valoração das provas, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, do CPC, impõe-se concluir que, não tendo o Tribunal da Relação formado a sua convicção sobre a factualidade dada como provada no nº 9 com base em prova testemunhal, nenhum relevo assume, neste contexto, a nulidade invocada pelo ora recorrente, no tribunal de 1ª instância, decorrente das alegadas deficiências verificadas na gravação áudio do depoimento da testemunha HH.


Daí improcederem, as 1ª a 7ª conclusões das alegações de recurso.  


*


3.2.2. Violação dos princípios do acesso ao direito e aos tribunais, do processo equitativo, consagrados no art. 20º da CRP e do princípio do contraditório contemplado no art. 3º , nº 3 do CPC.


A este respeito, sustenta o recorrente que, por força destes princípios, estava o Tribunal da Relação constituído no dever de proceder à sua audição antes de tomar a decisão de não conhecer da impugnação da matéria de facto constante dos pontos 11 e 12 dos factos dados como provados com base no conhecimento oficioso da figura do caso julgado, pelo que ao não fazê-lo viu postergada a possibilidade de tomar posição sobre essa uma matéria que veio a ser decisiva para a solução acolhida na decisão recorrida, constituindo, por isso, a decisão do Tribunal da Relação de restringir a apreciação da impugnação da matéria de facto apenas à factualidade vertida no ponto 9º uma decisão surpresa e integradora de nulidade prevista no art. 195º, n1 do CPC.



*



Trata-se de matéria que tem a ver com a questão de saber se, tendo o recorrente, em sede de recurso de apelação, impugnado apenas a factualidade vertida na resposta dada pelo Tribunal de 1ª Instância ao artigo 1º da base instrutória e tendo o Tribunal da Relação decidido anular parcialmente o julgamento, por falta de resposta integral a este mesmo artigo, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c) do CPC, e ordenado a repetição do julgamento apenas quanto a esta matéria de facto, após a realização deste novo julgamento, o recorrente pode, em novo recurso de apelação, vir impugnar matéria de facto que não foi objecto de impugnação no primeiro recurso nem foi objecto deste novo julgamento.  


A este respeito, dispõe o citado art. 662º, nº 2, al. c) que «a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente» «anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, (…) repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)», estabelecendo o nº 3, al. b) deste mesmo artigo que «se a decisão for anulada (…) procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação  de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições».


Decorre, assim, do preceituado neste artigo que a repetição do julgamento com vista a suprir a deficiência da decisão sobre determinado ponto da matéria de facto não abrange a parte da decisão de facto que não esteja viciada, consolidando-se, nessa parte, o julgamento da matéria de facto que não foi objecto de impugnação.

Com efeito, consabido que, no nosso regime recursório cível, o meio impugnatório da decisão sobre a matéria de facto não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da matéria de facto, sendo a apreciação do erro de julgamento da matéria de facto circunscrita apenas aos pontos impugnados [cfr. art. 640º, nº 1, al. a) do CPC] e que a decisão de facto se consubstancia em juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, mal se compreenderia, à luz destas razões de economia do julgamento da decisão de facto, em sede de recurso de apelação, e da natureza e estrutura da própria decisão de facto, que, uma vez anulado o julgamento do Tribunal de 1ª instância para correção do julgamento de determinado(s) ponto(s) da matéria de facto, se permitisse às partes virem, num segundo recurso de apelação, impugnar matéria de facto que não tinha sido objeto de impugnação no primeiro recurso de apelação.

Quer isto dizer que a anulação do julgamento determinada pelo Tribunal da Relação, tendo em vista a correção do julgamento de determinado ponto da matéria de facto, implica que se tenha por precludido o direito à impugnação da decisão sobre os factos que foram já objecto de julgamento pelo Tribunal de 1ª Instância e não foram objeto de impugnação, em sede de recurso de apelação, ou tendo sido impugnados tenham sido fixados pelo Tribunal da Relação, bem como o direito de requerer a ampliação do julgamento relativamente a novos pontos de facto, consolidando-se, nessa parte, o julgamento da matéria de facto.

Na verdade, esta é a consequência que advém da circunstância do citado artigo 662º, nº 3, al. b) do CPC não permitir a repetição do julgamento quanto à parte da decisão sobre a matéria de facto que não esteja viciada e/ou que não esteja conexionada ou dependente dos factos a corrigir, inexistindo, por isso, a possibilidade de entrarem com estes em contradição.

De resto, foi na esteira deste entendimento, que o Acórdão proferido, em 17.03.2016, pelo Tribunal da Relação anulou parcialmente o primeiro julgamento do Tribunal de 1ª Instância, determinando que «o Mº Juiz “ a quo “ profira resposta integral á matéria do quesito 1º, nos termos supra indicados, relativamente á menção “todos” de tal artigo constante, procedendo o Mº Juiz julgador à indicada resposta, de forma crítica e fundamentada, com base na prova já produzida nos autos, em estrita obediência, de forma e conteúdo, dos preceitos legais aplicáveis, designadamente do nº 4 do artº 607º do Código de Processo Civil, ressalvando-se, em tudo o mais, o julgamento da matéria de facto já realizado, designadamente a demais factualidade já respondida e fixada». (sublinhado nosso).


E foi nesta mesma linha de entendimento que o acórdão recorrido, ao reapreciar a matéria de facto impugnada, em sede do segundo recurso de apelação, pelo réu, BB, defendeu que, não obstante o apelante invocar erro de julgamento da matéria de facto vertida nos quesitos 1 a 5 da base instrutória e requerer a adição de novos pontos de facto, a verdade é que, tendo o Acórdão proferido nos autos em 17 de Março de 2016, restringido o novo julgamento tão só à matéria de facto do quesito 1º, com correspondência ao facto provado nº 9, e ressalvado, « em tudo o mais, o julgamento da matéria de facto já realizado, designadamente a demais factualidade já respondida e fixada, (e que não foi impugnada no recurso de apelação interposto pelo apelante cfr. alegações e Cls. de recurso de fls.303 e sgs.)», e dispondo, expressamente, o artº 635º, nº 5 do CPC que “ Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”, impunha-se considerar que a factualidade respeitante aos quesitos 2º, 3º, 4º e 5º da base instrutória, encontra-se já definitivamente fixada, tendo-se formado, relativamente a tal decisão, “caso julgado”, pelo que improcedendo, nesta parte, os fundamentos da apelação, haveria tão só que proceder à reapreciação do facto dada como provado  no nº 9.


Mas se este é o regime que decorre, expressamente, do preceituado no art. 662º, nº 2, al. c) e nº 3, al. b) do CPC e do princípio da salvaguarda “dos efeitos do julgado” consagrado no 635º, nº 5, do mesmo diploma, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, não se vê que a decisão do Tribunal da Relação de restringir a apreciação da impugnação da matéria de facto apenas e tão só à factualidade tida por deficiente e de considerar precludida a possibilidade de impugnação da matéria de facto não viciada, já anteriormente fixada, e de ampliação do julgamento a novos factos, integre a nulidade prevista no art. 195º, nº 1 do CPC.

E muito menos se vê que a mesma constitua decisão surpresa e seja atentatória do princípio do contraditório, consagrado no art. 3º, nº 3 do CPC e decorrente do direito de acesso aos tribunais, previsto no art. 20º, nºs 1 e 4 da CRP, que garante às partes a participação num momento constitutivo da decisão da causa[10] e assegura às mesmas o direito a um processo justo e equitativo, colocando-as em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça[11].

É que se é certo impor o citado art. 3º, nº 3 do CPC ao juiz o dever de audição das partes antes de decidir questões de direito ou de facto, a verdade é que, tendo o acórdão do Tribunal da Relação proferido em 17.03.2016, determinado que a repetição do julgamento pelo tribunal de 1ª instância estava circunscrito à matéria do quesito 1º, ressalvando toda a demais a demais factualidade já respondida e fixada, e tendo o ora recorrente sido notificado desta decisão, nenhum dever impendia sobre o Tribunal da Relação de ouvir as partes antes de proferir a decisão de não proceder à reapreciação da factualidade perguntada nos quesitos 2º, 3º, 4º e 5º da base instrutória, não integrando, por isso, o acórdão recorrido decisão-surpresa nem violação dos demais princípios e normas constitucionais invocadas.

E muito menos se vê que o não conhecimento do recurso interposto pelo recorrente no tocante à impugnação da matéria de facto contemplada nos quesitos 2º, 3º, 4º e 5º da base instrutória por parte do Tribunal da Relação consubstancie omissão de pronúncia, geradora da nulidade do acórdão recorrido nos termos do art. 615º, nº1, al. d) do CPC, pela simples razão de que, não tendo o recorrente, no primeiro recurso de apelação, impugnado tal factualidade (cfr. alegações e conclusões de recurso de fls.303 e segs.), precludida ficou a impugnação da decisão sobre os factos em causa que, por não serem sido abarcados pela repetição do julgamento, já não podem ser objeto de impugnação, devendo considerar-se definitivamente fixados.     


Daí improcederem as 8ª a 22ª conclusões das alegações de recurso.



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3.2.3. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e violação da disciplina processual.


Sustenta o recorrente que, não obstante ter suscitado, nas 20º, 21º e 22º conclusões das alegações de recurso de apelação, a questão da falta e/ou insuficiência de fundamentação da decisão do Tribunal de 1ª Instância sobre a matéria de facto, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre esta questão, padecendo, por isso, da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. d) do CPC.

Mais argumenta, para o caso de ser entendido que não houve omissão de pronúncia, ser patente que aquela decisão do Tribunal de 1ª Instância, na medida em que fundamenta a decisão da matéria de facto de forma genérica e em bloco, não identifica os concretos meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção sobre cada um dos factos (designadamente dos factos dados como provados nos pontos 9 a 13) , carece da devida fundamentação, pelo que, nos termos da al. d) do n.° 2 do art. 662° do Cód. Proc. Civil, cumpria ao Tribunal a quo ordenar a baixa do processo à 1a instância para que aquele tribunal a fundamentasse devidamente.

Não o tendo feito e porque cabe ao Supremo Tribunal de Justiça censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos nos termos do disposto no art. 662°, n° 2, al. d) do CPC, impõe-se a este Tribunal, de harmonia com o disposto no art. 674°, n° 1, als. b) e c) do CPC, revogar o acórdão recorrido e ordenar a baixa do processo à Relação para que esta, por sua vez, dê cumprimento ao disposto no citado art. 662°, n° 2, al. d).


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Segundo a alínea d) do n.º1 do citado artigo 615º do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por via da norma remissiva do n.º 1 do art.º 666.º do mesmo Código, é nula a decisão «quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Este vício, conforme jurisprudência unânime, traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no n.º 2 do art. 608º do CPC (aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no nº 2 do art. 663º do mesmo diploma) e que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras.

E, por outro lado, o dever de ocupar-se tão somente das questões suscitadas pelas partes e/ou daquelas que a lei lhe impuser o conhecimento oficioso.

Ora, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, por parte do Tribunal da Relação, pois o acórdão recorrido foi bem claro ao escrever:

« (…) Inexistindo, ainda, qualquer vício ou deficiência de fundamentação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª instância e, nomeadamente, com relevância na reapreciação da matéria de facto por este tribunal».

E nem se vê que a circunstância de o Tribunal da Relação se ter limitado a fazer esta afirmação possa ser equiparada a deficiente fundamentação, na medida em que ela é, já em si, o resultado de uma análise crítica sobre a fundamentação da decisão da matéria de facto por parte do Tribunal de 1ª Instância que, no caso dos autos, até se revela bastante exaustiva.

De resto sempre se dirá que, nas circunstâncias dos autos, a denunciada incorreção da motivação da decisão sobre a matéria de facto, por falta de discriminação dos concretos meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção do julgador relativamente a cada um dos factos dados como provados é  completamente irrelevante.

Desde logo, porque, conforme já se deixou dito, o acórdão recorrido não reapreciou a factualidade constante dos pontos 10 a 13 dos factos dados como provados, por se tratar de matéria de facto já definitivamente fixada por via do primeiro julgamento.

E porque, no que respeita à factualidade vertida no ponto 9 dos factos dados como provados, o Tribunal da Relação, diferentemente do que sucedeu com o Tribunal de 1ª Instância, recorreu ao uso de presunção judicial, formando a sua própria convicção sobre a verificação e confirmação destes factos com base no juízo presuntivo que extraiu dos factos dados como provados e supra descritos sob os nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12, carecendo, por isso, de fundamento a pretensão do recorrente em fazer recair sobre o Tribunal da Relação o dever de ordenar a baixa do processo à 1a instância, nos termos e para os efeitos do disposto na al. d) do n.° 2 do art. 662° do CPC.

Daí ser de concluir no sentido de que não ocorre nenhuma das alegadas  nulidades  do acórdão recorrido, improcedendo, por isso, as 23ª a 40ª  conclusões das alegações de recurso.


*



3.2.4. Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão.  


Persiste o recorrente em sustentar que, do cotejo das alíneas a), c) e d) do segmento decisório da sentença de 1a instância é manifesta uma insanável contradição lógica, pois começa por absolver a Ré mulher de todos os pedidos, para, depois, acabar por condená-la, de forma paradoxal e contraditória, na medida em que julga ineficaz a venda dos bens comuns do casal, identificados nas alíneas d), f), g), h), i), j), m), o), p), q) e r) no ponto 2 da fundamentação de facto e reconhece à autora o direito penhorar, no património da Ré DD, esses mesmos bens, na hipótese dos bens próprios do réu BB, identificados nas alíneas a) a c), e), k), l) do referido ponto 2, não serem suficientes para satisfação integral da quantia exequenda do processo de execução nº 534/11.1TBPVL instaurado contra o Réu BB.

Mais sustenta que o acórdão recorrido, ao não reconhecer tal nulidade, prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC, incorre em igual vício, impondo-se, por isso, a sua anulação.


*



No que concerne à causa de nulidade prevista na c) do nº 1 do citado art. 615º, vem a doutrina e a jurisprudência entendendo, sem controvérsia, que a oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura da decisão.

No dizer de Alberto dos Reis[12] e de Antunes Varela[13], trata-se de um vício que ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença.

Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de 02.06.2016 (proc nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1), «radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso».

Ou seja, refere-se a um vício lógico na construção da sentença: o juiz raciocina de modo a dar a entender que vai atingir certa conclusão lógica (fundamentos), mas depois emite uma conclusão (decisão) diversa da esperada.

Por sua vez, a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade.

Ora, nada disto acontece no caso dos autos e nem é a esta realidade que o recorrente pretende aludir.

Na verdade, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, defende o recorrente que, tendo a ré mulher sido absolvida de todos os pedidos formulados pela autora AA, SA, não podia, a final, ser condenada a reconhecer a ineficácia da transmissão dos bens de que é titular em comum com o Réu marido.

Mas, se assim é, evidente se torna que não está a por em causa a regularidade intrínseca do acórdão recorrido, antes o seu mérito.

Daí concluir-se não ter o recorrente caracterizado qualquer situação evidenciadora da invocada contradição entre os fundamentos e a decisão insertos no acórdão recorrido, nem da sua ininteligibilidade, carecendo de qualquer fundamento a apontada nulidade.


Improcedem, por isso, as 41ª a 46ª conclusões das alegações de recurso.


*



3.2.5. Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia e violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º da CRP e  do princípio do contraditório contemplado no art. 3º , nº 3 do CPC.


Neste capítulo, argumenta o recorrente que, tendo a autora formulado, na alínea b) da petição inicial o pedido de condenação dos réus CC e “DD-Investimentos Imobiliários e Turísticos, Ldª” a restituírem ao património do réu, BB os bens imóveis e móvel para aí ser executados na medida do seu interesse  e até onde necessário for para cobrança dos seus créditos descritos nos artigos 19º e 20º, nos termos dos artigos 610º a 618º do Código Civil, estava vedado ao Tribunal de 1ª Instância alterar qualitativamente tal pedido e, em consequência disso, declarar, na alínea d) da parte decisória da sentença, que « a Autora pode penhorar no património da Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda os prédios identificados no ponto 2) alíneas a) a c), e), k), l) da fundamentação de facto para satisfação integral da quantia exequenda do processo de execução nº 534/11.1TBPVL instaurado contra o Réu BB e dos restantes identificados no mesmo ponto, subsidiariamente, na hipótese de insuficiência dos anteriores e nas condições previstas no artigo 740º do Código de Processo Civil».

Mais argumenta que, ao acolher este entendimento, o acórdão recorrido enferma também da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, por excesso e pronúncia.



*


Que dizer?


Desde logo que, definindo o art. 581º, nº 3 do CPC, o pedido como sendo o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, é inquestionável que o pedido formulado pelo autor na petição inicial (cfr. art. 552º, nº 1, al. e) do CPC) apresenta-se como o círculo dentro do qual o tribunal tem de se mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir, definindo o thema decidendum.

Estamos, assim, perante o princípio do pedido, tradicionalmente, associado ao princípio da iniciativa da parte ou da necessidade do impulso processual, consagrado no art. 3º, nº 1 do CPC, e à proibição do juiz de ultrapassar, em quantidade e em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes[14], sob pena de ferir de nulidade a decisão, por excesso de pronúncia (cfr. arts. 609º, nº1 e 615º, nº 1, al. e), ambos do CPC).

Julgamos, todavia, que o novo modelo de processo civil por nós adotado, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo[15] e no princípio da gestão processual[16], consagrado no art. 6º do NCPC e que, nas palavras de Miguel Mesquita[17], “ atribui ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer a nível do procedimento propriamente dito, quer ao nível do «coração» do processo, ou seja, do pedido, da causa de pedir e das provas”, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no citado art. 609º, nº1, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação[18].

No mesmo sentido adverte o Acórdão do STJ, de 11.02.2015 (processo nº 607/06.2TBCNT.C1.S1), que o art. 609º, nº1 do CPC, carece de um esforço interpretativo suplementar, defendendo que «o princípio do dispositivo impede que o Tribunal decida para além ou diversamente do que foi pedido, mas não obsta a que profira decisão que se inscreva no âmbito da pretensão formulada».



*



No caso dos autos, estamos perante uma ação de impugnação pauliana em que a autora formulou os seguintes pedidos:


a) sejam declaradas ineficazes em relação a si as escrituras de compra e venda de 23 de Fevereiro de 2012, bem assim como a transmissão da quota no valor de € 40.000 em 3 de Abril de 2012;

b) a segunda e o terceiro Réus sejam condenados a restituir ao património do primeiro Réu os bens imóveis e móvel para aí ser executado na medida do seu interesse e até onde necessário for para a cobrança dos seus créditos descritos nos artigos 19º e 20º nos termos dos artigos 610º a 618º do Código Civil;

c) seja ordenado o cancelamento do registo da aludida aquisição e transmissão da quota.

                          

A sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, confirmada pelo acórdão recorrido, julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: 

              

a) absolver os Réus CC e EE dos todos os pedidos formulados pela Autora AA, S.A..;

b) absolver a Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda do pedido de cancelamento do registo da aquisição a seu favor dos imóveis identificados no ponto 2) da fundamentação de facto;

c) declarar ineficaz em relação à Autora AA, S.A.. a venda formalizada por escritura pública de 23 de Fevereiro de 2012 relativamente aos imóveis descritos no ponto 2) da fundamentação de facto;

d) declarar que a Autora pode penhorar no património da Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda os prédios identificados no ponto 2) alíneas a) a c), e), k), l) da fundamentação de facto para satisfação integral da quantia exequenda do processo de execução nº 534/11.1TBPVL instaurado contra o Réu BB e dos restantes identificados no mesmo ponto, subsidiariamente, na hipótese de insuficiência dos anteriores e nas condições previstas no artigo 740º do Código de Processo Civil.


Perante este cenário, entende o recorrente que existe violação do disposto no art. 609º, nº 1 do CPC, pois o decidido nesta alínea d) é qualitativamente diverso do pedido de restituição dos bens objecto da venda ao património do réu BB formulado pela autora na supra referida alínea b).

Cremos, porém, que sem razão.

É que, como é consabido, com o Código Civil de 1966, a ação pauliana deixou de ter a aparência de uma verdadeira ação anulatória, como decorria do art. 1044º do Código Civil de 1867, passando a assumir um carácter pessoal, aproveitando os seus efeitos apenas ao credor que a tenha requerido[19].        

Com efeito, dispõe o art. 616º, nº1 do C. Civil, que «Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei », estabelecendo o seu nº 4 que « Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido».

E preceitua o art. 818º do C. Civil, que «o direito de execução pode incidir sobre os bens de terceiro, quando estejam vinculados á garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que haja procedentemente impugnado».

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela[20], são, assim, conferidos ao credor impugnante três direitos: «o direito à restituição na medida do interesse do credor, o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e o direito de execução no património do obrigado à restituição».

Significa tudo isto, no dizer de Almeida Costa[21], que «os bens não têm de sair do património do obrigado à restituição, onde o credor poderá executá-los e praticar sobre eles os actos de conservação da garantia patrimonial autorizada por lei».

Ora, sendo este o regime que emerge do direito substantivo, o que se retira da atuação das instâncias é que, não sendo caso de ordenar a peticionada restituição dos bens ao património do réu BB, com a consequente saída do património da ré DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda, a sentença da 1ª instância, que o acórdão recorrido confirmou, limitou-se a declarar que a autora podia penhorar tais bens no próprio património desta ré, o que, em nosso entender não constitui, manifestamente, condenação em quantidade superior nem em objecto diverso do pedido, traduzindo, antes, uma mera correção da forma como a autora formulou tal pedido, sem alteração do seu teor substantivo, de modo a conformá-lo com o regime legalmente consagrado e garantir a efectividade da sentença.

Diremos até que, no caso dos autos, era essa a atuação que se impunha ao juiz, quer em nome do interesse público da boa administração da justiça, quer por força do princípio do dispositivo, consagrado no art. 5º, nº 3 do CPC e que, no domínio da qualificação jurídica, confere ao juiz o poder-dever de suprir as deficiências ou inexatidões das partes, com vista à justa composição do litígio.

De salientar ainda os ensinamentos de Lopes do Rego que, neste domínio, admite, sem qualquer constrangimento, «o suprimento ou correcção de um deficiente enquadramento normativo do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou requerente, admitindo-se a convolação do juiz para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efectivamente adequado à situação litigiosa»[22].

De resto, foi na esteira de idêntico ensinamento de Antunes Varela[23], que, ainda antes da Reforma de 2013 do Código de Processo Civil, neste Supremo Tribunal se formou uma corrente jurisprudencial no sentido de «mesmo que seja pedida a nulidade dum contrato, sendo caso de ineficácia, ser lícito ao juiz corrigir esse erro»[24] e que conduziu à prolação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2001[25] que firmou jurisprudência no sentido de que «Tendo o autor, em acção de impugnação, pedido  a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (nº1 do artigo 616º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declara  tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664º do Código de Processo Civil ».


E nesta mesma linha de entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 33/00, de 12.01.2000 (processo nº 51/98)[26], decidiu não julgar inconstitucional as  normas dos arts 610º, al. b) e 616º, ambos do C. Civil e do art. 661º, nº1 do CPC (na redacção anterior à Reforma de 2013) enquanto interpretadas no sentido de permitirem que uma decisão jurisdicional condene em algo qualitativamente diverso do pedido formulado.   


Não se vislumbra, assim, por tudo isto, que o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença de 1ª instância, padeça da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. e) do CPC.

Do mesmo modo não se vê que o entendimento que aqui se acolhe no sentido da regra do nº1 do art. 609º, do CPC, ser interpretada em sentido flexível de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, seja inconstitucional por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, tutelado no art. 20º da CRP, na medida em que uma tal interpretação  não contende com o direito de defesa dos réus.

É que se é certo não questionarmos o dever que impende sobre o juiz de, antes de proceder a qualquer correção/alteração, na sentença, relativamente ao pedido e em obediência aos princípios da cooperação, previsto no art. 7º do CPC, e do contraditório, consagrado no art. 3º, nº 3 do mesmo código, prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou outras incorreções dos seus pedidos e ouvir as mesmas sobre as alterações a decretar, não menos certo é que, no caso dos autos, nem se pode afirmar que a alteração introduzida relativamente ao pedido formulado pela autora na alínea b) da petição inicial, constituiu decisão-surpresa, afetando o direito de defesa dos réus.

Isto porque, apesar de nenhuma das instâncias ter tido uma tal atuação, acontece que, com a notificação da 1ª sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância, os réus tomaram conhecimento que o tribunal tinha procedido à correção do pedido formulado pela autora na alínea b) da petição inicial, em termos idênticos aos supra descritos.

E tanto assim foi que o ora recorrente, já no seu primeiro recurso de apelação, sustentou a nulidade daquela sentença por violação do disposto no art. 609º, nº1, al. e) do CPC bem como a inconstitucionalidade das normas conjugadas do art. 616º, nº1, do C. Civil e do art. 609º, nº1 do CPC, quando interpretadas no sentido de permitirem que uma decisão judicial condene em objecto qualitativamente diferente do pedido formulado, por violação do art. 20º da CRP (cfr. alegações do 1º recurso de apelação, mais concretamente as 17ª e 18ª conclusões).     

Daí que, anulado o 1º julgamento e proferida nova sentença já não se impunha, por desnecessária, a audição das partes sobre a possibilidade do tribunal corrigir o pedido em causa.

Não houve, pois, violação do princípio do contraditório nem o acórdão recorrido representa uma decisão surpreendente para qualquer das partes.      

 

   Improcedem, por isso, as 47ª a 64ª conclusões de recurso.   



*



3.2.6. Violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos arts. 2º, 13º, nº 1, 18º, nº 2 e 20º, nº 4 da CRP.


Sustenta o recorrente que a interpretação feita dos arts. 610°, 612° e 616°, n° 1, 1696°, n° 1 e 1697°, n° 1 e n° 2 do Cód. Civil, no acórdão recorrido (e também na sentença de 1a instância) no sentido de que os requisitos de uma ação pauliana, intentada na sequência da transmissão para um terceiro de um bem comum do casal onde apenas um dos cônjuges é devedor, não têm que se verificar em relação aos dois cônjuges intervenientes no acto impugnado, consubstancia, uma violação grosseira dos princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos e consagrados nos arts. 2°, 13°, n° 1, 18°, n° 2 e 20°, n° 4 da CRP, pois equivale a aceitar-se, por um lado, um benefício manifestamente excessivo, desproporcionado e injustificado para o credor (que, sem justificação, vê alargadas as garantias do seu crédito).

E, por outro lado, uma penalização também ela manifestante excessiva, desproporcionada e injustificada para o cônjuge não devedor (que, sem justificação, fica sem possibilidades de defender o seu património e de, designadamente, lançar mão do art. 740° do Cód. Proc. Civil, para lá de ainda ter que indemnizar o terceiro adquirente.


*


Visto ocorrer, quanto à decisão do mérito da causa, dupla conformidade entre a sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância e o acórdão recorrido, obstativa da reapreciação desta matéria em sede de recurso de revista, centraremos a nossa atenção apenas e tão só na questão da alegada inconstitucionalidade.

E nesta vertente importa ter presente que, tal como nos dá conta no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 632/2008, de 23-12-2008[27], na esteira de jurisprudência já firmada, «a ideia de proporção ou proibição do excesso - que, em Estado de direito, vincula as acções de todos os poderes públicos - refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins:

(…)

O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

Decorre, assim, deste princípio, que, na avaliação das circunstâncias específicas do caso a decidir e, por isso, aquando da aplicação do direito ao caso concreto, o juiz não pode deixar de fazer um juízo de proporcionalidade, no sentido de conseguir estabelecer uma relação “calibrada”, de justa medida, entre os fins prosseguidos pelas normas, os bens, interesses e valores em conflito, as medidas possíveis e os seus efeitos, o que exige uma ponderação de todos estes fatores.

Conforme já se deixou dito, estamos no âmbito de uma ação de impugnação pauliana em que os interesses em jogo são o interesse do credor em perseguir o bem, o interesse dos transmissários na não execução do bem transmitido e o interesse do cônjuge não devedor na não impugnação. 

Ora, ponderando todos estes interesses, facilmente se vê que a solução preconizada pelas instâncias responde, adequadamente, a todos os interesses em presença, na medida em que, tal como refere Paula Costa e Silva[28], ela «permitiu harmonizar a responsabilidade substantiva por dívidas próprias de um dos cônjuges com os interesses do credor impugnante e do cônjuge não devedor. E, como se viu, só num momento terminal o cônjuge não devedor se vê confrontado com uma perda no património do casal. Dir-se-á que ele vai ter de aguardar pela partilha para repor a sua situação patrimonial (só neste momento a dívida será levada a crédito do património comum que, até lá, estará empobrecido) e que não teria de ter este compasso de espera no caso de execução directa do património comum do casal (citado para a execução, poderia provocar imediatamente a partilha).

Mas, neste caso, sabemos que há mais interesses em equação para além dos interesses específicos dos cônjuges. E foram eles que determinaram a inversão do regime legal em matéria de execução patrimonial comum do casal. É opção que pode ser contestada, mas que atende seguramente a interesses também eles legítimos.

No entanto, sempre restará ao cônjuge que, tendo transmitido para terceiro bem comum do casal, viu esta transmissão ser impugnada por um credor do seu cônjuge, sendo ulteriormente demandado pelo transmissário para restituir o preço recebido, lançar mão de uma acção tendente à simples separação judicial de bens!». .

E muito menos se vê que o entendimento sufragado pelo acórdão recorrido seja atentatório do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da CRP, pois, não estando as partes em situações essencialmente desiguais, é este mesmo princípio que proíbe sejam tratadas de igual forma.

Como acentua Rui de Alarcão[29], «A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que a situações substancialmente desiguais se dê tratamento desigual mas proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade'»

Termos em que improcedem todas as demais conclusões do recurso.


*



IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas a cargo do recorrente.


***



Supremo Tribunal de Justiça, 4 de outubro de 2018

Maria Rosa Oliveira Tching (Relator)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

José Manuel Bernardo Domingos

_________

[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Acessível in www. dgsi.pt/stj.
[3] Caso em que “o Supremo determina a remessa dos autos à Relação para que nesta (u, por determinação desta, na 1ª instância) se apreciem os factos que, tendo sido oportunamente alegados, não foram objecto de decisão positiva ou negativa”, cfr. Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018- 5ª Edição, pág.433.
[4] Caso em que cabe ao STJ decretar a anulação do acórdão recorrido, determinando a remessa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que sejam sanadas as contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a solução jurídica do pleito. Cfr. Acórdão do STJ, de 17.05.2017 (processo nº 217480/10), acessível in www dgsi.pt/stj.
[5] Neste sentido, cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 07.07.2016  ( processo nº 487/14); de 14.07.2016 (processo nº 377/09); 15.09.2016 ( processo nº 207/09); 29.09.2016 ( processo nº 286/10); 18.05.2017 (processo nº 20/14), todos acessíveis in wwwdgsi.pt/stj.  
[6] In, “Recursos  no Novo Código de Processo Civil”, 2018- 5ª Edição, pág.432. 
[7] Cfr. Vaz Serra, in RLJ,  nº 108, pág. 352 e Antunes Varela, in RLJ, nº 122, págs. 213 e segs. 
[8] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 19.10.1994, in, BMJ, nº 440, pág. 381.
[9] Acessíveis in www. dgsi.pt/stj.
[10] Como sublinha o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/200, publicado no DR, II Série, de 7 de novembro de 2000, « o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correto funcionamento  das regras do contraditório». Cfr. também Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “ Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª ed., pág. 415.
[11] Que, tal como sublinhou o Acórdão do Tribunal Constitucional  n.º 1193/96 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, pagina 529 e seguintes), “exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa." Cfr. também Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “ Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª ed., pág. 415.
[12] In, “Código de Processo Civil, Anotada”, vol. V, pág. 141.
[13] In, “Manual de Processo Civil”, 1ª ed. ,pág. 671.
[14] Cfr. Alberto dos Reis, in, “ Código de Processo Civil, anotado2, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora,  1984, págs. 67 e segs.
[15] Consagrado na  revisão  do Código de Processo Civil, operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de dezembro.
[16] Introduzido pela Reforma de do Código de Processo Civil, operada pela Lei  nº 41/2013, de 26 de junho.
[17]  “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, in RLJ, ano 143, págs 145 .
[18] Sobre a definição de acto postulativo e sobre a problemática da sua interpretação, cfr. Paula Costa e Silva, n, “ Acto e Processo”, págs. 66,211, 271 e 450.
[19] Neste sentido, cfr. Vaz Serra, in RLJ, ano 100, págs. 207 e 208; Antunes Varela e Pires de Lima, in, “ Código Civil, Anotado”, Vol. I, 4ª ed, com a colaboração de Henrique Mesquita, pág. 633; Almeida Costa, in, “Direito das Obrigações”, 4ª ed., pág. 599.
[20] In obra e local citados.
[21] In obra citada, págs 599 e 600.
[22] “ O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in, “Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, pág. 794.
[23] Explanados na RLJ, ano 122, pá. 255.
[24] Cfr., entre outros, os acórdãos de 27.09.1994, in, CJ/STJ, ano II, tomo III, pág. 66 a 68 e de 28.03.1996, in, CJ/STJ, ano IV, tomo I, pág. 159; de 18.11.2004 (processo nº 04B2640), acessível in www, dgsi.pt/stj.
[25] Publicado in DR, I Série-A, de 09.02.2001.
[26] Acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc.
[27] Acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc.
[28] “ Impugnação pauliana e execução, in Cadernos de Direito Privado, nº 7 julho/setembro 2004, págs. 62 e 63.   
[29] In, “Introdução ao Estudo do Direito”, Coimbra, lições policopiadas, 1972, pág. 29, citado no Acórdão Tribunal Constitucional n.º 39/88, acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc.