Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3908/20.3T8VNF.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: CITAÇÃO POSTAL
LEI Nº 10/2020 DE 18/4/2020
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
No âmbito da vigência do regime excecional introduzido pela Lei nº 10/2020 de 18/4/2020, que foi objeto de retificação (Declaração de Retificação nº 17/2020 de 23/04/2020) que, durante a situação de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV e da doença COVID 19, suspendeu a recolha de assinatura na entrega de correio registado, designadamente no que respeita às citações e notificações pessoais, no âmbito de processos judiciais, até à cessação dessa situação, não basta que a carta para citação de uma pessoa singular seja depositada no recetáculo postal, sendo necessário que o distribuidor do serviço postal identifique verbalmente a pessoa que está a receber a carta e que recolha o número do respetivo cartão de cidadão ou de qualquer outro documento idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada, assegurando-se que alguém recebe a carta e verificando a sua identidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No âmbito do processo executivo acima identificado que X cook Ingredients, Lda instaurou a L. M. e em que o título executivo consiste numa injunção a que foi aposta a fórmula executória, foi proferido o seguinte despacho liminar:

Despacho liminar – cfr. artigo 726.º, n.º 1, al. a) do C.P.C..1
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (cfr. art.º 219º, n.º 1, do C.P.C.).
No âmbito do procedimento especial de injunção o ato de notificação/citação segue as regras de citação, porquanto é o único meio de chamar o requerido ao processo de injunção.
Com efeito, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do Dec. Lei nº 269/98, de 01-09, estabelece-se que o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
Prescreve, depois, o n.º 2, do mesmo dispositivo, que à notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos nºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º, do C. P. Civil, aplicável ao caso em apreço por força da data dessa notificação/citação.
As modalidades de citação estão previstas nos atuais artigos 225.º a 245.º, todos do C.P.C., sendo a citação pessoal, por carta registada com aviso de receção - citação postal-, ou por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando, quando aquela se frustre, o procedimento regra (cfr. artigos 228.º, e ss. do C.P.C.), fixando a lei processual, perante a impossibilidade de em muitos casos aquela ter lugar, os respetivos sucedâneos.
Note-se que o artigo 229.º, do C.P.C., determina que a citação nas ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito em que as partes tenham convencionado o local onde se têm por domiciliadas para o efeito da citação em caso de litígio, efetua-se, no domicilio convencionado e, só após devolução da carta ou recusa de assinatura do aviso de receção, é que se procede à citação através do mero depósito dessa carta de citação/notificação.
Por último, importa ter em atenção que o art.º 188.º, n.º 1, al. e), do atual C.P.C., refere que há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
No caso, a sede/domicílio de citação/notificação da ora executada no âmbito do procedimento de injunção nunca foi convencionado entre as partes, como muito bem invoca a exequente e até consta do requerimento de injunção.
Inexistindo, assim, qualquer acordo entre as partes quanto ao “domicílio convencionado”, a validade da citação efetuada no âmbito do procedimento de injunção está irremediavelmente prejudicada porquanto foi efetuada através de mero depósito dessa missiva no respetivo recetáculo.
Ora, conforme se afirma no douto Ac T.R.C., datado de 10-05-2016, proferido no processo n.º 580/14.3T8GRD, nos termos do qual, “no caso de não existir convenção pela qual as partes tenham estipulado determinado local para, em caso de litígio, serem notificadas ou citadas, a secretaria do BNI deve observar a modalidade de carta registada com aviso de receção, em lugar de realizar a notificação por via postal simples (art. 12.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Nesta hipótese, o depósito da carta não é elemento decisivo para que o requerido/notificando tenha conhecimento efetivo da notificação, já que esta modalidade de notificação pressupõe, como se disse, a existência de convenção de domicílio (cfr. art. 12.º-A do mesmo regime jurídico). Se, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1, do C.P.C.). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do C.P.C.). Poder-se-á argumentar que, por aplicação das regras da citação (em concreto, do n.º 4 do art. 191.º do C.P.C.), esta nulidade só pode ser atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do notificando. Esta norma parece fazer recair sobre o citando o ónus de provar que a formalidade não observada prejudicou realmente o seu direito de defesa. Repare-se que, no âmbito da ação declarativa comum, o regime da citação, quando haja convenção de domicílio, não dispensa o envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, sempre que o expediente relativo à primeira carta de citação tenha sido devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao seu levantamento no estabelecimento postal (cfr. art. 229.º, n.º 4, do C.P.C.). A aplicação do n.º 4 do art. 191.º do C.P.C., à notificação do requerido, a que alude o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 só poderia basear-se num argumento de identidade de razões. No entanto, esta identidade não existe na situação em apreço, pois que, no caso de, no procedimento de injunção, se frustrar a notificação por via postal registada, realiza-se a notificação por via postal simples com prova de depósito (art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Dito de outro modo: a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 191.º do C.P.C. só seria pensável se a notificação do requerido seguisse o regime da citação do réu. Não é isso, todavia, que sucede: no caso de se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção, há que observar o disposto no art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. Assim, há que concluir que a falta do cumprimento do estabelecido em qualquer destes preceitos gera, automaticamente, a nulidade da notificação do requerido. Por consequência, o juiz, face à preterição de alguma das formalidades legais previstas no art. 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, deve julgar procedente a nulidade da notificação, mesmo que o requerido em embargos deduzidos à execução, não tenha cumprido o ónus da prova do prejuízo resultante dessa preterição para a sua defesa”.

No que concerne à citação no âmbito do procedimento de injunção afirma-se doutamente no douto Ac. V.T.R.P., datado de 28-04-2015, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/5520C511B6565C8F80257E67004F7694, o seguinte: “(…) a citação por via postal de pessoa coletiva ou sociedade, faz-se por meio de carta registada com aviso de receção dirigida para a sede ou local onde funciona normalmente a administração. Em caso de impossibilidade de se proceder à citação por esse modo, procede-se à citação do representante mediante carta registada com aviso de receção, remetida para a sua residência ou local de trabalho – art. 237º do CPC. Ora, ante a devolução da 1ª carta expedida, o Balcão Nacional de Injunções limitou-se a expedir carta em correio com registo simples para a mesma morada da 1ª carta. A notificação efetuada (na injunção) não observou, como devia, as formalidades acabadas de referir e prescritas na lei, o que, nos termos do art. 198.º/1 do CPC (atual art.191, nº1), pode acarretar a sua nulidade, se a falta cometida prejudicar a defesa do citado, na medida em que as regras relativas a citações e notificações, ao mencionar determinados cuidados e advertências, não constituem meras indicações, mais ou menos facultativas, mas sim prescrições impositivas (neste sentido, vide, por todos, Ac. da Relação de Coimbra de 29.05.2012, processo 927/09.4TBCNT-A.C1, disponível em dgsi.pt).”.
Ainda sobre a nulidade da citação no âmbito do procedimento de injunção, afirma-se doutamente no douto Ac. V.T.R.G., datado de 11-02-2016, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/19CC8CF19CB02F6880257F9A00472EE6, o seguinte: “(…) A convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, tem que ser uma cláusula em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que certo lugar de domicílio, certa residência, valem para o efeito de receber a citação ou a notificação no quadro dum concreto processo. Para este “conceito” e efeito, não revela a alegação na contestação que a morada indicada correspondia à que a oponente indicara para efeitos de faturação, porquanto, tal alegação é vaga; não é o texto escrito do contrato, não é uma cláusula inserida no texto do contrato, o seu conteúdo nada tem a ver com o que se disse sobre o “conceito” em causa, não é da autoria de ambas as partes. Enfim, a partir desta vacuidade “documental” (tendo presente o referido “conceito” e fim tido em vista com a convenção de domicílio), mal se compreende/justifica a informação incorreta prestada pela exequente/recorrente, no preenchimento do requerimento de injunção, dizendo, sem qualquer fundamento, que havia “domicílio convencionado”. Informação incorrecta que gerou, logicamente, a nulidade de citação. Colocado perante tal informação, o Balcão Nacional de Injunções tinha que notificar a requerida de acordo com o disposto nos art.º 2.º/1 do Diploma Preambular e 12.º-A/1 do Anexo, do DL 269/98, de 1 de Setembro; isto é, bastava-lhe enviar “notificação via postal simples” ao notificando, considerando-se a notificação realizada com a certificação, pelo distribuidor do serviço postal, do depósito da carta na caixa de correio do notificando. Foi isto que Balcão Nacional de Injunções fez, tendo enviado carta simples com prova de depósito. Porém – é o ponto – não havendo, como é o caso, nem contrato reduzido a escrito nem “domicílio convencionado”, a notificação da requerida, ora oponente, tinha que ser feita nos termos do art.º 12.º do Anexo ao DL 269/98, isto é, por carta registada com aviso de receção, sendo-lhe aplicável, “com as devidas adaptações”, o disposto nos n.º 2 a 5 do art. 228º do CPC, o mesmo é dizer, tendo o distribuidor de serviço, no caso da entrega da carta a terceiro, de fazer a entrega a pessoa que se declarasse em condições de a entregar prontamente ao notificando e de a advertir expressamente do dever de tal pronta entrega; e tendo a secretaria, em tal hipótese, que enviar, nos 2 dias úteis seguintes, carta registada ao notificando, “comunicando-lhe a data e o modo por que o ato se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada” – (cfr. 233º do CPC, aplicável por “remissão” do 228º/2 do CPC). Significa isto que a notificação efetuada (na injunção) à aqui oponente não observou, como devia, as formalidades acabadas de referir e também prescritas na lei, o que, nos termos do art. 191.º/1 do CPC, acarreta a sua nulidade, uma vez que não é possível afirmar que a ausência de tais cuidados e advertências não prejudicaram a sua defesa, sendo que as prescrições legais no âmbito das citações e notificações, devem ser escrupulosamente cumpridas. Assim, a circunstância da carta (enviada por via postal simples) haver sido recebida por terceiro não apaga a omissão de tais formalidades. Enfim, o erro na notificação, provocado pela exequente/recorrente, era potencialmente prejudicial ao exercício dos direitos de defesa da oponente/recorrente- nada sendo aduzido no sentido de afastar tal prejuízo potencial. Esse erro viciou o procedimento injuntivo e a constituição do próprio título executivo, ou seja, em face da nulidade da notificação da ora oponente na injunção, não pode a oponente ser executada na ação executiva a que estes autos estão apensos, por não se ter formado título executivo, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso, devendo, oportunamente, o Tribunal da 1ª instância retirar no processo de execução as consequências da procedência da oposição à execução.”
Note-se que a presunção de citação por remessa de cara simples para a morada convencionada foi declarada inconstitucional pelo douto acórdão do Tribunal Constitucional.
Com efeito, no douto Ac. TC. n.º 99/2019, publicado no D.R. n.º 52/2019, Série I de 2019-03-14, decidiu-se “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos n.os 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a (euro) 15 000 - na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a), do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.º, n.os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Neste contexto jurisprudencial, apenas nos apraz concluir pela nulidade da citação da/o ora executada/o no âmbito do procedimento de injunção.
Com efeito, resultando do expediente junto pelo Balcão Nacional de Injunções que a citação da/o ora executada/o foi efetuada por mero depósito dessa missiva, é inquestionável que essa citação não respeitou os citados preceitos legais e, por conseguinte, é nula.
E sendo nula essa citação, é ponto assente que não existe título executivo válido e exequível- cfr. artigos 188.º e 191.º,do C.P.C..
Pelo exposto, rejeito liminarmente o requerimento executivo - cfr. artigo 726.º, n.º 1, al. a), do C.P.C..
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Inconformada a exequente recorreu, formulando as seguintes conclusões:

I. O título executivo junto aos autos é um requerimento de injunção ao qual foi aposta força executória em 15 de julho de 2020, no qual constam os factos que servem de base ao pedido da requerente credora.
II. Ora, a Requerente, exequente, cumpriu, segundo as normas Legais e a Jurisprudência, para obter título executivo bastante contra os executados.
III. A aplicação do n.º 4 do artigo 191.º do CPC à citação dos Requeridos, só poderia basear-se num argumento postulado por uma grande e mensurável razão dirimente. No entanto, esta identidade não existe na situação em apreço, pois que, no caso concreto, não foi a requerida que invocou a nulidade invocada nem se demonstra que forma a sua defesa foi prejudicada.
IV. Ao decidir como fez o tribunal a quo violou e/ou interpretou de forma incorreta as normas do nº 4 do artigo 191º do CPC. Além de que,
V. a 18-04-2020, é publicada a Lei n.º 10/2020 - Diário da República n.º 76-A/2020, Série I, entra em vigor com força obrigatória geral a 17/04/2020, plasmada no Regime excecional (…) quanto às formalidades da citação e da notificação postal, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.”
VI. É sua consequência que “…1 - Fica suspensa a recolha da assinatura na entrega de correio registado e encomendas até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.”
VII. “.4 - Nos casos previstos no número anterior, e qualquer que seja o processo ou procedimento, o ato de certificação da ocorrência vale como citação ou notificação, consoante os casos.»
VIII. Desse modo foi proibida a citação pessoal por correio registado com aviso de receção, tendo então, como aqui no caso concreto sucedeu, de se ter de fazer a citação por depósito, tendo esta todos os efeitos procedimentais e processuais que a citação pessoal por correio registado com aviso de receção,
IX. Ao decidir como fez o tribunal a quo violou e/ou interpretou de forma incorreta a Lei n.º 10/2020 - Diário da República n.º 76-A/2020, Série I, de 18/04/2020, mais concretamente nos seus artigos 1º, 2º e 4º.
X. Em consonância e não obstante em relação aos procedimentos para cumprimento de obrigações para cumprimento de obrigações emergentes de contratos (injunção), como é o presente caso em apreço, usa-se a Lei n.º 117/2019, de 13/09.
XI. Caso contrário o decreto-lei 269/98, atualizado e republicado pela lei 117/2019 na sua versão mais recente seria passado tábua rasa, o que não deve acontecer ferindo de nulidade o mérito da causa.
XII. O artigo 12 nº 5 do decreto-lei 269/18 diz que “… - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.”
XIII. Pelo que foi na realidade efetuado tudo o que impõe esta lei especial que deve ser atendida,
XIV. Dado que estas citações/notificações foram validamente efetuadas por depósito e por conseguinte,
XV. Ao decidir como fez o tribunal a quo violou e/ou interpretou de forma incorreta o Decreto-Lei 269/98, atualizado e republicado pela lei 117/2019, “. procedimentos para cumprimento de obrigações emergentes de contratos. Injunção. “, mais concretamente os seus art.os 12.º e 14.º.
XVI. Vide também o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04-12-2017, processo 31024/15.2T8PRT.P1
XVII. I - O erro de identificação do citando para efeitos de falta de citação nos termos do preceituado no art. 188º, n.º 1 al. b) do CPC não se confunde com a citação em pessoa diversa do réu ou com a incorreta identificação do réu.
XVIII- (…) incumbe ao interessado em arguir a falta de citação demonstrar que o destinatário da citação não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, ou que, tendo o aviso de receção sido assinado por um terceiro, este não procedeu à entrega da carta que lhe era dirigida. (…) Não logrando o interessado cumprir satisfatoriamente esse ónus de prova, a citação tem-se por efetuada na pessoa do réu, seu destinatário, por força da não ilisão da presunção consagrada pelo art. 230º, n.º 1 do CPC.
XVIX- Na mesma esteira versa o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-10-2019, processo 43/13.4TCFUN-D.L1-1, pois o juiz,
XX- O Juiz apenas se pode pronunciar sobre questões ou conhecer de factos, em duas circunstâncias: quando tal lhe é imposto por lei, por ser de conhecimento oficioso ou, não sendo esse o caso, quando tal seja suscitado pelas partes – conforme artigos 3º e 5º do Código de Processo Civil.
II. Não sendo a nulidade em causa de conhecimento oficioso, nem tendo o Recorrente arguido a invocada nulidade perante o tribunal a quo, não podia o despacho em recurso pronunciar-se sobre tal questão, pelo que o mesmo não padece do vício de omissão de pronúncia.
XXI- Logo não deveria nesta sede, também por este acervo legal, a Ex.ª Juiz ter decretado a nulidade da citação.
XXII- Ao decidir como fez o tribunal a quo violou e/ou interpretou de forma incorreta o artigo 230º do Código de Processo Civil.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, REQUER A V. EX.ª SE DIGNE:
- JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO,
- REVOGAR A DECISÃO EM CRISE.
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Por decisão proferida pela Relatora o recurso foi julgado improcedente.
Não conformado com a decisão, veio a Recorrente requerer que sobre a matéria em causa recaia um acórdão.
Invoca, além do erro de direito - considerando que a citação do executado na injunção observou as normas legais aplicáveis e ainda que tal não ocorresse a nulidade não é de conhecimento oficioso - a nulidade da decisão por excesso de pronúncia, por a decisão em causa, tal como a decisão de 1ª instância se terem pronunciado sobre a citação na injunção da sociedade “F. Gulosa, Lda” que não é parte na execução e ainda a nulidade por ambiguidade e vício de fundamentação
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Vejamos

A factualidade provada é que se encontra referida no relatório e ainda a seguinte:

- No procedimento de injunção referido e com vista à citação dos requeridos F. Gulosa e L. M., pelo BNI foi enviada carta registada com aviso de receção que, em 1/4/20 e 9/6/20, respetivamente, foram devolvidas com a menção “não reclamado”.
- Foram enviadas novas cartas para citação dos Requeridos F. Gulosa e L. M., cartas essas em que, em 15/6/20 e 16/6/20, respetivamente, foi aposta a seguinte menção “Na impossibilidade de entrega depositei no recetáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente”
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Da nulidade por excesso de pronúncia:

Verifica-se existir excesso de pronúncia, gerador da nulidade prevista no art. 615º, nº 1 – d), 2ª parte do C. P. Civil quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, ou seja, quando conheça de pedidos ou causas de pedir não invocadas ou exceções na exclusiva disponibilidade das partes (1).
Esta nulidade resulta da violação do disposto no art. 609º, nº 1 do C. P. Civil, que refere que o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
O referido normativo consagra um dos princípios que enformam o direito processual civil e que é o princípio do dispositivo que impede o juiz de extravasar o que lhe foi pedido pelas partes. O objeto da sentença tem que coincidir com o objeto do processo.
Paula Costa e Silva (2) refere que o princípio do dispositivo determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor no ato postulativo lhe requera, não podendo decidir-se por um maius ou por um aliud.

No caso, na verdade, este Tribunal, na decisão singular proferida pronunciou-se sobre a citação da sociedade comercial no processo injuntivo, sendo certo que essa sociedade não é parte no processo executivo ora em análise. Deste modo, a mesma extravasa o objeto do processo, pelo que nessa parte é nula.

Da nulidade por falta de fundamentação:

Não padece a decisão proferida pela Relatora de nulidade por falta de fundamentação, já que, como é entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação, e não a fundamentação alegadamente insuficiente ou divergente, integra a previsão da al. b) do nº. 1 do art. 615º do C. P. Civil (v. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 188).

Como se verifica da leitura da decisão em causa, a mesmo encontra-se fundamentado, pelo que, não se verifica a nulidade invocada.
O que se passa é que a Recorrente não concorda com a análise efetuada pelo Tribunal relativamente às questões por ela suscitada mas tal não configura qualquer nulidade.

Da nulidade por ambiguidade:

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/4/2007 (in www.dgsi.pt ) explica-se que o acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo conteúdo seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, se sentido equívoco ou indeterminado. Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se. A ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado. Podem razoavelmente atribuir-se dois os mais sentidos. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.
Acrescenta-se neste Acórdão que deve ter-se em conta que o haver-se decidido bem ou mal, de forma correta ou incorreta, em sentido contrário ao preconizado pela requerente, é coisa totalmente diversa da existência de obscuridade ou ambiguidade do acórdão.
Ora, o que a Recorrente invoca para fundamentar a nulidade da decisão é o erro de julgamento e isso como se vê do acima exposto, não configura uma nulidade da decisão.

Da citação do Requerido na injunção:

A exequente considera que a citação foi bem efetuada, sendo válida e que “Ao decidir como fez o tribunal a quo violou e/ou interpretou de forma incorreta as normas do nº 4 do artigo 191º do CPC. Além de que, a 18-04-2020, é publicada a Lei n.º 10/2020 - Diário da República n.º 76-A/2020, Série I, entra em vigor com força obrigatória geral a 17/04/2020, plasmada no Regime excecional (…) quanto às formalidades da citação e da notificação postal, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.” É sua consequência que “…1 - Fica suspensa a recolha da assinatura na entrega de correio registado e encomendas até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.”

Analisando:
No que respeita às formalidades da citação e normas aplicáveis, remete-se para o que a propósito foi dito na decisão recorrida.
No caso em apreço, a citação do Requerido, foi tentada, e bem, por carta registada com aviso de receção, por aplicação das normas do C. P. Civil e do nº 1 do art. 12º do anexo ao D L268/98 de 1 de setembro, com a redação resultante do art. 8º do DL nº 32/2003 de 17 de fevereiro, mas a carta veio devolvida com a menção “não reclamada”.
Em face desta devolução, de acordo com tal regime, efetuadas as diligências mencionadas no art. 3º desse art. 12º, havia que proceder à notificação do requerido via postal simples.
Contudo, tal forma de notificação foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral da norma constante do anexo ao DL nº 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8º do Dec. –Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito do procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a (euro) 15 000 - na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a), do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.º, nºs 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como se encontra referido na decisão recorrida.
Deste modo, havia que enviar nova carta com aviso de receção para citação do Requerido, caso se apurassem novas moradas ou tentar a citação por contacto pessoal.
No entanto, no decurso dessas diligências para citação do Requerido no âmbito do procedimento de injunção, entrou em vigor a Lei nº 10/2020 de 18/4/2020, que foi objeto de retificação (Declaração de Retificação nº 17/2020 de 23/04/2020).

Na parte com interesse para o caso em apreço, refere esta Lei que:

“Artigo 2º
Regime excecional
1- Fica suspensa a recolha da assinatura na entrega de correio registado e encomendas até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
2 - A recolha da assinatura é substituída pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada.
3 – (…)
4 - Nos casos previstos no número anterior, e qualquer que seja o processo ou procedimento, o ato de certificação da ocorrência vale como citação ou notificação, consoante os casos.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as citações e notificações realizadas através de remessa de carta registada com aviso de receção consideram-se efetuadas na data em que for recolhido o número de cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio legal de identificação.”

Vemos, pois, que mesmo aplicando este regime, não basta que a carta para citação de uma pessoa singular seja depositada no recetáculo postal, sendo necessário que o distribuidor do serviço postal identifique verbalmente a pessoa que está a receber a carta e que recolha o número do respetivo cartão de cidadão ou de qualquer outro documento idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada.
É assim necessário que o distribuidor do serviço postal se assegure que alguém recebe a carta e que verifique a sua identidade.
Nada disto ocorreu no caso em apreço.

Assim, verifica-se que a citação do Requerido é nula por preterição de formalidade essenciais (v. art. 191º, nº 1 do C. P. Civil), sendo certo que é de presumir que a não observância das mencionadas formalidades prejudicou a sua defesa.
A nulidade em causa é de conhecimento oficioso enquanto não se encontrar sanada, como é o caso, pois o Requerido/Executado não tive qualquer intervenção no procedimento de injunção, nem nos presentes autos (v. art. 189º do C. P. Civil)

O facto de o Requerido nunca ter tido intervenção no procedimento de injunção e/ou nos presentes autos impede que ao caso seja aplicado o disposto no art. 191º, nº 4 do C. P. Civil, que pressupõe precisamente tal intervenção.

Deste modo, não pode considerar-se existir título executivo quanto ao mesmo, tal como se entendeu na decisão recorrida, que assim se confirma.

Há, pois, que confirmar, relativamente ao Executado, a decisão singular proferida pela Relatora.
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DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes desta Relação em confirmar a decisão da Relatora no que diz respeito ao Executado.
Custas pela Reclamante.
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Guimarães, 14 de janeiro de 2021

Alexandra Rolim Mendes
Maria da Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira


1. v. Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil ano, Coimbra edit., 2001, II vol., pág. 670
2. in Acto e Processo, pág. 583